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Levantamento de dados e construção de séries históricas
Foram construídas séries históricas para casos e óbitos de intoxicação por agrotóxicos registrados pelo SINITOX, para o período iniciado em 1985 para casos e em 1986 para óbitos e indo até 2003, discriminados em agrotóxicos de uso agrícola, agrotóxicos de uso doméstico, produtos veterinários, raticidas e agrotóxicos de modo geral (somatório das quatro categorias anteriores), distribuídos por região e ano3,4,5,6,7,8,9,10,11,12,13,14,15,16,17,18,19,20,21 .
Para a realização da análise do perfil das intoxicações por agrotóxicos, a escolha de um período de estudo se faz necessária, pois a utilização de apenas um ano, mesmo este contendo dados mais recentes, não é recomendada para análise de dados desse sistema, devido às variações anuais que ocorrem em relação ao envio de dados pelos Centros de Informação e Assistência Toxicológica (CIATs) ao SINITOX e, por outro lado, a utilização de todos os anos disponíveis também não é adequada pela própria perda de atualidade dos dados ao longo do tempo.
Como em 1999 foi implantada a Ficha de Notificação e de Atendimento para os CIATs, que introduziu diversas inovações, como a inclusão de quatro novos agentes tóxicos, dentre eles os produtos veterinários, que constituem uma das categorias de agrotóxicos que serão analisadas nesse estudo, o limite inferior do período de estudo não poderia ser inferior a 1999.
Dado que a estatística mais recente disponível refere-se ao ano de 2003, o limite superior do período de estudo não poderia ser superior a 2003 e, como algumas informações da população só estão disponíveis para anos de censo, foi preciso incluir no período de estudo o ano 2000.
Decidiu-se pelo período de 1999 a 2003, onde cinco anos serão levados em consideração para traçar o perfil das intoxicações por agrotóxicos.
O envio dos dados pelos CIATs ao SINITOX é realizado de maneira espontânea, o que gera irregularidade em suas participações nas estatísticas divulgadas por esse sistema.
Foi verificada a participação de cada um dos CIATs nas estatísticas do SINITOX no período de 1999 a 2003.
Nos anos de 1999, 2000, 2001, 2002 e 2003, estavam respectivamente em atividade no país, 31, 31, 31, 32 e 33 CIATs, sendo que, 31, 30, 25, 25 e 29, respectivamente, enviaram seus dados ao SINITOX, o que representa participações de 100%, 96,8%, 80,6%, 78,1% e 87,9%, respectivamente, nas estatísticas anuais desse sistema3,4,5,6,7.
Estas informações serão utilizadas para realizar a correção das populações a serem utilizadas no cálculo dos coeficientes de incidência e de mortalidade.
Apesar da diversidade e detalhamento das informações presentes na Ficha de Notificação e de Atendimento utilizada pelos CIATs, apenas um subconjunto das variáveis existentes nesse instrumento de coleta é enviado ao SINITOX, sendo os casos registrados pelos CIATs consolidados em seis tabelas, que relacionam sempre o agente tóxico com uma das seguintes seis variáveis: vítima, circunstância, faixa etária, sexo, zona de ocorrência e evolução. Já os óbitos são registrados através de uma tabela que fornece informações detalhadas para cada um deles acerca do agente tóxico, circunstância, faixa etária e sexo.
Foi realizada uma análise descritiva da base de dados do SINITOX referente ao período de 1999 a 2003, para os casos e óbitos de intoxicação por agrotóxicos, discriminados por agrotóxicos de uso agrícola (26.721 casos; 747 óbitos), agrotóxicos de uso doméstico (12.705 casos; 56 óbitos), produtos veterinários (4.341 casos; 39 óbitos), raticidas (20.546 casos; 306 óbitos) e agrotóxicos de modo geral (64.313 casos; 1.148 óbitos).
É importante salientar que essa base é composta de tabelas e não de registros individuais, o que constituiu um fator limitante das análises realizadas neste estudo. Os dados que fazem parte dessa base foram provenientes de 33 Centros de Informação e Assistência Toxicológica (CIATs), que estão concentrados, especialmente, nas capitais de dezoito Estados do país.
