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Poemas Antigos (página 2)

Igor Zanoni Constant Carneiro Leão

De amante de Lady Chatterley

Você transa bem

Embora às vezes

Precise ir mais devagar

E ouve um puta som pesado

Nesse carro velho do seu irmão

Só tem uma coisa cara

Você está quase sempre duro

Peça uma grana pro papai

10

O amor próprio das violetas

Reserva-as a um canto do jardim

Onde o sol não as vê

O vento não as encontra

Só indiretamente

A chuva toca suas raízes

E nisto mostram seu pudor e seu recato

Por isso lhe peço:

Nunca apanhe violetas

Para expô-las na sala da sua casa

11

Chore

Porque hoje

Não há nada mais terrível

Que olhos secos

12

As rãs cantam um uníssono

No jardim fronteiro à minha janela

Quem dera meus versos fossem

Essa respiração serena e murmurante

Pulsar de jade sobre o orvalho

Porque é verão e há lua

E no entanto tudo é tão terreno

13

Abrigado apenas pela noite

Escuto

(Deixei no planalto

a sabedoria de professor)

Meu coração pela primeira vez

Atento

14

Com o coração aos pedaços

Mas erguendo alto a viga do meu telhado

Orgulhoso da cara limpa

Da mesa posta

Das coisas como a vida

E minha insistência

Dispuseram

15

Gosto do meu povo de manhã no ônibus

Por decreto da Prefeitura

Gestantes, idosos e deficientes físicos sentados

Os mais ou menos, como eu, em pé

E as crianças de colégio pintando o diabo

Gosto de tomar o ônibus de manhã

Nesse tempo confinado em que se rumina

O tempo a-temporal da vida

Ignorantes por quarenta minutos do percurso

De tudo que não seja história pessoal

Mágoas e sonhos tantas vezes em vão

Enlaçada na paisagem barrenta do Bairro

Do cinza sem fim das construções

Nunca acabadas

E depois no solo do centro

Mercantil e despótico

Gosto desse povo que fica a ver navios

Na Internet

Plugado no almoço em sites pornôs

E carente de um único amor verdadeiro

Gosto desse povo alegre

Com alegrias às vezes suspeitas

Às vezes insuspeitas

O que alarma a polícia pé-de-chinelo

Mas com a metranca mais reluzente

Esse povo que em parte sabe

Em parte não

Que cala e consente tanto

Mas que agora no trajeto do ônibus

Está fazendo o balanço

Enquanto balança

E que ninguém o tenha

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Meu pai dirigia um hospital em Cáceres

No tempo em que só o CAN lá chegava

Teve giardia lâmbia

Lembro ao tomarmos banho junto

Do cheiro fedido de suas ancas

Um dia uma charrete veio buscá-lo

Após um desmaio por fadiga e anemia

Hoje ele assiste o Jornal Nacional

E robe vermelho

E ignora o quanto sua vida foi bela

Cabe a mim lembrá-lo

A este pai surdo

17

Hoje as rãs estão silenciosas

No meu jardim

É verdade que os grilos cantam

Mas eu gostaria de saber

O que as rãs estão fazendo quietinhas

18

Como Joseph Conrad,

Seu Barreto passara a vida

Como marinheiro de longo curso

Sempre que me encontrava dizia estar vindo da zona

Porque tinha necessidades com as quais já não podia

Importunar sua mulher

Não me contava aventuras antigas

Insinuava-as

Fazia alusões breves

Talvez pensasse que a um homem de terra firme

Não interessasse tudo que de vago e intenso

Tem o mar alto

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Escuta ó Israel

Os túmulos dos teus profetas estão perdidos

E o Deus que amaste

Há muito se foi

Deixando que os homens impusessem em seu lugar

Um simulacro

Nenhum servo do Senhor descerá por estas ruas

Não haverá perdão nem retorno para ninguém

Em vão choramos

Em vão chegamos

Em vão partimos

E não era assim

20

O que é este tempo

Este tempo preciso

No qual o sabiá sai voando

E você vai embora?

Faz quinze graus em Curitiba

E meu coração talvez seja

Uma lâmpada fria

Ou uma estrela extinta

Seu calor se foi

Tornou-se inútil

Já não aquece

Já não abriga

Este tempo preciso

Já não é seu

21

Gastei minha vida

Em dores vãs

Em sofrimentos

Que não valiam a pena

Eu teria me saído melhor

Construindo castelos de areia

Com suas geometrias frágeis

Teria talvez tocado melhor

O amor delicado dentro das pessoas

E que mesmo em mim

Descubro tão inexato e evasivo

22

Há uma gota de sangue

Em cada gota de sangue

E um lar arruinado

Em cada lar arruinado

Eles sabiam disso desde o início

E reconstruíram Babel

Para um encontro de cúpula

Impondo a Deus

Um acordo de ajuste estrutural

Desvalorizando sua palavra

E privatizando suas atividades

23

Meu avô às vezes dizia

Que estava se sentindo meio bichofre

Eu sorria

Achava que ele estava melancólico

Mas não é que hoje também eu

Me sinto às vezes tão bichofre?

