Levantamento de registros dos acidentes com cnidários
em algumas praias
do litoral de Pernambuco (Brasil)
Os cnidários estão entre os organismos mais peçonhentos que se conhecem. Caracterizam-se por possuir células urticantes denominadas cnidócitos, e diversas espécies, como as chamadas caravelas e águas-vivas, podem ocasionar danos ao homem. Apesar da pouca atenção dada a este tipo de acidente no litoral brasileiro, os estudos existentes mostram que sua ocorrência é significativa. O presente estudo teve como principais objetivos levantar os acidentes causados por cnidários nos banhistas de algumas praias do litoral de Pernambuco e investigar o conhecimento referente a este tema por parte de profissionais de áreas relevantes. Assim, visitou-se arquivos de hospitais, postos praieiros e grupamento salva-vidas para o levantamento de registros, e foram entrevistados 17 profissionais. Foram levantados registros de 35 acidentes para um período de dois anos na Praia de Boa Viagem (Recife), além de registros informais de uma média de quatro a cinco casos por semana na Praia de Piedade e dois a três casos por semana na Praia de Pontas de Pedras. Em relação ao conhecimento dos profissionais entrevistados, a maioria das respostas está, de forma geral, de acordo com a literatura existente, apesar de ainda haver certo nível de informações inadequadas ou insuficientes em relação ao tema estudado.
Palavras-chave: Animais marinhos peçonhentos, Acidentes, Cnidários, Pernambuco
Survey of cnidarian accident records in some beaches of the coast of Pernambuco (Brazil)
ABSTRACT
Cnidarians are among the most venomous organisms known to man. They are characterized by stinging cells called cnidocytes, and several species, such as the Portuguese-man-of-war and the jellyfish, can cause harm to human beings. Despite not attracting () much attention on the Brazilian coast, the studies that have been carried out to date show that the occurrence of this kind of accident is significant. The aim of this study was to survey cnidarian related accidents with beach goers on some beaches of the state of Pernambuco, as well as to investigate the knowledge of relevant professions on this theme. () Archives of hospitals and life guard posts were visited for the survey, and 17 professionals were interviewed. During the visits, records were obtained for a total of 35 accidents at Boa Viagem Beach (Recife) over a two-year period, as well as informal records of an average of four to five cases a week at Piedade Beach and an average of two to three cases a week for Pontas de Pedras Beach. As to the knowledge of the professionals interviewed, most answers agree, in general, with the literature available, despite a certain level of inadequate or insufficient information on the theme.
Key words: Dangerous marine animals, Accidents, Cnidarians, Pernambuco
O termo Cnidaria origina-se do grego "knide", que significa "urtiga", dando nome ao filo que se caracteriza por animais em cujo tecido encontram-se células urticantes denominadas cnidócitos1. Atualmente, o referido filo está dividido em dois subfilos: Anthozoa e Medusozoa. Entre os medusozoários, Migotto et al.2 citam 373 espécies para o Brasil: 347 da classe Hydrozoa, 3 de Cubozoa e 23 de Scyphozoa. Os cnidários estão entre os organismos mais venenosos e peçonhentos que se conhecem, e seu arsenal químico vem despertando interesse farmacológico3. Entretanto, o interesse humano maior está voltado para um problema ocasionado por esses animais: as chamadas "queimaduras" 4.
Tecnicamente, os acidentes com cnidários não são queimaduras, embora o aspecto exterior lembre queimaduras solares ou por água quente. As lesões são provocadas por uma fração do veneno desses animais, que agride a epiderme. As lesões variam de linhas avermelhadas e dolorosas até bolhas ou mesmo feridas na pele, mas estas formas mais graves são raras nos acidentes com espécies que ocorrem no litoral brasileiro, entretanto segundo Haddad Jr. et al. 5 e Haddad Jr.6, as quatro principais espécies de cnidários ligadas a acidentes com seres humanos no Brasil são os cubozoários Tamoya haplonema F. Mueller, 1859 e Chiropsalmus quadrumanus (F. Mueller, 1859), também conhecidas como águas-vivas e os hidrozoários Physalia physalis (Linnaeus, 1758), a caravela, e Olindia sambaquiensis (F. Müller, 1861). O veneno é uma mistura de vários polipeptídeos, produzindo ações tóxicas e enzimáticas na pele humana7; contém fosfolipases A e B, enzimas proteolíticas e lipídios neutros 8.
O veneno dos cnidários está localizado nos cnidas, organelas complexas secretadas pelos cnidócitos e liberadas como forma de defesa. Muitos tipos de nematocistos, um dos cnidas ligados aos acidentes com seres humanos, possuem uma estrutura semelhante a um arpão que injeta diversas toxinas na vítima, podendo causar problemas neurológicos, cardiológicos e cutâneos9. Além disso, a ação do veneno pode causar efeitos tóxicos e alérgicos, e até mesmo a morte4.
No entanto, as propriedades peçonhentas de um cnidário dependem não somente da composição química do veneno, mas também da quantidade de nematocistos descarregados e da capacidade dos mesmos de penetrar na pele da vítima. Conforme Migotto et al.3, a gravidade das lesões ocasionadas por cnidários também muda conforme a espécie, o tipo de cnida, a área do corpo atingida, o tempo de contato, a idade, o estado de saúde da vítima e a sensibilidade de cada pessoa.
Apesar da pouca atenção dada aos acidentes com animais peçonhentos marinhos no litoral brasileiro, os estudos existentes mostram que a ocorrência deste tipo de acidente é significativa. Um pesquisador constatou que em Ubatuba, litoral norte de São Paulo, um em cada mil atendimentos no pronto-socorro local era referente a acidentes com animais marinhos, um número alto quando se leva em conta que a maioria das pessoas que sofrem esse tipo de acidente sequer procura auxílio médico10.
Até pouco tempo atrás, se acreditava que no Brasil os acidentes com cnidários mais importantes estariam relacionados às chamadas caravelas (classe Hydrozoa) e às águas-vivas ou mães d'água (classe Scyphozoa)7. Entretanto, estudos mais recentes11,5 mostraram que as cubomedusas (classe Cubozoa) também são representativas entre os acidentes registrados: em um único estudo realizado no litoral de São Paulo por Haddad et al.5, em que 20 dos 49 acidentes registrados foram causados por estes animais.
O presente estudo teve como principais objetivos levantar os acidentes causados por cnidários nos banhistas de algumas praias do litoral de Pernambuco e investigar o conhecimento referente a este tema por parte de profissionais de áreas relevantes.
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