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Em decorrência ao processo de mobilização social, feministas e profissionais da saúde iniciaram, em parceria com o Ministério da Saúde, a elaboração de propostas de atendimento à mulher que garantissem o respeito a seus direitos de cidadania, o que resultou na estruturação das bases fundamentais do Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher.
Assim, o PAISM surge, então, no cenário das Políticas de Saúde nesse período de transição democrática do País, no ano 1984, apontando como metas a ampliação dos problemas a serem tratados pelo setor, a recuperação da função educativa dos serviços e a adoção de uma nova perspectiva de atenção a cada mulher, situando-a em seu contexto social.
Do ponto de vista operacional, o que se preconiza é a oferta de ações educativas que capacitem à mulher o conhecimento do corpo. Tais ações devem, preferencialmente, ser realizadas através de metodologias participativas, garantindo assim, que o conhecimento que as mulheres já possuem possa ser intercambiado dentro dos grupos formados nos serviços de saúde. É necessário, portanto, que seja atribuída uma prioridade às ações educativas na assistência à mulher nesta dimensão1.
Um fato importante que se ressalta com a implantação do PAISM é o estímulo à participação da(o) enfermeira(o) nas ações de saúde da mulher, especialmente na assistência pré-natal.
De acordo com a Lei do Exercício Profissional da Enfermagem - Decreto n.º 94.406/87 e o Ministério da Saúde, o pré-natal de baixo risco pode ser inteiramente acompanhado pela enfermeira.
Como descrito na Lei n.º 7.498 de 25 de julho de 1986, que dispõe sobre a regulamentação do exercício de Enfermagem, cabe à enfermeira realizar consulta de enfermagem e prescrição da assistência de enfermagem; como integrante da equipe de saúde: prescrever medicamentos, desde que estabelecidos em Programas de Saúde Pública e em rotina aprovada pela instituição de saúde; oferecer assistência de enfermagem à gestante, parturiente e puérpera e realizar atividades de educação em saúde5.
Sendo o pré-natal um espaço adequado para que a mulher prepare-se para viver o parto de forma positiva, integradora, enriquecedora e feliz, entendemos que o processo educativo (educação em saúde) é fundamental não só para a aquisição de conhecimentos sobre o processo de gestar e parir, mas também para o seu fortalecimento como ser e cidadã.
A carência de informações, ou informações inadequadas sobre o parto, o medo do desconhecido, bem como os cuidados a serem prestados ao recém-nascido nos primeiros dias são fatores mais comuns de tensão da gestante, que influenciam negativamente durante todo o processo. É de competência da equipe de saúde acolher a gestante e a família, desde o primeiro contato com a unidade de saúde. O termo acolhimento deve ser considerado na abordagem da grávida como o significado que a gestação tem para ela e sua família, uma vez que é nessa fase que se inicia o desenvolvimento do vínculo afetivo com o novo ser.
Neste sentido, devem ser valorizados as emoções, os sentimentos e as histórias relatadas pela mulher e seu parceiro de forma a individualizar e a contextualizar a assistência pré-natal. Para tanto, as autoras Zampieri e Bruggemann6 e Saito e Gualda7 recomendam utilizar estratégias como a escuta aberta, sem julgamento e preconceitos e o diálogo franco, permitindo à mulher falar de suas dúvidas e necessidades, possibilitando, assim, o estabelecimento e fortalecimento do vínculo profissional-cliente.
Para Freire8, somente o diálogo gera um pensar crítico que é capaz, também, de gerar o diálogo. Com a visão do processo educativo numa tendência libertadora, a enfermeira estimula o falar fazendo com que a gestante interfira, dialogue e se sinta capaz. A premissa básica daqueles que realizam o processo educativo dentro dessa perspectiva deve ser a de propiciar o fortalecimento pessoal dos seres humanos com quem interagem. O importante é ajudar o ser humano a ajudar-se, fazendo-o agente de sua recuperação, com uma postura crítica e reflexiva de seus problemas.
No pré-natal a(o) enfermeira(o) deve ficar atenta(o) para também, interpretar a percepção que a gestante tem com relação a sua experiência da maternidade no contexto mais amplo (ambiente, família, mudanças físicas, psicológicas e sociais) por ser essa uma experiência única. A(o) profissional enfermeira(o) não deve impor seus conhecimentos e desconsiderar a realidade do cliente; caso isto aconteça, as orientações dadas poderão não ser adotadas por incompatibilidade com essa realidade. Conhecer as necessidades de aprendizagem das gestantes no período do pré-natal é considerar a importância da cliente na determinação de seu autocuidado.
