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Este espaço que ao primeiro olhar nos parece o mesmo todos os dias, ele é um verdadeiro camaleão, pois dependendo da tonalidade da luz que incide sobre os mesmos, mudam com seus habitantes e suas tribos, a rua nunca é a mesma, no dia ou na noite, ela se constitui e modifica-se como as pessoas e suas relações que neste espaço nasce. Um jovem ou uma jovem que a luz do dia nos parece inocente e despreocupado trafegando durante o dia, a luz da noite no mesmo ambiente pode nos chamar atenção por estar naquele local, com a mesma suavidade e delicadeza ao andar como se desfila para serem vistos e observados, desejados. Nestes espaços, não encontramos somente as casas, as praças os jardins, os becos, os postes de luz, as esquinas as vielas, quando retiramos as vendas dos nossos olhos. Saímos da zona de conforto que é o nosso lar, na rua tal e numero x, e olhamos profundamente para a rua, podemos entender e ver o que de fato ela representa para muitas pessoas.
Esse olhar social em relação ao espaço da rua é que muitas vezes teima em negar que a rua é um espaço de vida e de vivencia, atribuindo à mesma uma única atribuição como um corredor por onde passam pessoas e carros, num ir e vir sem a mínima importância na construção social das nossas cidades. Observando esta dinâmica no espaço da rua e as outras possibilidades de se lidar e trabalhar estes espaços e as coisas e pessoas que neles (co) habitam, e a partir deste olhar é que surgem iniciativas como o projeto ELLOS. Analisando o espaço social da rua Ana Fani Alessandri Carlos diz:
(...) os usos da rua, as formas de apropriação são momentos privilegiados para o entendimento de como se organiza a sociedade em seus hábitos e costumes, pois a rua se concilia à idéia da construção dos caminhos que juntos com a casa criam o quadro da vida. (...) lugar de encontros de pessoas, de eventos, de acontecimentos, a rua é o espaço do cotidiano da cidade, marcado pelo sentido de passagem denota: mercado, festa, luta de classe, moradia, territorialismo, segregacionismo. (CARLOS, 1996).
Este olhar como com o qual esta autora observa este espaço de vivencia coletivo nos faz pensar, e voltar nosso olhar para alem do próprio espaço, olhar e enxergar asa pessoas que compõem estes espaços e suas relações.
Não saindo do espaço da rua, só que focando em outros elementos que não os elementos físicos e estáticos que compõem o cenário urbano da cidade, e sim as pessoas e seus corpos que migram em espaços a temporais na composição de suas relações e suas vidas.
A forma como a sociedade enxerga a composição social e cultural deste novo homem, e muito questionável e discutível, pois para alguns teóricos se trata dar perda de cultura, já para outros é justamente o contrario essa mudança no comportamento e padrão estático é a nova geração de cultura através da absorção de diversas experiências e fatos.
Quando falamos destes novos sujeitos "pessoas" e as suas identidades em espaços específicos e seus comportamentos, Stuart Hall diz: "As velhas identidades, que por tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o individuo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado" (HALL, 2005).
Observamos que os sujeitos expostos no espaço da rua, como os que são o foco deste projeto expressam identidades culturais, disformes da grande maioria e divergem dentro do próprio grupo no que diz respeito à centralidade de comportamento regido pela normatividade social de uma ordem há muito tempo estabelecida, esta quebra ou rompimento de padrões gera uma crise que Stuart Hall se refere a ela como:
"Esta crise de identidade, é vista como parte de um processo mais amplo de mudança, que está deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de referencia que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social" (HALL, 2005).
Estas pessoas que ora estão habitando os espaços da rua, encontra-se em uma constante metarmofose social e cultural, e essa mutação é elemento predominante na caracterização das novas identidades culturais vistos e entendido como inacabados e em constante transformação psicológica, social e cultural neste contexto estes elementos são descentrados como diz Stuart Hall:
"Aquelas pessoas que sustentam que as identidades modernas estão fragmentadas, argumentam que o que aconteceu à concepção do sujeito moderno, na modernidade tardia, não foi simplesmente sua desagregação, mas seu deslocamento Elas descrevem esse deslocamento através de uma serie de rupturas nos discursos do conhecimento moderno" (HALL, 2005).
