Este artigo aborda o cotidiano da vida familiar e em especial a vida conjugal e suas implicações. O instrumento metodológico operacionalizado foi o mapa de rede social, formalizado e proposto por Sluzki (1997) no âmbito da teoria sistêmica, permitindo identificar, classificar e analisar conjuntamente a rede de narrativas no interior da rede social, possibilitando construir um mapa mínimo dos vínculos significativos dos sujeitos da pesquisa contatados na Delegacia da Mulher. A pesquisa etnográfica favoreceu uma aproximação da diversidade de relacionamentos matrimoniais propiciando ver além dos padrões comportamentais estereotipados e levando-nos a perceber as marcas deixadas nos momentos de conflito, e ora superadas numa atitude persistente de "esperanças". Confirmamos a hipótese da pesquisa quanto ao fato de que a violência é social e generalizada, embora atinja com mais violência as classes sociais menos favorecidas economicamente.
PALAVRAS CHAVES: Gênero; cotidiano; rede social; violência
O estudo de gênero desenvolvido nesta pesquisa teve como interesse às relações sociais entre os sexos, considerando abordagens contemporâneas no sentido de levar em conta tanto a perspectiva feminina como também a masculina diante das condições sociais vivenciadas por homens e mulheres em seus cotidianos. O pressuposto da pesquisa é o de que a violência é social e generalizada (Cemin et alii, 2003). Levamos em conta a trajetória de migração, a mobilidade social e a rede pessoal dos sujeitos, identificando os motivos da união e da separação e o modo de atualização da violência na vivência do casal.
A pesquisa teve caráter descritivo-exploratório consistindo em observar, descrever, analisar e interpretar visando a experimentação de instrumentos metodológicos. Operacionalizamos a metodologia de rede social a partir das proposições de Sluzki (1997) Iniciamos pela Ficha de Identificação do EGO obtendo informações básicas dos sujeitos: nome, endereço, idade, escolaridade, trabalho, renda, religião e motivo da ocorrência policial. Pautamos nossa conduta pelo código de ética do antropólogo.
Estas fichas foram preenchidas a partir dos contatos estabelecidos na Delegacia Especializada em Defesa da Mulher e da Família. Os que aceitaram participar da pesquisa foram entrevistados nas residências ou na Clínica de Psicologia da Universidade Federal de Rondônia (UNIR) ou ainda na sala do Centro de Estudos do Imaginário - CEI/UNIR, de acordo com as conveniências dos sujeitos.
Além da entrevista, o protocolo compreendeu os dados sócio-econômicos dos ascendentes para analisar a mobilidade social horizontal e/ou vertical, a trajetória de vida (deslocamento geográfico e ocupacional) bem como, a rede social pessoal dos sujeitos, um relato livre da história de vida, seguido de entrevista semi-estruturada com a finalidade de identificar os fatores da união e da separação percebendo como a violência se atualiza no contexto social das pessoas. Registramos narrativas no âmbito da rede social, para perceber como elas dialogam entre si, estabelecendo acordos e performances descritivos sobre a realidade, fazendo-a variar de acordo com os corolários comportamentais, interpessoais e éticos confirmando as observações de Foucault (1985) quanto ao fato de que a realidade varia de acordo com "as possibilidades de instauração dos discursos".
2.1 Gênero e Violência
O conteúdo da noção de gênero se diferencia de acordo com cada cultura por isso temos como ponto de partida a forma de classificação social, considerando-a dado constitutivo da identidade do sujeito, levando em consideração os processos históricos que também são responsáveis pela imagem estabelecida e propagada sobre os princípios da divisão sexual.
A organização da sociedade tem como principio a diferença biológica dos sexos que são interpretadas culturalmente, como já foi mencionado. Para Bourdieu (1999:23) essa definição social dos órgãos sexuais é produto de uma construção efetuada à custa de uma série de escolhas através da acentuação de certas diferenças, ou do obscurecimento de certas semelhanças, já que a diferença sexual é comprovada visivelmente, concretizando a definição estabelecida socialmente entre sexo forte e sexo frágil.
A relação de gênero tem sido marcada por uma relação de dominação onde a mulher assume um papel de submissão ao homem. Para Bourdieu (1999) a dominação masculina tem suas origens num comportamento histórico de forças materiais e simbólicas que atuam tanto na unidade doméstica como também em unidades maiores como o Estado, a escola, a igreja e outras instituições que orientam a conduta dos indivíduos na sociedade. O homem desde criança aprende a representar a imagem de virilidade que é passada tanto pelo pai (dominador) quanto pela mãe (dominada), possibilitando que ambos reproduzam a relação de dominação.
O poder simbólico da dominação está presente também na imagem do corpo desejado. A mulher tende a se transformar buscando o padrão que é estabelecido pelo outro. A mulher, segundo Bourdieu, é levada a se instituir na posição de ser-percebido, condenado a se ver através das categorias masculinas dominantes.
Contrapondo-se a dominação masculina, o movimento feminista, além de reivindicatório, também procurou estudar a relação de poder vinculada ao gênero como forma de mudar essa concepção. As pesquisas em geral consideram mais o estudo sobre a mulher e menos as relações sociais entre os sexos.
De modo geral, os estudos de gênero têm contribuído para mostrar e denunciar as injustiças sociais que muitas mulheres enfrentam no seu dia a dia. Recentes dados estatísticos divulgados pela Organização dos Direitos Humanos sobre a violência de gênero mostraram que a cada seis mulheres no mundo uma já sofreu algum tipo de violência. Estes dados alarmantes contribuíram para a realização da campanha internacional: "Está em Suas Mãos: Pare a Violência Contra as Mulheres" organizada pela Anistia Internacional com o intuito de modificar as atitudes que levam mulheres a se manterem em relações de violência. Estas fontes de interesse cientifico surgem com a intenção de questionar a imagem que a sociedade construiu ao longo dos anos sobre a mulher e sua atuação.
As pesquisas indicam que a mulher é alvo de todo tipo de violência, seja física, simbólica ou sexual que geralmente parte de parentes próximos da vítima. Quando a mulher agredida internaliza o medo através de um processo educativo repressor, inibe todo tipo de iniciativa, até mesmo a iniciativa de denunciar o agressor e buscar alternativas de mudança para a sua própria vida, sendo aprisionada em seu próprio medo.
A ruptura com o agressor leva tempo e um intenso trabalho de regaste dos valores das mulheres que foram agredidas. A conquista de independência econômica e psicológica é o passo principal para autonomia dessas mulheres.
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