A escuta e o diálogo na assistência ao pré-natal, na periferia da zona Sul, no município de São Paulo
Foi realizado um estudo transversal para verificar a importância da escuta e do diálogo na assistência prestada às gestantes no programa pré-natal, em quatro Unidades Básicas de Saúde: duas com modelo Tradicional e duas com modelo em Programa de Saúde da Família (PSF), localizadas na região da Subprefeitura Capela do Socorro, São Paulo. O objetivo foi identificar as percepções das gestantes quanto à escuta e diálogo oferecidos pela equipe pré-natal. Foi colhida uma amostra por sorteio de 50% das gestantes que estivessem no terceiro atendimento. Para as 152 participantes, utilizou-se questionário auto-aplicável, semi-estruturado com algumas perguntas abertas, elaborado após teste prévio. A análise estatística foi feita com os testes G de Cochran e quiquadrado. O número de gestantes que receberam orientações quanto ao funcionamento do Programa foi maior na Unidade Tradicional Icaraí. Percebeu-se que a gestante encontra escuta e diálogo no pré-natal tanto nas Unidades Tradicionais quanto nas com PSF, sugerindo que nos dois modelos de atendimento pode-se realizar excelente trabalho de Saúde Pública.
Palavras-chave: Escuta, Diálogo, Percepções, Sentimentos, Valores
Listening and dialogue in pre-natal assistance in the region surrounding the south zone,
in the municipal district of São Paulo
ABSTRACT
A transversal study was carried out to verify the importance of dialogue and of listening in the care provided to pregnant women, participants of the pre-natal program in four basic Health Units: two of them, using a traditional model and two using the Family Health Program (PSF) model, located at the Subprefeitura (administrative region) of Capela do Socorro, Sao Paulo. The objective was to identify the perceptions of the pregnant women related to listening and dialogue offered by the pre-natal team. A sample was randomly taken from 50% of the pregnant women that were in the third month of attendance. For the 152 participants, a self-applicable and semi-structured questionnaire with some opened questions was used, developed after prior testing. Cochran's G and Chi-square tests were used for a statistical analysis. The number of pregnant women that received guidance regarding the program working method was greater in the Icaraí Traditional Unit. It has been observed that the pregnant woman are heard and there is dialogue during pre-natal care both in the Traditional Units and those in the Family Health Program ( PSF), suggesting that in the two health care models excellent Public Health Care Work can be offered.
Key words: Listening, Dialogue, Perceptions, Feelings, Values
A escuta e o diálogo não são modismos, pois estão impregnados na própria natureza humana. Davi1, há mais de 2.000 anos antes de Cristo, em sua intimidade com Deus dizia: "Escuta, Senhor, a minha voz; estejam alertas os teus ouvidos às minhas súplicas". Esta citação nos sensibiliza à necessidade que temos como pessoas e "sujeitos" em sermos legitimados pelo outro por aquilo que somos. No entanto, podemos dizer que ainda temos muito a compreender sobre esse processo como um todo.
Em muitos círculos públicos, é comum a concepção da escuta como apenas o ouvir o que pode ser perigoso, levando a acreditar que a escuta é instintiva2.
De acordo com Karl Rogers3, quando gostamos de ouvir alguém nos referimos a uma escuta profunda. Seria como se ouvíssemos as palavras,pensamentos,tonalidade dos sentimentos e até mesmo o significado que está oculto às intenções do interlocutor.
