"Nations-states are weakening as decision-making
becomes either local or global" - Nações Unidas, 1994
O conceito de espaço no nosso desenvolvimento está sem dúvida gerando interesse crescente, mas também crescente confusão. Afinal, para onde vão as macrotendências: globalização, blocos, poder local? Entre o "Small is Beautiful" e a "aldeia global", há razões de sobra para se discutir de forma mais aprofundada, ou em todo caso mais organizada, o conceito de espaço, e a importância que assume no nosso cotidiano.
Referimo-nos aqui aos espaços da reprodução social. Na realidade, a simples reprodução do capital, ou reprodução econômica, já não é suficientemente abrangente para refletir os problemas que vivemos, inclusive para entender a própria reprodução do capital. Na linha imprimida pelos sucessivos relatórios sobre Desenvolvimento Humano das Nações Unidas, o objetivo central do desenvolvimento é o homem, a economia é apenas um meio. Ninguém mais se impresiona com o simples crescimento do PIB, e tornou-se cada vez mais difícil identificar bem estar humano com o bem estar das empresas.
Por outro lado, trabalharemos com o conceito de reordenamento dos espaços, na medida em que conceitos como "globalização" trazem uma visão simplificada de abertura e unificação dos espaços da reprodução social. O que está ocorrendo, é uma nova hierarquização dos espaços, segundo as diferentes atividades, envolvendo tanto globalização como formação de blocos, fragilização do Estado-nação, surgimento de espaços sub-nacionais fracionados de diversas formas, transformação do papel das metrópoles, reforço do papel das cidades, e uma gradual reconstituição dos espaços comunitários desarticulados por um século e meio de capitalismo. E estes diversos espaços em plena transformação e rearticulação abrem novas dimensões para a inserção do indivíduo no processo de reprodução social, permitindo talvez a reconstituição de um ser humano completo a partir dos segmentos de homo oeconomicus, de homo ludens, de homo culturalis hoje fragmentados, numa economia que se unificou na mesma medida em que desarticulou a sociedade.
A globalização constitui ao mesmo tempo uma tendência dominante neste fim de século, e uma dinâmica diferenciada. Um excelente exemplo nos é dado pela dimensão da especulação financeira. A circulação financeira internacional ultrapassa, em 1995, o trilhão de dólares por dia, para uma base de trocas efetivas de bens e serviços da ordem de 20 a 25 bilhões, o que significa trocas 40 vezes maiores do que as que seriam necessárias para cobrir atividades econômicas reais. Esta ampliação dramática da especulação financeira é literalmente carregada pelas novas tecnologias: a integração dos espaços mundiais de comunicação, via satélites e fibras óticas, e a capacidade de tratamento instantâneo de informação em gigantescas quantidades com a informática, levou a uma grande dianteira, na globalização, de um setor cuja matéria prima -- a informação -- é particularmente fluida, e que dispõe de amplos recursos para financiar os equipamentos mais modernos.
As avaliações da crise de 1987 permitem hoje entender melhor o ponto crítico deste processo: na era do dinheiro volátil, os fluxos se tornaram mundiais, enquanto os instrumentos de regulação continuam no âmbito do Estado nacional. É curioso ver o banco central norte-americano, o Federal Reserve, confessar a sua incompetência jurídica, na medida em que o seu campo de atuação é essencialmente nacional, e a sua impotência técnica, na medida em que não dispõe de computadores sequer para seguir o que está acontecendo.
Por traz desta desarticulação está o descompasso entre a rapidez da evolução das técnicas, e a relativa lentidão das transformações institucionais, gerando um amplo espaço econômico mundial sem nenhum controle ou regulação, e uma perda global de governabilidade no planeta. O dramático aumento de vendas de armas para a Africa, para compensar a perda de mercados com o fim da guerra fria, a mundialização e expansão do tráfico de drogas, ou a prática generalizada de sobre-pesca em águas internacionais, destruindo a capacidade básica de reprodução da biomassa marítima, são algumas consequências deste novo faroeste mundial.
Na ausência de governo mundial, há segmentos bem mais globais do que os outros: trata-se de uma globalização hierarquizada. Navegam com confiança neste espaço as cerca de 500 a 600 grandes empresas transnacionais que comandam 25% das atividades econômicas mundiais, e controlam cerca de 80 a 90% das inovações tecnológicas. Estas empresas pertencem aos Estados Unidos, Japão, Alemanha, Grã-Bretanha e poucos mais, e constituem um poderoso instrumento de elitização da economia mundial. No dizer franco de um economista, neste sistema, "quem não faz parte do rolo compressor, faz parte da estrada". A verdade é que ampla maioria das populações do mundo hoje faz parte "da estrada".
Mas sobretudo, a globalização não é geral. Se olharmos o nosso cotidiano, desde a casa onde moramos, a escola dos nossos filhos, o médico para a família, o local de trabalho, até os horti-fruti-granjeiros da nossa alimentação cotidiana, trata-se de atividades de espaço local, e não global. É preciso, neste sentido, distinguir entre os produtos globais que indiscutivelmente hoje existem, como o automóvel, o computador e vários outros, e os outros níveis de atividade econômica e social. Isto nos evitará batalhas inúteis -- não há nenhuma razão para que um país tenha de se dotar de uma indústria automobilística para ser moderno -- ao mesmo tempo que nos permitirá enfrentar melhor as batalhas possíveis.Daí a necessidade de substituirmos a visão de que "tudo se globalizou", por uma melhor compreensão de como os diversos espaços do nosso desenvolvimento se articulam, cada nível apresentando os seus problemas e as suas oportunidades, e a totalidade representando um sistema mais complexo.
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