Para analisarmos a consulta de enfermagem no pré-natal como um espaço para a educação em saúde com o olhar crítico e reflexivo dos próprios sujeitos, utilizamos o referencial metodológico pautado no novo paradigma de avaliação qualitativa que é a "Avaliação Emancipatória".
Cronbach, citado por Saul9, afirma que um programa de avaliação emancipatória é um processo através do qual os participantes compreendem a situação, objeto de estudo, mediante a consideração das interpretações e aspirações daqueles que nela atuam, para oferecer a informação de que cada um dos participantes necessita a fim de entender, interpretar e intervir de modo mais adequado.
Os procedimentos previstos por este paradigma, que se localiza dentre aqueles de abordagem qualitativa, caracterizam-se por métodos dialógicos e participantes que são: a descrição da realidade; a crítica da realidade e a criação coletiva. Porém este artigo refere-se ao registro e análise das fases de descrição da realidade e a crítica da realidade a partir dos sujeitos que vivenciam o problema e as implicações para a promoção da saúde das gestantes. Para Saul9, esses momentos incluem a verbalização e a problematização de uma dada realidade.
Para este momento da avaliação, na tentativa de compreender o modelo assistencial que determina a realização da consulta de enfermagem e, conseqüentemente, as ações educativas desenvolvidas no pré-natal durante a consulta realizada pela(o) enfermeira(o) em um HU, foram levantados dados, inicialmente, a partir da observação não participante, onde procuramos reunir evidências que descrevessem a organização interna do serviço e a rotina da consulta de enfermagem, visando aspectos da ação educativa. Esses dados foram registrados e em seguida reorganizados em um ambiente mais restrito com um espaço curto de tempo entre esses dois momentos para que as imagens estivessem vivas na memória.
Ainda para servir de subsídio na coleta de dados desta pesquisa, foram realizadas entrevistas com os sujeitos.Três perguntas básicas nortearam essas entrevistas para situar as ações educativas realizadas pelas enfermeiras no programa de pré-natal: como você vê a consulta de enfermagem no pré-natal; como são desenvolvidas as ações educativas e quais as dificuldades encontradas para que essas ações aconteçam neste espaço.
Respeitando os aspectos legais necessários, o projeto desta pesquisa foi apresentado ao comitê de ética em pesquisa do Hospital Universitario da Universidade Federal do Maranhão (HU/UFMA), tendo sido aprovado em reunião do dia 28 de fevereiro de 2002.
Após obter a permissão para adentrar no campo como pesquisadora, achamos importante para o bom andamento da pesquisa solicitar a participação das colegas enfermeiras que realizam a consulta no pré-natal de baixo risco de forma individual e esclarecer sobre a garantia do anonimato com o intuito de salvaguardar os direitos e interesses dos mesmos. Para tanto, durante a apresentação dos resultados, as enfermeiras que participaram deste estudo serão "re-batizadas" com nomes fictícios. Estes nomes terão relação com a enfermagem, com a educação e a gravidez.
Este estudo foi realizado no Hospital Universitário Unidade Materno-Infantil (HUUMI), em São Luís do Maranhão, por ser este uma instituição de referência para o Estado. O período para a realização da coleta de dados desta pesquisa foi de quatro meses (março a junho de 2002).
Em março/02 demos início à fase da pesquisa de campo. Começamos o contato com as três enfermeiras que trabalham no ambulatório pela manhã e com as outras duas do turno da tarde, esclarecendo sobre a pesquisa e já agendando o retorno para a realização das entrevistas. Este primeiro contato foi facilitado pelo nosso relacionamento anterior à pesquisa com as profissionais, o que não diminuiu, porém, a dificuldade de conciliarmos nossos horários para as entrevistas.
Ao retornarmos ao serviço para as entrevistas, iniciamos paralelamente a observação (direta e não participante) da rotina das consultas, a qual se estendeu até o mês de maio, durante as manhãs e tardes das segundas e quartas-feiras apenas no turno matutino.
De acordo com Leopardi10, para a análise dos dados, levamos em consideração palavras ou frases utilizadas repetidamente, respostas dadas em função do conhecimento e experiências pessoais, idéias principais do grupo e concordâncias entre opiniões das participantes e discutimos à luz do referencial teórico.
