Os Novos Espaços do Conhecimento

Enviado por Ladislau Dowbor


  1. Uma sociedade em transformação
  2. As novas tecnologias do conhecimento
  3. A diversificação dos espaços educacionais
  4. Os desafios institucionais
  5. Conclusões

Não é fácil trabalhar com as questões da modernização. De forma geral, como as novas tecnologias surgem normalmente através dos paises ricos, e em seguida através dos segmentos ricos da nossa sociedade, temos uma tendência natural a identificá-las com interesses dos grupos econômicos dominantes. E a verdade é que servem incialmente estes interesses. No entanto, uma atitude defensiva frente às novas tecnologias pode terminar por acuar-nos a posições em que os segmentos mais retrógados da sociedade se apresentam como arautos da modernidade.

Não é preciso ser nenhum deslumbrado da eletrônica e do video para constatar que o movimento transformador que atinge hoje a informação, a comunicação e a própria educação constitui uma profunda revolução tecnológica. O problema que queremos tratar aqui é o seguinte: para nós que estamos pouco interessados na criação de ilhas de excelência para grupos privilegiados, e essencialmente preocupados em resgatar a cidadania da massa de marginalizados, criando no país uma base de conhecimento que nos permita enfrentar o século XXI, que interesse tem esta revolução tecnológica?

Uma indagação nossa nesse tema mereceu resposta categórica de uma educadora: "isso é coisa de primeiro mundo, as nossas escolas ainda lutam para ter o Aurélio na biblioteca". No entanto, o Brasil gasta 100 bilhões de dólares por ano na área social, e muita coisa pode ser feita com recursos deste porte. A desproporção entre o que se gasta e os resultados levou o Banco Mundial a realizar uma pesquisa no Brasil: "A proporção do PIB brasileiro destinada aos serviços sociais parece ser mais elevada do que a dos outros paises em desenvolvimento de renda média. Em comparação com os mesmos paises, os indicadores do bem estar social no Brasil são surpreeendentemente inferiores". Não há dúvida que temos recursos insuficientes, mas também não há dúvida que estes recursos encontram-se antes de tudo mal utilizados.

E o problema é realmente o Aurélio? Tudo indica que não estamos enfrentando apenas uma revolução tecnológica. Na realidade, o conjunto de transformações parece estar levando a uma sinergia da comunicação, informação e formação, criando uma realidade nova, que designamos algo pomposamente no título de "espaço do conhecimento", mas que representa exatamente isto. De certo modo, o processo reflete os primeiros passos do homo culturalis, em contraposição ao homo economicus dos séculos XIX e XX, processo no qual entramos, como sempre, de forma desigual.

As linhas que seguem não pretendem evidentemente apresentar "receitas", e ninguém tem realmente a bússola neste processo vertiginoso de mudanças que nos atinge. Trata-se mais bem de tentar dar uma dimensão organizada na perplexidade que nos atinge a todos. Partindo das tendências constatadas em diversos paises, vislumbramos um conceito de educação que se abre rapidamente para um enfoque mais amplo: com efeito, já não basta hoje trabalhar com propostas de modernização da educação. Trata-se de repensar a dinâmica do conhecimento no seu sentido mais amplo, e as novas funções do educador como mediador deste processo.

1 - Uma sociedade em transformação

É importante definir antes de tudo os grandes eixos de mudança que atingem a sociedade neste fim de século.

a) o progresso tecnológico - As transformações mais significativas podem ser resumidas em cinco grandes eixos: a informática, que está revolucionando todas as áreas, e em particular todas as áreas que lidam com conhecimento; a bio-tecnologia, que ainda não invadiu o nosso cotidiano, mas deverá constituir a força principal de transformação na agricultura, indústria farmacêutica e outros setores na próxima década; as novas formas de energia, em particular o laser, permitindo aplicações que estão se generalizando na medicina, comércio, eletro-domésticos e outros setores; as telecomunicações, que conhecem uma revolução tecnológica mais profunda e dinâmica ainda do que a da informática, tornando possível e cada vez mais barato transmitir tudo -- textos, imagens, som -- em grandes volumes e com rapidez, em particular através da telemática, associação da informática com as telecomunicações; finalmente, os novos materiais, que incluem as novas cerâmicas, os supercondutores, as novas formas de plástico etc., e que por sua vez permitem novos avanços na eletrônica e na informática, nas telecomunicações e assim por diante.