Para se proceder ao cálculo dos coeficientes de incidência das intoxicações registradas pelo SINITOX no período de 1999 a 2003, distribuídos por região, faixa etária e sexo, consideramos o somatório das populações do país para os anos de 1999 a 2003 e, para os distribuídos por zona de ocorrência, consideramos apenas a população recenseada no ano 2000 multiplicada por 5, uma vez que este é o único ano pertencente ao período considerado que apresenta a distribuição da população por zona de ocorrência22,23. Feito isso, subtraímos as populações dos estados (Rondônia, Acre, Roraima, Amapá, Tocantins, Maranhão, Piauí, Alagoas) e do Distrito Federal que não possuíam centros neste período. A população do Estado de Sergipe deve ser subtraída dos anos de 1999, 2000 e 2001, pois somente em 2002 foi criado neste estado um centro. A população do Estado do Ceará deve ser subtraída dos anos de 2002 e 2003, pois nestes anos o centro deste estado não enviou seus dados ao SINITOX, o mesmo ocorrendo em 2001 e 2002 com o centro do Estado de Pernambuco, em 2001 com o centro do Estado de Mato Grosso do Sul e em 2002 com o centro de Mato Grosso. A mesma correção feita para o somatório das populações deve ser feita para o produto da população do ano 2000 por 5, só que neste caso, iremos fazer as subtrações do algarismo 5, ou seja, para o Estado de Sergipe a população deve ser multiplicada por 2, para os estados do Ceará e de Pernambuco por 3 e para os estados de Mato Grosso do Sul e de Mato Grosso por 4, lembrando que os estados e o Distrito Federal que não possuíam centros neste período devem ter suas populações multiplicadas por zero, ou seja, devem ser retiradas do cálculo.
Os coeficientes são obtidos dividindo o total de casos registrados no período, segundo agente tóxico por região, faixa etária, sexo e zona de ocorrência, pelo somatório das populações ajustado, ou pelo produto ajustado no caso da zona de ocorrência, como explicado acima, multiplicado por 100.000.
Cálculo dos coeficientes de mortalidade
Os coeficientes de mortalidade são obtidos dividindo o total de óbitos registrados no período, segundo agente tóxico por região, faixa etária e sexo pelo somatório das populações ajustado, multiplicado por 1.000.000.
Cálculo das letalidades
As letalidades são obtidas dividindo o total de óbitos registrados no período, segundo agente tóxico por região, ou por circunstância, ou por faixa etária ou por sexo pelo total de casos registrados no período, segundo o mesmo agente tóxico por região, ou por circunstância, ou por faixa etária ou por sexo, multiplicado por 100, uma vez que a letalidade é expressa em percentual.
As Tabelas 1 e 2 apresentam respectivamente série histórica de casos e óbitos de intoxicação por agrotóxicos, separados em agrotóxicos de uso agrícola, agrotóxicos de uso doméstico, produtos veterinários, raticidas e agrotóxicos de modo geral, registrados pelo SINITOX no período iniciado em 1985 para casos e em 1986 para óbitos, e encerrado em 2003. Ao considerar apenas os últimos cinco anos e os dados nacionais, pode-se verificar crescimento tanto do número de casos quanto do número de óbitos para as intoxicações por agrotóxicos de uso agrícola (27% e 6%, respectivamente), por produtos veterinários (137% e 38%, respectivamente) e por agrotóxicos em geral (28% e 6%, respectivamente); crescimento do número de casos e manutenção do número de óbitos de intoxicação por raticidas (28%) e diminuição do número de casos com manutenção do número de óbitos de intoxicação por agrotóxicos de uso doméstico (4%). Esta mesma análise realizada para cada região mostra que, para a região Norte, o número de casos de intoxicação por raticidas foram os que mais cresceram (350%), para a região Nordeste, foram os por agrotóxicos de uso agrícola (164%), para a região Sudeste, foram os por produtos veterinários (309%) e para as regiões Sul e Centro-Oeste, foram os por raticidas (54% e 206%, respectivamente). Se não analisássemos separadamente cada um desses agentes tóxicos, ou seja, trabalhássemos com agrotóxicos de modo geral, as regiões Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste teriam apresentado crescimentos de 14%, 35%, 22%, 28% e 62%, respectivamente, todos muito inferiores aos seus maiores crescimentos, implicando em grandes variações entre o comportamento do número de intoxicações causadas por estes diferentes tipos de agrotóxicos ao longo do tempo.
