Este trabalho teve como objetivo a caracterização morfológica e físico-hídrica de uma toposseqüência de solos sob floresta nativa de uma parcela permanente de 320 x 320 m, instalada na Estação Ecológica de Assis (SP). A vegetação da parcela consiste em um remanescente de Savana Florestada (Cerradão) da zona limítrofe sul do grande domínio do Cerrado. O estudo da geometria bidimensional (horizontal e vertical) dos horizontes em uma toposseqüência possibilitou o detalhamento da morfologia do solo. Para estudar a dinâmica da água no ambiente de desenvolvimento das plantas nativas, foram obtidas curvas de retenção, análise granulométrica e medidas de condutividade hidráulica saturada no campo, utilizando o permeâmetro de Guelph. O monitoramento da umidade do solo in situ, utilizando o sensor WCR, e da distribuição de chuvas foi realizado no período de novembro de 2003 a novembro de 2004. Os solos foram classificados de montante a jusante em Latossolo Vermelho, Latossolo Vermelho-Amarelo, Latossolo Amarelo e Gleissolo Háplico. O alto teor de argila no horizonte de subsuperfície do Gleissolo, em contraste aos Latossolos com maior teor de areia, determina menor drenagem, maior retenção hídrica e baixa condutividade hidráulica nesta camada, não atingindo a saturação em nenhum momento do ano monitorado. O comportamento físico-hídrico dos solos é influenciado pelas condições do relevo, evidenciado pela transição lateral contínua de cor, textura e estrutura dos solos na toposseqüência, e pela pluviosidade. Em superfície, ocorre uma oscilação da umidade do solo intimamente ligada a eventos chuvosos. Em subsuperfície, este efeito é menos intenso, sendo deslocado no tempo. A disponibilidade de água em toda a toposseqüência é limitada na estação seca e também em parte da estação úmida, o que deve definir as características florísticas da formação florestal da parcela e determinar a distribuição espacial do mosaico vegetacional.
Termos de indexação: Cerrado, Latossolo, vertente, umidade do solo, retenção de água.
SUMMARY: The aim of this study was to characterize the morphological, physical and hydraulic soil properties in a toposequence under native plant cover in a permanent observation plot of 320 x 320 m installed in the Assis Ecological Station, São Paulo State, Brazil. The plot is covered by a remnant Savanna Woodland (Cerradão) vegetation of the southern border zone of the great Cerrado domain. The bi-dimensional geometry (horizontal and vertical) of the soil horizons in a toposequence provided details on the soil morphology. The soil water dynamics in the native plants environment was studied through determination of the soil-water retention curves as well as soil particle-size distribution, and saturated soil hydraulic conductivity using the Guelph permeameter. Soil moisture was measured in situ using a WCR sensor. Soil moisture and rainfall distribution were monitored from November 2003 to November 2004. The soils were classified, from the summit down to the footslope, as Rhodic Haplustox, Typic Haplustox and Epiaquic Haplustult. The high clay content in the subsurface horizon of the Epiaquic Haplustult, when compared to the Oxisols with greater sand content, determines less drainage, greater water retention and lower hydraulic conductivity. The soil moisture in this layer never attained the saturation during the study period. Soil water dynamics were influenced by relief conditions, as evidenced by the continuous lateral color transition, soil texture and structure, and by rainfall. At the soil surface, the soil moisture oscillation is closely related to the rain events. In the subsurface, this effect is less intense, and lagged in time. The water availability along the toposequence is limited in the dry season and in part of the wet season. The floristic characteristics of the forest formation and its mosaic distribution in the plot can be explained by the seasonal water availability.
Index terms: Cerrado, Oxisol, soil moisture, water retention.
O Cerrado é a segunda maior formação florestal em área ocupada no Brasil, concentrada na região Centro-Oeste e abrangendo ainda parte das regiões Nordeste, Norte e Sudeste (Alho & Martins, 1995). Esta formação florestal, que ainda cobre cerca de dois milhões de km2 da superfície do território nacional (Macedo, 1996), tem sido rapidamente destruída e substituída pela agricultura e silvicultura (Durigan et al., 1994). No Estado de São Paulo, por exemplo, a redução das áreas inicialmente cobertas por Cerrado foi de aproximadamente 87 %, no período de 1962 a 1992. Isto resultou em uma elevada fragmentação deste bioma, com 71,3 % dos fragmentos remanescentes ocupando área menor que 0,2 km2 e apenas 0,46 % ocupando mais de 4,0 km2 (Kronka et al., 1998).
