A presente tradução, com um título ligeiramente alterado, é uma versão modificada da publicada em 1924.
O presente artigo é uma dessas obras extremamente condensadas, quase esquemáticas, em que podemos perceber as sementes de posteriores desenvolvimentos. