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Com a "união" entre as nações, o rei Felipe II promulgou as Ordenações Filipinas, em 1603. Que vigorou em Portugal e também foi aplicada no Brasil Colônia até o ano de 1830. Nesse diploma a regra era a prisão. Contudo, o príncipe podia, por justos motivos, conceder a fiança ao réu, desde que este indicasse fiadores idôneos. Caso contrário, aguardaria o julgamento preso.
Referente às Ordenações Portuguesas que vigoraram em território brasileiro TELES[6]assim comenta:
"Em quase nada se distinguiam das Ordenações Manuelinas e Afonsinas. Punições severas e cruéis, inexistência do princípio da reserva legal e do direito de defesa, penas arbitradas desproporcionalmente pelos juízes, e desiguais, conforme o status do apenado, e punição de delitos religiosos e absurdos, como a heresia e o benzimento de animais. Penas de fogo em vida, de ferro em brasa, de mãos cortadas, de tormentos, além, é claro, da transmissão da infâmia aos descendentes do criminoso, revelam o grau de crueldade e desumanidade desse direito.
Foram mais de três séculos de terror absoluto, abaixo da linha do Equador, para a massa dos primeiros habitantes, construtores desta sociedade, ainda hoje, majoritariamente marginalizada."
Nota-se que durante o período colonial, o Brasil viveu momentos de terror em relação ao direito penal e sua aplicação no território.
2.1.2 Brasil Império
O ano de 1830 foi marcado como o ano da criação do 1° Código Penal exclusivamente brasileiro. Com a proclamação da independência no ano de 1822, alguns juristas brasileiros se encontravam também inspirados pelas idéias iluministas que se propagavam à época e incluíram no diploma os princípios da igualdade dos homens perante a lei, a personificação da pena e reconheceram a utilidade pública da lei penal. Trazia também um esboço de individualização da pena, alimentada pelos pensamentos liberais, além de assegurar os institutos das atuantes e das agravantes, assim como o tratamento especial aos menores de 16 anos[7]
Data deste diploma também a prisão cautelar, onde o acusado que não podia pagar pela fiança era mantido preso até a data do julgamento.
O Código Criminal de 1830 seguia os preceitos da Constituição de 1824, e por isso pregava que a pena de prisão deveria ser cumprida com dignidade e estabelecia o instituto do regime menos gravoso, conhecido como prisão simples[8]
Mesmo diante das inúmeras inovações, ainda permitia a pena de morte, o tratamento desigual, conforme a classe social, mormente aos escravos, situação que somente se alterou no ano de 1888 com a emancipação destes. E ainda pregava tratamentos cruéis e degradantes.
Após a promulgação do diploma em 1830, várias foram as alterações efetivadas, entre elas o reconhecimento dos crimes de culpa, em 1871.
Vale lembrar que posterior ao Código Criminal de 1830, foi promulgado o Código de Processo Criminal, cuja regulamentação serviria de matéria processual até 1941. Também enraizado de idéias liberalistas, o Código de Processo Criminal distinguia os processos para os crimes públicos e para os particulares.[9]
Porém a pena de prisão ainda não atendia aos moldes atuais, nem se primavam pela efetivação da garantia da individualização.
Brasil República
Em 1890, já estabelecida a República no país, começa a tomar força o movimento reformista, inclusive das legislações penais. Entrando em vigor em 1891 o Código dos Estados Unidos do Brasil. Projetado por Batista Pereira, o novo Código se inspirava nos ditames da escola clássica, por meio da adoção de princípios como o da reserva legal, fato este que gerou inúmeras críticas e descontentamentos. Entre as inovações de destaque está a abolição da pena de morte.
Datam do início do século XIX o início do uso da prisão como forma essencial de execução da pena. Deixando-se para trás as outras formas de punição.
Começa-se a serem construídos os presídios e casas correcionais para a execução da pena privativa de liberdade, que, desde então não poderia ter caráter perpétuo, diante do entendimento de que a esperança de liberdade poderia impulsionar a transformação do condenado.
As penas privativas de liberdade que este novo texto trazia eram[10]
A prisão celular, aplicável para quase todos os crimes e algumas contravenções, constituindo a base do sistema penitenciário. Caracterizava-se pelo isolamento celular com obrigação de trabalho, a ser cumprida "em estabelecimento especial" (art. 45);
A reclusão, executada em fortalezas, praças de guerra ou estabelecimentos militares (art. 47);
A prisão com trabalho obrigatório, cominadas para os vadios e capoeiras a serem recolhidos às penitenciárias agrícolas para tal fim destinadas ou aos presídios militares (art. 48);
A prisão disciplinar, destinadas aos menores até a idade de 21 anos, para ser executada em estabelecimentos industriais especiais (art. 49);
Em 1932 Vicente Piragibe, desembargador na época, se incumbiu da tarefa de reunir toda a legislação penal que vigorava em território nacional, sendo esse trabalho chamado de Consolidação das Leis Penais.
A Reforma de 1940 e 1984
Sobrevindo a Revolução de 1937, o Presidente à época, Getúlio Vargas, exigiu que se reformasse o código, o que ocorreu em 1940, passando a vigorar a partir de 1942. Dado o momento revolucionário da época, este código chega ceifado de garantias fundamentais, deixando os crimes contra o Estado relegados a ultimo plano. O diploma não se absteve a nenhuma escola, teve como característica a técnica moderna e trazia também o preceito da individualização penal e a medida de segurança[11]
Ao novo dispositivo se destaca a "incorporação do principio da reserva legal, do sistema do duplo binário, a pluralidade das penas privativas de liberdade e o sistema progressivo das penas [...]" [12]
Às inovações trazidas se incluem o grande poder de apreciação dado ao juiz na aplicação da pena, tanto ao quantum da pena, tanto para a escolha de qual pena será aplica, podendo se fazer cumulativamente, ou até mesmo deixar de aplicar a sanção.
BARROS[13]explana a respeito do funcionamento dos presídios:
"Admitia-se para correção dos detentos a aplicação de todo um sistema de castigos e recompensas, que incluíam a abreviação da pena. Esse sistema deveria ser gerido pela autoridade administrativa, era desvinculado das instancias judiciárias, pois dizia respeito às medidas a serem aplicadas durante o cumprimento da pena. Individualizar a pena era tarefa atribuída aos funcionários dos presídios, pois dependente do comportamento e desenvolvimento demonstrado pelo preso durante o encarceramento".
O Código de 1940 dispõe das penas em duas categorias: principais e acessórias. As principais subdividem-se em: reclusão, detenção e multa. E a penas acessórias são: a perda da função pública, as interdições de direitos e a publicação da sentença.
"O Código não faz classificação especial de criminosos para a individualização da pena, não se fazendo necessária uma prévia catalogação, mais ou menos teórica, de espécie de criminosos, desde que ao juiz se configure um amplo arbítrio na aplicação concreta das sanções legais, assumindo sentido marcadamente individualizador".[14]
Em meados dos anos 60, se inicia nova reforma do Código Penal, tendo o jurista Nelson Hungria como parte da equipe revisora. O projeto foi devidamente aprovado pelo Governo Militar da época em 1969.
A respeito da reforma introduzida no Código Penal de 1940, o ilustre doutrinador DOTTI[15]assim pontua quanto à pena privativa de liberdade:
Uma incisão cirúrgica foi feita no sistema com a introdução de idéias e propostas que viriam flexibilizar a execução da pena privativa de liberdade. O Código Penal de 1969/73(8) já previa como variante de execução da pena de prisão a existência do estabelecimento penal aberto no qual cumpririam pena, em regime de semiliberdade, os condenados por tempo inferior a seis anos de reclusão ou oito anos de detenção, que fossem de escassa ou nenhuma periculosidade (art. 38, § 3.º). Também se institucionalizou a prisão-albergue para o condenado primário e de nenhuma ou escassa periculosidade (art. 40).
No ano de 1984, com o fim do período ditatorial, ocorre a grande reforma da parte geral do código. Destaca-se então o início da flexibilidade da aplicação da pena privativa de liberdade. Também data desse período de reforma a criação do Projeto da Lei de Execuções Penais. Aprovados no mesmo ano, e estando vigente até os dias atuais, apontam-se as leis 7.209 e 7.210 de 1984. Sendo a primeira referencia à reforma da parte geral do código e a segunda a Lei de Execuções Penais.