A Tabela 3 apresenta para o período de 1999 a 2003 casos e coeficientes de incidência por 100.000 hab. de intoxicação humana por agrotóxicos, separados por agrotóxicos de uso agrícola, agrotóxicos de uso doméstico, produtos veterinários, raticidas e agrotóxicos de modo geral, segundo região, circunstância, faixa etária, sexo, zona de ocorrência e evolução. Segundo a Tabela 3, apesar da região Sudeste concentrar a maioria dos casos para todos os tipos de agrotóxicos, seus coeficientes de incidências não são os maiores. A região Sul apresenta os maiores coeficientes de incidência para intoxicação por agrotóxicos de uso agrícola, por produtos veterinários e por agrotóxicos de modo geral, a região Centro-Oeste apresenta o maior coeficiente de incidência para intoxicação por agrotóxicos de uso doméstico, seguida de perto pela região Sul e a região Nordeste apresenta o maior coeficiente de incidência para intoxicação por raticidas. As intoxicações por agrotóxicos de uso agrícola, por raticidas e por agrotóxicos de modo geral têm em comum a tentativa de suicídio como sua principal circunstância, enquanto que para as intoxicações por agrotóxicos de uso doméstico e por produtos veterinários o acidente individual concentra a maioria dos casos. A circunstância ocupacional só apresenta participação importante para as intoxicações por agrotóxicos de uso agrícola (29,1%), por produtos veterinários (19,2%) e por agrotóxicos de modo geral (14,4%). Crianças de 1 a 4 anos são as maiores vítimas das intoxicações por agrotóxicos de uso doméstico, por produtos veterinários e por raticidas; já os adultos jovens de 20 a 29 anos constituem a faixa etária mais acometida pelas intoxicações por agrotóxicos de uso agrícola e por agrotóxicos de modo geral; no entanto, o coeficiente de incidência de intoxicação por agrotóxicos de modo geral na faixa etária de 1 a 4 anos é maior que o da faixa etária de 20 a 29 anos. O sexo masculino está mais presente nas intoxicações por agrotóxicos de uso agrícola, por produtos veterinários e por agrotóxicos de modo geral, enquanto o sexo feminino se faz mais presente nas intoxicações por agrotóxicos de uso doméstico e por raticidas, resultado este verificado tanto pela concentração de casos como pelos coeficientes de incidência. Apesar da zona urbana concentrar a maioria dos casos de intoxicação para todos os tipos de agrotóxicos, seus coeficientes de incidência para intoxicação por agrotóxicos de uso agrícola, por produtos veterinários e por agrotóxicos de modo geral são inferiores aos da zona rural, sendo o risco de se intoxicar por agrotóxicos de uso agrícola de uma pessoa da zona rural 3,9 vezes maior do que o de uma pessoa da zona urbana. O risco de se intoxicar por produtos veterinários de uma pessoa da zona rural é 2,6 vezes maior do que o de uma pessoa da zona urbana. O risco de se intoxicar por agrotóxicos de modo geral de uma pessoa da zona rural é 1,8 vezes maior do que o de uma pessoa da zona urbana. Apesar das intoxicações por produtos veterinários apresentar em sua distribuição a menor percentagem de cura (40,1%), são as intoxicações por agrotóxicos de uso agrícola que concentram em sua distribuição a maior percentagem de óbitos (2,8%).