Este capítulo traz a descrição e a crítica da realidade a partir dos dados levantados sob a perspectiva da pesquisadora, através da observação e de documentos pesquisados, assim como sob a perspectiva dos sujeitos, nas transcrições das falas captadas por meio das entrevistas.
Descrição e crítica da realidade
Criado em janeiro de 1991, o Hospital Universitário (HU/UFMA) é uma instituição pública integrante da rede de ensino do Ministério da Educação, cuja prática se efetiva pela prestação de serviços assistenciais aos usuários do Sistema Único de Saúde.
Composto de duas Unidades Hospitalares,o Hospital Presidente Dutra e Materno-Infantil, o HU/UFMA constitui-se um destacado centro de formação de recursos humanos e de desenvolvimento de tecnologia para a área de saúde. Está sob gestão estadual, sendo referência em procedimentos de alta complexidade para todo o Estado do Maranhão. Como hospital-escola, é um espaço de transmissão do saber e de exercício político, uma forma relevante de educação.
A Unidade Materno-Infantil (HUUMI) possui um serviço de ginecologia e obstetrícia considerado, hoje, um Centro de Referência no Estado, desenvolvendo ações relativas à saúde da mulher na gestação, parto, puerpério, na adolescência ou na vida adulta, como os programas de prevenção do câncer de mama e ginecológico, controle das doenças sexualmente transmissíveis e planejamento familiar, programas esses baseados nas determinações do PAISM. Esta Unidade é ganhadora dos títulos de Hospital Amigo da Criança e de Centro de Referência ao Atendimento Humanizado ao Recém-nascido pelo trabalho de estímulo ao aleitamento materno e assistência prestada ao recém-nascido que são desenvolvidos na instituição.
O HUUMI está cadastrado no Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento (PHPN) e implantou a partir de fevereiro de 2002 o "SISPRENATAL", um software desenvolvido pelo DATASUS que possibilita o cadastramento e acompanhamento das gestantes no PHPN (até janeiro deste ano foram inscritas 791 gestantes).
As mulheres que procuram o serviço para a realização do pré-natal dirigem-se inicialmente à recepção que, na maioria das vezes, se constitui em um local de grande tensão uma vez que as usuárias que chegam ao Hospital a partir das 6 horas da manhã em busca da consulta médica permanecem na fila de marcação sem garantia de que conseguirão uma vaga e os funcionários ficam ansiosos com a responsabilidade de adequar a oferta à demanda.
O ambulatório de Tocoginecologia dispõe de cinco obstetras pela manhã e quatro no turno da tarde, cada um atende em média 16 gestantes por dia. Em relação ao número de enfermeiras que atende à gestante no pré-natal, esse serviço dispõe de cinco profissionais, sendo que três atendem pela manhã e duas no turno da tarde. A consulta de enfermagem no pré-natal não é uma atividade com o agendamento diário sistemático. A via de acesso das gestantes às enfermeiras acontece por meio de dois mecanismos: alívio da demanda ou "drenagem da clientela" dado a demanda espontânea à consulta médica, ou através do momento da vacinação através do "encaminhamento" pelo médico.
A forma de acesso para aliviar a demanda não se constitui estratégia de cobertura populacional, conforme presente nas normas básicas de atendimentos à gestante nas diretrizes de documentos oficiais do Ministério da Saúde, principalmente no que se refere ao atendimento da gestante de baixo risco. Este fato implica na qualidade do atendimento oferecido, que não oportuniza o estabelecimento de vínculos, confiabilidade, sistematização da assistência, que são elementos importantes para a promoção da saúde da gestante, conforme indica a literatura estudada1,11. O relato a seguir demonstra a ausência de um agendamento sistemático.
As gestantes só vêem fazer sua primeira consulta no pré-natal conosco quando, por causa da demanda, não conseguem consultar com o médico ou quando eles faltam, ou seja, a consulta médica é o'carro chefe (Ana Nery).
A enfermeira Maria do Bom Parto ressalta ainda que:
A consulta de enfermagem assume algumas vezes um caráter de concessão do médico ou por local de realização de vacinação uma vez que não há agendamento prévio para primeira vez.
Natividade comenta:
Às vezes acontece de ter um número grande de gestantes que ainda não realizaram a primeira consulta com o médico e outro dia em que só tem consultas subseqüentes, isso por não termos nossas consultas agendadas. Assim, há dias em que temos que sair mais tarde e outro que ficamos bem mais tranqüilas.