A Savana Florestada (Cerradão), segundo a classificação de Veloso et al. (1991), é uma das subunidades fitogeográficas do Cerrado, de fisionomia florestal com árvores de até 15 m de altura, formando um dossel contínuo e ausência de gramíneas, ocorrendo em clima tropical eminentemente estacional. A ordem de solo predominante no Cerrado brasileiro é o Latossolo, que ocupa 48,8 % da área total deste bioma (Macedo, 1996) e representa a zona de maior potencial de biodiversidade sob Cerrado (Brasil, 2002).
Ao estudar o solo em condições naturais, tornam-se conhecidas as características e propriedades do solo e a dinâmica da água em que a vegetação original se desenvolve. O uso desse conhecimento é importante para o planejamento da restauração de áreas degradadas (Rodrigues & Gandolfi, 1998), a partir da seleção de espécies nativas adaptadas ao solo e às condições ambientais dos locais destinados à revegetação (Rosa et al., 1997), a fim de formar-se uma floresta a mais próxima possível da nativa (Kageyama & Gandara, 2004) e restabelecer a biodiversidade regional por meio de corredores de vegetação entre os fragmentos remanescentes (Brasil, 2002). A execução destas práticas de conservação do solo e da água pode ainda trazer outros benefícios, tais como: restaurar o padrão mais próximo possível do original de um solo degradado ou redistribuído pelo uso agrícola (Phillips et al., 1999).
O clima, o material de origem, a forma da vertente, os processos geomorfológicos e a infiltração de água, atuando de maneira conjunta, são alguns dos elementos responsáveis pela formação de solos diferenciados em uma mesma vertente. Nas últimas décadas, o estudo pedológico da vertente por meio de toposseqüências de solos tem apontado para influência de outros fatores de formação no desenvolvimento das características e propriedades dos solos (Rocha & Carvalho, 2003).
O solo é um corpo contínuo que não se apresenta sob a forma de perfil vertical. Os perfis verticais são somente um produto do trabalho intelectual dos pedólogos concebido para facilitar a sua análise e delimitação na paisagem (Boulaine, 1982). Os maiores erros em classificação e mapeamento de solos são decorrentes da definição de unidades de mapeamento a partir de um pequeno conjunto de perfis de uma mesma classe de solo, o que é feito de modo subjetivo, provocando incongruências entre o sistema de classificação e a variabilidade contínua natural dos solos (Triantafilis et al., 2001).
Bocquier (1973) definiu toposseqüência como uma seqüência de diversos tipos de solos distribuídos de maneira regular e sistemática na paisagem de acordo com a topografia sobre um mesmo material de origem. A partir do estudo realizado por Bocquier (1973), novos métodos foram desenvolvidos para estudar a sucessão de perfis alinhados do topo à base de uma encosta, permitindo não só identificar a distribuição dos horizontes de solo, mas também as relações entre eles (Castro et al., 2003). A técnica proposta por Boulet et al. (1982), denominada análise estrutural, considera a geometria lateral e vertical de cada horizonte do solo. Esta técnica tende a auxiliar, cada vez mais, no diagnóstico de problemas de degradação dos solos por erosão, na compreensão da relação entre pedogênese e evolução do relevo (Queiroz Neto, 2002) e na avaliação do comportamento e funcionamento hídrico do solo, para ampliar os conhecimentos sobre as relações solo-planta (Queiroz Neto, 1988).
Poucos estudos têm abordado as propriedades físico-hídricas do solo e a morfologia junto à análise estrutural dos solos, para determinar as transições dos atributos dos solos presentes na toposseqüência e caracterizar a dinâmica do meio físico no qual a vegetação local está inserida e pelo qual é diretamente influenciada. Como exemplos, destacam-se os trabalhos de Sabatier et al. (1997), em solo sob floresta nativa da região equatorial, e de Cunha et al. (1999), com enfoque na prevenção e controle da erosão em solo sob diversas culturas, na região sul do Brasil. No Cerrado, Gomes et al. (2004) realizaram um levantamento físico, químico e mineralógico do solo, mas não consideraram dados pluviométricos ou de umidade do solo. Portanto, a dinâmica da água no solo necessita ser incluída em estudos sobre as relações solo-planta por ser considerada um fator importante na definição do tipo de vegetação local (Ruggiero et al., 2002).
O objetivo deste estudo foi caracterizar o comportamento físico-hídrico do solo por um ano em sistema não perturbado pela ação antropogênica em uma toposseqüência localizada na Estação Ecológica de Assis, SP, Brasil, tendo em foco o papel da dinâmica da água no solo como possível fator definidor do tipo vegetacional existente, auxiliando, assim, na adequação das ações de conservação, manejo e restauração dessas formações florestais.
Página seguinte |
|
|