A Tabela 4 apresenta para o período de 1999 a 2003 óbitos e coeficientes de mortalidade por 1.000.000 hab. de intoxicação humana por agrotóxicos, separados por agrotóxicos de uso agrícola, agrotóxicos de uso doméstico, produtos veterinários, raticidas e agrotóxicos de modo geral, segundo região, circunstância, faixa etária e sexo. Segundo a Tabela 4, a maior concentração de óbitos ocorre na região Sul com relação às intoxicações por agrotóxicos de uso agrícola e por produtos veterinários (31,3% e 35,9%, respectivamente), na região Sudeste com relação às intoxicações por agrotóxicos de uso doméstico (48,2%) e na região Nordeste com relação às intoxicações por raticidas e por agrotóxicos de modo geral (63,1% e 34,0, respectivamente). Contudo, os coeficientes de mortalidade são maiores para a região Centro-Oeste com relação aos agrotóxicos de uso agrícola, aos agrotóxicos de uso doméstico, aos produtos veterinários e aos agrotóxicos de modo geral e, para os raticidas, o maior coeficiente de mortalidade está de acordo com a maior concentração dos óbitos, ou seja, pertence à região Nordeste. O suicídio e a faixa etária de adultos de 20 a 29 anos concentram a maioria dos óbitos para todos os tipos de agrotóxicos estudados. Contudo, os coeficientes de mortalidade são maiores para a faixa etária de 60 a 69 anos para as intoxicações por agrotóxicos de uso agrícola, para a faixa de 70 a 79 anos para as intoxicações por agrotóxicos de uso doméstico e por raticidas e para a faixa de 80 ou mais anos para as intoxicações por produtos veterinários. O sexo masculino está presente na maioria dos óbitos para todos os tipos de agrotóxicos estudados, apresentando os maiores coeficientes de mortalidade. O risco de uma pessoa do sexo masculino morrer de intoxicação por agrotóxicos de uso agrícola é 3,0 vezes maior do que de uma pessoa do sexo feminino, para os agrotóxicos de uso doméstico esta relação é de 1,5, para os produtos veterinários é de 4,0, para os raticidas é de 1,1 e para os agrotóxicos de modo geral é de 2,2.
A Tabela 5 apresenta para o período de 1999 a 2003 a letalidade dos casos de intoxicação humana por agrotóxicos, separados por agrotóxicos de uso agrícola, agrotóxicos de uso doméstico, produtos veterinários, raticidas e agrotóxicos de modo geral, segundo região, circunstância, faixa etária e sexo. Segundo a Tabela 5, verificamos que a letalidade das intoxicações por esses quatro tipos de agrotóxicos é bastante variável, indo de 0,44% para as intoxicações por agrotóxicos de uso doméstico, passando para mais do que o dobro, ou seja, 0,90% para as intoxicações por produtos veterinários, aumentando ainda para 1,49% para as intoxicações por raticidas e atingindo seu valor máximo de 2,80% para as intoxicações por agrotóxicos de uso agrícola. Note que para as intoxicações por agrotóxicos de modo geral esta letalidade é de 1,79%, inferior ao das intoxicações por agrotóxicos de uso agrícola, que por sua vez concentram a maioria dos casos dentre as intoxicações por agrotóxicos de modo geral (41,5%). A região Norte apresenta a maior letalidade para as intoxicações por raticidas (6,12%) e por agrotóxicos de modo geral (4,13%), a região Nordeste para as intoxicações por agrotóxicos de uso agrícola (7,09%), e a região Centro-Oeste para as intoxicações por agrotóxicos de uso doméstico e por produtos veterinários (1,23% e 2,74%, respectivamente). A região Sudeste apresenta as menores letalidades para as intoxicações por agrotóxicos de uso agrícola, produtos veterinários, raticidas e agrotóxicos