Grande inovação da reforma cita-se a criação das penas alternativas para os delitos de menor gravidade, além da possibilidade de aplicação da pena mais grave aos crimes cometidos com violência e grave ameaça.
2.2 HISTÓRICO DA EXECUÇAO PENAL
Não há como falar em histologia da execução penal, sem citar a própria evolução do direito penal. Pois ambas as ciências sempre estiveram ligadas, de modo que a aplicação de uma pressupõe a outra.
Desta forma BARROS[16]assim explana:
"É possível afirmar que a história da pena começa com a historia dada sua execução, pois na "vingança privada" (falda), antes de ser determinada com exatidão uma pena, ela era executada. Com a evolução para o "sistema talional", passa a haver uma determinação, ou melhor, certa correspondência entre Delito e Pena e sua forma de execução".
No Brasil a evolução da Execução Penal começa em 1933, com a elaboração do Código Penitenciário da República, publicado em 1937, o diploma foi uma tentativa de codificação das normas que regiam o instituto da execução penal no país.[17]
Porém com a aprovação do Código Penal de 1940, o referido diploma foi abandonado por ir contra as idéias expiradas pelo novo dispositivo.
Ainda de acordo com MIRABETE[18]os novos códigos, penal e de processo penal, ainda se mostravam inadequados como instrumentos para a execução da pena. O jurista assim afirma:
"Mas, desde tal época, a necessidade de uma lei de Execução Penal foi posta em relevo pela doutrina, por não constituírem o Código Penal e Código de Processo Penal lugares adequados para o regulamento de execução da Penas e medidas privativas de liberdade".
No ano de 1957, novo projeto referente a normas gerais de regime penitenciário foi aprovado. Porém este não apresentou eficácia e se tronou letra morta no ordenamento, por não impor sanções frente ao descumprimento dos princípios e regras expostas.
Segundo exposição de MIRABETE[19]em 1980 foi apresentado anteprojeto da Lei de Execução Penal. Após os devidos trâmites legais, em 1984 foi finalmente aprovada a Lei 7.210, entrando em vigor no ano seguinte, juntamente com a lei de Reforma da Parte Geral do Código Penal.
Verifica-se que muito se estudou e se discutiu a respeito de uma lei própria de execução penal. A criação do dispositivo visa que se cumpram corretamente as disposições da sentença penal condenatória.
Com a entrada em vigor da lei de Execuções Penais, fica evidente que o regime de penas adotado no país será o progressivo. O que representa um avanço no que tange ao rigorismo da execução penal aplicado até então.
Acerca disso Bitencourt[20]observa:
"O apogeu da pena privativa de liberdade coincide igualmente com o abandono dos regimes celular e auburniano e a adoção do regime progressivo. A essência deste regime consiste em distribuir o tempo de duração da condenação em períodos, ampliando-se em cada um os privilégios que o recluso pode desfrutar de acordo com sua boa conduta e o aproveitamento demonstrado do tratamento reformador. Outro aspecto importante é o fato de possibilitar ao recluso reincorporar-se à sociedade antes do término da condenação".
Porém o que se encontra atualmente no que tange à execução penal brasileira pode ser bem descrita no dizer de COELHO[21]
"[...]a nossa realidade penitenciária é arcaica, os estabelecimentos prisionais, na sua grande maioria, representam para os reclusos um verdadeiro inferno em vida, onde o preso se amontoa a outros em celas (seria melhor dizer em jaulas) sujas, úmidas, anti-higiênicas e super lotadas, de tal forma que, em não raros exemplos, o preso deve dormir sentado, enquanto outros revezam em pé".
Portanto, há de se considerar que, apesar dos grandes avanços alcançados pelos legisladores brasileiros através dos tempos, o instituto da individualização da pena, alvo do presente estudo, ainda caminha a passos lentos para o alcance de sua efetivação.
Discorrido acerca do histórico da execução penal brasileira, importante é definir o momento de início da execução penal, momento este definido segundo o art. 105 da LEP[22]
Art. 105. Transitando em julgado a sentença que aplicar pena privativa de liberdade, se o réu estiver ou vier a ser preso, o Juiz ordenará a expedição de guia de recolhimento para a execução.
Diante da legislação em exame MIRABETE[23]conceitua: "A execução penal, em sentido amplo, é a concretização do mandamento contido na sentença criminal, ou seja, o conjunto dos atos judiciais ou administrativos por meio dos quais se faz efetiva a sentença."
A execução penal nada mais é que o cumprimento do que está disposto na sentença, tenha ela natureza condenatória, absolutória ou terminativa de mérito.
Nas sentenças condenatórias há a imposição de Pena, no sentido de punição. Enquanto nas sentenças absolutórias a imposição passa a ser de medida de segurança, como aos inimputáveis. Já na sentença terminativa de mérito encerra-se uma processual, julgando o mérito da causa, sem no entanto, impor pena nem medida de segurança.
No que concerne à classificação das sentenças MIRABETE[24]assim as define:
"Em relação à sentença condenatória, são executadas as Penas impostas, é lançado o nome do réu no rol dos culpados, são cobradas as custas, etc. A sentença absolutória própria comporta a execução em favor do acusado, com a soltura do réu, cobrança das custas contra o querelante vencido, etc. A sentença terminativa de mérito (decretação da extinção da punibilidade, reconhecimento da ausência de condição objetiva de punibilidade, etc.) produz efeitos equiparáveis aos da sentença absolutória, pelo que sua execução é, em tudo, semelhante àquela."
Na legislação a execução de sentença condenatória está devidamente regulada pela LEP, em seus artigos 150 a 170. Os artigos 171 a 179 regulam as sentenças absolutórias impróprias. Já as sentenças terminativas de mérito estão reguladas pelos artigos 187 a 193.
O Código de Processo Penal regula a execução das sentenças absolutórias impróprias, em seus artigos 669, inciso II e 670.
Com relação aos efeitos penais leciona MARQUES[25]
"A sentença condenatória é a fonte imediata da regra sancionadora que vai efetivar-se através do processo de execução. A sentença penal condenatória tem, assim, a força de título executório. Em virtude da condenação penal, vai o réu ser submetido ao processo de execução, não mais se indagando da justiça ou injustiça da decisão, uma vez que o título penal executório também tem caráter abstrato."
A sentença criminal condenatória tem por efeitos não só a aplicação da lei penal, mas também pode conter sanções de natureza civil ou administrativa, como é o caso da perda de cargo ou função pública, da reparabilidade do dano na esfera civil ou até mesmo perda de tutela e pátrio poder, entre outras conforme o delito cometido.
2.3 FUNÇAO DA PENA
Após a devida explanação histórica acerca da evolução das penas e da execução penal na legislação brasileira, importante ponto a destacar é função da pena, em especial da privativa de liberdade.
A função atribuída à pena varia conforme o conceito em que se baseia. Do ponto de vista de FRAGOSO[26]a sanção penal é "a perda de bens jurídicos imposta pelo órgão da justiça a quem comete crimes", se verifica que o autor atribui à pena caráter de retribuição.
Em contrapartida o doutrinador JESUS[27]apresenta seu conceito da seguinte maneira:"a sanção aflitiva imposta pelo Estado, mediante ação penal, ao autor de uma infração (penal), como retribuição de seu ato ilícito, consistente na diminuição de um bem jurídico, e cujo fim é evitar novos delitos". Deste modo, se apreciarmos a pena do ponto de vista exposto, ela assume característica de retribuição e finalidade de prevenção.
No Brasil a teoria assumida pelo legislador em 1984 reconhece a natureza mista da pena. De modo que ela será retributiva e preventiva. Conforme o artigo 59, caput, do Código Penal[28]
O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: I – as penas aplicáveis dentre as cominadas; II – a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; III – o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; IV – a substituição da pena privativa de liberdade aplicada, por outro espécie de pena se cabível.
A função essencial da pena pode ser encontrada de maneira clara e precisa nos ensinamentos de MARCAO[29]
A execução penal deve objetivar a integração social do condenado ou do internado, já que adota a teoria mista ou eclética, segundo a qual a natureza retributiva da pena não busca apenas a prevenção, mas também a humanização. Objetiva-se, por meio da execução, punir e humanizar.
A doutrina dominantemente admite a existência de duas teorias:
a) teoria absoluta: esta não se preocupa com o fim da pena, apenas vê ela como o próprio fim, também conhecida como teoria retributiva.
b) teoria relativa: que se preocupa com os fins obtidos com a privação da liberdade, também conhecida como teoria preventiva.
