Esta pesquisa é parte do projeto "Gênero, Família
e Violência (rede social e imaginário em contexto urbano)".
O projeto foi subdividido em três subprojetos: "Gênero e rede
social", "Fundamentos da união, da violência e da ruptura"
e "Gênero e Imaginário". Este último subprojeto
parte é o objeto específico deste artigo.
O subprojeto referido teve como objetivo perceber a estrutura, o conteúdo
e a dinâmica de imaginários específicos a homens e mulheres.
Tínhamos por hipótese (estabelecida em dados de pesquisa anterior)
que homens e mulheres apresentariam formas diversas de resolução
de ansiedade. A mulher apresentaria um imaginário marcado por imagens
religiosas e os homens, imagens relativas ao mundo do trabalho.
O conceito de gênero, apesar de sua imprecisão teórica, diz respeito à construção cultural e simbólica das relações entre homens e mulheres. No Ocidente, desde os gregos e passando pelos iluministas, o valor máximo é a razão clara, objetiva, considerada atributo masculino, em confronto com a subjetividade obscura, identificada ao feminino.
Ao mesmo tempo em que o Ocidente desvaloriza o feminino, nosso modelo cultural
mediterrâneo, valoriza a família, no interior da qual a mulher
tem um papel central como mantenedora da honra familiar.
Dispomos de algumas teorias que explicam a condição de gênero
no Ocidente. O marxismo, o culturalismo e o pós-estruturalismo, talvez
sejam as mais importantes. Para os marxistas, a opressão de classe tem
início com a opressão da mulher no interior da família,
resultante da apropriação do trabalho da mulher pelo homem, permitindo
o início da propriedade privada. De acordo com isso, o marxismo aborda
a questão de gênero a partir da ótica da luta de classes,
ou seja, considerando o lugar que cada gênero ocupa no processo produtivo,
como pressuposto da igualdade ou desigualdade entre os gêneros (Engels,1984).
A corrente culturalista, cujo marco é a obra de Mead (1988), sustenta
a tese de que não existem atribuições naturais fundadas
biologicamente, e sim atribuições sociais, ou seja, papéis:
tarefas e valores considerados pertinentes em cada sociedade às pessoas
do mesmo sexo biológico. Nesse sentido, postula ser possível,
pela via da cultura, alterar a relação de subordinação
das mulheres pelos homens.
Para os estruturalistas a dualidade formada pelo par macho/fêmea é
universal e, conseqüentemente, estrutural, sem ela não é
possível cultura no plano material e simbólico. A tese de Lévi-strauss
(1982), sobre o modo pelo qual se dá a passagem da natureza à
cultura, afirma que o fundamento da cultura é a regra que obriga os homens
a trocar as mulheres para além de um certo limite – variável –
de seu grupo familiar, fato que torna as mulheres o elo de transmutação
da natureza em cultura. Nessa perspectiva, é a troca de mulheres que
permite a circulação de bens e de mensagens. Interessa, portanto,
averiguar o tipo de lógica que sustenta essa dualidade, visando alterá-la,
se for este o caso, a partir de uma intervenção no plano das estruturas
lógicas. Nesse ponto, o estruturalismo encontra correspondência
com o culturalismo.
O pós-estruturalismo questiona o postulado de universalidade da lógica
binária do estruturalismo, suspeitando que ele possa resultar de uma
imposição da nossa estrutura lógica dualista à compreensão
da lógica de outros povos. Consideram, que é no plano do discurso
que as relações sociais são construídas, inclusive,
as relações sociais de gênero. Indagando, ao mesmo tempo,
se não haveria fenômenos biológicos como fundamento da diferença
entre masculino e feminino. Desse modo, a questão de gênero é
articulada ao corpo como suporte para a noção de identidade.