A partir desta descentralização dos sujeitos observados e trabalhados neste projeto e a fragmentação de suas identidades podemos melhor observar e buscar elementos de auxilio no entendimento da composição das relações sociais, afetivas e sexuais das pessoas em suas relações no espaço da rua. Os corpos tanto das travestis, quanto dos garotos e das garotas de programas são corpos em uma constante transformação através de maquiagens fixas (tatuagens) ou temporárias (pinturas que embelezam temporariamente faces e partes do corpo). Essas transformações se dão ainda profundamente com a intervenção mecânica (aplicação de próteses, silicone e enxertia) ou química e medicamentosa (aplicação e ingestão de hormônios e outras substâncias), com a função de transformar seus corpos naquilo que as suas novas identidades constituídas nas novas relações, no espaço da rua precisam ter para serem identificadas como tal, produto do meio. As travestis migrando do gênero de origem masculino para a construção do novo gênero feminino, neste sentido Guacira Lopes Louro trata do corpo da travesti, como sendo um produto de formação cultural e diz: "os corpos somente são o que são na cultura. Sendo assim os significados de suas marcas não apenas deslizam e escapam, mas também são múltiplos e mutantes(LOURO,2003). Ainda no espaço da rua mesmo que em um universo menor de publicização dos corpos podemos encontrar o travesti, migrado do originário gênero feminino, na construção do novo gênero masculino, os garotos de programas(HSH, ou não), com corpos modelados despertando a luxuria e a cobiça de homens e mulheres na busca de relações construídas a partir de regras próprias do espaço da rua, com diversos e variáveis sentidos em contratos secretos. As garotas de programas(MSM ou não) com corpos modelados a partir de hormônios, e aplicação de próteses em seios e nadegas objetos de luxuria e exposição publica no espaço onde tudo é de todos e tudo é ao mesmo tempo de ninguém dependendo do contrato de convivência feito no espaço da rua. Em relação à constituição de novas identidades uma na atualidade chama a atenção pelo exagero na composição das identidades que são as "DRAGS", Gaucira Lopes Louro refere-se a este excesso na composição como: " A drag repete e exagera, se aproxima, legitima e, ao mesmo tempo, subverte o sujeito que copia"(LOURO,2003).
A expressão da sexualidade destas pessoas na atualidade é uma coisa emblemática e trabalhada de forma superficial, em todas as fases de nossas sociedades no passar dos tempos e na composição da sexualidade das pessoas na pós- modernidade, relegando a esta expressão um caráter intimo e pessoal, não respeitando o espaço intimo, pessoal e todo o processo da experiência. O que dificulta o debate, o entendimento e aceitação e respeito para com a sexualidade do outro, fazendo supor, e dando credito de que e acreditar que toda sexualidade deverá obedecer a uma regra heteronormativa exercida por uma grande maioria judaica branca cristã. Michel Foucault fala a respeito de sexualidades em "Sexualidade e Poder": Segundo o autor, "A noção de sexualidade em nossa sociedade está vinculada a um fenômeno cultural chamado por ele de Supersaber, no qual o saber científico e normativo se sobrepõe a um saber pessoal e experiencial" (FOUCAULT, 2004).
O resgate da cidadania, a divulgação de direitos e os mecanismos através dos quais podemos construir redes de apoio e amparo para as populações que se encontram em constante situação de vulnerabilidade e violências de diversas formas e varias formas, no espaço da rua, visualizando o mesmo como uma possibilidade de construção de vivencias, não sendo só ele, mas uma realidade visível e palpável, o projeto ELLOS, traz para este universo pessoas dispostas a observar, as pessoas os corpos e o meio onde estes seres humanos se apresentam, dentre eles a população de HSH, profissionais do sexo, gays, lésbicas, bissexuais, transexuais e travestis. Através deste processo de bate papo, os atores envolvidos abarcados das informações constroem outras possibilidades de desenvolvimento de uma cidadania humanizada respeitando as suas especificidades quanto sujeitos sociais e as suas expressões sexuais. Fazendo nascer o auto reconhecimento em si de sujeito cidadão em pleno exercício das suas inúmeras e mutáveis formas de vivencias.