A teoria retributiva considera a pena como um castigo imposto ao criminoso, meio de compensação entre o mal do crime com o mal da sanção; Segundo essa teoria a pena não tem um fim esperado, pois é em si o próprio fim. Considera-se como a realização da justiça, sendo retribuição justa pelo delito cometido. Para se compensar a infração de uma norma penal, pune-se o delinqüente com uma pena privativa de liberdade. Daí o nome teoria absoluta, já que a compensação é o único fim da punição. As críticas a essa teoria, se dão por conta que, desse ponto de vista, a pena não busca atingir fim social algum.
De maneira oposta a teoria relativa considera a pena como sendo mero meio para que se alcance um fim desejado, assumindo assim fim utilitário, quer seja, para que se evitem novos crimes, ou que se reeduque o infrator, há uma preocupação com o futuro. BARROS[30]assim entende "[...] o utilitarismo só pode ser entendido como tendo por escopo o bem-estar dos cidadãos; só esse utilitarismo tem condições de fundamentar um direito penal mínimo e garantista".
A teoria relativa, ou preventiva é subdividida em:
- prevenção especial: que tem em vista o delinqüente, o infrator. Do seu ponto de vista negativo a pena busca intimidar o infrator para que não volte a transgredir; do ponto de vista positivo busca a readaptação, ressocialização, reeducação, enfim a recuperação do delinquente. Essas afirmações mostram que a teoria preventiva muito se relaciona com o processo de individualização e diferenciação da pena.
- prevenção geral: que tem em vista a ameaça à sociedade em geral. De modo que um cidadão de bem agiria sempre conforme as regras impostas para que não seja infrator e tenha que ser alvo da aplicação de uma sanção penal.
Neste sentido BARROS[31]explica: "com a prevenção geral esperam-se da ameaça e execução da pena a intimidação dos delinqüentes potenciais e, em geral, a estabilização da consciência normativa social".
O aspecto positivo da teoria preventiva é que o Estado demonstra a efetiva validade de suas normas, através da justa punição de um infrator.
Em contrapartida um indivíduo estaria disposto a um maior grau de rigor na aplicação de sua pena, apenas para que assim servisse de exemplo à sociedade. De maneira que assim a individualização da pena estaria sendo ignorada.
A respeito desse tema NUCCI[32]assim explica:
O caráter preventivo da pena desdobra-se em dois aspectos. O geral, que se subdivide noutros dois: a) preventivo positivo: a aplicação da pena tem por finalidade reafirmar à sociedade a existência e força do Direito Penal; b) preventivo negativo: a pena concretizada fortalece o poder intimidativo estatal, representando alerta a toda a sociedade, destinatária da norma penal. O especial também se subdivide em dois aspectos: a) preventivo positivo: é o caráter reeducativo e ressocializador da pena, buscando preparar o condenado para uma nova vida, respeitando as regras impostas pelo ordenamento jurídico. [...]; b) preventivo negativo: significa que a pena volta-se igualmente à intimidação do autor da infração penal para que não torne a agir do mesmo modo, além de, conforme o caso, afastá-lo do convívio social, garantia maior de que não tornará a delinqüir, ao menos enquanto estiver segregado.
No período pós segunda guerra surge uma nova teoria, chamada de humanista. Segundo essa teoria o objetivo principal da pena seria readaptar o indivíduo para o convívio em sociedade, de modo que visa à proteção do ser humano através da efetivação e garantia dos direitos fundamentais.
A respeito dessa corrente FREIRE[33]assinala:
"Rejeitando a noção puramente retributiva da pena, a nova defesa social atribuiu ao Estado a responsabilidade pela prevenção ao crime e o tratamento dos delinqüentes. Agregou à concepção retributiva da pena duas dimensões complementares: a prevenção do crime e o tratamento dos delinqüentes."
A nova corrente faz menção a um modelo jurídico eficaz e preocupado com a ressocialização e a reinserção do condenado à vida em sociedade.
2.4 CLASSIFICAÇAO DAS PENAS
O Direito Brasileiro consagra três espécies de pena, são elas:
a) Privativa de Liberdade;
b) Restritiva de Direitos e
c) Multa.
As penas restritivas de direitos e pena multa visam atingir não diretamente a liberdade do apenado, de forma a enclausurá-lo, mas atingem o apenado de outro meio, através de seus bens, ou restringindo-o nos fins de semana, conforme se verá a seguir.
2.4.1 Penas Restritivas de Direitos e Pena Multa
As penas restritivas de direito estão elencadas no art. 43, do Código Penal, e não possuem aplicação imediata, sendo substitutas às penas privativas de liberdade, de acordo com art. 44, também do Código Penal[34]
Art. 43. As penas restritivas de direitos são:
I – prestação pecuniária;
II – perda de bens e valores;
III – (VETADO)
IV – prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas
V – interdição temporária de direitos;
VI – limitação de fim de semana.
Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando:
I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo;
II – o réu não for reincidente em crime doloso;
III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.
§ 1o (VETADO)
§ 2o Na condenação igual ou inferior a um ano, a substituição pode ser feita por multa ou por uma pena restritiva de direitos; se superior a um ano, a pena privativa de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de direitos.
§ 3o Se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição, desde que, em face de condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime.
§ 4o A pena restritiva de direitos converte-se em privativa de liberdade quando ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta. No cálculo da pena privativa de liberdade a executar será deduzido o tempo cumprido da pena restritiva de direitos, respeitado o saldo mínimo de trinta dias de detenção ou reclusão.
§ 5o Sobrevindo condenação a pena privativa de liberdade, por outro crime, o juiz da execução penal decidirá sobre a conversão, podendo deixar de aplicá-la se for possível ao condenado cumprir a pena substitutiva anterior.
Nota-se, portanto, que as penas restritivas de direitos serão aplicadas quando a condenação não ultrapassar 4 (quatro) anos, em se tratando de crimes dolosos se não houver violência ou grave ameaça, e também nos casos de crimes culposos em geral.
As penas restritivas de ainda se dividem em prestação pecuniária, perda de bens e valores, prestação de serviços a comunidade ou a entidades públicas, interdição temporária de direitos e limitação de final de semana.
A pena de prestação pecuniária consiste no pagamento de valores à vítima, seus descendentes ou entidade assistencial, e será fixada pelo juiz, no valor entre 1 e 360 salários mínimos. Encontra disposição no § 1°, do art. 45 do Código Penal.
A perda de bens e valores encontra disposição no § 3°, do art. 45 do diploma penal em exame, e se refere a perda de valores em favor do Fundo Penitenciário Nacional.
A pena de prestação de serviços a comunidade ou entidade pública foi introduzida com a Lei 7.214/98, que alterou a redação do art. 46. Essa espécie de pena é bem explicada por CARDOSO[35]
"A prestação de serviços à comunidade é um ônus que se impõem ao condenado como consequência da prática da infração penal. Não pelo emprego, nem gera relação empregatícia, também não pode ser considerada "trabalhos forçados", tendo em vista a natureza substitutiva da prestação de serviços, e principalmente, diante do seu caráter humanitário (medida descaracterizadora); além do mais, na execução da pena privativa de liberdade, o trabalho também é obrigatório para o condenado, e, também, não se confunde com a antiga (e já banida) pena de "trabalhos forçados""
Nota-se, portanto, que a prestação de serviços a comunidade consiste no trabalho gratuito a entidades publicas, por uma hora diária e de maneira que não comprometa a jornada de trabalho habitual do condenado.
A pena de interdição temporária de direitos está regulamentada pelo art. 47, do Código Penal e consiste na proibição temporária do exercício da profissão, atividade ou ofício relacionado à infração, e também pela suspensão da habilitação para dirigir. A aplicação da interdição dar-se à na sentença condenatória.
Conforme os ensinamentos de JESUS[36]"Essas penas restritivas de direitos devem ser individualizadas, procurando o juiz adequá-las ao fato e às condições do condenado".
A limitação de final de semana encontra regulamentação no art. 48 do Código Penal, e se caracteriza pelo recolhimento do condenado, no final de semana, em casa de albergado ou estabelecimento onde lhe seja proporcionado palestras educacionais.
CARDOSO[37]entende que a limitação de fim de semana pode ser considerada como pena privativa de liberdade. Caracterizando prisão descontínua, pois o apenado é privado de sua liberdade durante o período da execução, pelo tempo de 05 (cinco) horas diárias.
