Ética na pesquisa



A lição das sociedades indígenas e o desafio da interculturalidade (1)

A ética diz respeito ao julgamento sobre a conduta humana, do ponto de vista do bem e do mal, do certo e do errado. Sabemos que o bem e o mal, o certo e o errado variam de sociedade para sociedade e variam, também, no interior das sociedades. Sendo assim, o problema ético envolve conflito de valores. Então, o desafio da interculturalidade é o desafio de conviver com as diferenças culturais.

Ao mesmo tempo, as diferenças são continuamente produzidas porque todas as sociedades, todas as culturas são dinâmicas, isto é, transformam-se, mudando também as suas avaliações sobre o bem e o mal, o certo e o errado. Com as mudanças novas diferenças são produzidas. Se tudo muda, inclusive os valores, devemos entender que toda moral, toda ética é provisória porques sempre que uma sociedade enfrenta mudanças ou situações inesperadas, ela tem que avaliar suas ações frente ao novo, tendo as vezes que mudar a sua noção de bem e de mal, de certo e de errado.

Mas o que a ciência tem a ver com a ética? Seria preciso pensar a ética na pesquisa? Não seriam os cientistas normalmente éticos e não seria a ciência um sistema ético em si mesmo? A resposta é não, porque os cientistas assim como todas as pessoas não são normalmente e nem naturalmente éticos. A ética, como tudo na vida humana é uma construção social, depende do trabalho das pessoas vivendo em sociedade, conversando e avaliando as ações de uns e de outros e de todos conjuntamente. Coisa que as sociedades indígenas sabem fazer muito bem.

Temos que pensar a ética na pesquisa também, porque a ciência, tal como nos a conhecemos hoje, começa a existir do jeito que é, no século XVII, em luta contra a igreja e o Estado medieval. Uma de suas armas nessa luta foi separar a ciência dos valores, separar o sujeito, o pesquisador, de seu objeto de estudo. Esse objeto poderia ser a natureza ou os humanos. 

A idéia que começou a se desenvolver é que o pesquisador é neutro, não tem preconceitos nem preferências, sendo assim, ele não interfere nos resultados de sua pesquisa. Firmou-se a idéia de que o pesquisador está separado de seu estudo, que ele produz conhecimento para uma ciência que tem por interesse apenas um puro amor ao saber. 

Essa separação artificial, do homem e de sua obra, essa ficção metodológica que diz que entre o pesquisador e o conhecimento que ele produz não há nenhuma relação de interesse afetivo, econômico, político e de valores, foi importante para a ciência vencer sua luta contra a igreja, contra o saber teológico, contra o saber religioso que passou a ser visto como superstição, como pensamento errado sobre as coisas.

Com a "vitória" da ciência e sua extensão para todos os aspectos de nossa vida, as relações entre a ciência, a tecnologia, a política, a empresa e o Estado moderno, são muito estreitas, muito misturadas. Muitos pesquisadores contribuíram para a gente entender o modo de ser da ciência moderna, e hoje nos sabemos que não há ciência neutra, ciência livre de valores e de interesses. Ao mesmo tempo, o cientista, o pesquisador, é um homem como os outros, tendo seus valores, suas preferência e seus interesses. Ele não é um ser acima do bem e do mal. Comete erros, injustiças, e seu trabalho pode ter resultados nocivos para as populações. A ciência, portanto, não pode estar livre de ser responsabilizada por aquilo que ela produz. Entre os bens que a ciência produz estão os valores.

Ao produzir bens e valores, sem discutir a ética dessa produção, o cientista se torna inconsciente, porque não esclarece para si e para a sociedade as conseqüências do seu trabalho.  Por outro lado, muito desse desconhecimento é proposital, porque o saber na nossa sociedade não está distribuído de forma igual. Assim, aqueles que sabem mais também têm mais poder. Então interessa que muitas pessoas tenham pouco saber.

Para mudar essa situação é preciso que se pratique ciência com consciência ética. Precisamos de sujeitos conscientes, porque a ciência não se faz sozinha. Os cientistas são homens e mulheres produzidos por uma certa sociedade, que é a sociedade deles. E eles, como todas as pessoas, são do jeito do povo deles, começando pela família, pelo lugar que moram, pelos tipos de coisas e pessoas que eles amam ou deixam de amar.


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