24

Não posso levar de ti

Tomá-la para mim

A dor que é tão exatamente tua

Posso guardar em mim

Para sempre

Teu olhar esmeralda

Que às vezes queria fulminar-me

Em outras me acariciava

Na véspera de um beijo

Que as coisas não permitiam

Porque o lugar das coisas é poderoso

Posso guardar teus cabelos pálidos

Que punham reflexos na sala

E iluminavam o dia claro

O cabelo que fazias aos sábados de manhã

Relaxadamente comentando

A vida dos filhos e dos vizinhos

Posso guardar tua figura magra e vigorosa

Encapuzada num casaco

Que te fazia parecida

Com o chapeuzinho vermelho

Posso guardar tua inteligência pronta

Com que fazias tremer

Nossa jovem estupidez

Posso guardar mil coisas mais

Que percebo agora

Com se percebe uma porrada

Bem depois de a receber

Posso guardar em mim

Minha dor por ti

Que também desconhecerás inteiramente

E posso no meu coração te abençoar

Porque as bençãos se partilham

Melhor que as dores

E neste momento queria que elas

A nós envolvessem

Aconchegassem

E nos bastassem

25

Preciso ligar logo

Pois em um minuto

Você poderá estar saindo

E o telefone tocará numa casa vazia

Vazia demais para mim

Sabe, ontem tive um pensamento

Desses que se lêem em livros

De máximas e reflexões:

Nunca se é suficientemente grande

Para o que é grande

Mas sempre somos bastante pequenos

Para o menor

Mas claro, não se trata de tantas palavras

Mas do modo como tomamos juntos o café

Ou como nos despimos ao deitar

Por isso, deixe-me falar ainda um instante

Enquanto não aprendemos a amar

Menos o amor

Que a solidão

E a amargura

26

Todos os meus amigos

Pensam de mim isto ou aquilo

Mas entre todos passo como sombra

Sem mostrar jamais meu corpo

Todos tem uma opinião

Ele é triste ou tolo

Fez isto ou deveria fazer aquilo

Mas entre todos sou sempre eu mesmo

E passo por eles indiferente

Para poucos sorri de fato

Para poucos entoei lamentos

Sei que um dia estarei só e quieto

E a terra úmida será minha confidente

27

Não pratiquei o bem nem o mal

Passei de viés

Atravessado

Sem atirar ao certo

Para o que acontecia

O bem me deixou confuso

E o mal maravilhado

Nunca compreendi

Metade do que vi

E me ocorria

Não nasci para as coisas grandes

Que dia e noite disputam o mundo

Nasci para os pequenos

E com eles

Passo

Ignorante

28

É tarde

E apesar do dia cheio

No meu quarto tudo está pela metade

O cigarro

O café

O livro

O estado geral das obsessões com a vida

Em Curitiba os mendigos congelam com o frio

E os doidinhos vendem chicletes

Na porta dos cinemas

Amanhã tenho de dar aulas

Sobre um eminente economista

Que explicou com lógica e rigor

O colapso iminente

Mas eu passo longo tempo orando

Pedindo que o Messias venha

Salvar seu puro

Enquanto há puro

29

Você tirou a agenda da bolsa

Com um poema em letras trêmulas

E sentimentos tão delicados

Que me emudeceram

Depois foi para um canto da sala

Com um cigarro trêmulo

E o olhar tão delicado

Enquanto minha nudez

Não saberia dizer

Qual de nós dois

Na sala vazia

Sob o neon impertinente

Estava mais embaraçado

30

Não deveríamos fazer tantas promessas

Como fazemos e fazemos

Não saberíamos cumpri-las

Seria desumano e injusto

Para nós mesmos

Achamos que as mais importantes

Sim, honraremos

Que as demais

Os outros, esquecerão

Ou ficarão como sementes

Que caíram à beira do caminho

E servirão

Quem sabe

De alimento a pássaros e peregrinos

Tantas pessoas cruzam minha vida

Todos os dias

E em algum canto de mim

Ficam para sempre

Significando

Deus saberá o quê

E plural

A todos me prometo

Depois

Inconseqüente

Passo

Esqueço

31

No silêncio possível frente ao mar

Em Bertioga

Bem cedo

Fujo como esse caranguejo

Para a porta dos fundos

E a obscuridade para que vem de fora

Da casa onde mal se coou o café

E você prende o cabelo

Porque prende o cabelo

Porque me deixou toda a noite

Adormecido no forte?