Desta forma, concluímos a explanação a respeito das penas restritiva de direitos, apenas com o intuito de demonstrar que também na aplicação desta a individualização na execução deve ser elemento presente.
A pena multa está devidamente transcrita no art. 49, do codex, sendo que será fixada em sentença condenatória, e consiste no pagamento de multa ao Fundo Penitenciário Nacional. A forma de cálculo da pena de multa será em dias-multa, entre o valor de 1 a 360. O valor do dia-multa não será inferior a um trigésimo do salário mínimo vigente e nem superior a 5 vezes este salário.
A pena multa poderá substituir a pena privativa de liberdade, não superior a 1 (um) ano e poderá ainda ser aplicada alternativa ou cumulativamente.
2.4.2 Penas Privativas de Liberdade
Para fins de conceituação, LEAL[38]define a pena privativa de liberdade da seguinte maneira: "[...] medida de ordem legal, aplicável ao autor de uma infração penal, consistente na perda de sua liberdade física de sua locomoção que se efetiva mediante um internamento em estabelecimento prisional."
De acordo com FRAGOSO[39]"A pena privativa da liberdade tem sido considerada, no direito penal moderno, como a sanção mais representativa do sistema repressivo. Ela constitui a pena por excelência".
De acordo com as conceituações apresentadas, podemos afirmar que a pena privativa de liberdade consiste na ação do Estado em punir um sujeito pela prática de fato previsto como crime.
Pode-se também definir a pena privativa de liberdade como atividade coercitiva do Estado, que ao punir o delinquente se remete aos cidadãos de paz, para que estes não cometam delitos.
Conforme veremos a seguir, as penas privativas de liberdade poderão ser de detenção ou reclusão, e são cumpridas em três espécies de regimes: fechado, semi-aberto e aberto. A progressão, de um regime a outro menos brando, se dará conforme merecimento do condenado.
3.1 DETENÇAO E RECLUSAO
Conforme exposto inicialmente, a pena privativa de liberdade poderá ser de detenção ou de reclusão. Esses termos são usados unicamente para determinar qual será o regime inicial de cumprimento de pena.
O art. 33 e seus parágrafos, do Código Penal[40]regulam as penas privativas de liberdade da seguinte maneira:
DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE
Reclusão e detenção
Art. 33 - A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto. A de detenção, em regime semi-aberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado.
§ 1º - Considera-se:
a) regime fechado a execução da pena em estabelecimento de segurança máxima ou média;
b) regime semi-aberto a execução da pena em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar;
c) regime aberto a execução da pena em casa de albergado ou estabelecimento adequado.
§ 2º - As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso:
a) o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado;
b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto;
c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.
§ 3º - A determinação do regime inicial de cumprimento da pena far-se-á com observância dos critérios previstos no art. 59 deste Código.
§ 4o O condenado por crime contra a administração pública terá a progressão de regime do cumprimento da pena condicionada à reparação do dano que causou, ou à devolução do produto do ilícito praticado, com os acréscimos legais.
Segundo entendimento de LEAL[41]a pena privativa de liberdade é "a medida de ordem legal, aplicável ao autor de uma infração penal, consiste na perda de sua liberdade física de locomoção que se efetiva mediante um internamento em estabelecimento prisional".
Com base na letra da lei verificamos que a pena de reclusão poderá ser cumprida inicialmente em regime fechado, semi-aberto ou aberto. Lembrando que a escolha do regime inicial será determinada pelo juiz, no momento da sentença condenatória.
No tocante à diferenciação da pena de detenção da pena de reclusão JESUS[42]assim define:
"A reclusão diferencia da detenção no só quanto à espécie de regime como também em relação ao estabelecimento Penal da execução (segurança máxima, média e mínima), à sequência da execução no concurso material (CP, art. 69, caput), à incapacidade para o exercício do pátrio poder (art. 92, II), à medida de segurança (art. 97, caput), à fiança (CPP, art. 323, I) e a prisão preventiva (CPP, art. 313 I e II)".
A diferenciação da reclusão e da detenção ocorre no momento em que o condenado a esta deverá cumpri-la inicialmente em regime semi-aberto ou aberto. Ressalvando-se, porém, a necessidade de transferência para regime mais rigoroso, de acordo com o § 2° do art. 33[43]
No que se referem aos regimes aplicáveis, estes são subdivididos em 3: regime fechado, semi-aberto e aberto. Há também a existência do regime especial, destinado às mulheres, e o mais recentemente incluído na legislação pela Lei 10.792/03, denominado Regime Disciplinar Diferenciado, esse ultimo sendo apenas sanção disciplinar, não representando assim a criação de um novo regime.
3.2 REGIME FECHADO
O regime fechado está regulado pelo art. 34 do Código Penal[44]e se caracteriza pelo cumprimento da pena em estabelecimento de segurança máxima ou média:
Art. 34 - O condenado será submetido, no início do cumprimento da pena, a exame criminológico de classificação para individualização da execução.
§ 1º - O condenado fica sujeito a trabalho no período diurno e a isolamento durante o repouso noturno.
§ 2º - O trabalho será em comum dentro do estabelecimento, na conformidade das aptidões ou ocupações anteriores do condenado, desde que compatíveis com a execução da pena.
§ 3º - O trabalho externo é admissível, no regime fechado, em serviços ou obras públicas.
Magistralmente NUCCI[45]assim define o regime fechado:
"O regime fechado caracteriza-se pelo cumprimento da pena em estabelecimento de segurança máxima ou média (art. 33, §1°, a, CP), destinando-se à Pena de reclusão. Estabelece a lei que as penas fixadas em montante acima de oito anos devem ser iniciadas, necessariamente, em regime fechado (art. 33, § 2°, a). Nada impede, no entanto, que o juiz fixe aos condenados por penas inferiores, igualmente, o mesmo regime inicial, desde que seja respeitado o processo de individualização (art. 33, § 3°)."
Ainda nesse sentido NUCCI[46]comenta:
"A pena privativa de liberdade em regime fechado é alternativa viável e útil, não podendo ser dispensada em grande parte dos casos, especialmente de crimes violentos, graves e chocantes, pois não há o que se fazer a curto ou médio prazo com determinados tipos de delinqüentes".
O Código Penal ainda dispensa tratamento diferenciado aos reincidentes, estabelecendo que para estes, obrigatoriamente o regime inicial será o fechado, mesmo que a pena fixada seja inferior a 8 (oito) anos.
Também a Lei de Execuções Penais[47]disciplina as regras do Regime Fechado, conforme exposto no art. 87 da referida legislação: "a penitenciária destina-se ao condenado à pena de reclusão, em regime fechado."
A LEP[48]ainda prevê em seu art. 90 que os estabelecimentos prisionais devem ser construídos distantes dos centros urbanos, porém de maneira que possibilite o acesso das visitas, fator este fundamental no processo da reinserção social.
O local adequado para o cumprimento do regime fechado deve ser numa cela individual, contendo dormitório, aparelho sanitário e lavatório, com salubridade e área de no mínimo seis metros quadrados.
3.3 REGIME SEMI-ABERTO
O regime semi-aberto está regulamentado pelo art. 35 do codex, sendo destinados aqueles que progridem do regime fechado e também para aqueles condenados que tenha esse como seu regime inicial declarado em sentença. Caracteriza-se com o cumprimento da Pena em colônias agrícolas ou industriais:
Art. 35 - Aplica-se a norma do art. 34 deste Código, caput, ao condenado que inicie o cumprimento da pena em regime semi-aberto.
§ 1º - O condenado fica sujeito a trabalho em comum durante o período diurno, em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar.
§ 2º - O trabalho externo é admissível, bem como a freqüência a cursos supletivos profissionalizantes, de instrução de segundo grau ou superior.[49]
LEAL[50]assim conceitua o regime semi-aberto:
"No regime semi-aberto, o condenado cumpre a pena sem ficar submetido às regras rigorosas do regime penitenciário (isolamento celular). Nesse regime não são utilizados mecanismos ou dispositivos ostensivos de segurança contra a fuga do condenado".
Nos estabelecimentos agrícolas, industriais ou similares não haverá barreiras físicas que impeçam a fuga do condenado. O que expõem que o senso de responsabilidade do apenado é estimulado, de modo que o mesmo tem que trabalhar, manter a disciplina e não fugir. Sendo admitidas além do trabalho externo, visitas à família e frequência regular em cursos profissionalizantes.