Observa-se que, ao se fazer a descrição de uma realidade que não nos é satisfatória, essa descrição automaticamente é impregnada pela crítica. Conforme Saul 9, os momentos de uma avaliação emancipatória se imbricam, ou seja, no momento em que lançamos mão de uma avaliação em que a análise crítica e reflexiva fazem parte de sua essência, é natural que haja essa interrelação.
Outros estudos realizados também demonstraram a falta de sistematização da consulta de enfermagem no pré-natal e outras formas de inserção da gestante nos cuidados de enfermagem, como por exemplo:
Cruz12, pesquisando a assistência pré-natal em Fortaleza, observou divergências relacionadas com o aprazamento das consultas. Havia unidades em que a primeira consulta era sempre marcada para a enfermeira e em outras em que as marcações eram feitas no dia, ou seja, as mulheres chegavam e quando não houvesse mais vaga para o médico eram atendidas pela enfermeira. Um número significativo de unidades de saúde onde a consulta de enfermagem não é "operacionalizada sistematicamente" enquanto em outras unidades "foram implantadas de forma parcial, apenas com a sistematização da primeira consulta", caracterizando, assim, segundo a própria autora, que "as ações de enfermagem no pré-natal apontam em direção oposta às normas do Ministério da Saúde".
Nas unidades onde a consulta de enfermagem não é previamente agendada, a enfermeira atende as gestantes que estão aguardando a consulta médica, interrompendo seu atendimento assim que o médico chega e retoma após a cliente ser liberada12.
Compreendemos que, estando as gestantes sob esta forma de cuidado de enfermagem durante sua assistência pré-natal, limita-se a capacidade de estabelecer a consulta de enfermagem conforme o preconizado pelo MS, haja vista que as atribuições das enfermeiras deste serviço não estão otimizadas.
Quando a gestante realiza a sua primeira consulta de pré-natal com a enfermeira, esta preenche o cartão da gestante com os dados de identificação, faz o cálculo da data provável do parto e da idade gestacional através da data da última regra da cliente, registra as aferições do peso, altura e pressão arterial, verificados pela auxiliar de enfermagem. Nesses casos em que a enfermeira realiza a primeira consulta da gestante no pré-natal, esta profissional deve solicitar os exames de rotina estabelecidos pelo Ministério da Saúde. Essa solicitação não é tão comum na unidade pesquisada já que, como citado anteriormente, a consulta médica é o atendimento de eleição da gestante, em sua primeira visita à unidade de saúde.
Com relação ao acesso da gestante através da procura pelo momento da vacinação, através do "encaminhamento" do médico, fica demonstrado que a visão atribuída ao trabalho das enfermeiras neste serviço limita-se a um procedimento técnico. Conforme as falas a seguir:
A gestante se dirige à sala da consulta de enfermagem, "sala 107" conforme orientação médica e diz: "O médico me mandou tomar uma vacina aqui" ou "Eu vim tomar a vacina que o médico mandou eu tomar aqui, mas eu preciso esperar ou eu já posso entrar?".
As mulheres que entram na sala que é destinada à consulta de enfermagem desconhecem esta atividade como direito, as mesmas procedem de consultas médicas somente. Este tipo de conduta torna-se estranho uma vez que a institucionalização da consulta de enfermagem neste serviço data de 1992.
As gestantes só tomam conhecimento da consulta de enfermagem quando vêm tomar a vacina contra o tétano, aí elas entram achando que vão ser logo vacinadas. Eu esclareço a elas que farão a consulta primeiro para depois serem encaminhadas com o 'cartão da gestante' para a sala de vacina. Algumas, após o atendimento, chegam a dizer 'agora eu entendo por que demorou para eu ser atendida' (Ana Nery).
Além de configurar um problema de organização interna do serviço, o desconhecimento da consulta de enfermagem como direito, trata-se de um aspecto histórico de representação social, onde o enfermeiro/enfermeira ainda não é reconhecido pela população como um profissional que tem competência para se responsabilizar em acompanhar a gestante. A visão medicalizada assistencial, na perspectiva da atenção médica exclusiva, reforça um modelo assistencial centrado nas queixas físicas.
