É impossível pensar o problema da moradia popular sem discutir, imbricadamente, as relações sociais de produção. O morar, como uma das funções reprodutivas sociais, não deixa de estar subordinado aos imperativos da expansão do capital. É neste sentido, que nos remetemos ao processo de apropriação capitalista da práxis social, que implica a constituição de um "modo de ser", capitalista, que extrapola as relações de trabalho e inscreve-se na vida do ser social.
As metamorfoses hodiernas no processo de acumulação do capital conformam novas formas de objetivação e subjetivação, novas representações dos seres sociais em todas as suas dimensões, tanto dentro como fora do trabalho.
Palavras-chave: luta pela moradia, mundo do trabalho, fragmentação social.
Diante da nova ofensiva do capital para recuperar sua hegemonia perante a crise estrutural vivida, podemos supor que somente a práxis sindical é afetada vivenciando um momento de crise, de intensificação da captura da sua subjetividade e incorporação da racionalidade capitalista. Todavia, partimos do pressuposto que vivenciamos uma crise da política da classe, ou seja, uma crise da práxis política da classe trabalhadora. Assim, se o que está em jogo é uma questão de classe, toda a práxis social está igualmente envolvida, e isto, claro, não deixa de incluir e abranger os conflitos do âmbito da esfera da reprodução, como a luta por moradia.
Isto porque a nova ofensiva do capital trata-se exatamente da sua expansão enquanto relação social para todos os âmbitos e não mais apenas no âmbito da produção. Seu alvo vai além das relações de produção, se amplia, assim, para além do mundo fabril, busca o controle social para recuperar sua hegemonia e manter o status quo. É a submissão de todas as relações sociais à lógica mercantil, ao imperativo da expansão do capital através de uma nova investida na subjetividade do trabalhador que tem como conseqüência maior justamente a sua fragmentação enquanto classe. A debilidade e falta de perspectiva de classe é sentida na prática organizativa tanto dos movimentos diretamente ligados à produção, como o sindical, como nos movimentos e/ou entidades identificados na esfera da reprodução, como os movimentos por moradia, de gênero, ecológicos, ou mesmo, como no caso por nós estudado, de entidades comunitárias como as associações de moradores.
Neste sentido, a base teórico-metodológica que nos fundamenta é a discussão da fragmentação dos momentos sociais da produção e da reprodução na práxis fetichizada, no caso, das entidades comunitárias e sindicais de Presidente Prudente/SP. O ponto de partida para tal discussão, é a necessidade premente de ampliar a análise da questão da moradia para além da unilateralidade da esfera da reprodução. Ou seja, pensar a dicotomização do viver/morar x trabalhar, como uma dicotomização forçada e não natural, pois é fundada na divisão social e técnica do trabalho.
Isto se faz possível, a medida que consideramos que as atuais transformações societais, mais precisamente as do processo de acumulação do capital, implica mudanças na subjetividade do ser social, nas representações de classe em todas as esferas da vida, ou em outras palavras, tanto dentro como fora do trabalho.
Neste sentido, a partir do objetivo maior que é discutir a relação entre o problema da moradia e o mundo do trabalho para pensar a fragmentação das lutas sociais (cujo significado reivindicativo é específico, atomizado, imediatista), intentamos apontar neste texto, através das Associações de Moradores e dos Sindicatos dos Trabalhadores de Presidente Prudente, alguns dos aspectos que demonstram como a nova sociabilidade do capital afeta e divide a vida dentro e fora do trabalho.
Assim, como apresentamos aqui apenas uma pequena parte da discussão que vimos realizando em nossa dissertação de mestrado, salientamos que não é nosso objetivo neste texto apontar conclusões, ou, muito menos, esgotar a discussão. Desta maneira, no presente texto, nos limitamos a destacar, primeiramente, que as relações sociais, tanto as identificadas como pertencentes à esfera da produção como as da esfera da reprodução, são indistintamente apropriadas pela lógica do capital. Por conseqüência, ao debruçarmos, posteriormente, sobre a experiência dos Sindicatos dos Trabalhadores de Presidente Prudente, apontando o seu enquadramento econômico-corporativo (fragmentação territorial e corporativa) que podem ser entendidos no contexto maior da crise do sindicalismo, percebemos que, na verdade, o que está em jogo é a práxis política da classe, já que vivenciamos a ampliação do capital enquanto relação social que não se restringe mais ao mundo fabril, isto é, o mundo do trabalho tampouco se restringe apenas à fábrica.
Esta discussão nos remete a observar, através, então, das Associações de Moradores da mesma cidade, como impera a reificação do mercado e a captura da subjetividade do ser social (por meio de novas representações constituídas no contexto das metamorfoses hodiernas) também neste âmbito, dificultando a percepção de que a luta pela moradia deveria ser uma luta para além de quatro de paredes, da mesma maneira que a luta sindical deveria ser uma luta para além o chão da fábrica, mas uma luta pela unificação orgânica.
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