Nesse sentido aponta FEU ROSA[51]
"Contra a detenção em estabelecimento semi-aberto, tem-se acentuado que ela não tem efeito intimidativo sobre o que a ela está sujeito, nem nenhum efeito de prevenção geral. Na realidade os presos nesses estabelecimentos têm plena consciência de escapar de um regime muito mais severo, o que não pode senão estimulá-los a não abusar da liberdade relativa de que gozam."
Como consequência a esse modelo menos vigiado, as colônias penais agrícolas devem ser instaladas longe dos centros urbanos. Os apenados são alojados em dormitórios coletivos, e para aqueles que apresentam alguma alteração temperamental há celas individuais.[52]
No tocante a esse regime, interessante é a observação de JESUS[53]"O condenado, no início do cumprimento da pena, pode também ser submetido a exame criminológico de classificação para a individualização da execução".
3.4 REGIME ABERTO
Conceituado como último estágio de cumprimento de pena se destina aos apenados que progridem do regime semi-aberto, consiste na autodisciplina e no senso de responsabilidade do condenado. Vem consagrado no art. 36 do Código Penal[54]
Art. 36 - O regime aberto baseia-se na autodisciplina e senso de responsabilidade do condenado.
§ 1º - O condenado deverá, fora do estabelecimento e sem vigilância, trabalhar, freqüentar curso ou exercer outra atividade autorizada, permanecendo recolhido durante o período noturno e nos dias de folga.
§ 2º - O condenado será transferido do regime aberto, se praticar fato definido como crime doloso, se frustrar os fins da execução ou se, podendo, não pagar a multa cumulativamente aplicada.
As penas desse molde devem ser cumpridas em Casa de Albergado, desta vez construída em centros urbanos, que não possuam obstáculos para a fuga, e ainda devem possuir espaço adequado para que se ministrem cursos profissionalizantes e palestras. Devendo os apenados permanecer nela durante a noite, nos finais de semanas e feriados[55]
Nesse molde de regime o apenado pode realizar trabalho externo, ou outra atividade previamente autorizada. Há de se considerar que como em toda progressão, o apenado pode ser transferido para regime mais vigoroso, se não apresentar bom comportamento, ou de alguma maneira frustrar os fins da execução.
O principal problema deste modelo de regime é a inexistência das referidas instalações, conforme discurso de NUCCI[56]
"[...] inúmeros governantes desconhecem ou fingem ignorar o disposto em lei. O maior exemplo pode ser extraído do art. 203, § 2º, da LEP, indagando-se onde estão as casas de albergados nas comarcas brasileiras, [...]. Torna-se difícil convencer o brasileiro comum a cumprir as leis do seu País, quando os administradores as desprezam sem o menor pudor."
Diante da inexistência de Casa de Albergado, a prisão em regime aberto passa a ser cumprida em prisão albergue domiciliar. Situação permitida somente nos casos previstos no art. 171 da LEP, ou seja, condenado maior de 70 anos, acometido de doença grave, condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental e condenada gestante[57]
Por absoluta irresponsabilidade do Poder Executivo, no Brasil a prisão em regime aberto, passa a ser prisão domiciliar, de modo que perde essência de prisão, visto que não há nenhuma fiscalização com relação aos condenados.
3.5 REGIME ESPECIAL
O Regime especial de cumprimento de pena destina-se às apenadas, gênero do sexo feminino. Está devidamente consagrado no art. 37 do Código Penal[58]
Art. 37 - As mulheres cumprem pena em estabelecimento próprio, observando-se os deveres e direitos inerentes à sua condição pessoal, bem como, no que couber, o disposto neste Capítulo.
A necessidade de se existir um regime especial para as mulheres se dá devido aos direitos à ela inerentes e também à condição pessoal das mesmas. Nesse sentido LEAL[59]considera:
"A idéia de um estabelecimento carcerário de caráter misto, onde homens e mulheres sejam internados em comum, é, ainda hoje, inconcebível. A promiscuidade sexual e, em consequência a própria disciplina prisional ficariam intoleráveis. Daí a divisão tradicional dos estabelecimentos prisionais em masculinos e femininos. Diante disso, a mulher condenada a cumprir pena privativa de liberdade será recolhida em estabelecimento próprio, separado do masculino, "observando os direitos e deveres inerentes a sua condição pessoal" (art. 37)."
Verifica-se, portanto, que a necessidade de um regime especial para as mulheres também se torna imprescindível para que se previna a promiscuidade sexual no sistema prisional e se garanta a disciplina e ordem internas.
3.6 REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO (RDD)
O Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) foi recepcionado pela nossa legislação a partir da aprovação da Lei 10.792/2003. Não se trata, entretanto de mais um regime de cumprimento de pena, mas de sanção disciplinar aplicada aos condenados, conforme sua conduta, diante do que prevê o art. 53, inciso V, da Lei de Execução Penal[60]
O RDD encontra suas bases no Direito Penal do Inimigo, proposto pelo jurista alemão Günther Jakobs. Segundo o autor expõe, há uma exceção do Direito Penal àquele criminoso irremediável, que faz do crime seu modo de vida, e deste modo deve ser apartado da sociedade, para que não possa significar risco àqueles cidadãos que respeitam os ditames da lei.[61]
Verificada a sua fonte, pode-se afirmar, diante da análise do cenário em que a Lei foi aprovada, que o RDD significa uma saída para a situação crítica encontrada nos presídios brasileiros, de modo que há comprovação, que mesmo depois de enclausurados, os líderes de facções criminosas continuam a delinquir. Demonstra-se assim a inclusão deles no perfil de criminoso descrito pelo Direito Penal do Inimigo.
A LEP[62]traz em seu art. 52 as ocasiões onde o RDD será aplicado:
Art. 52. A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e, quando ocasione subversão da ordem ou disciplina internas, sujeita o preso provisório, ou condenado, sem prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar diferenciado, com as seguintes características:
I - duração máxima de trezentos e sessenta dias, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie, até o limite de um sexto da pena aplicada;
II - recolhimento em cela individual;
III - visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de duas horas;
IV - o preso terá direito à saída da cela por 2 horas diárias para banho de sol.
§ 1o O regime disciplinar diferenciado também poderá abrigar presos provisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros, que apresentem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade.
§ 2o Estará igualmente sujeito ao regime disciplinar diferenciado o preso provisório ou o condenado sob o qual recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando.
Conforme análise do codex pode-se concluir que, assim como todas as medidas executórias da penas, esta também possui limites à sua aplicação. Quais sejam: tempo de duração máxima, expresso no inciso I, como sendo de 360 dias, podendo ser aplicada novamente, caso ocorra falta grave de mesma espécie. E também limita o tempo da sanção em até um sexto da pena aplicada.
Muitos são os doutrinadores que se posicionam contra a referida sanção, por diversos motivos, inclusive alegando sua inconstitucionalidade. Neste sentido se posiciona QUEIROZ e MELHOR[63](2006, p. 27):
"Exemplo de pena cruel/degradante e, pois, inconstitucional, é regime disciplinar diferenciado (Lei n. 10.792/2003), uma vez que, ao se admitir a possibilidade de isolamento do presos numa cela individual durante 360 dias até o limite de um sexto da pena aplicada, vedando, em caráter quase absoluto, qualquer possibilidade de contato com o mundo exterior, subtraindo-lhe assim, assim, direitos básicos, como o direito ao trabalho, ao exercício de atividades profissionais, desportivas etc. (Lei n. 7.210/84, art. 41), o Estado acaba por tratá-lo como não-pessoa ou como um animal qualquer, submetendo-o a um sofrimento absolutamente desnecessário e desumano. Aliás, fosse outro o animal enjaulado, talvez se tornasse mais fácil percebermos, nesse autêntico "zoológico humano", quão evidentes são os maus-tratos a que essas pessoas/animais são submetidas por seus donos. Parece óbvio, ainda, que essa nova modalidade de tortura física e psicológica, sem finalidade educativa alguma, frustra, claramente, os fins a que se propõe a Lei de Execução Penal, que já em seu art. 1º proclama que "a execução penal tem por objetivo proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado"".
