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Com essa associação da coragem e da astúcia, principalmente nas batalhas, com os nobres e príncipes, se torna inevitável à associação do medo aos pertencentes às camadas mais inferiores da sociedade. Mesmo nos exércitos, estas divisões eram notórias, quanto à importância dos arqueiros, que precisavam ser encorajados por vinho e uma grande quantidade de nobres, cavaleiros. Mas o que se mostra verdadeiro, é o fato de que os que possuem o poder, o fazem com que o povo tenha medo. O que é certo, também, é o fato de que desde a Antiguidade, com maior ênfase no período do Renascimento Cultural, a literatura apoiada pela iconografia, que cultua retratos em pé, estátuas eqüestres e cavaleiros gloriosos, exaltou a valentia individual, dos heróis que governaram a sociedade. Mas Delumeau se encarrega de dar um parecer sobre a associação do medo aos pobres, camponeses e vilões, e a associação da coragem com a nobreza:
É provável que os cavaleiros de outrora, impulsivos, habituados às guerras e aos duelos e que se lançavam com impetuosidade nas disputas, fossem menos conscientes dos perigos do combate do que os soldados do século XX, portanto menos sensíveis ao medo. Em nossa época, em todo caso, o medo diante do inimigo tornou-se a regra. (DELUMEAU, 2009. p.22).
Mas o fato em que devemos tratar, a priori, é a passagem do medo individual ao medo coletivo, se um indivíduo só pode servir de base para designação dos medos de uma sociedade ou até mesmo as causas e efeitos deste sentimento. Para Delumeau, deve-se observar o sentido da palavra coletivo, significando multidão ou um indivíduo qualquer como amostra de um grupo. Em se tratando de multidão estarrecida, provavelmente a reação da massa pode acabar por adicionar sentimentos de medo individual, uma emoção-choque. Mas isso, de certo modo, deve ser observado pelos excessos provenientes das massas que tem por característica o agravamento dos excessos individuais.
A analise do medo se torna cada vez mais difícil se tentarmos analisar essa estreita passagem do medo individual ao medo coletivo, o que se pode fazer é compartilhar das idéias de Delumeau e "por uma espécie de análise espectral, individualizar os medos particulares que então se adicionaram para criar um clima de medo" (DELUMEAU, 2009. p.33). Os medos individuais acabam por ser o fio condutor do medo coletivo, se levarmos em consideração uma "associação" dos medos que passa de determinado individuo para outro, causando o surgimento de um medo coletivo de determinada coisa, seja ela existente ou não.
Mas uma pergunta pertinente a este estudo seria: quem tem medo do que? A resposta a essa pergunta se baseia no modo de análise a seguir. Partiremos do mesmo principio utilizado por Jean Delumeau em seu A História do Medo no Ocidente.
Para Delumeau devemos observar que os próprios medos que nos aparecem no decorrer de nosso estudo, nos sugerem dois níveis diferentes de análise: "o primeiro ao rés do chão, o segundo em maior altitude social e cultural." (DELUMEAU, 2009. p.42). A partir desta distinção submeteremos as reflexões a dois níveis distintos de medos, os permanentes e os cíclicos.
Os medos permanentes, que mais freqüentemente era compartilhado por pessoas de todas as classes sociais, se mantinham no seio da sociedade povoando as mentes bastante influenciáveis de um grupo de indivíduos que associavam ao mal, principalmente ao Diabo, aquilo que a religião (por meio das sagradas escrituras – Bíblia, ou através dos membros do Clero) e eles mesmos como seres providos de "inteligência" não conseguiam entender ou explicar. "Alguns eram de certa maneira permanentes, ligados ao mesmo tempo a determinado nível técnico e ao instrumental mental que lhe correspondia: medo do mar, das estrelas, dos presságios, dos fantasmas etc" (DELUMEAU, 2009. p.43).
Os medos cíclicos eram aqueles que surgiam em determinado momento e da mesma forma desaparecia. Os medos cíclicos eram basicamente determinados por agentes externos que, em determinado momento, povoava as mentes da população e em outros não. Os medos cíclicos atingiam, variavelmente, a totalidade da população do medievo como, por exemplo, na ocasião de uma epidemia infecciosa, ou atormentar somente os pobres como o aumento de impostos ou as penúrias. "Os outros eram quase cíclicos, voltando periodicamente com as pestes, as penúrias, os aumentos de impostos e as passagens dos guerreiros." (DELUMEAU, 2009. p. 43).
Mas como totalidade, se torna inevitável falar dos medos dessa época sem analisar o medo que era, ora permanente e ao mesmo tempo cíclico, que era o medo de si mesmo. Este se parece, olhando de longe, bastante superficial e de pouca importância por si próprio. Mas se partirmos da analise de seu agente causador, o Diabo, ele se mostra como a espinha dorsal para entendermos os demais medos. A luta entre o bem e o mal culmina, para a humanidade, no combate ao Diabo.
As afirmações sobre a influência do diabo na vida humana, são ambíguas: se o homem fosse "mulherengo", era por tentação do diabo; mas se o homem fraquejasse no ato sexual, isto é, fosse impotente sexualmente, também estava possuído das hostes demoníacas; dizia-se que a dúvida e o questionamento sobre as questões de fé, era algo do demônio e era considerado possuído pelo demônio e passível de condenação, quem duvidasse da palavra da autoridade, especialmente se esta fosse membro da Igreja, estava cometendo uma heresia.