de modo geral (1,63%, 0,41%, 0,56% e 0,98%, respectivamente) e a região Sul para as intoxicações por agrotóxicos de uso doméstico (0,27%). Para cada um dos tipos de agrotóxicos, verificamos as maiores e as menores letalidades com relação à circunstância, faixa etária e sexo, desconsiderando aquelas iguais a zero, em que não foram registrados óbitos. As maiores letalidades foram observadas para as seguintes circunstâncias: violência/homicídio para as intoxicações por agrotóxicos de uso agrícola, por agrotóxicos de uso doméstico e por agrotóxicos de modo geral (8,70%, 3,33% e 4,40, respectivamente); uso indevido para as intoxicações por produtos veterinários (3,70%) e ignorada para as intoxicações por raticidas (3,93%). As menores letalidades foram observadas para as seguintes circunstâncias: ocupacional para as intoxicações por agrotóxicos de uso agrícola, por produtos veterinários e por agrotóxicos de modo geral (0,30%, 0,12% e 0,27, respectivamente) e acidente individual para as intoxicações por agrotóxicos de uso doméstico e por raticidas (0,03% e 0,36%, respectivamente). As maiores letalidades foram observadas para as seguintes faixas etárias: 70 a 79 anos para as intoxicações por agrotóxicos de uso agrícola, por agrotóxicos de uso doméstico, por raticidas e por agrotóxicos de modo geral (6,65%, 4,73%, 10,26% e 6,34, respectivamente) e de 80 e mais anos para as intoxicações por produtos veterinários (12,50%). As menores letalidades foram observadas para as seguintes faixas etárias: 5 a 9 anos para intoxicações por agrotóxicos de uso agrícola (0,61%) e 1 a 4 anos para as intoxicações por agrotóxicos de uso doméstico, por produtos veterinários, por raticidas e por agrotóxicos de modo geral (0,06%, 0,21%, 0,31% e 0,31, respectivamente). Para todos os tipos de agrotóxicos, as letalidades das intoxicações envolvendo o sexo masculino foram superiores ao do sexo feminino.
É importante ressaltar que a totalidade dos casos registrados no país em um dado período pelo SINITOX é diferente da totalidade dos casos ocorridos no país neste mesmo período, porque, além do número de centros ser insuficiente para cobrir toda a extensão territorial do país, a notificação dos casos a esses centros é espontânea, sendo realizada pela própria vítima ou seus familiares com o objetivo de obter informação sobre como proceder e onde buscar atendimento, bem como por profissionais de saúde que buscam informações sobre o tratamento a ser realizado. Além disso, o envio dos dados pelos centros ao SINITOX é realizado de maneira voluntária, o que gera irregularidade em suas participações nas estatísticas divulgadas por esse sistema. Ainda com relação ao tipo de notificação que chega ao SINITOX, vale a pena ressaltar que os efeitos dos agrotóxicos sobre a saúde podem ser de dois tipos: efeitos agudos, que são aqueles mais visíveis e que aparecem durante ou após o contato da pessoa com o produto e apresentam características bem marcantes e efeitos crônicos, que podem aparecer semanas, meses, anos, ou até mesmo gerações após o período de uso/contato com o produto24. Assim, não há dúvidas de que os casos de intoxicação por agrotóxicos registrados pelo SINITOX são em sua grande maioria decorrentes de exposição aguda a esses produtos. Nesse sentido, a importância dos efeitos crônicos à saúde das populações expostas aos agrotóxicos é mais um forte componente da subnotificação desse sistema, pois não é difícil inferir que o número de intoxicações crônicas por agrotóxicos é superior ao das intoxicações agudas.
