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A política do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) (página 2)

Jaime Araujo Cobuci, Ricardo Frederico Euclydes, Roberto Luiz Teodoro, Rui

A plataformatecnológica do leite

A proposta deste projeto era identificar as principais restrições da bovinocultura de leite do País para, a partir dessas informações, definir objetivos, metas, políticas e estratégias para o setor.

Ao longo destes últimos anos, foram levantados e compilados dados regionais, cujos resultados traduzem uma radiografia do perfil socioeconômico do País. Metodologicamente, foi feita uma reunião em cada região geográfica, em que estavam presentes todos os elos da cadeia, tais como produção, pesquisa, comercialização, financiamento e gestão.

Dos resultados de tais reuniões foi possível identificar as principais dificuldades, que constituem verdadeiros entraves para o desenvolvimento e a consolidação do setor leiteiro (VILELA et al., 2001).

É interessante observar que a incidência e a natureza dos problemas nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste guardam semelhança entre si, mas diferem daqueles identificados nas regiões Norte e Nordeste, os quais, por sua vez, também são semelhantes entre si.

Nas três primeiras regiões, os problemas mais citados são:

    • alto custo de produção;
    • baixo preço do leite pago ao produtor;
    • falta de políticas bem definidas para o setor;
    • formas inadequadas de utilização dos subprodutos do leite (soro, por exemplo);
    • dificuldade para agregação de valor ao produto (inovação para atrair o consumidor);
    • aumento do consumo per capita;
    • legislação excessivamente rigorosa (produtores se sentem punidos pelas portarias do MAPA);
    • dificuldade de acesso ao crédito;
    • mão-de-obra desqualificada.

Já nas regiões Norte e Nordeste, os maiores entraves foram relacionados com as seguintes condições:

    • falta de higiene (do produtor, das instalações);
    • mão-de-obra desqualificada;
    • dificuldade para agregar valor ao produto usando matéria-prima regional (açaí, cupuaçu etc.);
    • usinas trabalhando sem economia de escala;
    • longas distâncias para coleta de leite;
    • falta de energia elétrica em parte das propriedades;
    • processo de insolvência das Cooperativas;
    • alimentação tradicional (pastagens) e escassa (clima seco).

 

Quando se analisa detalhadamente a cadeia produtiva do leite, percebe-se que os gargalos tecnológicos diferem regionalmente e, mesmo dentro de uma única região geográfica, fica claro que as dificuldades vividas pelo setor podem ser até próximas, porém diferentes entre si.

Quando se trata de dados e referências, é auspicioso constatar que, no âmbito da Plataforma do Leite, foram editados vários livros e estudos técnicos em que os entraves regionais existentes estão descritos com muito detalhamento, o que significa uma condição favorável e facilitadora para a elaboração de uma política eficaz para o setor.

Além das Plataformas Tecnológicas, o CNPq possui outras formas de apoio ao desenvolvimento da bovinocultura de leite no País, como o atendimento das demandas espontâneas. Nestas, o pesquisador solicita apoio para um projeto cuja avaliação do mérito é decisiva para a liberação dos recursos. Um grande número de projetos de iniciativa isolado tem sido avaliado, aprovado e recebido financiamento desta forma.

As políticas de ciência e tecnologia

O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) tem como uma das principais missões a formação e qualificação de recursos humanos no País. Esta preocupação pauta-se na necessidade de o País desenvolver suas próprias tecnologias e assim minimizar ou eliminar o alto custo político, financeiro e estratégico que representa a dependência tecnológica do exterior.

Para se estabelecer políticas para um setor, o primeiro passo é conhecer com detalhes a situação em que ele se encontra no momento do delineamento do projeto e definir quais serão as prioridades a serem atendidas. Decorrente não só da escassez de recursos orçamentários, mas também dos compromissos de eficiência na gestão dos recursos, existe uma preocupação natural dos órgãos financiadores da pesquisa do País, no sentido de garantir financia-mento prioritariamente para projetos cujo retorno é claramente visível, são tecnicamente viáveis e possuem objetivos definidos em conformidade com a atualidade do segmento para o qual está dirigido. Além disso, outra preocupação dos órgãos financiadores de pesquisa é saber se há competências técnicas e infra-estrutura suficiente no País para executá-las.

O Brasil possui características próprias, clima, pastagens, espécies, consumidores típicos e, por-tanto, há de se preocupar, em um primeiro momento, em treinar e qualificar seus recursos humanos. Isto porque, havendo competência técnica instalada e conseqüentemente maior possibilidade de identificar e solucionar os problemas localizados no setor produtivo, ocorre um substancial aumento na produtividade e na rentabilidade. É importante saber que em um passado não muito remoto a importação de pacotes tecnológicos levou o País a uma série de equívocos e provocou atrasos de várias ordens. Hoje, equipar o País de uma infra-estrutura adequada é uma das principais políticas governamentais direcionadas para otimizar a capacidade intelectual disponível.

Neste contexto as Universidades, embora ainda necessitando de modernização em alguns seto-res, já possuem condições de realizar rotinas científicas as mais sofisticadas, permitindo diagnósticos e soluções em nível de Primeiro Mundo para problemas de toda ordem. Também a EMBRAPA, apesar de registrar apenas trinta anos de existência, possui um quadro de pesquisadores altamente capacitados em diversas áreas do conhecimento. Assim, considerando o grau de capacitação dos recursos humanos existentes para o desenvolvimento da pesquisa bastante promissor, uma estratégia consciente de direcionamento das políticas em C&T, de acordo com as necessidades ainda existentes, projeta um Brasil rumo à auto-suficiência tecnológica.

Os apoios do CNPQ para a cadeia produtiva do leite

Nos últimos anos foram claramente definidas e implementadas algumas políticas direcionadas para o setor leiteiro. No âmbito dessas políticas, o Programa de Ciência e Tecnologia para a Produção Animal, implementado na década de 1980, resultou na identificação por um grupo de pesquisadores dos gargalos tecnológicos existentes e que deveriam ser solucionados. Diversos projetos propondo solução para aqueles problemas identificados foram aprovados e financiados pelo CNPq e ainda hoje produzem resultados.

A estratégia operacional ou o ponto forte do CNPq tem sido o financiamento de projetos oriundos da chamada demanda espontânea. A prática tem permitido que algumas iniciativas individuais sejam apoiadas, o que pode significar mais uma alternativa para o processo de buscar solução para problemas específicos. Outro fato que pode ser considerado positivo com este tipo de política é que, atuando dessa forma, o CNPq possibilita acesso para o ingresso de jovens pesquisadores ao sistema, excluí-dos por questões curriculares da competição pelos recursos destinados aos grandes projetos cooperativos ou em editais induzidos e ainda às bolsas de Produtividade em Pesquisa.

O lançamento da Plataforma do Leite talvez tenha sido a política melhor definida pelo CNPq nesta década. Pode-se dizer que a ocorrência foi o divisor de águas na cadeia produtiva do leite, exatamente porque permitiu elencar os problemas em nível nacional, além de envolver todos os segmentos que atuam ou interagem com ela. Com o mapeamento resultante do esforço, torna-se fácil distribuir as responsabilidades, os recursos financeiros necessários à solução de cada problema, identificar as competências técnicas disponíveis e capacitadas para as soluções propostas, localizar e programar as oportunidades para a realização dos cursos de treinamento, apresentar soluções a médio e longo prazo, identificar a oportunidade e a necessidade de rever as grades curriculares dos nossos cursos ligados à agropecuária/agronegócio (BATALHA, 2000).

Os principais pontos positivos das políticas para a cadeia produtiva do leite são os seguintes:

    • permitir identificar as competências instaladas no País;
    • obter uma radiografia do setor leiteiro sempre atualizada, por segmento e região;
    • unir esforços dos órgãos responsáveis pelo setor;
    • subsidiar os cursos de graduação e pós-graduação da área no sentido de rever a grade curricular;
    • buscar recursos do Fundo do Agronegócio e outras fontes para atacar problemas já identificados;
    • tornar o País auto-suficiente na produção de leite;
    • aumentar a oferta de empregos no setor;
    • propiciar retorno econômico para os investimentos da cadeia.

Os principais pontos negativos das políticas para a cadeia produtiva do leite são os seguintes:

    • avaliação dos projetos financiados realizada em escala reduzida;
    • ação governamental conjunta pouco significativa;
    • recursos financeiros para apoio à pesquisa insuficientes;
    • infra-estrutura nas Instituições de Ensino e Pesquisa ainda precária;
    • mão-de-obra qualificada para o setor insuficiente.

 

Cenário futuro

Os Fundos Setoriais são recursos arrecadados junto aos setores produtivos do País. O Fundo do Agronegócio, vinculado à Bovinocultura de Leite, representa uma grande esperança para mudar a situação do País, pois, além de serem recursos financeiros de grande monta que não podem ser contingenciados nos termos da legislação vigente, são destinados para o financiamento de pesquisas, estudos, levantamentos e bolsas em todas as modalidades. Outro ponto positivo é o fato de esses recursos serem geridos de forma participativa por um comitê gestor o qual, por sua vez, é composto por todos os segmentos da sociedade. Também compete ao comitê gestor estabelecer as prioridades e identificar os grupos capazes de executá-las, com uma preocupação permanente com a transparência nas concessões dos recursos financeiros.