A Igreja Católica é peça chave tanto na discriminação quanto no combate a esse "agente causador de medo" – o Diabo. A Igreja Católica mostrou e levantou a lista dos males provocados por ele, listando seus colaboradores (Turcos; Bruxas – especialmente mulheres; Heréticos; Judeus etc.). A Igreja mostrava que "uma ameaça global de morte viu-se assim segmentada em medos, seguramente temíveis, mas "nomeados" e explicados, porque refletidos e aclarados pelos homens da Igreja." (DELUMEAU, 2009. p.44).
Usando um discurso pronto, analisado e destrinchado a priori, designava que o combate talvez não fosse fácil, mas que com a graça de Deus ele era, no mínimo, possível. Mas essencialmente, era possível combater o medo de si mesmo, o medo de se tornar um agente do Diabo, partindo da máxima de que o Diabo é mais fraco que Deus. Para Delumeau, o discurso da Igreja por meio dos integrantes do Clero foi basicamente, reduzido aqui ao essencial, "os lobos, o mar e as estrelas, as pestes, as penúrias e as guerras são menos temíveis do que o demônio e o pecado, e a morte do corpo menos do que a da alma." (DELUMEAU, 2009. p. 44).
Todo este contexto sobre as hostes diabólicas fez parte do imaginário do cristianismo, advindo das mitologias e crenças populares nas quais mergulhou ao longo da história. Fez parte do imaginário medieval europeu, o qual tomou formas literárias, iconográficas e religiosas próprias. Pois com o início das navegações luso-hispânicas, para as terras desconhecidas, este imaginário acompanha os exploradores e conquistadores da época, os quais reproduziram o pensamento de seus tempos e espaços ideológicos.
O Tribunal do Santo Ofício, também conhecido como Santa Inquisição, surgiu como forma de extinguir as heresias da Europa, combater o Diabo e seus agentes. Para Delumeau, "a Inquisição foi (...) motivada e mantida pelo medo desse inimigo sem cessar renascente: a heresia que parecia perseguir incansavelmente a Igreja." (DELUMEAU, 2009. p. 28). A heresia era uma ruptura com o dominante e ao mesmo tempo era uma adesão a uma outra mensagem. Era contagiosa e em determinadas condições dissemina-se facilmente na sociedade. Daí o perigo que representava para a ordem estabelecida, sempre preocupada em preservar a estrutura social tradicional.
O Tribunal do Santo Ofício foi criado pela alta hierarquia da Igreja, como forma de combate aos medos do medievo. Ao mesmo tempo, tornou-se um forte instrumento político e acabou por se tornar um difusor desses mesmos medos que pretendia combater. Nesse caso a procura pelo mal, fomentava visões do mal. A criação da Inquisição pode ser diretamente atribuída ao Papa Gregório IX que em sua Bula Excommunicamus, publicada em 1231, se iniciou uma brutal perseguição aos que, sem medo de si próprio, acabavam por se tornar instrumento de ação do Diabo. Esses eram vistos de diversas formas, que detalhadamente classificadas adiante deste estudo, como hereges que por meio de bruxaria, religiões pagãs e pactos com o Diabo atuavam como agentes de Satã espalhando tormentos e agouros aos "servos de Deus", aos acusados de associação a Satã, eram submetidos a torturas inimagináveis até confessarem e serem julgados, com sentenças quase sempre a morte. Os julgamentos do Santo Ofício eram de certa forma, um mecanismo para assegurar um imaginário popular, o status quo da Igreja. Mais pelo medo do que pela crença, a Inquisição desempenhou um valioso papel dentro da Igreja, como forma de afirmação e manutenção do Cristianismo, afirmação política e combate as invasões pagãs.
A Inquisição serviu de instrumento de manipulação e tortura psicológica durante quase toda Idade Média, fazendo se enxergar males onde não havia. Por mais ignorante que fosse o indivíduo, ele era capaz de enxergar uma heresia se visse uma, "deste modo nossa ignorância não será densa nem estúpida, pois em termos metafóricos dizemos que são densos e estúpidos os olhares que não vêem o que se encontra diante dos próprios olhos." (KRAMER; SPRENGER, 2007. p. 17).
Devemos entender a Inquisição não como uma atipicidade histórica, mas como uma conseqüência lógica do seu tempo. Instituído sob o caráter religioso, este tribunal regulava e controlava toda a vida cotidiana dos pensamentos dos cidadãos, atuando como um tribunal eclesiástico. Com o passar do tempo esta instituição assumiu uma importância extraordinária, no seio de diversas sociedades européias, tanto que não raras às vezes, a Inquisição julgou processos comuns, que não diziam respeito à ordem divina, acusando os réus de hereges e submetendo-os aos rigores de suas determinações.
A centralidade das Inquisições estava na imposição da verdade absoluta revelada para nossa salvação. A Bíblia e a Tradição da Igreja não podiam ser questionadas uma vez que isso colocaria em dúvida a sua autoridade, portanto todos deviam concordar e repetir os ensinamentos da mesma. Os inquisidores se apresentavam como representantes da autoridade papal. As pessoas eram animadas a delatar (ficando com aproximadamente 25% dos bens dos que forem condenados). Três tipos de processos podiam acontecer: por acusação, por denúncia, por investigação. Os acusados eram submetidos a todo tipo de pressão para confessar. A confissão era tudo numa Inquisição e as penas eram variáveis. A frieza e a certeza de se estar defendendo a "fé religiosa" estimulava os inquisidores a socializar suas experiências. Os inquisidores eram itinerantes e tinham a prática epistolar para trocar suas experiências. Também foram elaborados, não um, mas vários manuais escritos para ensinar aos novos inquisidores os fundamentos doutrinários e a forma de como se conseguir as confissões. Os inquisidores eram respeitados por causa de sua erudição e comportamento exemplar.
Com a nomeação de Tomás de Torquemada como dirigente do Tribunal do Santo Ofício, em 1482, as Inquisições adquiriram o ponto máximo de sua influência. Seu nome tornou-se referência para os inquisidores dos séculos posteriores. O chamado Grande Inquisidor foi o inquisidor-geral dos reinos de Castela e Aragão no século XV e confessor da rainha Isabel, a Católica. Ele foi famosamente descrito pelo cronista espanhol Sebastián de Olmedo como "O martelo dos hereges, a luz de Espanha, o salvador do seu país, a honra do seu fim". Torquemada é conhecido por sua campanha contra os judeus e muçulmanos convertidos da Espanha. O número de autos-de-fé durante o mandato de Torquemada como inquisidor é muito controverso, mas o número mais aceito é normalmente 2.200.
Outro famoso inquisidor foi Bernardo Gui. Alem de Inquisidor era:
Frade dominicano que atuou como Inquisidor em Toulouse desde 1307 ate os primeiros anos da década de 1320, Bernardo produziu um formidável opúsculo por volta de 1325, conhecido como Pratica Inquisitionis Heretice Pravitatis (Pratica da Inquisição na Perversidade Herética). É a mais importante de suas numerosas obras escritas, fixando os procedimentos da Inquisição, sua justificação e também, de passagem, fornecendo muitos esclarecimentos acerca das crenças de valdenses, cátaros, beguinos e judeus. O opúsculo não é completamente original, aproveitando muito de autores anteriores sobre o tema, mas a experiência pratica do autor adiciona elementos impressionantes à descrição de uma instituição arbitrária e muito temida. (Dicionário da Idade Média, 1997. p. 48)
A Inquisição e os Inquisidores eram de certa forma, parte de uma engrenagem de luta contra doutrinas contrarias as da Igreja, assim como uma forma de combater os cristãos novos, que eram Judeus – o mal absoluto. Mas também serviu para combater o medo, o extremo medo de se tornar um agente do Diabo e bagunçar a ordem natural imposta por Deus, e claro, ser apanhado pelas temíveis mãos da Inquisição. Delumeau nos dá seu parecer a este respeito:
A Inquisição (...) orientou suas temíveis investigações para duas grandes direções: de um lado, para bodes expiatórios que todo mundo conhecia, ao menos de nome – heréticos, feiticeiras, turcos, judeus etc. -; de outro, para cada um dos cristãos atuando Satã, com efeito, sobre os dois quadros, e podendo todo homem, se não tomar cuidado, tornar-se um agente do demônio (DELUMEAU, 2009. p. 44).
Os processos inquisitórios eram devidamente documentados, e seguiam os padrões estabelecidos pela Igreja. Aos inquisidores eram escritos alguns "manuais" de como identificar uma bruxa ou de como conseguir que o herege confesse seus pecados dentre outros. Dois desses manuais tiveram grande notoriedade sendo considerado até hoje como sendo duas grandes fontes históricas para nos auxiliar na compreensão desse período, Directorium Inquisitorum (Manual do Inquisidor) e o Malleus Maleficarum (O Martelo das Bruxas). O Directorium Inquisitorum, o Manual do Inquisidor, escrito em 1376 por Nicolau Eymerich e foi revisado em 1585 pelo Dominicano Francisco de la Pena. Trata-se, na verdade, de um manual de "como fazer", extremamente prático e direto, baseado em documentos anterior e na própria prática inquisitorial do autor. Toda a obra se remete a textos bíblicos, pontifícios, conciliares que justificam e direcionam a prática e o "bom exercício" da Inquisição.
O Manual dos Inquisidores se constitui em uma obra retilínea e severa, restringindo-se a atuação e o funcionamento do Santo Ofício. Por ser filha de seu tempo esta obra não é apenas um livro que conta como funcionava a Inquisição, mas através dele pode-se também observar aspectos inerentes à sociedade da época. Não é a toa que ao final da obra o autor faz um inventário das 22 rubricas mais recorrentes que o inquisidor pode consultar rapidamente como se fosse um fichário. Afinal a Inquisição lidava com seres que estão propensos a reagir de diferentes formas conforme a situação em que se encontra e somente a Deus e seus representantes, cabe julgar as atitudes e ações contrárias as suas determinações, bem como estipular o valor da fiança a ser paga para a salvação de sua alma. (idem parágrafo acima)
O Malleus Maleficarum, traduzido para o português como O Martelo das Bruxas, escrito em 1486 por dois Monges Dominicanos, Heinrich Kramer e Jacobus Sprenger. Ao longo dos três séculos após ser escrito, se tornou o manual indispensável e a autoridade final para a Inquisição, para todos os julgadores, magistrados e sacerdotes católicos e protestantes, na luta contra a bruxaria na Europa. (Malleus Maleficarum – prólogo)
O livro abrangia toda relação do bruxo com o demônio e seus poderes, e servia para identificar bruxas e os malefícios causados por elas, além dos procedimentos legais para acusá-las e condená-las.
As teses centrais do Malleus Maleficarum fundamentaram-se na idéia de que o demônio, sob a permissão de Deus, procura fazer o máximo de mal aos homens para apropriar-se de suas almas. Este mal é feito prioritariamente através do corpo, único canal em que o demônio pode predominar. A influência demoníaca é feita através do controle da sexualidade, e por ela, o demônio se apropria primeiramente do corpo e depois da alma do homem. Segundo o livro, as mulheres são os maiores canais de ações demoníacas. A primeira e mais importante característica descrita no livro, responsável por todo o poder das feiticeiras, é o coito com o demônio. Portanto, o Diabo é o "senhor do prazer". Dessa forma, uma vez obtida a relação com o demônio, às feiticeiras são capazes de desencadear todos os males tendo o respaldo e podendo usar seu poder, causando principalmente impotência masculina, impossibilidade de livrar-se de paixões desordenadas, oferendas de crianças ao Diabo, abortos, destruição das colheitas, doenças nos animais, entre outros. Porém, no próprio livro é citado que o coito com o demônio não seria exatamente carnal, já que estas criaturas eram espíritos, mas ocorria através de rituais orgíacos (KRAMER; SPRENGER, 2007. p. 31).
Para Kramer e Sprenger, a exposição errônea das sagradas escrituras era considerada um erro grave, e para aqueles que pensassem diferentes a respeito desse assunto era considerado igualmente um herege. (KRAMER; SPRENGER, 2007. p.11). Qualquer pessoa poderia ser pega como testemunha, então, desavenças políticas ou de convívio entre vizinhos poderiam desencadear investigações e, porque não, confissões mediante a tortura.
Para identificar um Herege, que era o alvo da inquisição (podendo ser uma bruxa, vampiro, lobisomem etc.) poderia ser identificado por três ângulos: "ou bem um homem pregou e proclamou abertamente doutrinas heréticas de forma aberta; ou demonstra-se que é um herege pela declaração de testemunhas dignas de confiança; ou demonstra-se que um herege graças a sua própria e livre confissão". (KRAMER; SPRENGER, 2007. p.15).
O termo Heresia, em um sentido empregado no medievo, é derivado da palavra grega "hairesis" e do latim "haeresis" que significa opinião contraria a doutrina empregada pela Igreja na época em matéria de fé. Portanto, a crítica real e ferrenha dos dogmas católicos ou a simples aceitação de teorias contrárias às designadas pela Igreja caracterizava uma Heresia. A heresia é de certa forma, uma ruptura das normas vigentes impostas e ao mesmo tempo uma adesão a uma nova opinião, uma nova mensagem. Com uma luta meticulosa para disseminá-la na sociedade, se tornando assim, uma ameaça constante a Igreja.
Dentre os tidos como hereges alguns se tornaram grandes medos do medievo, claro que este simples trabalho não seria capaz de discorrer sobre a complexidade da maioria deles, mas elegerei alguns para melhor esclarecer a complexidade dos mesmos. A bruxa como fator principal do Malleus Maleficarum; Íncubus e Súcubus; os Vampiros, da Morte; Lobisomem, Peste Negra.
O crime de bruxaria era considerado de extrema gravidade contra a lei de Deus, e o individuo suspeito desse tipo de crime devia ser torturado para que pudesse confessar. E essa tortura caminhava entre as formas mais cruéis e, porque não, bizarras de se flagelar uma pessoa. Ninguém, não importando classe social ou profissão, estava livre de tão acusação e qualquer testemunha podia ser arrolada no caso. No "manual do inquisidor", o Malleus Maleficarum, nos dá uma amostra da gravidade desse tipo de crime e as tórridas formas de tortura empregada nos processos.
Porque a bruxaria é uma grande traição contra a Majestade de Deus. E devem ser submetidos à tortura para fazê-los confessar. Qualquer pessoa, seja qual for sua classe ou profissão, pode ser torturada ante uma acusação dessa natureza, e quem for considerado culpado ainda que confesse seu delito, será posto no potro. (KRAMER; SPRENGER, 2007. p.12).
Tida como a mais brutal forma de se contestar a majestade de Deus a bruxaria era extremamente repudiada pela Igreja. Segundo o Malleus Maleficarum:
a bruxaria difere de todas as demais artes perniciosas e misteriosas no sentido de que, de todas as superstições, é a mais conflitante, a mais maligna e a pior, pelo qual deriva seu nome por fazer o mal, e ainda por blasfemar contra a verdadeira fé. (KRAMER; SPRENGER, 2007. p. 29).
Mas, para que possamos entender melhor o objeto do nosso trabalho, devemos analisar a definição do bruxo que contem no livro referente a este estudo:
Os magos a quem em geral chamam de bruxos, são denominados assim devido à magnitude de seus atos malignos. São quem com licença de Deus perturbam os elementos, que levam à loucura a mente dos homens que perderam sua confiança em Deus, e que com o terrível poder de seus maus encantamentos, sem poções nem venenos, matam os seres humanos. (KRAMER; SPRENGER, 2007. p.21)
O que a analise do livro nos mostra, é a falta de conhecimento para que se possa chegar a uma definição no mínimo plausível. Uma pessoa pode ser definida como bruxa devido à força de seus atos malignos e se consegue "dominar" os elementos. Essa definição se mostra incompleta e sem duvida, sem o mínimo de fundamentação. Segundo Mackay, toda a crendice em torno da figura mitológica da bruxa foi desmentida através do conhecimento e que qualquer criança de pré-escola pode ser capaz de diferenciar fenômenos naturais de atos malignos de bruxaria. Ele nos mostra uma definição um pouco diferente sobre a figura da bruxa:
Segundo as melhores autoridades, parece que a palavra hebraica, que se tornou venefica e bruxa, significa envenenador e adivinho um mágico amador ou cartomante. A bruxa moderna era de um caráter diferente e acrescentava ao seu pretenso poder de predizer eventos futuros, o poder de causar mal à vida, membros e possessões da humanidade. Esse poder só podia ser obtido por um pacto expresso, assinado com sangue, com o próprio Diabo, pelo qual o feiticeiro ou a bruxa renunciavam ao batismo e vendia sua alma imortal ao mal, sem nenhuma clausula salvadora de redenção. (MACKAY, 2002. p. 317).