Realmente a consulta de enfermagem precisa que seja vista como uma atividade que a gestante deve realizar não só para tomar a vacina contra o tétano, mas onde ela possa ser acompanhada durante todo o pré-natal de baixo risco, além de poder expressar suas dúvidas e necessidades com mais facilidade (Maria da Concepção).
Esta forma de acesso à consulta de enfermagem também foi evidenciada no trabalho de Cruz12, que ao chamar a atenção à maneira como o médico se referia à enfermeira para "encaminhar" a gestante para a consulta de enfermagem revelou ainda, segundo a autora, "a relação de poder" entre esses profissionais. A autora transcreve a seguinte fala do médico: "Agora a senhora vai ser encaminhada para as meninas da enfermagem para tomar a vacina e receber orientações".
Outro aspecto que as enfermeiras que atendem no HUUMI chamaram a atenção, quanto à consulta de enfermagem e já fazendo a relação desse "espaço" para a realização das ações educativas durante o pré-natal, foi o excessivo número de impressos, além do cartão da gestante, que elas têm que preencher, principalmente durante a realização do primeiro atendimento à cliente. São as anotações no livro de registro das gestantes, no prontuário para preencher a ficha obstétrica e a evolução e no boletim de produção individual, o qual é utilizado para o controle da produtividade de cada profissional.
Eu tento passar todas as informações necessárias para a cliente de acordo com o seu trimestre gestacional. Como o tempo é curto para a demanda atendida e há o excesso de burocracia (registro e anotações) não sei se a gestante ficou com dúvidas, o que prejudica o processo ensino-aprendizagem e em geral ela só escuta sem participar (Natividade).
O tempo médio da consulta de enfermagem no pré-natal, no período de observação desta pesquisa, variou entre 15 a 20 minutos nas consultas subseqüentes e 20 a 30 minutos nas consultas de primeira vez. O número máximo de atendimento foi em torno de 14 gestantes por turno e a faixa etária das clientes atendidas era de 18 a 24 anos. Estes dados (número de gestantes atendidas, tempo utilizado na consulta e a faixa etária das gestantes) revelam aspectos que devem ser destacados.
Com relação à faixa etária, esses dados são relevantes quando temos um estudo conduzido no Estado do Maranhão13, indicando que mães menores de 20 anos de idade representaram 13,3% do total de gestantes do Estado e 31,8% encontravam-se na faixa etária de 20 a 24 anos, o que corresponde, em média, à mesma faixa etária das mães atendidas no ambulatório do HUUMI. Cabe ressaltar que neste serviço existe o atendimento para pré-natal de alto risco para o qual são encaminhadas as adolescentes grávidas.
As mães mais jovens têm um risco perinatal mais elevado, menor experiência e a gravidez pode representar uma grande pressão psicológica, principalmente entre as primigestas, o que exige uma assistência voltada não somente para o aspecto físico mas, também, para o emocional e para a educação em saúde.
De acordo com o Informe Epidemiológico da Secretaria Municipal de São Luís, a taxa de mortalidade materna foi de 70,2 por 100 mil nascidos vivos, com um número absoluto de 14 óbitos de mulheres de 10 a 49 anos13. Ainda é ressaltado nesta publicação que 90% das mortes maternas podem ser evitadas se a mulher receber assistência de boa qualidade no pré-natal, no parto e durante as intercorrências obstétricas.
A efetividade do atendimento pode ser medida quando avaliamos o impacto ocasionado no nível de saúde por meio dos indicadores de mortalidade, morbidade, demográficos, socioeconômicos e ambientais, o impacto das ações de saúde nas condições de vida da população.
Vale destacar que a assistência pré-natal não deve focalizar apenas no biológico para ser adequada, sendo imprescindível organizá-la a partir de necessidades e circunstâncias sociais e ambientais da gestante; para isso, necessário se faz que os profissionais de saúde estejam preparados para ouvir as queixas das gestantes e esclarecerem suas dúvidas para melhor oportunizar a educação em saúde e, conseqüentemente, fazerem da mulher partícipe.
É notório que os médicos não assumem esse papel apesar da ação educativa ser importante para a promoção da saúde. Às vezes os médicos nem falam para as gestantes que devem tomar a vacina contra o tétano, para que, e quando tomar, fazendo parecer que isso só cabe à enfermeira (Paula Freire).
