Percepção de risco: maneiras de pensar e agir no manejo de agrotóxicos



  1. Resumo
  2. Introdução
  3. Risco real e risco percebido
  4. Busca de significados como ponto em comum entre diferentes abordagens
  5. Objetivo do estudo: investigar as maneiras de pensar e agir com relação ao manejo do agrotóxico
  6. Metodologia
  7. Resultados e discussão
  8. Conclusão
  9. Referências

 RESUMO

O objetivo deste estudo foi identificar os elementos do contexto que influenciam as percepções e ações relacionadas ao uso de agrotóxicos na produção de flores ornamentais. O estudo foi conduzido em Barbacena, Minas Gerais. O método se caracteriza por uma abordagem antropológica de diagnóstico rápido inspirada no modelo de Signos, Significados e Ações e é baseado na análise de entrevistas semi-estruturadas com vinte trabalhadores de quatro diferentes floriculturas. A análise dos dados de campo indicam que estes trabalhadores enfrentam duas realidades: a necessidade do agrotóxico e o sofrimento gerado pelo seu manejo. Além disso, ficou claro que não há uma relação direta entre o conhecimento dos riscos e perigos associados ao agrotóxico. Esta distância é preenchida por crenças que constituem o eixo organizador das ações. As crenças reinterpretam a informação e o risco, influenciam o comportamento e viabilizam a movimentação destes trabalhadores entre estas realidades paradoxais e sua convivência com o agrotóxico. Contudo, a resignificação do risco pode implicar numa valorização positiva de comportamentos potencialmente danosos.

Palavras-chave: Percepção de risco, Agrotóxicos, Comportamento, Crenças

Risk perception: thinking and acting modes in pesticide management

ABSTRACT

The object of this study was to identify context elements that have an influence on pesticide use, related perceptions, and actions in flower production. The study was carried out in Barbacena, Minas Gerais state. The method used was based on an anthropological fast diagnosis approach inspired on the Signs, Meanings and Actions model and on the analysis of semi-structured interviews with 20 workers from four different flower-growing fields. The field data analysis indicates that these workers face two realities: the need for pesticides and suffering generated by pesticide management. Furthermore, there is clearly no direct relation between risk awareness and the effective hazards associated with pesticides. This gap is filled by beliefs which are at the basis of their actions. These beliefs reinterpret information and risk, influence behavior, and make it possible for these workers to move between these two paradoxical realities and pesticide. Attributing new meanings to pesticide management risks, however, may imply in positively valuing potentially harmful behaviors.

Key words: Risk perception, Pesticides, Behavior, Beliefs

Introdução

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística1, nas últimas décadas o setor da produção de flores e plantas ornamentais tem se destacado economicamente. O setor da floricultura se caracteriza por um nível muito elevado de incorporação tecnológica e alta rentabilidade (todos os indicadores financeiros do setor de flores e plantas ornamentais registravam valores muito superiores aos verificados em outros segmentos da agricultura investigados pelo Censo Agropecuário de 1995-1996). Ainda segundo o IBGE, a maior parte da produção de flores está nas mãos de pequenos e médios produtores, o que é indício de que esta atividade econômica tem um forte cunho social. O IBGE conclui ainda que este agronegócio pode gerar receitas expressivas em pequenas extensões de área.

Quanto à localização geográfica do segmento das flores e plantas ornamentais, o IBGE2 mapeou todo o Brasil e constatou que as maiores concentrações de municípios com receitas em ornamentais, no geral, se deram nas regiões Sudeste e Sul. Segundo o relatório do 15º Congresso de Floricultura e Plantas Ornamentais3, o Estado de Minas Gerais ocupa o segundo lugar no país em termos da importância de produção. Em Minas Gerais, a floricultura tem como importante pólo produtor a região localizada às margens da rodovia BR-040, na divisa dos municípios de Barbacena e Alfredo Vasconcellos, no Sudeste do Estado de Minas Gerais. A Associação Barbacenense de Produtores de Rosas e Flores (ABARFLORES) estima que a produção local de flores gire em torno de 86 milhões de unidades/ano. Estima-se, ainda, que esta produção gere um lucro bruto em torno de R$ 9 milhões/ano para estes produtores (comunicação pessoal do presidente da Associação).

Associada a estes aspectos positivos reside a questão de que, apesar de serem raras as estatísticas a respeito do uso de agrotóxicos em floricultura (a produção de flores ornamentais não faz parte do programa de análise de resíduos de agrotóxicos em alimentos, realizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde – ANVISA), esta indústria é conhecida pelo alto uso de químicos, incluindo fertilizantes, inseticidas, fungicidas e reguladores de crescimento4, com o objetivo de atingir padrões desejáveis de qualidade para comercialização1.

Os trabalhadores de floriculturas se expõem assim ao agrotóxico de diversas maneiras, durante o transplante, a pulverização, o corte e a embalagem de flores.

Cabe lembrar que as intoxicações por exposição aos agrotóxicos resultam de uma interação complexa entre as características do agrotóxico e as características da exposição do trabalhador ao produto, incluindo a adoção de medidas e equipamentos de proteção5,6.

Vários estudos6,7,8 demonstram que a utilização de medidas e equipamentos de proteção não é uma conseqüência direta do conhecimento dos riscos associados ao manejo do agrotóxico, mas depende da maneira como, individual e coletivamente, os trabalhadores percebem o risco no uso destes produtos tóxicos.

Outros estudos9,10,11 sugerem que o risco só adquire significado em oposição a outros elementos que intervêm na sua construção e a partir da sua relação com o contexto cultural. O mais importante, então, não seria o risco em si, mas sim as percepções da situação de risco, as quais envolvem interpretações, avaliações e julgamentos em dois níveis, o subjetivo e o intersubjetivo.

Essas reflexões nos conduziram a abordar a percepção do risco no uso de agrotóxicos como pertencente a uma dimensão cultural simbólica. A percepção do risco, as idéias sobre prevenção e as ações empreendidas são considerados fenômenos culturalmente construídos e culturalmente interpretados12.


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