Mas a relação entre o bruxo e o Diabo se mostra um tanto quanto peculiar, pois um completa o outro. O Diabo por si só, consegue causar mazelas somente com o consentimento e a permissão de Deus. Mas para fazer mal a alguém, o Diabo não interfere diretamente no individuo, pois ele é um espírito e fica impossibilitado de ter esse contato direto com o corpo humano, precisa de um instrumento que possa manter esse contato físico com o homem, ou seja, o bruxo. "Com sua arte, os Diabos produzem efeitos perniciosos por meio da bruxaria, mas é verdade que sem a ajuda de algum agente não podem criar nenhuma forma, nem acidental, e não afirmamos que possam causar danos sem a ajuda de algum agente" (KRAMER; SPRENGER, 2007. p. 18).
Então, se os demônios precisam de algum agente externo (o homem) para causar mal a humanidade, torna-se plausível a idéia de guerra contra o agente externo, um combate ao bruxo como braço direito do Diabo, dando legitimidade a Inquisição e aos métodos empregados para se obter a confissão do pecado, ou seja, a tortura física e psicológica e a morte. Claro que, com o poder atribuído ao Diabo, ele, por si só, deveria sim, mesmo que bem pequeno, causar algum dano à humanidade. Ainda assim, esse dano só poderia acontecer com a permissão de Deus. "O Diabo só pode existir com a licença de Deus". (KRAMER; SPRENGER, 2007. p. 18). Mas, para Kramer e Sprenger, qualquer tipo de dano era obtido estritamente, como fruto de uma relação entre o Diabo e o bruxo. Para os autores do Malleus Maleficarum, a conclusão sobre essa relação era:
Chegamos, pois, a conclusão, de que a verdade católica é a de que, para provocar esse males que constituem o tema da discussão, as bruxas e o demônio sempre trabalham juntos, e no que se refere a estes aspectos, um nada pode fazer sem a ajuda e a colaboração do outro. (KRAMER; SPRENGER, 2007. p. 26).
Para os autores do Malleus Maleficarum, Kramer e Sprenger, Íncubus e Súcubus são entidades demoníacas desencarnadas, cuja sua designação era Íncubus para o sexo masculino e Súcubus para o feminino. (KRAMER; SPRENGER, 2007. p. 29).
Esses demônios, cuja existência profundamente defendida pela Igreja, eram comparados aos Sátiros e a divindade grega Pan, e eram conhecidos pelo hábito de invadir o quarto de um indivíduo a noite (no caso de um Íncubus e o quarto de um mulher no caso de um Súcubus o quarto de uma homem) deitar-se com ela para que seu peso ficasse bem evidente sobre seu peito, forçando o indivíduo a fazer sexo com ele. A experiência podia varia de extremo prazer ao absoluto terror. (MELTON, 1995. p. 397).
Os demônios se convertiam em Íncubus e Súcubus, não ao bel prazer ou pra satisfazer suas intenções carnais, tendo em vista que seus corpos não constituem de sangue e carne, e sim com a intenção de causar danos no corpo e na alma do homem, ou seja, em dobro.
Kramer e Sprenger, em seu Malleus Maleficarum, supunham que todas as bruxas se submetiam aos Íncubus e Súcubus voluntariamente, se entregando as práticas de orgias e fornicação. Essa era uma prática sexual condenada, pois "cada um dos pecados que o homem comete se encontra fora de seu corpo, mas o homem que comete fornicação peca neste corpo." (KRAMER; SPRENGER. 2007. p. 35).
De tempos em tempos, ocorriam reuniões entre o Diabo e as bruxas, essas reuniões eram chamadas de Shabat, onde em algumas partes da Europa acreditava-se que as bruxas cavalgavam em suas vassouras e em outras que o próprio Diabo as buscava, em sua forma de bode, as colocavam em suas costas e cavalgava até o local desejado. Dizia-se que o Diabo tomava sua forma de bode e as bruxas beijavam seus anus, representando assim submissão total. Nessas reuniões ocorria, com o consentimento dos humanos envolvidos, a prática das orgias onde, supostamente, poderiam conceber crianças.
Acerca do caloroso debate da época, se os Íncubus e Súcubus poderiam conceber crianças, dão o seguinte parecer:
A resposta é que os diabos podem acumular o sêmem a salvo, de modo que não se perca seu calor vital; ou inclusive que não se evapore com tanta facilidade devido a grande velocidade com que se movem em razão da superioridade no movimento a cerca da coisa movida. (KRAMER; SPRENGER. 2007. p. 38).
Sendo assim, para Kramer e Sprenger, era aceitável a idéia de que os demônios, na forma de Íncubus e Súcubus, poderiam conceber crianças.
O vampirismo no medievo tem sua história entrelaçada com a das bruxas. Aparecem primeiramente entre os seres demoníacos das religiões politeístas pagãs. Por exemplo, tomaremos a deidade strega da Roma Antiga, primeiramente conhecida como Strix, tinha o poder de transformação para forma de animais e era conhecida por seu voou noturno e ataque a recém-nascidos matando-os pelo ato de sugar-lhes o sangue. (MELTON, 1995. p. 73).
O vampiro era sempre associado a algo maligno, e quase sempre a um morcego. Isso deve-se ao fato de que o morcego se esconde durante o dia (já que a luz era de Deus) e andava durante a noite (que era domínio do Diabo). Outro fator marcante, também é o fato de algumas espécies de morcegos se alimentarem do sangue de outros animais, popularmente conhecido como morcego vampiro.