Neste sentido, é importante educar a equipe para uma visão integrada do cuidado da mulher numa concepção de saúde que transcenda os determinantes biológicos. Esta postura de trabalho também chama atenção de Zampieri e Bruggemann6 ao referirem que todos os profissionais que integram a equipe de saúde devem desenvolver entre si um espírito de reflexão, decisão e trabalho, que redundem em ações educativas, que promovam saúde para a população.
De acordo com o PAISM/MS2, a assistência pré-natal constitui um conjunto de procedimentos clínicos e educativos com o objetivo de promover a saúde e identificar precocemente problemas que possam resultar em risco para a saúde da gestante e do concepto. Portanto, não cabe apenas a(o) enfermeira(o) desenvolver a ação educativa durante o pré-natal, já que esta atividade faz parte da assistência voltada para esse período.
Por outro lado, é importante, também, que o profissional disponha de tempo para que possa organizar melhor a assistência pré-natal e pôr em prática as ações educativas durante a consulta, nesse período.
Com relação ao tempo, como foi relatado anteriormente, a média de duração da consulta de enfermagem no pré-natal, no período de observação desta pesquisa, variou entre 15 a 20 minutos nas consultas subseqüentes e 30 minutos nas consultas de primeira vez. Segundo o parâmetro estipulado pela Organização Mundial da Saúde, a média é de 16 consultas (médicas ou de enfermagem) por turno de trabalho com o tempo de 15 minutos por cliente12. Portanto, as consultas de enfermagem observadas decorreram em um tempo maior que a média estabelecida; porém, como não há agendamento prévio, não há uma organização no tempo de realização dessas consultas. Ressalta-se que este tempo da consulta variou em função do trimestre gestacional, além do tipo de consulta (primeira ou subsequente) e que no turno vespertino a demanda é menor, tendo sido observado um dia em que só houve cinco atendimentos.
De acordo com as falas das enfermeiras, em virtude das mesmas não terem a sua consulta agendada, não sabem previamente quantas consultas de primeira vez ou quantas subseqüentes terão que atender, o que, segundo elas, dificulta o andamento das consultas e, conseqüentemente, haverá, na maioria das vezes, menos tempo para as ações de educação em saúde para as gestantes que são atendidas pela primeira vez, já que há mais impressos para preencher.
Ás vezes eu começo a fazer as consultas com poucos prontuários sobre a mesa, nesse momento eu consigo ouvir mais as gestantes e posso dar as orientações com calma. De repente, a auxiliar traz vários outros prontuários e aí automaticamente eu começo a me preocupar com o tempo da consulta, principalmente se houver muitas gestantes de primeira vez (Paula Freire).
Na tentativa de superarem suas dificuldades no trabalho, as enfermeiras procuram estabelecer um diálogo com a gestante e criar uma atmosfera de confiança, chamando-a pelo nome. Evitam usar termos técnicos, preferindo palavras mais simples, investigam se há alguma queixa e o que a cliente sabe sobre a gestação, aleitamento materno e sobre a vacina contra o tétano neonatal.
No decorrer da consulta, além dos questionamentos iniciais, as enfermeiras apresentam para a gestante um impresso contendo várias informações importantes com relação aos cuidados com o corpo, vestuário, higiene, alimentação, sono e repouso, entre outras, lendo para elas e complementando, quando necessário. Em caso de existir muitas gestantes à espera do atendimento e a cliente atendida for alfabetizada, esta é orientada para que faça uma leitura minuciosa em casa, salientando à gestante a importância daquele conteúdo para o seu bem-estar.
Segundo as enfermeiras, as orientações dadas às gestantes são relacionadas com o trimestre de gestação em que estas se encontram no momento da consulta; porém, as questões relativas ao aleitamento materno e ao ganho ou perda de peso sempre são abordadas independente da idade gestacional.
Antes mesmo de o hospital receber o título de Hospital Amigo da Criança eu já me preocupava em orientar as mães sobre os cuidados com as mamas, observando o tipo do mamilo e informar sobre a importância do aleitamento materno, principalmente nos seis primeiros meses. Por isso, mesmo as orientações sendo dadas de acordo com o trimestre da gestação, em todas as consultas que a gestante retorna eu falo do aleitamento (Maria da Concepção).
Como o aleitamento materno é essencial para o bebê e a mãe deve ser estimulada e preparada para oferecer o seu leite exclusivamente até o sexto mês, desde a sua primeira consulta e em todas as consultas subseqüentes eu falo sobre esse tema (Natividade).