A escuta é vista como um processo mental mais sofisticado que o ouvir, pois demanda mais energia e disciplina2. Uma escuta qualificada, no entendimento de Mariotti4, pode ser construída como um processo transparente, através de uma rede de conversação em que abrimos questões, compartilhamos aspirações, questionamos e aprendemos, interagimos com o todo e buscamos a pluralidade de idéias. Por sua vez, o diálogo significa a fala alternada ente duas pessoas5. Segundo Bohm 6, a palavra diálogo vem do grego diálogos. Logos significando "palavra" e dia "através". Em sua concepção, o diálogo ocorre com qualquer número de pessoas e não apenas com duas. Mariotti4 complementa colocando que num grupo que dialoga as palavras circulam entre as pessoas sem que sejam necessários concordâncias, discordâncias, análise ou juízo de valor. Explica ainda que a dinâmica do diálogo está voltada para a formação de redes, de onde surge o nome redes de conversação, propostas para as experiências de reflexão conjunta, geração de idéias, educação mútua e produção compartilhada de significados. O autor também refere que: "Dialogar é antes de tudo aprender a ouvir. O outro precisa ser ouvido até o fim daquilo que ele tem a dizer sem que o interrompamos, seja para concordar, seja para discordar do que ele fala". O exercício de ouvir o outro traz um dos melhores benefícios: ouvir a nós mesmos. Na verdade, "não sabemos ouvir, quando alguém nos fala, ao invés de escutarmos até o fim, começamos a comparar com nossas referências prévias. Além disso, lança ainda a grande questão: "até que ponto tais posturas profissionais afetam a relação com nossos clientes, colegas e comunidade?"
Num ensaio a uma possível resposta, Chiesa & Veríssimo7 reiteram que a troca de informações, crenças, valores e normas permitem que as pessoas em situação de doença experimentem dúvidas, medos e preconceitos que podem gerar insegurança e resistência para a adoção de medidas necessárias. Concebem a comunicação como indispensável para a assistência à saúde, constituindo-se em um recurso que estabelece a confiança, a vinculação do usuário ao profissional e, conseqüentemente, ao Serviço de Saúde. Ressaltam que: "comunicar é fazer algo juntos, levando informação e conhecimento de um para o outro, de maneira tão clara quanto possível, o que só acontece, se ouvirmos livremente uns aos outros". Um dos grandes cenários em que a pesquisa sobre a escuta e o diálogo se torna indispensável é na assistência à gestante no pré-natal, possibilitando mudanças de paradigmas na prática profissional e conseqüente qualidade na atenção oferecida.
Uma das maiores estudiosas da comunicação na assistência à gestante, Stefanelli8 relata que: a gestante, em suas idas e vindas na busca de seus objetivos, experimenta sentimentos contraditórios que, às vezes, a deixam sem rumo para seguir. Tais sentimentos oscilam dentro de um misto de medo, angústia, desesperança, insegurança, felicidade e alegria ao ter a sensação da realização do sonho de quase todas as mulheres-- - ter um filho. A gravidez, no entendimento de Silva9, é um período existencial em que pode ocorrer a reorganização da personalidade da gestante. O estresse e as preocupações vivenciados por esta mulher demandam sua necessidade de apoio por alguém com capacidade de faze-lo.Coloca que o estresse e as preocupações acompanham a mulher em seu período gestacional e, portanto, necessita ser apoiada por alguém com capacidade para fazê-lo. Cita que pequenas atitudes como oferecer um tratamento pessoal, chamá-la pelo nome, acolher a gestante como pessoa, participar das decisões e do diálogo informal com os profissionais são elementos de um atendimento que faz a diferença e não envolvem grandes tecnologias. Em momentos como este que o profissional de saúde intervém, não apenas com seu conhecimento técnico realizando uma abordagem relativa ao aspecto orgânico da gestante, como também possibilitando a escuta, conversa, apoio e incentivo para que a mesma assuma a gravidez 9.
Coimbra et al.10 colocam que a adesão ao programa de assistência pré-natal no Brasil ainda é insatisfatória. Fontes oficiais referem que para o bom êxito deste programa é necessário início precoce, periodicidade aos atendimentos, comparecimento a um número mínimo de consultas, sua integração com ações preventivas. Para que isso aconteça, a gestante deve ser e sentir-se bem acolhida.
Página seguinte |
|
|