RESUMO: No Brasil, vive-se uma fase de euforia pelas realizações e potencialidades do setor agrícola. Grande parte desse sucesso é representada por parcela de produtores ávidos por tecnologia, que estão sempre atentos às novidades oferecidas pelo mercado, em busca de serem cada vez mais eficientes na atividade que realizam.
Para tal segmento produtor, tecnologia moderna tem sido gerada, o que representa um leque de opções e permite o acesso a informações diferenciadas e, até pouco tempo atrás, inimagináveis. Essa gama de informações disponibilizadas pela "Agricultura de Precisão" torna possível a observação de uma área agrícola, realmente, de forma inovadora, ou seja, com um olhar mais atento às diferenças, na maioria das vezes, imperceptíveis e desprezadas no modelo agrícola tradicional.
Entretanto, todo esse potencial, que já está se tornando realidade em algumas áreas, é cercado de incertezas e polêmica quanto à real utilidade prática e aos benefícios esperados. Esta publicação tem o objetivo de discutir aspectos gerais sobre o tema Agricultura de Precisão, para proporcionar embasamento às discussões futuras sobre temas específicos. Com isso será possível incentivar a discussão do tema, esclarecer dúvidas e gerar avanços na área. Para tanto, a Agricultura de Precisão será discutida não como um modismo tecnológico passageiro, mas como filosofia de gerenciamento da propriedade rural que leva em consideração a variabilidade presente nas áreas agrícolas, com a finalidade de manejar as interações dos diferentes fatores de produção.
A agricultura tem passado por uma série de transformações, tornando a atividade cada vez mais competitiva e exigindo do produtor maior nível de especialização, capacidade de gerenciamento e profissionalismo. Os produtores, além de administradores, cada vez mais terão de assumir a função de produtorespesquisadores de suas áreas, atuando diretamente na coleta de informações, interagindo com novas técnicas e tomando decisões eficazes de manejo. A viabilização da atividade, com a obtenção de lucro satisfatório, está sempre em risco em decorrência de fatores controláveis e incontroláveis que definem a produção agrícola. Portanto, a aplicação dos recursos disponíveis de forma eficiente é indispensável como garantia de sucesso. Para que isso possa acontecer, é crucial a obtenção de informações sobre os fatores de produção que interagem na lavoura e sobre como eles podem ser maximizados.
A Agricultura de Precisão (AP) (também denominada "Precision Farming", "Precision Agriculture" e "Site Specific Crop Management") é um sistema de gerenciamento que surgiu com esse objetivo. Seu crescimento foi alavancado por avanços tecnológicos envolvendo: sistema de posicionamento global (SPG ou GPS), sensoriamento remoto, aplicação de insumos em taxas variáveis, sistema de informação geográfica (SIG ou GIS), entre outros. Esses produtos tecnológicos possibilitam visualizar e manejar a área agrícola de acordo com a variabilidade espacial e temporal dos fatores edafoclimáticos, diferentemente do que era possível até então, quando a área era considerada uniforme e, portanto, manejada como tal. No entanto, a Agricultura de Precisão meramente baseada em soluções tecnológicas milagrosas vem aos poucos evoluindo para uma situação mais promissora e que realmente demonstre potencialidade e resultados. Problemas como interpretação do grande volume de dados obtidos, elevado custo de equipamentos, adaptação de técnicas para diferentes partes do mundo, visualização mais ampla dos sistemas envolvidos na definição da variabilidade, aumento do número de projetos e de parcerias entre empresas privadas, entidades de pesquisa, cooperativas e produtores e popularização dos fundamentos da AP têm feito com que se tenha um presente real e se projete um futuro promissor para as práticas associadas a essa tecnologia.
Segundo Molin (2002), uma definição mais atual de AP com visão sistêmica do conjunto de ações que a compõe pode ser adotada: a AP seria, acima de tudo, um sistema de gestão ou de gerenciamento da produção agrícola que emprega um conjunto de tecnologias e procedimentos para que as lavouras e sistemas de produção sejam otimizados, tendo como elemento-chave o manejo da variabilidade da produção e dos fatores envolvidos.
A questão mais importante evidenciada pela AP é mostrar a variabilidade das áreas agrícolas e fazer com que sejam criadas alternativas de manejo que levem em consideração tal diversidade. A aplicação de determinada prática no local e momento em que apresente maior potencial de resposta, com menor impacto ambiental e com resultados econômicos e sociais satisfatórios, deve nortear as ações nessa área.
Portanto, a AP não pode ser relacionada somente ao emprego de máquinas e implementos altamente sofisticados, de custo elevado e de manejo complexo, mas, sim, constituir um indicativo de manejo mais eficiente dos fatores de produção.
Em busca desses objetivos, é fundamental que tanto a atividade de pesquisa como o manejo de culturas produtoras de grãos nas lavouras comerciais passem a conferir maior importância à variabilidade presente nas áreas agrícolas.
Um exemplo das potencialidades de filosofias que levam em consideração a variabilidade reside no baixo aproveitamento do potencial genético das principais culturas produtoras de grãos. Tomando-se como exemplo, a cultura de trigo no Rio Grande do Sul, o trabalho de melhoramento de plantas realizado por diversas instituições tem disponibilizado cultivares capazes de atingir rendimento de grãos superior a 5.000 kg/ha, mesmo em condições de lavoura. Entretanto, o que se verifica, na média das lavouras, considerando-se as últimas cinco safras (1999 a 2003), é que esse rendimento está na faixa de 1.400 a 2.300 kg/ha.
Outro exemplo real é proveniente da cultura de milho nos Estados Unidos da América. O rendimento máximo de grãos de milho que tem sido obtido nesse país é de 23.203 kg/ha, sendo 35% desse rendimento (8.121 kg/ha) próximo da média nacional. Um produtor pode apresentar grande eficiência produtiva e obter somente 35% do rendimento possível, e quanto o rendimento do produtor irá aproximar-se dos recordes, dependerá da correção adequada dos fatores limitantes, em conjunto com princípios e com a realidade econômica e ambiental (Wallace, 1993). Isso demonstra a grande defasagem entre o que é biologicamente possível e o que é realmente obtido pelos produtores.
Portanto, a adoção de práticas de manejo de maior precisão, que levem em consideração a variabilidade, pode trazer benefícios às culturas, principalmente pela possibilidade de maior expressão do potencial genético, não somente em determinadas áreas da lavoura com condições mais favoráveis, mas, sim, em toda a área cultivada.
Tratar o tema AP de forma genérica seria um erro. Assim, seus diversos fundamentos e ferramentas serão enfocados com a possibilidade de uso isolada ou conjuntamente, dependendo de condições como necessidade de cada produtor, problema foco, capacidade de investimento, nível tecnológico, nível educacional do produtor, entre outras.
Este artigo tem por objetivo revisar e discutir alguns conceitos e conhecimentos sobre a AP tratando de aspectos relacionados à aplicação da tecnologia no Sul do Brasil e principais dificuldades e potencialidades, com enfoque especial em sistemas de produção de grãos.
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