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Foram utilizados 12 novilhos mestiços, hígidos, com cerca de 10 meses de idade e 170kg de peso corporal no início do experimento. Os animais foram mantidos em baias individuais durante todo o experimento. Os bovinos foram divididos aleatoriamente em três grupos, de quatro animais, e submetidos aos seguintes tratamentos dietéticos, de acordo com os requerimentos propostos pelo NRC (1984) para gado de corte: 1- dieta controle, equilibrada em proteína e energia para o ganho de peso de 600g/cab/dia; 2- dieta com teores de proteína e energia suficientes apenas para a mantença; 3- dietas com 80% dos valores de mantença. Todos animais recebiam sal mineralizado comercial (Fosbov 20, Tortuga) e água ad libitum.
Foram colhidas amostras quinzenais de sangue arterial e venoso de todos os animais no decorrer de 11 quinzenas, num total de 132 pares de amostras, obtidas três horas após a alimentação matinal. O sangue arterial foi colhido da artéria auricular caudal, segundo descrição de FISHER et al. (1980), enquanto o sangue venoso foi obtido da veia jugular externa. Todos os cuidados para a manutenção da anaerobiose durante a colheita e conservação das amostras até a determinação hemogasométrica seguiram rigidamente as recomendações propostas por FISHER et al. (1980) e LISBOA et al. (2001). Cerca de uma hora após a colheita, as amostras foram processadas em analisador automático de pH e gases sangüíneosa. Das mesmas amostras sangüíneas, foram determinadas as concentrações de hemoglobina pelo método descrito por LISBOA et al. (2001).
Os dados foram comparados por teste de comparação de pares. O coeficiente de correlação e a regressão linear entre as variáveis também foram avaliados. Considerou-se uma correlação alta quando r > 0,6 ; média quando 0,3 < r < 0,6 ; e baixa quando r < 0,3 (LITTLE & HILLS, 1978).
Ao término do experimento, os novilhos do 1o grupo ganharam individualmente ao redor 100 kg de peso vivo, os do 2o mantiveram seu peso e os animais do 3o grupo perderam 18,5kg.
Os animais do grupo controle apresentaram no decorrer de todo o experimento condições normais de equilíbrio ácido-básico. Já a redução do oferecimento de energia e de proteína dietética provocou, principalmente, no grupo que recebia dieta mais carente um quadro de acidose metabólica moderada , com queda no pH (menor valor foi de 7,16) e na concentração sangüínea de bicarbonato (menor teor foi de 13 mM).
Embora o pH sangüíneo médio fosse menor (7,34 ± 0,06 X 7,38 ± 0,06; p < 0,0001) no sangue venoso que no arterial existiu uma alta correlação positiva (r = 0,88) entre estas variáveis (Figura 1). O sangue arterial apresentou menores teores de bicarbonato sangüíneo (22,9 ± 3,8 mM X 23,7 ± 3,9 mM; p < 0,05) e do total de dióxido de carbono no plasma (TCO2) (24 ± 3,8 mM X 25 ± 3,9 mM; p < 0,046). Tanto para os teores de bicarbonato como de TCO2 ocorreram altas correlações positivas entre o sangue venoso e arterial (r = 0,94 em ambos os casos; figuras 2 e 3, respectivamente). Não existiu diferença entre as médias de excesso ou déficit de bases no sangue (BE) (-1,2 ± 4,2 mM X –1,3 ± 4,3 mM; p > 0,93). A pressão de dióxido de carbono (pCO2) foi maior no sangue venoso que no arterial (45,2 ± 4,4 mmHg X 39,8 ± 4,2 mmHg; p < 0,0001). Existiu correlação positiva entre a pCO2 venosa e arterial (r = 0,56 e p < 0,0001; Figura 4). A pressão de oxigênio (pO2) foi extremamente superior no sangue arterial (91,7 ± 12 mmHg X 35,8 ± 6mmHg; p < 0,0001), não existindo correlação desta variável entre os dois diferentes tipos de sangue (r = - 0,06).
Quanto maiores as pCO2, detectadas tanto no sangue venoso como no arterial, maiores foram as concentrações de bicarbonato (r= 0,54 p < 0,0001, Figura 5) e de TCO2 (r= 0,56; p < 0,0001, Figura 6) no sangue. Não existiram diferenças nas concentrações venosas e arteriais de hemoglobina (p > 0,82).
Idêntico ao que foi descrito em cães (van SLUIJS et al., 1983 e ILKIN et al., 1991), suínos (HANNON et al., 1990) e eqüinos (SPEIRS, 1980), o pH sangüíneo detectado foi inferior no sangue venoso, ocorrendo o inverso em relação aos teores de bicarbonato, de TCO2 e das pressões parciais de CO2. Segundo KANEKO et al. (1997), este maior teor de bicarbonato no sangue venoso é decorrente do próprio aumento na geração de CO2 da respiração celular, já que parte deste gás pode ser transportado na forma de bicarbonato. De fato, comprovou-se aqui que quanto maiores foram as pressões de CO2 maiores os teores de bicarbonato e de TCO2 no sangue (Figuras 5 e 6).
Semelhante ao que é classicamente descrito, a diferença entre as concentrações de TCO2 e bicarbonato, neste trabalho, ficou entre 1 e 2mM a favor do primeiro, indicando que tanto na colheita como na conservação as amostras foram mantidas em condições adequadas de anaerobiose (DiBARTOLA, 1992; KANEKO et al., 1997).