Porém esse pensamento não é dominante e encontramos na doutrina quem defenda a sanção. Sendo o caso de NUCCI[64]que assim expõe:
"Se todos os dispositivos do Código Penal e da Lei de Execução Penal fossem fielmente cumpridos, há muitos anos, pelo Poder Executivo, encarregado de construir, sustentar e administrar estabelecimentos penais, certamente o crime não estaria, hoje, organizado de modo que não haveria necessidade de regimes como o estabelecido pelo art. 52 da Lei de Execução Penal. A realidade distanciou-se da lei, dando margem à estruturação do crime, em todos os níveis. Mas, pior, organizou-se a marginalidade dentro do cárcere, o que é situação inconcebível, mormente se pensarmos que o preso deve estar, no regime fechado, à noite, isolado em sua cela, bem como, durante o dia, trabalhando ou desenvolvendo atividade de lazer ou aprendizado. Diante da realizada, é o denominado mal necessário, mas não se trata de uma pena cruel. Proclamar a inconstitucionalidade do regime, fechando os olhos aos imundos cárceres aos quais estão lançados muitos presos no Brasil, é com a devida vênia, uma imensa contradição. Constituição situação muito pior ser inserido em uma cela coletiva repleta de condenados perigosos, com penas elevadas, muitos deles misturados aos presos provisórios, sem qualquer regramento e completamente insalubre, do que ser colocado em cela individual, longe da violência de qualquer espécie, com mais higiene e asseio, além de não se submeter a nenhum tipo de assédio de outros criminosos".
E assim seguindo o raciocínio do autor em exame, corroboramos na idéia de que o RDD é um meio de se controlar a evolução das facções criminosas que existem no interior dos cárceres.
Também se observa que essa medida vem a se tornar mais um mecanismo eficiente de individualização penal, visto que os delinquentes de maior periculosidade acabam por serem transferidos a este regime, de modo que aqueles criminosos eventuais, que caracterizam maioria, não são, digamos, recrutados a se integrar a nenhuma facção.
Outro ponto relevante do RDD é o fato que a medida tem mostrado resultado, de modo que se isolando o líder de uma facção criminosa, e impedindo que este tenha contatos exacerbados com o meio externo, toda a estrutura do grupo acaba por ser também atingida.
O RDD mereceria atenção e estudo de grau muito mais elevado, porém, por não ser objeto do presente estudo apenas se realizou uma análise frente aos seus pontos discutíveis.
Vários são os conceitos trazidos pela doutrina acerca da individualização. Analisaremos alguns deles:
Um dos conceitos relevantes que encontramos é o de NUCCI[65]
"[...] Individualizar significa tornar individual uma situação, algo ou alguém, quer dizer particularizar o que era genérico, tem o prisma de especializar o geral, enfim, possui o enfoque de, evitando a estandardização, distinguir algo ou alguém, dentro de um contexto."
Também MARQUES[66]traz um o seguinte conceito: "individualizar a pena é aplicá-la de acordo com o individuo que praticou a ação penal."
ARAÚJO[67]também desenvolveu um conceito acerca da individualização da sanção penal, qual seja:
"Individualizar a sanção penal é situá-la com absoluta precisão na sua exata extensão, à luz do fato e das circunstâncias e nos termos do regramento aplicável, tomando-se sempre em conta a finalidade da pena Princípio da Individualização da Pena Araújo, Vicente Leal de. Princípio da individualização da pena, [...]."
A individualização da pena se torna princípio a partir do momento em que aparece como preceito constitucional. Tal preceito está elencado no art. 5°, inciso XLVI, da Carta Magna[68]que assim determina:
Art. 5º, XLVI: a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:
[...]
Pode ser considerado como o direito que todo acusado tem de obter, após a condenação, uma pena justa e livre de qualquer padronização, decorrência natural da condição individualizada de cada ser humano, que possui personalidade e vida ímpares. É uma garantia contra o arbítrio do Estado-Juiz no momento da aplicação e execução da pena[69]
4.1 PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇAO
Como foi dito, a individualização da pena, estando prevista constitucionalmente, ganha status de princípio, e mais, clausula pétrea da Constituição Federal, que não pode ser suprimida, nem alterada.
Representa, pois, direito humano fundamental e garantia fundamental. De modo que a observância deste se torna imprescindível a atuação do Estado Democrático de Direito.
A finalidade primordial do princípio de individualização da pena é garantir que o condenado a pena seja tratado de modo não padronizado, considerando que todo ser humano é infinitamente diferente um do outro. Visa essencialmente que a sanção penal seja aplicada de maneira justa e adequada, se moldando ao perfil do condenado, de modo que este se torne um sujeito único, diferente dos demais apenados.
Com vistas às constantes transformações que ocorrem durante o enclausuramento do apenado, pode-se afirmar que não apenas no momento da sentença condenatória é que será realizada a individualização daquele. Mas também durante o curso da execução penal.
Por isso a individualização da pena ocorre em 3 (três) fases: legislativa, judiciária e executória.[70] Passaremos a analisar essas fases do processo de individualização do condenado.
4.2 PROCESSOS DE INDIVIDUALIZAÇAO DO CONDENADO
4.2.1 Processo Legislativo
A fase de individualização que ocorre no legislativo é a primeira, e senão, a mais importante de todas as fases. Pois é nessa fase que vai o "legislador fixar, no momento da elaboração do tipo penal incriminador, as penas mínima e máxima, suficientes e necessárias para a reprovação e prevenção do crime".[71]
Nesse sentido BARROS[72]explica: "Todo processo de individualização, de adequação da pena ao fato e à pessoa concreta, está limitado pelos princípios da legalidade, da necessidade e da proporcionalidade."
Pela explanação da doutrinadora em exame se verifica que durante a elaboração legislativa deve-se a consonância com os princípios da legalidade, necessidade e proporcionalidade.
No tocante ao princípio da legalidade, nos parece óbvio que, para que seja observada a individualização da pena, a mesma deve estar prevista em lei.
Se referindo ao princípio da necessidade veremos o que diz BARROS[73]
"[...] o legislador, ao ameaçar com pena um determinado comportamento, deve considerar, além do efeito intimidatório dos cidadãos, a valoração que eles fazem do comportamento, a importância do bem jurídico afetado, a necessidade de recorrer à pena, as diversas classes de pena aplicáveis ao caso e se não são suficientes outras sanções, reservando as penas privativas de liberdade para os casos extremos."
Com relação ao princípio da proporcionalidade, este se refere à necessidade de o legislador analisar, no momento que se produz a legislação, até que ponto o bem tutelado pode ser importante para a sociedade, e até o limite em que a pena pode ser aplicada.
É também função do legislador, ao criar as normas penais, reservar uma margem entre os limites das punições, o que proporcionará ao judiciário a possibilidade de se aplicar uma justa individualização da pena.
4.2.2 Processo Judicial
Nessa fase, o processo de individualização começa a ganhar forma, e se adequar a cada caso concreto a que é aplicado. Observamos que ao prolatar a sentença, o juiz deverá observar os preceitos do Código Penal[74]em seu art. 59:
Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:
I – as penas aplicáveis dentre as cominadas;
II – a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;
III – o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;
IV – a substituição da pena privativa de liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível.
No que concerne à culpabilidade, o juiz deve analisar o modo como a conduta praticada é censurada perante a sociedade, medindo-se também o grau de quanto a conduta é reprovável.
Ao analisar os antecedentes do indivíduo são considerados todos os atos praticados por este até o momento da sentença. Com esta análise o juiz pode verificar, por exemplo, se o individuo possui uma personalidade ou uma vida social voltada à criminalidade. Também se consegue verificar através dessa análise características referentes à conduta social do condenado.
A personalidade do indivíduo é uma das análises mais importantes para o processo de individualização, já que a partir dela é possível quantificar sua periculosidade, e até mesmo identificar qualquer possível traço de desvio de caráter.
Quanto à análise do delito praticado, a lei traz que seus motivos, circunstâncias e consequências serão verificadas. Os motivos, para que se tente identificar o que levou o sujeito da sanção a praticá-lo. Com essa análise é possível identificar se haverá alguma razão atenuante ou agravante de pena. As circunstâncias para que se explique de que forma a conduta foi praticada, e as consequências para que se defina até que ponto a conduta atingiu a sociedade.
Até mesmo o comportamento da vítima é citado pelo dispositivo legal, sendo que, apesar de não justificar o delito, este fator é utilizado pelo juiz para que aconteça uma correta quantificação da pena.