Aqui as orientações são dadas de acordo com o trimestre gestacional e o acompanhamento do peso e da pressão arterial em todas as consultas (Maria do Bom Parto).
A sala da consulta de enfermagem é ocupada por duas enfermeiras que fazem atendimentos simultâneos, o que declina a qualidade da consulta, em face da não privacidade da cliente. Mesmo assim, observamos que ao ser conhecida pela gestante esta função e finalidade do espaço da consulta, um clima de confiança e cordialidade é construído como ficou registrado nas consultas subseqüentes, no comentário de uma gestante atendida pela segunda vez por uma das enfermeiras: "Eu trouxe os exames e ultra-som para o médico, ele olhou, mas não me disse nada e me devolveu. Passei aqui pra mostrar para a senhora e a senhora me explicar".
Nesta fala, fica claro que a enfermeira possibilitou uma maior identificação profissional-cliente; isto parece ser um referencial para a consulta de enfermagem como percebemos em um outro momento, e o estabelecimento da confiança entre profissional e cliente, como nesse outro exemplo: "Eu vim tentar marcar uma consulta com outro médico, mas só tem ficha para o mesmo doutor de antes, aí eu não quis. Ele não examina, não pergunta nada e não me diz nada. Eu preferi vir com a senhora".
Importante ressaltar que a consulta de enfermagem, sendo realizada em sala comum por duas enfermeiras que atendem no pré-natal, gera algumas dificuldades para o processo de trabalho da enfermeira, tais como: o ruído da comunicação, pelas falas das enfermeiras simultaneamente; interrupções, ora pela auxiliar que traz os prontuários, ora por gestante querendo ser atendida "só para tomar a vacina", além da entrada de outros profissionais com problemas administrativos para que uma das enfermeiras, que também respondia pela chefia do ambulatório, fosse resolvê-los; ausência de privacidade das gestantes e descontinuidade do ritmo da consulta.
Segundo o Ministério da Saúde11, entre as demais condições básicas para a organização da assistência pré-natal faz-se necessário uma área física adequada, onde a privacidade é um fator essencial para a consulta e para o exame clínico ou ginecológico. O que evidenciamos neste estudo não corresponde às normatizações oficiais.
Nesse contexto, damos ênfase à comunicação por ser um veículo facilitador para compreender e compartilhar mensagens enviadas e recebidas. E nas circunstâncias em que elas se dão no serviço de enfermagem, evidenciamos barreiras que precisam ser superadas. É importante que as mensagens e o modo como se dá este intercâmbio influenciem no comportamento das pessoas nele envolvidas a curto, médio e longo prazo.
A comunicação em enfermagem constitui-se um instrumento básico para o cuidado de enfermagem. Uma necessidade humana básica, uma competência que a enfermeira deve desenvolver. E é esta competência que usada de modo terapêutico vai permitir à(o) enfermeira(o) atender o paciente em todas as suas dimensões.
Quando eventualmente acontece de uma das enfermeiras não comparecer ao serviço, há uma tentativa por parte da profissional que está atendendo de desenvolver uma ação educativa coletiva. Mas, em razão das constantes interrupções, essa tentativa é frustrada como percebemos na fala da Maria da Concepção.
O espaço físico é inadequado para que se desenvolva alguma técnica de ensino. Às vezes quando a colega não está atendendo eu coloco duas ou três gestantes que estão no mesmo trimestre e dou as orientações de uma só vez para aproveitar o tempo, mas por causa das constantes interrupções não dá para elas se sentirem à vontade, além de dificultar a ação.
Em síntese, diante da descrição e crítica da realidade do serviço, inferimos que as condições nas quais as enfermeiras realizam a consulta de enfermagem têm alcance limitado para envidar estratégias educativas em saúde, para o fortalecimento individual e/ou coletivo das gestantes.
Este processo de avaliação não se fez sem dificuldade; porém, a despeito e/ou apesar de todos os óbices, essa experiência valeu a pena. Ela nos levou, pesquisadora e enfermeiras participantes como sujeitos da pesquisa, a reflexões no sentido de apontar que a assistência pré-natal para a promoção da saúde da gestante não reflete as idéias que foram objetos de avanço na década de 80, como, por exemplo, a garantia da participação da mulher na conquista da sua cidadania, no que diz respeito à dificuldade de acesso à informação sobre seu corpo, sua gestação e seu parto.