Na Idade Média, nossos noctívagos malfeitores eram representados sob a forma de um horrível diabo ou morcego. Na verdade as imagens de vampiros, diabos e morcegos se confundiam e se associavam, havendo inclusive lendas que descreviam também o satanás sob o aspecto de um enorme morcego. (AIDAR; MACIEL, 1986. p. 16).
Em todas as regiões da Europa desenvolveu seu próprio folclore sobe os vampiros, mas basicamente ela é igual em todo continente. Mas comumente, o vampiro era associado com a Peste Negra, onde se acreditava que se um infectado com a doença morresse, voltaria e mataria uma pessoa, que morria com a peste.
Eram usados métodos que podem ser designados como absurdos para identificar um vampiro. Por exemplo, colocava-se uma virgem em um cavalo a passear pelo cemitério, se o cavalo refugasse a passar por determinada sepultura, era imediatamente exumado e tomado as providencias cabíveis para matar o vampiro. Outra tradição era a de enterrar os suspeitos de vampirismo com um tijolo colocado dentro da boca, almejando supostamente que eles se alimentassem de cadáveres que estariam próximos a sua sepultura, e com isso se fortalecesse e começasse a atacar os vivos.
A Igreja acreditava na existência destes seres e os transformou de pequenos mitos pagãos em criaturas do demônio. Com a crença na vida após a morte, ressurreição do corpo, e a transubstanciação – conceito que se baseava na transformação do pão e vinho durante a comunhão em sangue e corpo de cristo – culminaram no aumento da popularidade do vampiro durante o medievo. Como instrumento de combate ao vampirismo nos aparece novamente Kramer e Sprenger com o popular Malleus Maleficarum, claramente o livro foi escrito para lidar com as bruxas, mas também podia ser aplicado contra os vampiros, pois se tratavam de demônios que desafiavam a autoridade divina.
O vampiro desafiava a autoridade de deus porque ele era um ser condenado a vagar entre a vida e a morte (nem de deus nem do demônio). Burlava o destino certo – a morte, porque emergia de seu tumulo para sugar o sangue de pessoas que encontrasse pela frente. Era um indivíduo morto, mas que não foi recebido no reino dos mortos, continuando assim, a caminhar entre os vivos. Esse "meio termo" poderia, quem sabe, livra-lo do julgamento divino no dia do Juízo Final.
Alguns mitos emergiram a partir dessas lendas, como o do vampiro do Castelo de Alnwick. Uma homem que prestava serviço no castelo, que por questão era rústico e tinha uma mulher infiel, por questão, se escondeu no forro acima da cama, de onde caiu, morrendo no dia seguinte. Após seu funeral o homem foi visto andando pela cidade. O medo se alastrou e as pessoas se escondiam em suas casas a noite com medo de encontrá-lo. Esses eventos culminaram com uma epidemia de doença desconhecida que logo foi atribuída ao vampiro. Então o Padre local decidiu exumar o corpo do suposto vampiro, constatando que o mesmo se encontrava cheio de sangue, que jorrava com um simples toque da pá. Constatado o fato, o corpo foi queimado e logo depois a epidemia cessou. (MELTON, 1995. p. 109).
Existem também, os casos tidos como reais. É o caso de Elizabeth Bathory (1560-1614) que foi uma condessa húngara acusada de torturar e matar seus empregados para banhar em seu sangue, com a intenção de juventude eterna. Foi um julgamento pré-marcado para ela ser condenada com o intuito de confiscar suas terras. Uma agenda encontrada em seu quarto foi apresentada contendo o nome de 650 vítimas escritos com a letra de Bathory. Ela foi condenada à prisão perpétua.
O medo do Lobisomem ascendeu paralelamente ao vampirismo. O lykanthropos, ou lobisomem, é encontrado em quase todas as culturas antigas, com sua imagem sempre associando as coisas malignas. A imagem mais comum é a de uma criatura do mal, percorrendo a noite em busca de vítimas, tanto animais quanto humanas. Nota-se a partir daí, o medo que era comum a todos na Idade Média, o medo da noite. Ora, se deus é luz automaticamente a escuridão é associada ao demônio.
Um relato mais antigo veio da mitologia grega. Este relato nos conta de um antigo rei chamado Likaon, cuja crueldade era conhecida por todos; então, Júpiter, o maior dos deuses, foi visitá-lo em pessoa. Likaon custou a crer que o seu visitante fosse um deus e o testou, servindo um banquete suntuoso ao qual secretamente misturou carne humana. Para os gregos, canibalismo era um tabu; servir uma refeição dessas a um deus era uma tremenda ofensa. Imediatamente Júpiter percebeu o alimento contaminado e, furioso, transformou Likaon em um lobo, para que pudesse se dedicar à sua predileção por carne humana de uma forma mais apropriada. O nome do rei Likaon deu origem ao termo licantropo ou licantropia, que significa aquele que se transforma em lobo (lykanthropos). (MELTON, 1995. p. 465).
A abundância de casos de lobisomens na Europa medieval surgiu sem dúvida do grande número de características que podiam identificar uma pessoa como lobisomem. Quando se examinava o rosto de um suposto lobisomem, os traços incluíam orelhas pequenas e pontiagudas, dentes proeminentes e sobrancelhas grossas unidas. Observando a mão a um suspeito também poderia obter mais pistas, como as palmas peludas, unhas longas e curvadas de cor avermelhada e um dedo polegar muito grande.