Os dados da pesquisa antropológica indicam que todos os grupos sociais mantêm algum tipo de classificação básica que separa as esferas do masculino e do feminino. Embora partindo da diferença biológica, as atribuições relativas a cada sexo variam conforme nos deslocamos no tempo, no espaço e nas situações sociais. As correntes teóricas delineadas indicam três posições presentes no debate feminista: igualdade dos gêneros, enquanto igualdade econômica da qual decorreria a igualdade social, reconhecimento e construção da superioridade cultural/ideológica das mulheres e igualdade associada à diferença.
Balandier (1976), ao analisar a dinâmica interna aos sistemas sociais, indica que as divisões em classes sociais, em classes de idades e em classes sexuais são partes estruturais dos processos sociais. Desse modo, as dinâmicas sociais devem ser consideradas nessa tridimensionalidade. A partir disso o autor indaga como a divisão dos sexos afeta o sistema social e a cultura em seu conjunto, como se exprime em cada uma delas o dualismo sexualizado e o modo pelo qual a oposição e a complementaridade são, ao mesmo tempo, geradoras de ordem e de desordem social.
Ao considerar as narrativas das mitologias africanas, Balandier constata que a relação homem/mulher aparece nos momentos de fundação da ordem do mundo, de constituição da pessoa e nas primeiras obras civilizadoras do homem em sociedade. Segundo o autor, isso explicita o reconhecimento do caráter problemático, conflitual e contraditório de toda formação social, evidenciando ainda, que o dualismo sexualizado torna-se o modelo de todos os dualismos.
O dualismo sexualizado como fundamento da ordem das coisas e do mundo humano, organiza-se em três modelos estruturais: andrógino, gêmeos do sexo oposto e casal mítico. Além das estruturas os modelos fornecem o princípio dinâmico de cada tipo estrutural, sendo eles, respectivamente: fusão, complementação e aliança das diferenças.
Segundo Balandier, os modelos um e dois têm perante a história uma posição de recusa, pois negam a mudança ou prefiguram uma ordem social na qual estariam ausentes as diferenças e, portanto, a necessidade de mudanças. Nos modelos, andrógino e gêmeos do sexo oposto, subsistiria a nostalgia dos modelos ideais ou imaginários. O terceiro modelo é o que rege efetivamente a sociedade. Entretanto, os três modelos dão origem a teorias, ideologias e a práticas sociais codificadas.
Quanto às teorias sociais, o dado mais geral é a afirmação da inferioridade feminina. Em geral, apenas uma função, entre as muitas que a mulher desenvolve, não é desvalorizada: a função de mãe. De resto, o que se constata, é a pequena participação social da mulher. Em geral, para o homem, a mulher é o "outro". Essa alteridade expressa e reforça referencias simbólicas que definem a mulher como elemento antagonista e perigoso, associada em geral com os aspectos dissolutos e, nesse sentido, anti-social. É o casamento que pode instaurar a positividade da presença feminina, uma vez que o intercâmbio matrimonial socializa sua sexualidade e articula as sociedades masculina e feminina. Cabe, portanto, averiguar, no que diz respeito às relações entre os sexos e as estruturais sociais, as situações reais nas quais homens e mulheres se inserem.
O fundamento do poder social do macho, segundo ainda Balandier, é a redução da mulher ao estado instrumental colocando-a ao serviço da comodidade masculina. Os determinantes da instrumentalização seriam: o confinamento da mulher ao espaço doméstico; a falta de um viver feminino que permita às mulheres as trocas de experiências e a identificação de seus interesses, a equiparação da condição feminina à condição de minorias, a depreciação do trabalho feminino.
Desse modo, a divisão sexista se superpõe à divisão de classes e hegemoniza o universo social com os atributos designados como masculinos. O resultado desse conjunto de representações e de práticas sociais é a condenação das mulheres a submissão e ao silêncio. Questionar o poder masculino implicaria, segundo o autor, equacionar o velho problema da articulação entre as duas metades fundantes do social: as sociedades masculina e feminina em um processo de conhecimento e de reconhecimento mútuos.
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