Referente a essa fase do processo BARROS[75]assim explana:
"A fixação da pena é o marco principal de todo o processo penal, onde se encontram entrelaçadas as garantias da análise crítica das provas, obtidas com apoio dos direitos fundamentais, a valoração do bem jurídico protegido, contido no tipo penal, e a finalidade de reprovação, ou censura da conduta, que causou o dano social relevante."
Verifica-se, portanto quão importante é o trabalho do juiz ao prolatar a sentença de condenação ao sujeito punível. Destaca-se que além do fato cometido, suas circunstâncias e consequências, o juiz deve analisar também as condições pessoais do apenado, quanto à sua culpabilidade, antecedentes, conduta social e personalidade.
Após estas observações o juiz determinará a Pena base, e levará em conta ainda os preceitos do art. 68 do Código Penal[76]
Art 68. A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento.
Parágrafo único. No concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua.
Nesta etapa o juiz analisará as circunstâncias atenuantes e agravantes do delito, quando estas existirem. E determinará, quando cabível, o aumento ou a diminuição da pena. O que se verifica diante da letra da lei é que o legislador deixa ao arbítrio do magistrado a majoração ou diminuição da pena, diante da constatação de atenuantes ou agravantes.
Constata-se, portanto que o sistema adotado pela legislação pátria para que se estabeleça uma sanção penal é o trifásico (critérios do art. 59, circunstâncias atenuantes e agravantes, e causas de aumento e diminuição de pena).
Deste modo, o juiz, sempre observando os limites estabelecidos em lei, determinará a sanção punitiva ao sujeito, sempre de maneira clara e devidamente fundamentada, sob pena de nulidade da sentença (art. 93, IX, da Constituição Federal[77]
4.2.3 Processo Executório
Concentra-se nessa fase do processo de individualização o real objetivo do presente trabalho. Por este motivo, nesse momento apenas iremos trazer breve introdução ao tema, sendo ele analisado em mais profundidade nos próximos tópicos.
A individualização durante a execução da pena se mostra de suma e indiscutível importância, sendo que ela começa a ser efetivada pelo juiz da execução, em conjunto com os responsáveis pelos estabelecimentos prisionais.
NUCCI[78]apresenta um conceito da fase executória:
"Aquela que é feita pelo juiz da execução criminal, promovendo a devida aplicação da pena aplicada à progressão de regime, permitindo que o sentenciado seja transferido, conforme seu merecimento, de um regime mais severo ao mais brando além de lhe proporcionar outros benefícios, como livramento condicional, bem como o reconhecimento da remição, [...]"
Destaca-se, portanto, que a pena privativa de liberdade terá sua individualização concretizada durante o curso da execução, após a sentença condenatória, no estabelecimento prisional, em contato não mais com o órgão judiciário, mas sim com o órgão administrativo.
A individualização no curso da execução se torna imprescindível, se reconhecermos a indiscutível diferença entre todas as pessoas. Reconhecida essa característica, considera-se que a execução não pode ser homogênea durante todo o seu tempo de cumprimento, nem para com todos os apenados.[79]
È na fase executória que os presos se diferem um dos outros, e por isso seria inadequado a todos seja imposto um mesmo programa de execução. Proporcionando programas de execuções individuais, e se observando a condição pessoal de cada apenado ao longo do tempo, resultará numa verdadeira individualização no momento executório. Se efetivando a individualização da pena, durante a execução, estará se assegurando que cada preso tenha oportunidades e os elementos para propiciar a devida ressocialização.[80]
Esse trabalho de individualização será estudado de forma mais aprofundada nos próximos itens.
4.3 CLASSIFICAÇAO DO APENADO
A individualização da pena, e consequentemente do apenado, começam no momento da elaboração da lei penal, passando pela atividade do judiciário e finalmente chegando ao momento executório. Momento este de importância ímpar, diante das consequências que trazem para a dignidade do ser humano.
Após a prolatação da sentença, e a expedição da devida guia de recolhimento, o apenado vai de encontro ao sistema prisional. E nesse momento deve ser individualizado, de modo a serem considerados os traços da sua personalidade e seus antecedentes.
A Lei de Execução Penal[81]em seu art. 5° assim determina:
Art. 5º Os condenados serão classificados, segundo os seus antecedentes e personalidade, para orientar a individualização da execução penal.
O que pode se verificar é que a exigência da classificação do apenado é letra de lei, e assim sendo, deve ser cumprida.
Conforme já foi explanado anteriormente, ao analisar a personalidade do agente, irá se verificar se este possui algum desvio de caráter, ou algum traço que demonstre alteração comportamental. Seus antecedentes são analisados com o propósito de que seja apurada a vida social do apenado, assim como se é reincidente ou responde a algum inquérito ou processo judicial.[82]
O órgão responsável pela devida classificação do apenado é a Comissão Técnica de Classificação, conforme se extrai do art. 6° da Lei de Execução Penal[83]
Art. 6o A classificação será feita por Comissão Técnica de Classificação que elaborará o programa individualizador da pena privativa de liberdade adequada ao condenado ou preso provisório.
Em cada estabelecimento prisional deverá existir uma Comissão Técnica de Classificação, que será composta conforme determina o art. 7° da Lei de Execução Penal[84]
Art. 7º A Comissão Técnica de Classificação, existente em cada estabelecimento, será presidida pelo diretor e composta, no mínimo, por 2 (dois) chefes de serviço, 1 (um) psiquiatra, 1 (um) psicólogo e 1 (um) assistente social, quando se tratar de condenado à pena privativa de liberdade.
Verifica-se, então, que os profissionais citados no dispositivo em exame seriam os responsáveis pela correta individualização do condenado à pena privativa de liberdade.
Os exames de classificação deveriam ser feitos em centros de observação, estabelecimentos contemplados na Lei de Execução Penal, mas ainda não implantados na realidade do sistema brasileiro, conforme discorre MESQUITA[85]"Na maior parte do País não existe qualquer tipo de centro de observação, sendo que os condenados são classificados segundo os crimes que cometeram, quantidade de pena etc.".
O mesmo doutrinador[86]ainda discorre a respeito da Comissão Técnica de Classificação:
A Comissão Técnica de Classificação deve estar composta por policiais, psiquiatra, psicólogo e assistente social. Todavia, na pratica, a Comissão é composta por um ou no máximo dois agentes de polícia, ou agentes penitenciários, só existindo em presídios destinados aos cumprimentos de pena. Assim, os critérios para a classificação dos presos, logo que chegam ao presídio, são objetivos, ou seja, prevalece o quantum da pena como referência para a classificação do condenado. Hoje, são vários os países que adotam um sistema penitenciário em três fases: a observação, o tratamento penitenciário e a reinserção na sociedade. De tal sistema, podemos verificar o quanto é importante a existência de uma observação prévia adequada, o que, na prática, não ocorre em nosso país. [...] A LEP é boa, sendo que se a prática não a acompanha, deve-se alterá-la, não a lei. Expusemos que não se individualiza adequadamente a pena e é rara a formação de uma Comissão Técnica de Classificação nos moldes do previsto no art. 7º da LEP.
A Lei de Execução Penal[87]determina, conforme o regime inicial do condenado, quando ele deverá ou poderá ser submetido a exame criminológico:
Art. 8º O condenado ao cumprimento de pena privativa de liberdade, em regime fechado, será submetido a exame criminológico para a obtenção dos elementos necessários a uma adequada classificação e com vistas à individualização da execução.
Parágrafo único. Ao exame de que trata este artigo poderá ser submetido o condenado ao cumprimento da pena privativa de liberdade em regime semi-aberto.
Em relação ao exame criminológico, MIRABETE[88]pontua: "exame de personalidade comum para a classificação dos criminosos e a individualização da execução da pena."
Com o exame do dispositivo verifica-se que obrigatoriamente os apenados do regime fechado realizarão o exame criminológico, os apenados do regime semi-aberto poderão realizar o exame, enquanto os apenados do regime aberto nem são citados no texto de lei, e portanto não são submetidos ao exame criminológico sob nenhuma hipótese.
O referido exame criminológico se mostra de irrefutável importância para que se efetive a individualização da pena, de modo que os meios usados para sua realização estão devidamente descritos no art. 9°, do diploma em exame[89]
Art. 9º A Comissão, no exame para a obtenção de dados reveladores da personalidade, observando a ética profissional e tendo sempre presentes peças ou informações do processo, poderá:
I - entrevistar pessoas;
II - requisitar, de repartições ou estabelecimentos privados, dados e informações a respeito do condenado;
III - realizar outras diligências e exames necessários.