As concentrações de excesso de base (BE) não foram diferentes (p > 0,93) entre o sangue venoso e arterial. Isto também foi relatado por DiBARTOLA (1992) e KANEKO et al. (1997), porém sem justificar esta semelhança. Especula-se que, pelo fato do BE ser calculado a partir do pH sangüíneo e da pCO2 e também considerando-se que seus valores se comportam de forma oposta no sangue arterial e venoso, provavelmente exista uma equiparação que torna o BE semelhante nas mais diversas condições de equilíbrio ácido-básico.
Como era de se esperar, os maiores valores de pCO2 foram constatados no sangue venoso. Embora a correlação não fosse alta entre a pCO2 venosa e arterial sua significância foi bastante expressiva (r= 0,56; p < 0,0001, Figura 4). Este resultado indica que a estimativa do pCO2 arterial a partir do valor venoso é possível e confiável em bovinos hígidos e com moderada acidose metabólica.
Os presentes resultados confirmam que, na estimativa do pO2, o sangue venoso não deve ser utilizado, já que os valores foram muito discrepantes e não houve correlação significativa entre as amostras venosas e arteriais (r = -0,06).
As pequenas discrepâncias existentes nos resultados de pH (Figura 1), nas concentrações de bicarbonato (Figura 2) e TCO2 (Figura 3) sangüíneos entre o sangue venoso e arterial podem ser facilmente corrigidos através das equações de regressão apresentadas, já que existiram altas correlações entre os resultados obtidos. O conjunto desses resultados permite afirmar que o sangue venoso pode ser rotineiramente utilizado para substituir o arterial nos exames hemogasométricos, exceto quando se deseja analisar alterações na pO2 decorrentes de alterações respiratórias.
A colheita de sangue na artéria auricular caudal não foi de difícil execução, mesmo assim foi um processo mais trabalhoso e lento que a obtenção de amostras na veia jugular, as quais eram colhidas mais rapidamente e em maior volume.
Conclui-se que os valores de pH, bicarbonato, TCO2 e BE correlacionam altamente com o sangue arterial de bovinos, existindo uma correlação média para o pCO2 e ausência de correlação para o pO2. Estes resultados indicam que o sangue venoso pode refletir precisamente o estado ácido-básico de bovinos hígidos ou com moderada acidose metabólica.
AGRADECIMENTOS
Agradecimentos às técnicas Regina S. Mirandola e Clara S. Mori pelo apoio nas determinações laboratoriais; ao funcionário Aguinaildo Arcanjo dos Santos pela manutenção dos animais, aos pós-graduandos Alexandre C. Antonelli, Celso A. Maruta, Pierre C. Soares, Sandra S. Kitamura pelo auxílio nas várias etapas do experimento.
a - Hemogasômetro ABL 05, Radiometer, Copenhagen.
DiBARTOLA, S.P. Fluid therapy in small animal practice. Philadelphia : Saunders, 1992. 720p.
FISHER, E.W.; SIBARTIE, D.; GRIMSHAW, W.T.R. A comparison of the pH, pCO2, pO2 and total CO2 content in blood from the brachial and caudal auricular arteries in normal cattle. British Veterinary Journal, v.136, p.496-499, 1980.
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HANNON, J.P.; BOSSONE, C.A.; WADE, C.E. Normal physiological values for conscious pigs used in biomedical research. Laboratory Animal Science, v.40, p.293-299, 1990.
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ILKIN, J.E.; ROSE, R.J.; MARTIN, C.A. A comparison of simultaneously collected arterial, mixed venous, jugular venous and cephalic venous blood samples in the assessment of blood-gas and acid-base status in the dog. Journal of Veterinary Internal Medicine, v.5, p.294-298, 1991.
KANEKO, J.J.; HARVEY, J.W.; BRUSS, M.L. Clinical biochemistry of domestic animals. 5.ed. San Diego : Academic, 1997. 932p.
LISBOA, J.A.N. et al. Tempo de viabilidade de amostras de sangue venoso bovino destinadas ao exame hemogasométrico quando mantidas sob conservação em água gelada. Ciência Rural, v.31, n.2, p.271-276, 2001.
[ Lilacs ] [ SciELO ]
LITTLE, T.M.; HILLS, F.J. Agricultural experimentation - design and analysis. New York : John Wiley & Sons, 1978. 305p.
MARUTA, C.A.; ORTOLANI, E.L. Susceptibilidade de bovinos das raças Jersey e Gir à acidose láctica ruminal: II – Acidose metabólica e metabolização do lactato-L. Ciência Rural, v.32, n.1, p.61-65, 2002.
[ SciELO ]
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VAN SLUIJS, F.J. et al. Capillary and venous blood compared with arterial blood in the measurement of acid-base and blood gas status of dogs. American Journal Veterinary Research, v.44, p.459-462, 1983.
Artigo original: Cienc. Rural, Out 2003, vol.33, no.5, p.863-868. ISSN 0103-8478
Maria Claudia Araripe SucupiraI; Enrico Lippi OrtolaniII
ortolani[arroba]usp.br
IMédico Veterinário, PhD
IIMédico Veterinário, MSc, PhD, Professor do Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade de São Paulo. Av. Prof. Dr. Orlando Marques n. 87, "Cidade Universitária", 05508-000, São Paulo-SP, Brasil.
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