32

Eu não sou

Nem a metade

Do que você diz que eu sou

Só se me escondo tão bem

Que não me acho

Mas nem eu

Nem você

Temos de achar qualquer coisa

Que eu não estou mais brincando não

33

Nesta noite em que me ponho estrangeiro e só

Numa noite como esta

Que me assombra desde a infância

Por sua insônia e seu sonambulismo

Leio piedosamente textos raros e quase perdidos

Publicados por pessoas piedosas e raras

Que sabem mais intuir que traduzir

Os princípios do Mantra

Ou as obras complexas de Ludwig Feuerbach

E sem querer meus poemas tomam a cadência lenta

De quem tocou o coração do seu tempo

E do seu País

Ao vir de longe e há pouco

Da sua ignorância sobressaltada

Dos serões paternos

Dos beijos de boa noite de mamãe

Verdadeiros e irreais

Como sorvetes derretidos na calçada

34

Com a falta de ternura dos heróis

Você diz que foi

Que viu

Que venceu

Mas me quer como testemunha

Talvez escrita ou cantor

E como os pássaros que voam alto

Ignorantes de todo poderio teu

Eu só desejo o sol

Que aonde vais não me importa

35

Que sofrimentos sem fim

Teu coração te conta

Injúrias irreparáveis

Dívidas sem fiador possível

Dores que não redimem ninguém

E no entanto

Aqui estou

Aqui sempre estive

A teus pés

36

A casa está há tanto tempo fechada

E tão bem fechada

Que a poeira aí não se juntou

Nada se quebrou

A boneca sobre a cama

Parece ter sido ganha ontem

E te surpreende não ouvir

A zanga de papai

E o doce consolo de mamãe

37

Tudo se passa tão depressa

Como se alguém a nós

E às coisas destinasse

E chegássemos tarde demais

A esse tudo

Que surge azulado na tela

No canto da sala que se entedia

Assim não descobri

As duzentas tumbas egípcias no oásis

Não vi de fato Marcelinho lançar Luisão

Não impedi a chacina

Não matei

Não julguei

Não condenei a nada

De nada fui absolvido

Estou atrás

Ou adiante

E nunca comigo

38

Havia um doidinho

Empurrando num carrinho

Sua mulher doidinha

Entre as paredes de Coca-cola

Num mercadinho

Tão rápidos

No meu domingo lento

Que eu perdi de vista

39

Por amor continuamos a conversar

Com o pai velho

De cabeça meio vazia

Por amor

Trocamos fraldas sem contar

Em madrugadas que se arrastam por anos

Por amor

Buscamos que o amor não se gaste

Que não nos desgastemos

Para aqueles que amamos

E a cujos anjos oramos

40

Ontem imaginei um poema

Falando

Lembro-me bem

De algo crucial

Mas estava frio

E eu já enrolado na cama

Achei que dormi quentinho

Era melhor que aumentar

Minha pilha de papéis

Mas talvez haja outros motivos

Que o pecado capital da preguiça

Quem sabe

Eu hoje só escreva

Por desenfado e desencanto

41

Será que restaria algo em mim

Sem essa menina

Que poda cautelosa

Uma rosa

Num jardim inexistente

E se incomoda porque o peixinho de plástico

Não quer comer

E assim ficará magro e doente

Será que restaria nesta casa

Um quarto respirável

Se o seu quarto não rescendesse

A linho passado e a alfazema

Se o seu sono leve

Não adormecesse a casa

Que se engasta na paisagem da rua

Como a água-marinha no anel em sua mão

Frágil

Mas imbatível

42

Não sou um punhado de restos mortais

Porque ainda

Graças a Deus

Vou vivendo

Mas sou em suas mãos

Um trapo humano

Que você usa para lavar

E dar brilho

Em pisos e azulejos

Tornei-me melhor nisso

Que a cera Poliflor

Um excelente trapo humano

Em suas mãos diferentes

43

São Francisco...

Deixe que eu me vá

Como uma folha solta no ribeirão

Não me prenda às suas margens

Não me apanhe em suas mãos

Não sei para onde vou

Mas sei que quero partir

Que não quero prender-me

A esta paisagem

Tão natural

Tão cômoda

Os quartos

Os rostos

O jardim

Não quero mais o mundo

Que para sempre levarei

Em mim sonhador

Toma Senhor

Em tuas mãos

Minha vida errante

 

 

 

Autor:

Igor Zanoni

igorzaleao[arroba]yahoo.com.br

Curitiba, Dezembro, 2006



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