Benatto25, ao analisar dados de intoxicação por agrotóxicos e afins registrados pelo SINITOX no período de 1995 a 2000, faz uma inferência perigosa quando afirma que, em geral, os casos que demandam atendimento pelos CIATs são aqueles que apresentam maior gravidade, o que faz com que os coeficientes de letalidade sejam mais elevados. Se isso realmente acontecesse, o principal agente tóxico apontado pelo SINITOX seria os agrotóxicos de uso agrícola e não os medicamentos, pois estes últimos apresentam letalidade inferior a 0,5%. Nesta mesma linha de raciocínio, é importante lembrar que se o sistema deixa de registrar casos, é bem provável também que muitos óbitos fiquem fora desse sistema. Um exemplo disso é ilustrado por Oliveira-Silva & Meyer26, que relatam, para o biênio 2000-2001, a entrada no Serviço de Toxicologia do Instituto Médico Legal (IML-RJ) de 1.428 casos suspeitos de intoxicação, sendo que 12,6% apresentavam fortes evidências de terem sido provocados por agrotóxicos, sendo confirmados em apenas 45% dos casos, o que representou cerca de 181 casos de intoxicação fatal provocados por agrotóxicos no Estado do Rio de Janeiro, embora nenhum deles tenha sido notificado ao SINITOX.
Mesmo com essas limitações, o SINITOX ainda apresenta número de casos de intoxicação por agrotóxicos superior ao registrado pelo Sistema de Informação de Agravos de Notificação SINAN, que pela lógica de sua concepção deveria aportar um número de casos superior ao do SINITOX, uma vez que se trata de um sistema coordenado pelo Ministério da Saúde, implantado em todas as Secretarias Estaduais de Saúde, informatizado em cerca de 70% dos municípios e que se propõe a notificar um agravo que embora não seja de notificação compulsória em todo o país, é considerado agravo de interesse nacional. Segundo o 1º Informe Unificado das Informações sobre Agrotóxicos existentes no país, para o período de 1999 a 2003, enquanto o SINITOX registrou 64.313 casos de intoxicação por agrotóxicos, que podem ser discriminados em agrotóxicos de uso agrícola, agrotóxicos de uso doméstico, produtos veterinários e raticidas, o SINAN registrou 10.068 casos de intoxicação por agrotóxicos27.
É importante entender que os casos registrados pelo SINITOX não seguem a mesma lógica de registro do SINAN. Se para o SINAN tornar compulsória a notificação das intoxicações por agrotóxicos no país poderia minimizar a subnotificação desse tipo de agravo à saúde, em especial ao que se refere aos seus efeitos agudos, para o SINITOX esta estratégia não surtiria o mesmo efeito, uma vez que a razão de ser dos centros é toda voltada a prestar orientação a profissionais de saúde frente às condutas clínicas a serem realizadas, bem como a população em geral em relação aos primeiros socorros e medidas de prevenção a serem adotadas, e não simplesmente a preencher fichas de notificação. No caso dos centros, a notificação é uma conseqüência do atendimento prestado e não a razão de sua existência. No entanto, dado a sua expertise na área de toxicologia, os centros constituem as unidades mais indicadas para coordenar estratégias de busca ativa de casos de intoxicação crônica por agrotóxicos de uso agrícola, estratégias essas a serem desenvolvidas em conjunto com as Secretarias Municipais e Estaduais de Saúde, Postos de Saúde, Programas de Saúde da Família. Tais estratégias iriam minimizar a subnotificação de casos aumentando, conseqüentemente, o conhecimento sobre os efeitos crônicos à saúde das populações expostas a agrotóxicos de uso agrícola no país.
Ainda com relação aos dados registrados pelos sistemas SINAN e SINITOX, não podemos afirmar que os casos registrados por um sistema não são registrados pelo outro. Na verdade, podem ocorrer casos registrados pelos dois sistemas, casos registrados por apenas um dos sistemas e casos que não são registrados por nenhum dos dois sistemas. Dessa forma, não podemos simplesmente somar os casos do SINITOX com os do SINAN com o intuito de obter uma melhor estimativa do número total de casos ocorridos.
O perfil das intoxicações por agrotóxicos de modo geral se mostra mais próximo do das intoxicações por agrotóxicos de uso agrícola, o que se explica pelo fato deste último concentrar a maioria dos casos dentre as intoxicações por agrotóxicos de modo geral (41,5%). No entanto, a distribuição das variáveis circunstância e faixa etária fica alterada e o que é mais grave, a letalidade é reduzida, o que pode ser usado de forma inescrupulosa para subestimar os riscos dos agrotóxicos agrícolas para à saúde.