Surge em 2008, após varias visitas aos espaços onde habitam estas populações alvos do projeto, os voluntários do Grupo Humanus e alunos que em diversos trabalhos acadêmicos buscam informações e relatos de vivencias, desta população, neste contexto o grupo em amplas reuniões decide traçar estratégias para aproximar a academia ao espaço de rua onde estas populações se encontram.
Primeiro passo:
Reunir-se com estas populações de LGBT, e profissionais do sexo, expondo a importância da troca de experiências para ambos, na construção de dados que serão utilizados na construção de políticas publicas para as referidas populações alvo do projeto. Neste momento é realizado um contrato de permissão de uso ou não de imagens, sons, fotos, filmagens e momento e agendamento das visitas aos locais de vivencia e convivência destas populações.
Segundo passo:
Capacitação do publico acadêmico em linguajar, e comportamento de campo, e respeito a esta população suas especificidades, e reservas ainda a criação de mecanismo dentro de cada curso especifico de um fórum de debate onde o foco seja a melhoria, nas condições sociais no espaço da rua, diminuição do estigma, preconceito e fobias Esso através de campanhas, debates e fóruns no espaço acadêmico aproximando as duas populações quando possível.
Terceiro passo:
Realização de entrevistas, com temas específicos, criação de um banco de dados onde podemos localizar teses, monografias, e dissertações que versem sobre estas populações e seus universos de vivencia, estes trabalhos devem ser armazenado em uma espécie de blog ou pagina virtual de fácil acesso aos interresados na temática, após apresentação em seus centros acadêmicos e liberadas para acesso ao publico.
Através da execução deste projeto ELLOS, com uma abordagem descomplicada e com uma pedagogia apropriada para a "rua" local de maior vivencia desta população onde a linguagem do meio seja a ferramenta para atrair a atenção do grupo, principalmente na escuta das falas dos atores, pois na maioria das vezes suas falas são substituídas, ou direcionadas ao que chamamos de "mormatização acadêmica". Isso na maioria das vezes descaracteriza o dizer e o sentimento que vem impregnado no discurso de cada ator, essa fidelidade no dizer, é o que o projeto tenta na capacitação com o corpo acadêmico fazer valer, o respeito pela oralidade das entrevistas dos e seus universos e suas identidades culturais. O foco deste projeto é a visualização destes sujeitos como portador de direitos e executor de uma historia de vida com recorte especial nas suas sexualidades e expressões sexuais.
A partir de então estabelecidos estes contatos e firmados as parcerias o Grupo Humanus, apresenta outros serviços do grupo, como encaminhamento para atenção à saúde com foco nos IS, HIV, HV e outras patologias que por uma questão de praticas sexuais desprotegida possam estar expostas, dentro do contexto dos acordos sacramentados no espaço da rua, encaminhamentos para outras áreas de atenção como justiça, e social, apresentado o espaço do grupo como um canal de troca de experiências e denuncias de violações de direitos. Um ponto importante em todo o processo que estamos ao lado e com esta população é falar de uma conduta que faça nascer um novo modelo de apresentação para o publico desta população, pois esta população no consciente popular é algo que difama e diminui as pessoas que se encontram no espaço da rua, e nelas constituem vivencias e possibilidades de vidas.
A criação de um banco de dados com registros destas pessoas com informações essenciais para que o grupo possa em instancias de decisão na construção de políticas como os conselhos, municipais e estaduais, possam apresentar quantitativos e através dos mesmos requerer a inclusão desta população nas políticas publicas atendendo as suas demandas e respeitando as suas especificidades. O primordial e elementar que este projeto traz para as populações envolvidas nele é o resgate da cidadania humana, e o seu exercício pleno em todos os espaços, com respeito e dignidade, não omitindo negação das identidades culturais dos sujeitos e os espaços de suas vivencias.