O que vimos neste estudo foi o incentivo do aumento da cobertura em detrimento da qualidade, o que não responde às diretrizes das questões normativas das ações básicas de promoção da saúde que propõe a simultaneidade dessas ações.
A saúde como direito deve romper com a visão assistencialista, mecanicista do corpo e apontar para o diálogo, socialização de saberes e práticas entre profissionais e clientes, tanto na prevenção quanto na cura. As relações que se estabelecem entre enfermeiras e gestantes nestas condições organizacionais e assistenciais que se apresentam oferecem limitadas possibilidades de se estabelecer uma comunicação efetiva que possa contribuir para o entendimento da mulher sobre sua condição de saúde, potencialidades e capacidades de mudanças pessoal e familiar. Ainda nessa perspectiva, a contribuição da consulta de enfermagem para a educação em saúde é prejudicada por ser permeada de ruídos, bloqueios e descontinuidade no processo comunicativo, mas significativa no aspecto da humanização devido à postura pessoal de suas executoras.
Como ficou visível no bojo das falas das participantes, há necessidade de se gerar esforços para a realização da assistência educativa como forma de melhorar o impacto dessa ação na saúde física, mental e emocional da gestante durante o pré-natal, quer individualmente ou mesmo coletivamente, sendo importante para isso que a consulta de enfermagem deixe de ser apenas um local de realização da vacina para a gestante ou local para esclarecer algumas informações que o médico não fez ou ainda um local para atender a demanda reprimida.
Por fim, este estudo aponta que, apesar das dificuldades encontradas, faz-se necessário a persistência dos profissionais de enfermagem no sentido de que sejam implementadas atividades que visem à melhoria das ações educativas no pré-natal e que o enfermeiro tenha seu papel reconhecido nesse contexto.
Colaboradores
CTF Rios trabalhou na concepção, na metodologia, na pesquisa, na análise e interpretação dos dados e na redação do artigo e NFC Vieira, na orientação do trabalho, revisão crítica da pesquisa e aprovação da versão a ser publicada.
1. Penna LHG, Progianti JM, Correa LM. Enfermagem obstétrica no acompanhamento pré-natal. R. Bras. Enfer 1999; 52( 3):385-391.
2. Ministério da Saúde. Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher: bases de ação programática. Brasília: Ministério da Saúde; 1984.
3. Araújo RT. Importância da educação para a saúde na assistência pré-natal expresso por gestantes de um Centro de Saúde. In: Anais do XVI Encontro de Enfermagem do Nordeste; 1999; Aracajú. p. 5-11.
4. Pereira RLD. Conhecimento de puérperas sobre sinais de trabalho de parto: avaliação das orientações recebidas no pré-natal [monografia de especialização]. São Luís (MA): Universidade Federal do Maranhão; 2002.
5. Santos EF, et al. Legislação em enfermagem: atos normativos do exercício e do ensino de enfermagem. São Paulo: Editora Atheneu; 2000.
6. Zampiere MFM. Humanizar é preciso: escute o som desta melodia. Florianópolis: Cidade Futura; 2001.
7. Saito E, Gualda DMR. O profissional de saúde frente à vivência da dor de parto pela mulher. Revista Técnico-científico de enfermagem 2003; Curitiba, 1(1): 31-36.
8. Freire P. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1987.
9. Saul AM. Avaliação emancipatória: desafio à teoria e à prática de avaliação e reformulação de currículo. 5ª ed. São Paulo: Cortez; 2000.
10. Leopardi MT. Metodologia da pesquisa na saúde. Santa Maria: Pallotti; 2001.
11. Ministério da Saúde. Assistência pré-natal: manual técnico. Brasília: Ministério da Saúde; 2005.
12. Cruz MEC. Assistência pré-natal em Fortaleza: estudo a partir da ótica da gestante e dos profissionais de saúde [dissertação]. Fortaleza (CE): Universidade Estadual do Ceará; 2000.
13. Informe Epidemiológico. Mortalidade materna: ainda um desafio. São Luís: Secretaria Municipal de Saúde; 2002.
Claudia Teresa Frias RiosI;
ctfrios@hotmail.com
Neiva Francenely Cunha VieiraII
IUniversidade Federal do Maranhão. Rua Viana Vaz 230, Centro. 65020-660 São Luís MA. IIUniversidade Federal do Ceará
Ciência& Saúde Coletiva v.12 n.2 Rio de Janeiro mar./abr. 2007
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