Não há provavelmente nada de novo para o leitor nesta enumeração, mas é importante para nós lembrarmos a que ponto é novo este ritmo de transformação, e decisivo para os processos de educação. Basta lembrar que um estudo da Comunidade Européia considera que nos últimos 20 anos dobraram os nossos conhecimentos científicos, relativamente à totalidade de conhecimentos técnicos acumulados durante a história da humanidade. Por precárias que sejam avaliações deste tipo, o fato é que estamos no meio de um gigantesco turbilhão de renovação científica, e este fato deve ocupar um lugar central nas nossas reflexões sobre os espaços da educação.

b) a internacionalização - O processo de globalização ou internacionalização do espaço mundial, resulta em grande parte dos avanços tecnológicos mencionados. Basta dizer que se transferem hoje diariamente cerca de um trilhão de dólares entre diversos paises, por meios eletrônicos, para ver a que ponto a terra se transformou em "aldeia global". Hoje vemos as mesmas imagens na TV, compramos os mesmos carros, lemos os mesmos artigos - ou quase - em qualquer lugar do mundo.

Uma implicação evidente para todos nós, é que já não há espaços para "ilhas" culturais ou econômicas, para "Albânias" com experiências isoladas. Temos que fazer frente à internacionalização, dado objetivo que independe dos nossos gostos, e dimensionar as nossas propostas em função desta realidade. Como trabalhar o conhecimento na era do "espaço global"?

c) a urbanização - Os fenômenos demográficos são discretos porque os processos regulares de mudança, que envolvem alguns poucos porcentos ao ano, não chamam atenção. Mas a realidade é que em meio século as nossas sociedades deixaram de ser rurais, para se tornarem urbanas, e um país não é mais uma capital onde se tomam decisões, cercado por massas rurais dispersas. Estamos apenas começando a avaliar o gigantesco impacto social e político desta transformação. Basta lembrar que hoje no Brasil quase 80% da população vive em cidades, invertendo as proporções do início dos anos 1950.

Uma implicação imediata desta nova realidade, é que não precisamos mais de um Estado tão centralizado, já que a população que vive em núcleos urbanos pode resolver localmente grande parte dos seus problemas. Esta nova realidade é que levou os paises desenvolvidos a adotar uma estrutura de Estado profundamente diferente da nossa. Para dar um exemplo, na Suécia, os poderes locais gerem 72% dos recursos públicos, permitindo ampla atividade das comunidades organizadas, quando na Costa Rica os os municípios gerem apenas 5%, e cerca de 13% no Brasil.

Isso implica por sua vez que já não podemos nos deixar acuar à eterna dicotomia entre privatizar e estatizar, na medida em que adquire peso fundamental, em termos de perspectivas, o espaço público comunitário, refletindo a evolução da democracia representativa para sistemas descentralizados e participativos, a chamada democracia participativa.

d) as polarizações - a polarização entre ricos e pobres atinge neste fim de século uma profundidade e um ritmo desconhecidos em eras anteriores. Os dados do Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial de 1992, do Banco Mundial, indicam que somos, em 1990, 5,3 bilhões de habitantes, para um PIB mundial de 22 trilhões de dólares, o que significa 4200 dólares por habitante: O planeta já produz amplamente o suficiente para uma vida digna para todos os cidadãos. No entanto, 16 trilhões destes recursos, ou seja 72 %, ficam com 800 milhões de habitantes, dos paises do "Norte", que representam 15% da população mundial. O efeito prático é que o nosso planeta tem 3 bilhões de pessoas com uma renda média de 350 dólares por ano e por pessoa, menos de metade do salário mínimo brasileiro. O cidadão do "Norte" dispõe em média de 60 vezes mais recursos do que os 3 bilhões de pobres do planeta, ainda que, seguramente, não tenha 60 vezes mais filhos para educar. É facil entender como esta diferença, já catastrófica, se aprofunda: em 1990, por exemplo, a renda per capita dos pobres aumentou de 2,4 %, ou seja de 8 dólares, enquanto a dos ricos aumentou de 1,6%, ou seja de 338 dólares. A população dos ricos aumenta de 4 milhões por ano, enquanto a dos pobres aumenta de 59 milhões de habitantes.


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