Além dos procedimentos expressos, é imprescindível que a Comissão também analise, e de forma muito mais detalhista e dinâmica, o comportamento do condenado.
No que diz respeito à importância do exame criminológico do apenado MESQUITA JUNIOR[90]assim explana:
"[...] a falta de classificação prévia gera a promiscuidade, misturando condenados de personalidades diversas, o que contribui para o desenvolvimento da periculosidade, fomentando a reincidência, visto que criminosos eventuais serão reunidos com delinqüentes profissionais."
Diante do exposto, pode-se afirmar que, o exame criminológico caracteriza-se como instrumento individualizador do apenado e consequentemente da execução da pena, pois assim é considerado pela legislação (art. 8°, LEP).
Outro fator que garante a correta individualização do apenado é a correta separação dos mesmos, provisórios de condenados, civis de criminais, etc.
Essa medida é prevista em lei, devidamente descrita no art. 84, da Lei de Execução Penal[91]
Art. 84. O preso provisório ficará separado do condenado por sentença transitada em julgado.
§ 1° O preso primário cumprirá pena em seção distinta daquela reservada para os reincidentes.
§ 2° O preso que, ao tempo do fato, era funcionário da Administração da Justiça Criminal ficará em dependência separada.
No que concerne à separação de apenados provisórios dos condenados MIRABETE[92]observa que não podem estar os presos provisórios, ou seja, aqueles que estão presos por motivo de prisão em flagrante, preventivamente, temporariamente, ou por sentença recorrível, submetidos às mesma condições dos condenados. Pois, apesar de estarem submetidos à disciplina penitenciária, ainda gozam da presunção da inocência e não estão recolhidos para cumprimento de pena.
Observamos, em exame de lei, que além da separação de apenados condenados de provisórios, deverá haver separação de apenados primários de reincidentes, para que seja evitado que os primários sejam de alguma forma influenciados pelos reincidentes.
Nesse sentido NUCCI[93]considera:
"Torna-se fundamental separar os presos, determinando o melhor lugar para que cumpram suas penas, de modo a evitar o contato negativo entre reincidentes e primários, pessoas com elevadas penas e outros, com penas brandas, dentre outros fatores. Em suma, não se deve mesclar, num mesmo espaço, condenados diferenciados."
O preceito trazido pelo § 2° do art. 84 nos parece ser o mais fácil de ser efetivado no atual sistema prisional, por se considerar quão pequeno é o número de ex-funcionários públicos da administração da Justiça Criminal que hoje são apenados.
Outra situação especial que é contemplada pela Lei de Execução Penal, diz respeito aos presos civis, e está estabelecida no art. 201 "Na falta de estabelecimento adequado, o cumprimento da prisão civil e da prisão administrativa se efetivará em seção especial da Cadeia Pública". [94]
A prisão civil é caracterizada como medida coercitiva para que se cumpra obrigação decorrente de execução alimentícia ou no caso de depositário infiel. A prisão civil, dependendo de qual obrigação se refere, pode ter duração de 1 (um) mês até 1 (um) ano, sendo que a liberdade do apenado está condicionada à satisfação da obrigação.
Com relação à prisão civil, MIRABETE[95]defende que é inconcebível que presos civis entrem em contato, mesmo que seja com presos provisórios. Deveriam ser construídos espaços próprios para esses apenados não criminais, podendo ser até mesmo em conjunto com estabelecimento penal, desde que devidamente isolado.
Para finalizar a questão da classificação do apenado trazemos as observações de FERNANDES[96]
"Na prática, contudo, poucas destas regras são respeitadas. As mulheres presidiárias são separadas dos homens, os menores, são, grande parte, mantidos fora das prisões de adultos, e ex-policiais são mantidos em celas separadas dos outros presos; ainda assim, na maior parte das instituições penais, pouco mais é realizado no sentido de separar as diferentes categorias de presos.
Acima de tudo, há pouco empenho para separar os presos potencialmente perigosos de seus companheiros mais vulneráveis. Alguns estados têm penitenciárias especiais de segurança máxima para manter os indivíduos mais perigosos e propensos a fugas, mas elas contêm apenas uma parcela dos presidiários; além disso, não há um sistema operante de classificação de prisioneiros por níveis de segurança – como, por exemplo, máximo, médio e mínimo – tanto em cada prisão, como entre as diferentes prisões. Os prisioneiros são mantidos igualmente ao acaso: a distribuição de celas, por exemplo, tende a ser ditada por considerações de espaço ou decidida pelos próprios prisioneiros".
Portanto, apesar da suma importância que a classificação do apenado tem em face da individualização da execução penal, no atual sistema prisional pouco se faz para que os dispositivos que levam à ela ganhem efetividade.
4.4 PROGRESSAO DE REGIME
Observadas as formas com que será dada a individualização da execução da pena, passaremos a analisar os benefícios a que o apenado pode ter acesso, desde que devidamente efetivada e garantida.
O benefício considerado por nós mais relevante e de maior valor para o apenado é o benefício da progressão.
O sistema progressivo de penas foi concebido na legislação pátria a partir de 1977, e já declarava a necessidade da individualização e da classificação do apenado para que este pudesse progredir do regime mais duro para o regime mais brando. Porém apenas com a reforma de 1984, este passou a ser tratado como regra geral a todos os condenados às penas privativas de liberdade.
Segundo consta de texto de lei a progressão de regime se dará conforme as regras expressas no art. 112 da Lei de Execução Penal[97]
Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão.
Vale frisar que o apenado não poderá progredir em sua pena em saltos, ou seja, progredir do regime fechado direto para o regime aberto. Este deverá obrigatoriamente passar pelo regime semi-aberto antes de prosseguir até o ponto desejado.
Vê-se que ao determinar a progressão de regime o juiz analisará dois requisitos, quais sejam, objetivamente, o cumprimento de 1/6 (um sexto) da pena, e subjetivamente, verificará a conduta e o comportamento do apenado durante o período de execução.
O direito à progressão de regime é bem exposto por MARCAO[98]
"Embora agora a lei não mais exija expressamente a comprovação de mérito, tampouco condicione a progressão ao parecer da Comissão Técnica de Classificação ou a exame criminológico, ao contrário do que muitas vezes se tem sustentado, mesmo após o advento da Lei n. 10.792/2003 continuamos entendendo que o direito à progressão ainda repousa no binômio tempo e mérito."
A progressão de regime figura como a forma onde mais se vê a efetividade da individualização da sanção penal, pois não obstante ao cumprimento do tempo exigido, o apenado também deve auferir bom comportamento durante o tempo em que esteve enclausurado.
O requisito subjetivo será analisado pelo juiz da execução, que após manifestação do Ministério Público e da defesa decidirá pela progressão de regime ou não. Parte da doutrina acredita que o simples atestado de conduta firmado pelo diretor do estabelecimento, não se configura como elemento seguro que ateste as condições de adaptabilidade e adequação do apenado. Acredita-se que apenas a Comissão Técnica de Classificação teria condições seguras de afirmar estas premissas.
Desta maneira afirma PIMENTEL[99]
"Ingressando no meio carcerário o sentenciado de adapta, paulatinamente, aos padrões da prisão. Seu aprendizado, nesse mundo novo e peculiar, é estimulado pela necessidade de se manter vivo e, se possível, ser aceito no grupo. Portanto, longe de estar sendo ressocializado para a vida livre, está na verdade, sendo socializado para viver na prisão. É claro que o preso aprende rapidamente as regras disciplinares na prisão, pois está interessado em não sofrer punições. Assim, um observador desprevenido pode supor que um preso de bom comportamento é um homem regenerado, quando o que se dá é algo inteiramente diverso: trata-se, apenas, de um homem prisonizado."
Ainda no que tange à progressão de regime, temos como ponto importante a ser debatido, a aplicação aos apenados que cometeram crimes hediondos[100]Ocorre que no ano de 1990 foi aprovada lei que dispunha sobre a progressão de regime nos referidos casos. A lei que entrara em vigor estabelecia que os apenados por terem cometido crimes classificados como hediondos deveriam cumprir a pena integralmente em regime fechado.
A referida legislação representou uma afronta ao princípio da individualização da pena, de modo que o apenado, mesmo que se mostrasse ressocializado, e totalmente capaz de se reinserir no meio social, não poderia ser beneficiado pela progressão. Pergunta-se: de que modo então esses apenados se sentiriam motivados a melhorar de conduta?
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