As expressivas desigualdades da sociedade brasileira e o contexto de escassez de recursos financeiros para o setor da saúde, associados às características estruturais do federalismo fiscal e ao modelo predominante das transferências do SUS, influenciam a negociação política e implantação de alternativas de financiamento federal não atreladas diretamente à oferta e produção de ações e serviços de saúde nos estados e municípios.
Observa-se que a política de saúde, a partir da segunda metade da década de 1990, vem desenvolvendo mecanismos próprios que, neste contexto específico, tendem a acomodar interesses diversos e conflitos federativos gerados por fatores estruturais e pelas regras institucionais. Porém, a falta de um planejamento integrado entre os critérios que regem a redistribuição dos recursos para o financiamento do Sistema Único de Saúde e o sistema de partilha tributário da federação brasileira acaba por reforçar determinados padrões de assimetria encontrados e gerar novos desequilíbrios, dificultando a compensação das desigualdades na capacidade de gasto público em saúde das esferas subnacionais.
Palavras-chave: Federalismo fiscal, Financiamento da saúde, Política de saúde
Connections between fiscal federalism and the funding of the Brazilian health care policy
ABSTRACT
In the Brazilian society's context of meager financial resources for health care, associated with structural features of fiscal federalism and with the current model of funding transfers for the Unified Health System's (SUS), important inequities directly impact political negotiations and the deployment of federal financing alternatives which are not directly linked to the supply and production of health care activities and services by states and municipalities. We observed that health policies, since the second half of the nineties, have developed their own mechanisms that, in the above mentioned context, tend to accommodate different interests and federative conflicts generated by structural factors and by institutional rules. However, the absence of an integrated planning program between the criteria to establish resource redistribution for financing the Unified Health System and the Brazilian Federation's fiscal sharing system, end up reinforcing certain asymmetric patterns and generating new imbalances, making the compensation of inequities difficult in public health spending at the sub-national domain.
Key words: Fiscal federalism, Health financing, Health policy
O tema federalismo, relações intergovernamentais e políticas públicas vêm se tornando objeto de interesse crescente da produção científica brasileira e internacional. Em que pese a ampliação das publicações sobre o tema, em grande parte, os trabalhos apóiam-se em diferentes enfoques, que tratam de maneira diversa o papel das instituições na vida política e tendem a separar as variáveis econômico-financeiras das variáveis políticas. Não há, ainda, uma produção nacional consistente que busque relacionar determinados arranjos institucionais do Estado com políticas específicas. Reconhecendo as lacunas existentes, este artigo visa contribuir para a discussão das conexões entre o federalismo e a política de saúde no Brasil, a partir do referencial teórico-metodológico proposto por Gagnon1 e Souza C.2.
Gagnon1 considera que o sucesso dos sistemas federativos deve ser medido por sua capacidade de regular conflitos, já que suas instituições, por serem sensíveis à diversidade, atuam no sentido de amenizar as tensões da sociedade. Para este autor, é necessário refletir sobre as relações entre as regras institucionais e os conflitos intergovernamentais, a forma pela qual as esferas de governo se articulam e negociam suas divergências e quais os resultados deste processo de negociação.
Na mesma linha, Souza C.2 adverte que as investigações sobre o comportamento dos atores federativos não podem prescindir da tarefa de desvendar as "regras do jogo", que intervém no comportamento político dos atores. Ou seja, descobrir os constrangimentos impostos aos atores em suas escolhas. Os aspectos institucionais são importantes porque determinam a capacidade de atuação dos agentes políticos, condicionam sua percepção acerca das alternativas realistas da política e incidem em suas opções estratégicas e preferências.
Sob este enfoque, propõe-se identificar alguns limites e constrangimentos institucionais impostos ao financiamento público da saúde no Brasil. Uma primeira ordem de fatores diz respeito à forma como se estrutura a divisão das competências tributárias (que nível de governo administra e arrecada cada tributo) e os dispositivos que determinam a partilha intergovernamental de recursos no federalismo fiscal brasileiro. A segunda refere-se ao modus operandi das transferências federais para o financiamento das ações e serviços descentralizados do Sistema Único de Saúde (SUS), que respeitam, na sua maioria, a capacidade instalada e a produção de ações e serviços de saúde nos estados e, principalmente, nos municípios.
Estes dois fatores, em um Estado marcado por acentuadas desigualdades socioeconômicas e um contexto de escassez de recursos para a saúde, têm moldado o posicionamento dos atores federativos e relações de cooperação e conflito, estimulando a criação de novos critérios e mecanismos de redistribuição de recursos federais a partir da segunda metade da década de 1990. Dessa forma, acredita-se que a política de saúde vem desenvolvendo mecanismos próprios que interagem, num contexto específico, com variáveis estruturais e institucionais de difícil modificação pelos atores que atuam no setor da saúde.
Neste trabalho, através do levantamento da produção bibliográfica recente e da análise de dados secundários, discute-se sobre os temas federalismo fiscal e financiamento federal da política de saúde no Brasil, identificando-se suas principais características, as alterações operadas ao longo dos anos 90 e início dos anos 2000, as relações existentes e seus desdobramentos.
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