Oliveira-Silva & Meyer26, com base nos dados de intoxicações por agrotóxicos registrados pelo SINITOX no ano de 2000, onde 79% dos casos foram registrados em áreas urbanas e sabendo que 85% da massa dos agrotóxicos é utilizada em atividades agrícolas, concluem que é difícil acreditar que existem 3,7 vezes mais intoxicados no meio urbano do que no meio rural. Peres & Moreira28, também com base nos dados registrados pelo SINITOX em 1996, verificaram que dos 8.904 casos de intoxicação por agrotóxicos, 1.892 (21,25%) ocorreram no meio rural, donde concluem que os dados desse sistema não refletem a real dimensão do problema, uma vez que os mesmos advêm de CIATs, situados em centros urbanos, inexistentes em várias regiões produtoras importantes ou de difícil acesso para muitas populações rurais. No entanto, com base nos coeficientes de incidência apresentados na Tabela 3, verifica-se que o risco de se intoxicar por agrotóxicos de uso agrícola de uma pessoa da zona rural é 3,9 vezes maior do que o de uma pessoa da zona urbana. É importante lembrar que, se por um lado o consumo de agrotóxicos de uso agrícola vem aumentando no país, por outro lado a população rural vêm diminuindo29, e o difícil é saber o que é causa e o que é conseqüência e, o mais importante, como essas relações irão incidir no risco das populações frente às intoxicações.
Apesar da região Sudeste concentrar a maioria dos casos de intoxicação para todos os tipos de agrotóxicos, seus coeficientes de incidência não são os maiores. Com relação aos agrotóxicos de uso agrícola, a região Sul apresenta os maiores coeficientes de incidência. Por outro lado, com base em dados do período de 1999 a 2001, o Estado de São Paulo é apontado como líder no volume de vendas e de uso de agrotóxicos, apesar de ser o terceiro estado brasileiro em área plantada das principais culturas. Por outro lado, os estados do Paraná e do Rio Grande do Sul, que apresentam as maiores áreas plantadas, estão em segundo e terceiro lugar, respectivamente, no volume de vendas e não estão nem entre os seis estados que mais utilizaram agrotóxicos nesse mesmo período30.
Outra informação interessante a esse respeito é proveniente da Produção Agrícola Municipal referente ao ano de 2003, na qual se verifica em relação às culturas temporárias que a região Sul concentra 36,0% das áreas plantadas no país (52.110.699 ha) e em relação às culturas permanentes, que a região Sudeste concentra 45,7% das áreas destinadas à colheita no país (6.350.093 ha)31. A questão é saber se existem diferenças significativas entre as culturas temporárias e permanentes no que se refere ao uso de agrotóxicos, que abrange quantidades do produto empregadas, grupo químico, classe do produto, classe toxicológica, tipo de aplicação, tamanho das propriedades agrícolas, existência ou não de maquinário, entre outras questões de interesse.
Ainda com relação aos agrotóxicos de uso agrícola, é preciso aprofundar os estudos no sentido de avaliar o grupo químico ou ao menos a classe desses produtos que estão mais envolvidos nos casos de intoxicação. Feito isso, relacionar com as culturas permanentes e temporárias que mais utilizam esses produtos, verificar os estados e/ou municípios com a maior produção dessas culturas para servirem de base para estudos com busca ativa de casos, que sirvam para aumentar o tão pouco conhecimento acerca das intoxicações crônicas por agrotóxicos de uso agrícola, que são de difícil identificação e por conseqüência, extremamente subnotificadas.
As análises das intoxicações por agrotóxicos de uso agrícola, por agrotóxicos de uso doméstico, por produtos veterinários e por raticidas apontam número de casos e de óbitos, bem como incidências e letalidades diferenciadas tanto por faixa etária, sexo, zona de ocorrência, quanto por circunstância. Estes perfis diferentes impõem estratégias de análise, de controle, de intervenção e de prevenção específicas. Como conseqüência, os sistemas de informação devem ser estruturados de forma a captar e disponibilizar esses agravos de modo diferenciado.