Nos três anos nos quais o projeto tem sido executado temos iniciado a criação do banco de dados com algumas monografias, dissertação e teses, com temáticas especificas com: travestis, garotas de programas, LGBT, o espaço de suas vivencias e as redes que nestes espaços surgem.
Um numero ainda que pequeno de travesti e transexuais esteja voltando às salas de aulas, e algumas no ensino superior, levando suas vivencias para o centro das academias contribuindo assim na desconstrução do estereótipo de pessoas "barraqueiras" e "bagaceiras".
Um fator positivo após a efetivação do projeto é a crescente busca no Grupo Humanus, por apoio nos debates onde envolve todas estas populações de LGBT e profissionais do sexo, com uma abordagem mais humanizada e respeitando as nomenclaturas não estigmatizastes e respeitando as múltiplas construções culturais de cada personagem. Estes compõem um mosaico de vidas e suas reconstruções em espaços alternativos antes nunca imaginados.
A visibilidade política e construção de identidade do Grupo Humanus, que já existe desde 2001, nos últimos três anos, ao aproximar a comunidade acadêmica desta população que é o publico alvo de suas ações, teve uma repercução e resultados positivos concretos como a aquisição de cadeiras em conselhos municipais como Conselho Municipal de Saúde, Conselho Municipal de Assistência Social, Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente e Conselho da Juventude, sendo estes espaços instancias onde debate se á vida de uma comunidade, a população alvo deste projeto passa a ter voz e poderá ser atendida nas suas necessidades e especificidades quando possível o dialogo político.
O Grupo Humanus, está representante da população LGBT, do Sul da Bahia, no Comitê de Políticas publicas da Secretaria Estadual de Justiça e Direitos Humanos, espaços conquistados nos últimos após grade incidência publica e política das ações de projetos como o que estamos em desenvolvimento junto a esta população de LGBT, e profissionais do sexo. Em total parceria com os centros acadêmicos de nossa região e outros que queiram trocar experiências e acumular saberes a respeito da população LGBT e suas vidas.
LGBT:
L- Lésbicas.
G- Gays.
B- Bissexuais.
T- Transexual e Travestis.
HSH- Homens que fazem sexo com homens.
MSM- Mulheres que fazem sexo com mulheres.
IS- Infecções Sexuais.
HIV- Vírus da Imunodeficiência Humana.
HV- Hepatites Virais.
CARLOS, Ana Fani Alessandri. O Lugar No/Do Mundo. In MARQUES, Ivana Souza. A rua como espaço público de expressão de desejos e de diferentes potencialidades. UFES, 2008.2.
Foucault, M. (2004 [1978]). Sexualidade e Poder. Em Ética, Sexualidade, Política: Coleção Ditos & Escritos. Rio de Janeiro: Forense Universitária.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade; Tradução Tomaz Tadeu da Silva, Guacira Lopes Louro – 10ª Edição - Rio de Janeiro: DP&A, 2005.
LÉVY, Pierre. O Que é o Virtual? In MARQUES, Ivana Souza. A rua como espaço público de expressão de desejos e de diferentes potencialidades. UFES, 2008.2.
Louro, G. L. Corpos que escapam. Estudos feministas: volume 04. Brasília/Montreal/Paris: Labrys, 2003.
MARQUES, Ivana Souza. A rua como espaço público de expressão de desejos e de diferentes potencialidades. UFES, 2008.2.
SANTOS, Carlos Nelson F. (coordenador) e VOGEL, Arno. Quando a rua vira casa: a apropriação de espaços de uso coletivo em um centro de bairro. In MARQUES, Ivana Souza. A rua como espaço público de expressão de desejos e de diferentes potencialidades. UFES, 2008.2.
Autor:
Jose Antonio Loyola Fogueira
loyhumanus2006[arroba]yahoo.com.br
* Graduando em Pedagogia, UESC/UAB, membro GRUPO HUMANUS.
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