Outra expectativa que já se confirma é a preocupação de todos os segmentos da sociedade com a Ciência e Tecnologia. Hoje não é exclusividade das agências tradicionais de fomento a responsabilidade pela função de formulador/executor de políticas científicas/tecnológicas. Vários setores da sociedade têm investido em C&T, de modo que também as empresas já possuem centros de pesquisa e desenvolvimento próprios, em que seus produtos são desenvolvidos e direcionados para os mercados nacional e internacional, não dependendo, exclusivamente, de pesquisadores que atuam em universidades e/ou centros de pesquisa.

Iniciativas estaduais e municipais visando ao desenvolvimento da C&T no País são louváveis e têm propiciado à sociedade, em geral, benefícios, como exemplo da implantação dos chamados Parques Tecnológicos, em alguns municípios. Trata-se de Parques que permitem o crescimento de empresas, propiciam maior arrecadação municipal, criam empregos, geram rendas e melhor qualidade de vida aos seus habitantes.

Também há de se mencionar as Incubadoras de Empresas, que, igualmente, permitem o nascimento de novas empresas e propiciam oportunidades principalmente para os jovens que ainda não possuem condições de competir no mercado de trabalho formal.

Este princípio de sensibilizar os governantes para a busca de alternativas tecnológicas para todos os setores do País é de suma importância. Hoje não se admite a existência de atividades estanques ou paralelas num mesmo segmento. É consenso de que em algum momento a comunicação deve ser estabelecida e que os problemas comuns, quando tratados conjuntamente, trarão resultados em espaço de tempo muito mais curto e com muito menos investimento.

Conclusões

Recursos para pesquisas existem, principalmente com o advento dos Fundos Setoriais. O que ainda falta hoje, não só para a bovinocultura de leite, é uma ação conjunta melhor desenhada que permita a discussão e o estabelecimento de prioridades, definindo ações concretas com cronograma a ser seguido, com avaliações ex ante e ex post. Definir também os papéis de cada órgão/instituição, evitando a pulverização de recursos e a superposição de projetos financiados com recursos públicos.

Há de haver envolvimento de todos os segmentos da sociedade, em especial o produtivo, para que este comprometimento conjunto evite, a cada governo, interromper o que está sendo feito e reiniciar tudo novamente, ignorando os esforços de gestões passadas e os recursos já despendidos.

Ademais, as ações de cunho técnico precisam ser bem embasadas, transformando-se em políticas confiáveis, que representem, de fato, a necessidade do País em desenvolver e gerar emprego e renda.

Investir no treinamento e qualificação de mãode-obra também auxiliará o País a não depender de tecnologia externa.

Referências

BATALHA, M. O. Recursos humanos para o agronegócio brasileiro. Brasília, DF: CNPq, 2000. 308p.

ROCHA NETO, I. Plataformas tecnológicas: conceito e aplicações. Brasília, DF: MCT, 2001.

VILELA, D.; BRESSAN, M.; E CUNHA, A. S. Cadeia de lácteos no Brasil: restrições ao seu desenvolvimento. Juiz de Fora: MCT/CNPq, Embrapa Gado de Leite, 2001. 484p.

Protocolado em: ago. 2004. Aceito em: fev. 2005.

Maria Auxiliadora Da Silveira1, Romão Da Cunha Nunes2, Rui Da Silva Verneque3,6,
Rômulo Cerqueira Leite4,6 E Iran Borges5,6
rsverneq[arroba]cnpgl.embrapa.br

1. Coordenadora Geral do Programa de Pesquisa em Agropecuária e Biotecnologia – CNPq, E-mail: mdora[arroba]cnpq.br

  1. Professor da Escola de Veterinária da Universidade Federal de Goiás, Goiânia, E-mail: romao[arroba]vet.ufg.br
  2. Pesquisadores da EMBRAPA – Gado de Leite (Coronel Pacheco – MG) E-mail: rsverneq[arroba]cnpgl.embrapa.br
  3. Professores da Escola de Veterinária da Universidade Federal de Minas Gerais, E-mail: romulo[arroba]vet.ufmg.br
  4. Professor da Escola de Veterinária da UFMG, E-mail: iran[arroba]vet.ufmg.br
  5. Pesquisadores do CNPq


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