Qualificação do trabalho: adestramento ou liberdade? Uma contribuição para o entendimento dos desafios postos ao movimento sindical diante da reestruturação produtiva do capital



  1. Resumo
  2. Formato societal do trabalho no século XXI e o metabolismo do capital
  3. A qualificação ou adestramento do trabalho?
  4. Institucionalização e financiamento da qualificação do trabalho
  5. Os desafios para os trabalhadores e para o movimento sindical. Rumo à liberdade?
  6. Arriscando perspectivar
  7. Bibliografia

Resumo

Neste texto nos referenciamos no empreendimento da qualificação do trabalho, para refletir os desdobramentos da reestruturação produtiva do capital para o movimento sindical. Priorizaremos estender a interlocução para além da Geografia, pretextando entender o mundo contemporâneo, a partir de suas continuidades e descontinuidades. Para tanto, a reflexão do quadro posto supõe contemplar as relações que dão fundamento ao temário da educação para o trabalho, sobretudo com a entrada em cena do Estado, através do FAT e do PLANFOR, das instituições do sistema S, ONG’s, entidades sindicais etc. Isso nos permitirá discutir a inserção do sindicalismo na seara da qualificação do trabalho, bem como as novas formas de atrelamento e adestramento do trabalho, coadunados aos novos instrumentos de dominação dispostos pelas classes dominantes e os desdobramentos para o movimento sindical.

Palavras chave: trabalho/ movimento sindical/ reestruturação produtiva/ qualificação profissional/ dominação.

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Este ensaio se apresenta com o propósito de debater os principais aspectos que compõem o temário da qualificação do trabalho ou as variações que essa nomenclatura assume nos últimos tempos, e suas ligações com o metabolismo societários empreendido pelo capital. Para tanto se faz necessário ampliar a interlocução com pesquisadores de outras áreas do conhecimento que se dedicam à temática do trabalho, ou seja, se faz necessário ultrapassar as linhas demarcatórias da Geografia, pautado, pois pela prerrogativa de entender o mundo contemporâneo, considerando suas continuidades e descontinuidades, as formatações territoriais resultantes e as complexas tramas sociais que se redefinem e dão lastro à estrutura societária vigente.

É na centralidade do trabalho e na razão de inspiração ontológica do ser social, que se assenta a matriz teórica ou o ponto de inflexão principal para o trabalho que se anuncia - ainda que essa trajetória venha sendo trilhada ao longo dos últimos anos - sendo essa pois, a temática que estou direcionando as minhas pesquisas, bem como orientações acadêmicas, nos diversos níveis1.

A par disso, saliento que o assunto que escolhi para desenvolver as reflexões que por hora apresento, a qualificação do trabalho, está ancorado na preocupação de debater as repercussões da reestruturação produtiva do capital e os efeitos sobre o trabalho, todavia, me mobiliza intelectualmente para dimensionar as complexas relações sociais que são a base fundante tanto teórica quanto empírica, e fonte inspiradora de novas pesquisas. Sabendo, pois, que rebatem direta ou indiretamente sobre os esquemas de dominação de classe, mais precisamente às estruturas que garantem a reprodução do metabolismo social dominado pelo capital e exercido sobre toda a sociedade, em particular sobre o trabalho e que através do controle social2 impede que a luta anticapitalista se desenrole dentro e fora do trabalho, ou seja, que unifique ações conjuntas entre movimento operário e os demais movimentos sociais3.

Tem-se, então, o eixo principal para direcionar as reflexões em pauta, assumindo a escala de mediações (políticas, econômicas, culturais, étnicas etc), que ligam diretamente às reflexões sobre o trabalho ao movimento operário e particularmente ao movimento sindical no Brasil, e quais os significados dessa processualidade nos lugares ou ainda, quais as dinâmicas territoriais que qualificam e dão sentido e magnitude à sociedade vista através das lentes da Geografia.