Além da subnotificação já bastante discutida em relação às intoxicações agudas por agrotóxicos, uma atenção especial deve ser dada às intoxicações crônicas por agrotóxicos de uso agrícola, que apesar de se acreditar serem em número muito elevado, são pouco conhecidas. Uma estratégia de busca ativa desses casos deve ser estabelecida para que se possa ampliar o conhecimento sobre os efeitos crônicos à saúde das populações expostas a esses produtos, gerando subsídios para ações de prevenção de novos casos e de redução de sua gravidade.
1. Ministério da Saúde/Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC nº 19, de 03 de fevereiro de 2005. Cria a Rede Nacional de Centros de Informação e Assistência Toxicológica - RENACIAT. Diário Oficial da União 2005; 04 fev.
2. Fundação Oswaldo Cruz/Centro de Informação Científica e Tecnológica/Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas. Manual de Preenchimento da Ficha de Notificação e de Atendimento. Centros de Assistência Toxicológica. Rio de Janeiro: FIOCRUZ/CICT/SINITOX; 2001.
3. Fundação Oswaldo Cruz/Centro de Informação Científica e Tecnológica/Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas. Estatística Anual de Casos de Intoxicação e Envenenamento. Brasil, 2003. [acessado 2006 Mar 14]. Disponível em: http://www.fiocruz.br/sinitox
4. Fundação Oswaldo Cruz/Centro de Informação Científica e Tecnológica/Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas. Estatística Anual de Casos de Intoxicação e Envenenamento. Brasil, 2002. [acessado 2006 Mar 14]. Disponível em: http://www.fiocruz.br/sinitox
5. Fundação Oswaldo Cruz/Centro de Informação Científica e Tecnológica/Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas. Estatística Anual de Casos de Intoxicação e Envenenamento. Brasil, 2001. [acessado 2006 Mar 14]. Disponível em: http://www.fiocruz.br/sinitox
6. Fundação Oswaldo Cruz/Centro de Informação Científica e Tecnológica/Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas. Estatística Anual de Casos de Intoxicação e Envenenamento. Brasil, 2000. Rio de Janeiro: FIOCRUZ/CICT/SINITOX; 2002.
7. Fundação Oswaldo Cruz/Centro de Informação Científica e Tecnológica/Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas. Revisão da Estatística Anual de Casos de Intoxicação e Envenenamento. Brasil, 1999. Rio de Janeiro: FIOCRUZ/CICT/SINITOX; 2002.
8. Fundação Oswaldo Cruz/Centro de Informação Científica e Tecnológica/Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas. Estatística Anual de Casos de Intoxicação e Envenenamento. Brasil, 1998. Rio de Janeiro: FIOCRUZ/CICT/SINITOX; 1999.
9. Fundação Oswaldo Cruz/Centro de Informação Científica e Tecnológica/Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas. Revisão da Estatística Anual de Casos de Intoxicação e Envenenamento. Brasil, 1997. Rio de Janeiro: FIOCRUZ/CICT/SINITOX; 1999.
10. Fundação Oswaldo Cruz/Centro de Informação Científica e Tecnológica/Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas. Revisão da Estatística Anual de Casos de Intoxicação e Envenenamento. Brasil, 1996. Rio de Janeiro: FIOCRUZ/CICT/SINITOX; 1998.
11. Fundação Oswaldo Cruz/Centro de Informação Científica e Tecnológica/Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas. Revisão da Estatística Anual de Casos de Intoxicação e Envenenamento. Brasil, 1995. Rio de Janeiro: FIOCRUZ/CICT/SINITOX; 1998.
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31. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Produção agrícola municipal: culturas temporárias e permanentes 2003. Rio de Janeiro: IBGE; 2004.
Rosany Bochner
Centro de Informação Científica e Tecnológica, Fundação Oswaldo Cruz. Avenida Brasil, 4365 Pavilhão Haity Moussatché/206, Manguinhos 21045-900 Rio de Janeiro RJ.
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