Práticas, imaginários, feminismos e políticas públicas
Este artigo apresenta resultados de pesquisa e extensão acadêmica sobre violência contra a mulher em Porto Velho\RO. Identifica como fatores de violência contra a mulher à dependência econômica feminina em contexto de pobreza e os imaginários que instituem a inferioridade feminina. Fornece subsídios para Políticas Publicas de gênero. Argumenta que o modelo proposto socialmente para o exercício da sexualidade masculina é informado por dispositivo produtor de subjetividade sexual, que se fundamenta em imaginário social que é também indicador do valor negativo que a sociedade brasileira atribui a mulher. Considera a condição de área de colonização do estado, verificando dados de migração e o modo como ela incide sobre a "circulação de mulheres". Expõe dados de mobilidade social e rede social e estabelece relação entre as praticas de violência, a pobreza e o imaginário social. Conclui que a violência é social e generalizada, embora afete com maior gravidade a parcela pobre da população.
PALAVRAS-CHAVES: Gênero, Violência, Imaginário, Políticas Públicas.
Esse artigo apresenta os resultados parciais do projeto ‘Gênero, família e violência em contexto urbano (cotidiano, rede social e imaginário)’; em desenvolvimento no Centro de Estudos do Imaginário Social, CEI/UNIR, com bolsistas do Programa de Iniciação Cientifica (PIBIC-CNPq-UNIR.
Gênero, família e violência
O emprego da noção de gênero tem origem na tradição antropológica e psicanalítica feminista, e visa, como na gramática, acentuar a diferenciação entre seres e coisas designadas como da ordem do masculino e do feminino. Ou seja, a partir de uma diferenciação anatômica – pênis ou vagina – a sociedade classifica e institui os sujeitos em uma ordem social previamente instituída. Essa ordem define lugar, objeto e comportamento específicos a homens e mulheres, distribuindo a cada um funções, saberes e poder social de acordo com as características distintivas que a própria sociedade constrói como sendo pertinentes a cada um dos sexos. A exemplo de inteligência e coragem para os homens, afetividade e fragilidade para as mulheres.
Analisando o "estado da arte" sobre a produção antropológica em torno do tema de gênero, Heilborn (1982) indica que a categoria gênero veio em substituição à categoria mulher que não dá conta do caráter relacional que a noção comporta. Adverte que a simples substituição de uma noção por outra não garante o estabelecimento da interdependência estrutural dos pares de oposição masculino e feminino.
Scott (1995) argumenta que a categoria de gênero pode ser tomada em duas acepções – forma de classificação e dado constitutivo da identidade dos sujeitos. Entretanto, há que se considerar o fato de que gênero é categoria construída em um solo especifico, que é a academia. Instituída portanto, pelas concepções de homens e de mulheres de classe media branca, - sujeitos das revoluções políticas e comportamentais desde o final da Segunda Guerra Mundial. Ao mesmo tempo, os gêneros se instituem e se entrecruzam socialmente de vários modos: classe, etnia, religião, opção partidária, faixa etária, escolarização e profissão. Alem disso, no interior de cada pólo as diferenças também se multiplicam. Por isso não podemos conceber o feminino e o masculino como oposições estanques, mas examinar o contexto dinâmico e concreto das relações sociais, pois ali as solidariedades e os afrontamentos se mostram como arranjos plurais que desautorizam dualismos simplificados. É preciso ainda, considerar que gênero e identidade não são substâncias ou unidades fixas e naturais, mas relações construídas culturalmente; tratando-se portanto, de realidades múltiplas e mutáveis (Scott, 1995; Butler,2003). De tal modo que a pós-modernidade já não indaga apenas sobre o sujeito, mas principalmente sobre "quem vem depois do sujeito", a exemplo de Haraway que anuncia a identidade cyborg, ao avaliar as conjunções entre o homem e as maquinas (2000); e Butler (2003) evidencia a construção social das demarcações de fronteiras entre os gêneros, criticando tanto o falocentrismo quanto à heterossexualidade compulsória.
Os estudos sobre família e gênero no Brasil correlacionam pobreza com família irregular, sem muita consideração sobre os aspectos políticos e ideológicos que envolvem a questão. A exemplo das impossibilidades que as famílias de baixa renda encontram frente à discrepância entre sua vida familiar e as condições da família pequeno-burguesa, e ainda as dificuldades para se oporem ao autoritarismo do sistema, que nega as diversidades étnicas que envolvem o processo de construção de identidades parentais e de gênero (Kaloustian, 1994; Donzelot,1980). A diversidade nos modelos de relacionamento desorientam as pessoas incidindo sobre o incremento de conversões religiosas seja ao catolicismo carismático ou ao protestantismo em busca de paradigmas para as relações conjugais (Machado, 1996).
Por outro lado, predomina o pressuposto de que a família existe enquanto unidade substantiva, derivada apenas de processos biológicos, sem indagação sobre a existência dos suportes de reprodução material e simbólico que lhes fundamenta a existência. Neste sentido compete indagar: a família existe? Qual a sua forma? Quais são as suas condições de sustentação? (Sluski,1997)
Em seu estudo sobre mulheres, relações violentas e a prática feminista, Gregori, analisa o modo pelo qual as mulheres vêem-se a si mesmas e aos seus parceiros, a fim de pensar como as relações de conflito conjugal se instituem e ganham permanência. A autora indica que no geral as explicações para a crise doméstica são atribuídas a "... condutas inadequadas de seus maridos: beber, ser mulherengo, ser boêmio, praticar ‘exageros’ sexuais" (Gregori, 1993:140). A autora reconhece que seu estudo deixou uma lacuna importante ao não analisar o que ela chamou o "lado dos homens". Ao mesmo tempo, que falta ao seu estudo, bem como as pesquisas nas quais ele se baseia, a etnografia das condições familiares.
No que refere a família, a violência é vista como conflito de gênero e de gerações, onde o mais fraco é "coisificado". Entendidos como permanentes, esses conflitos - manifestos ou latentes – seriam agravados ou suprimidos em função dos modelos de gestão dos mesmos.
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