O percurso a ser seguido, neste texto, contemplará também, reflexões que nos permitam problematizar a respeito das relações que dão fundamento à temática educação para o trabalho, sobretudo com a entrada em cena do Estado, através do FAT e do PLANFOR, das instituições que tradicionalmente atuam na área e que compõem o que ficou conhecido como sistemaS (SESI, SESC, SENAI, SENAR), as entidades sindicais - especificamente as centrais sindicais -, ONG’s e demais entidades. Isso nos permitirá apreender e polemizar a respeito da inserção do sindicalismo na seara da qualificação do trabalho, as novas formas de atrelamento e, consequentemente, de dominação do trabalho ao capital/Estado e os desdobramentos para o movimento sindical em especial. Aliás, essa é a centralidade posta nesse ensaio.

Formato societal do trabalho no século XXI e o metabolismo do capital

É importante notar que é particularmente a partir do início dos anos 70 que o quadro da crise estrutural do capital abateu o conjunto das economias capitalistas, em especial os países centrais num primeiro momento, e foi capaz de produzir repercussões de elevada magnitude, nunca antes vista, particularmente para os trabalhadores.

Têm-se aqui, as pistas necessárias para o discernimento entre as experiências que ocorreram nos países centrais do sistema do capital e as que estão em consecução no Brasil. Ou seja, enquanto naqueles países o debate sobre qualificação profissional, competência e habilidades se fez presente juntamente às mudanças nos processos de trabalho e nos sistemas de relações de trabalho, no Brasil, por sua vez, esse assunto entra em cena como elemento do discurso dos gestores da política econômica.

É oportuno refletir, então, ainda que apressadamente, sobre os efeitos da nova política econômica e sobre o emprego. Os números revelam um quadro caótico. A título de exemplo, entre 1989 e 1993, foram eliminados 1,3 milhão de empregos formais com o agravante de que, os estabelecimentos com mais de 50 empregos exterminaram aproximadamente, 1,5 milhão de postos de trabalho (Dedecca, 1998). Na região sudeste, a magnitude do processo foi maior, com 1,1 milhão, sendo que, na atualidade, de cada 10 postos de trabalho consumados, 7 encerram-se na informalidade, só que no ano de 1999, dos 418.000 vagas preenchidas, 94% encerraram-se sem carteira de trabalho assinada4.

Com uma população economicamente ativa (PEA), em torno de 80 milhões de trabalhadores, o Brasil retrata, seguramente, uma complexa trama de relações que faz transbordar as mazelas e as contradições estruturais do sistema metabólico do capital. Em especial, no que se refere ao mercado de trabalho ou mais precisamente, às clivagens produzidas por conta da ausência de um sistema público de emprego e educação adequados e, às vistas de uma escalada irrefreável do desemprego, e do subemprego ou da precarização crescente das relações de trabalho5.

Isso se deu às expensas de procedimentos que impulsionaram a superexploração do trabalho, face a ganhos de produtividade elevados, sem redução de jornada e impactado pela veloz redução do trabalho vivo em detrimento do trabalho morto, ou a busca constante do capital em direção ao aumento da sua composição orgânica e de novas formas de gestão do processo de trabalho, como, por exemplo, a terceirização6, os Círculos de Controle de Qualidade (CCQ), a flexibilização do processo de trabalho, etc.

Soja é taxativo, quando afirma que: "No capitalismo contemporâneo (deixando de lado, por ora, a questão da transição e da reestruturação, suas causas, seu momento etc), as condições subjacentes à continuação da sobrevivência do capitalismo se modificaram" (1993: 111).

Contingencialmente, tudo isso motivou a entrada em cena da boa máxima do terceiro setor, como forma alternativa de ocupação do trabalho7, mas nunca se supõe portadora de ímpeto transformador da lógica do capital. No limite, esse processo expressa sua face mais cruel no desemprego estrutural ou setorial, com implicações de grande amplitude sobre a esfera da subjetividade do trabalho8.


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