Associado ao medo que o lobo causava a idéia do homem que, sobre influência da lua cheia, se transformava em uma fera bestial foi crescendo e ganhando força. As lendas sobre lobisomens tiveram seu auge na Europa, ao final do século XVI. Devido aos lobos que existiam em grande quantidade no território Europeu. O medo das pessoas era tão forte e real que serviu para intensificar mais ainda a crença nas lendas. O lobo, em sua forma natural, foi dito de possuir qualidades demoníacas, como ser semi-noturno, cor cinza, uivar, presas afiadas, olhos que brilhavam no escuro. As cidades invadidas por lobos que ameaçavam os humanos, realidade da época, não se encontravam a carne para alimentar a família como de costume. "Os lobos também se reuniam ao redor dos fossos exteriores das cidades e lançavam uivos por causa da fome que os atormentava" (BEAUNE, 2006. p. 48).
Estes mitos, associados ás interpretações da bíblia na época, respaldava o pavor humano, indicando também a ira de Deus. Subentende-se que os evangelhos ressaltam o bom pastor, que protege suas ovelhas dos lobos e os bons discípulos eram enviados dentre os lobos. (BEAUNE, 2006. p. 50). O lobo ai simbolizando o mau, os agouros e as dificuldades de existência da época. Esse emaranhado de simbolismo foi diretamente responsável pela "demonização" do lobo no medievo. "Acreditava-se que, no Inferno, os que sucumbiram eram devorados pelos lobos. Obsessão pessoal, cultura clerical e espírito de partido se somam para fazer dos lobos (...) a encarnação aleatória de todos os medos daqueles tempos" (BEAUNE, 2006. p. 50).
A peste, a guerra, a caça as bruxas, a perseguição aos Judeus, a degradação da sociedade em que tudo isso culminava, serviu como base para sustentar o medo, que já era latente na época, do fogo do Inferno, que se principiava no medo da morte.
O imaginário criado em torno da morte é observado na literatura, na pintura, e em quase todos os seguimentos da sociedade. O Diabo era representado como o grande carrasco da humanidade, o causador de problemas, com ele trazia a fome, a doença, o medo e a morte para a humanidade.
Assim a Idade Média tratou da morte, como um rito de passagem para a morada definitiva da alma, a derradeira peregrinação do homem, ou talvez como um mal inevitável. A partir do século XII a certeza dá lugar à incerteza, uma vez que agora cabia à Igreja intermediar o acesso da alma ao paraíso e o julgamento final deixava de ser visto como evento que ocorreria nos tempos finais e passa a ser visto como um evento que aconteceria imediatamente após a morte e resultaria na descida ao inferno (no sofrimento eterno) ou a ascensão aos céus (na alegria eterna) e isso dependeria da conduta do moribundo antes da morte.
Com a popularização do Inferno, o Batismo deixa de ser um instrumento que conduzia a vida eterna e a entrada no céu, o simples fato de ser cristão não dava mais garantias para gozar de uma vida de alegrias no paraíso. Com isso o Inferno aparece como controlador, aparece como um instrumento para controlar aqueles que tinham autonomia de si.
Mas o medo da morte deu vazão a uma gama de lendas em torno desta questão. Nicolas Flamel, um dos maiores alquimistas da historia, foi responsável dentre outras coisas, por criar o Elixir da Vida. Este elixir era responsável por manter o individuo vivo por muito tempo. Podemos citar também as lendas em torno do Santo Graal, onde uma delas conta que aquele que bebesse no cálice que Jesus usou na ultima ceia conseguiria a imortalidade.
O primeiro levou muitos a imaginar que pudessem encontrar meios de evitar a morte ou, se isso falhasse, que pudessem, todavia, prolongar de tal forma a existência para contá-la em séculos, em lugar de anos. Daí nasceu à busca, por tanto tempo incessante e ainda presente, do elixir da vida ou água da vida, que levou milhares a fingirem tê-la encontrado e milhões a acreditarem nela. (MACKAY, 2002. p. 78).
A preocupação com a pós-morte foi uma constante em suas vidas e este espelhou, em certa medida, todo o emaranhado imaginário de esperanças, de expectativas e de angústias de toda a sociedade medieval.
Parafraseando Delumeau em seu célebre livro A Historia do Medo no Ocidente, à peste foi o grande calamidade da Europa medieval e sem dúvida alguma, a mais atroz. E é com grande razão que a chamam de o grande mal. (DELUMEAU, 2009. p. 176). Este mal que assolou a Europa no medievo, matou milhares de pessoas sem distinção de raça, credo, ou condição financeira. "Do porto Marselhês, a doença se difundiu pelo Mediterrâneo, depois para outras regiões da França e também para Inglaterra e para os países escandinavos" (BOURASSIN, 2006. p. 42).
A peste matava rapidamente e se espalhava numa velocidade assustadora, o aspecto dos infectados era horrível e desencadeou o abandono dos cadáveres ao leu e a fuga em massa. Isso colaborou para o aumento de infectados. Segundo Delumeau:
Uma leitura dos textos da Idade Média permitiu concluir que a peste fora virulenta na Europa e em torno da bacia mediterrânea entre os séculos VI e VIII, com uma espécie de periodicidade dos surtos epidêmicos cujos picos se davam a cada nove a doze anos. Depois ela pareceu desaparecer no século IX, mas para ressurgir brutalmente em 1346 nas margens do mar de Azov. (...) As devastações da "morte negra" estenderam-se pelos anos de 1348-51, eliminando, (...) "a terça parte do mundo" (DELUMEAU, 2009. p.154).
O estado deplorável em que os corpos das pessoas infectadas ficavam, nada mais comum para uma sociedade cuja religiosidade era latente e aflorada, tomando conta de quase todos os seguimentos da sociedade, que a associação da doença com algo maligno. Logo alguns causadores foram eleitos, como os Judeus – que eram pretensos suspeitos de quase todos os males do medievo, e até posteriormente – as bruxas, os Leprosos, etc. Entre as idas e vindas da Peste Negra, anotou Delumeau: "Mal enraizado, implacavelmente recorrente, a peste, em razão de seus reaparecimentos repetidos, não podia deixar de criar nas populações um estado de nervosismo e de medo." (DELUMEAU, 2009. p.155).
Quando uma pessoa adoecia, a porta de sua casa era cerrada e uma cruz preta era pintada para designar a presença da Peste que havia ali. Grandes fogueiras eram acesas para purificar o ar, a quem sentisse os bulbões nas axilas, o melhor a fazer era encomendar a alma a Deus. Homens devotos eram encarregados de carregar e de sepultar os cadáveres enegrecidos dos que pereciam ao mal, eram amontoados em carroças e enterrados em valas comuns. Todos os seguimentos da sociedade, seja médico ou carregador de corpos morriam feito moscas. E as carroças percorriam as ruas junto com um sino gritando "Quem tem Mortos?". Uma visão do Inferno. (BOURASSIN. 2006. p. 44 – 45)
É possível alguém em sã consciência não sentir medo em uma atmosfera assim formada, cheia de requintes de crueldades. Eram as pragas de deus, a peste era associada ao dilúvio, o segundo extermínio da raça humana, onde sobraria apenas aquele no qual suas obras eram semelhantes à de Noé. "O pavor era tal que, quando as úlceras aparecem no corpo de um doente, ele é abandonado por todos, até pelos parentes". (BOURASSIN, 2006. p. 45).
Nesse tempo onde os que hoje enterram amanhã são enterrados, às vezes em cima dos mortos que outrora puseram na terra, tudo era ruína, uma visão apocalíptica que quem não estava infestado pela doença, estava infestada pelo medo. Medo do confronto, a cada passo que dava, com a Peste ou a morte, ou as duas. A desconfiança recíproca era de certa forma detestável, segundo Delumeau, os laços familiares se tornavam, de certa forma, mero instrumento de contaminação do individuo. (DELUMEAU, 2009. p.178).
Com estas séries de acontecimentos, que desencadearam uma mortandade exorbitante em toda a Europa no medievo, o que se percebe é o fato de ser um medo vivido do que um medo consciente. Era um medo preciso, que nesse caso não era um medo imaginado. Acusações foram feitas para bodes expiatórios que quase sempre eram culpados de tudo, e foram perseguidos e queimados como responsáveis pela "morte negra". Mas, o que nunca imaginaram, é que eram vitimas de seu próprio tempo, vitimas de um tempo que o simples fato de pensar era condenado, tempo em que a precariedade estava explicita. Esgotos a céu aberto, ratos por toda parte e um grande número de pulgas, esses sim foram os responsáveis pela Peste. Deus, sua ira, o Diabo e seus agentes ou os Judeus, não tiveram nada a ver com isso. Ainda mais os Judeus que além de serem perseguidos, ainda padeceram da peste e das fogueiras.
O medo que era sentido pelas pessoas no medievo serviu para ratificar a autoridade da Igreja e com isso, estabelecer valores as relações entre Servos e Senhores Feudais. Com uma mentalidade de que todos eram servos de Deus, sendo ele o grande Senhor Feudal do universo, e qualquer ser pensante deveria reverenciá-lo.
O grande combate ao Diabo, acabou por ser uma ferramenta política e eficaz para a Igreja, onde a acusação de servidão ao "maligno" era proferida contra os opositores tanto nobres, servos ou clérigos. O confisco de bens dos culpados, segundo o Santo Oficio, se tornou comum e legitimo e favoreceu a Igreja para eleva-la ao status de "dona da verdade absoluta". Em uma época em que a economia era extremamente ligada a terra, para uma instituição que era a grande detentora de terras no medievo era natural que se tornasse referencia em todos os seguimentos da sociedade.
Mas também, estes medos foram um elemento eficiente no tocante ao controle das massas. As vendas de indulgências e o pagamento de tributos a Igreja tem como fundamentação a imposição destes medos, pois possuir algum objeto santo afastaria o mal mesmo que por algumas semanas.
Os contemporâneos ao medievo acabaram por ficarem presos ao combate "perpétuo" entre o bem e o mal. Apesar de as primeiras universidades surgirem neste período, a parcela de pessoas com acesso a estes locais era pouca, cabendo somente para os Nobres, o restante era incapaz de questionar o status quo imposto pela Igreja e seus Dogmas.
Abstract: This article analyzes some aspects of how fear was seen in the Middle Ages. We will examine the concept of fear, the formation of the Holy Office as well as studying how the man of the Middle Ages viewed the idea of the presence of the devil, the belief in fantastical beings as vampires, werewolves, and a level, unlike witches.Keywords: Fear, Middle Ages, witchcraft
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DELUMEAU, Jean. História do Medo no Ocidente 1300 – 1800: Uma cidade sitiada. Tradução: Maria Lúcia Machado; Tradução de notas: Heloísa Jahn. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
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Autor:
Jamil David Avelino
ja1000david[arroba]hotmail.com
Acadêmico do curso de licenciatura em História na Faculdade Alfredo Nasser.
FACULDADE ALFREDO NASSER
INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAÇAO
CURSO DE HISTÓRIA
APARECIDA DE GOIANIA
2010
Artigo apresentado ao Instituto Superior de Educação da Faculdade Alfredo Nasser, sob orientação do prof. Dr. Ademir Luiz da Silva, como parte dos requisitos para conclusão do curso de licenciatura em História.
Orientador: Prof. Dr. Ademir Luiz da
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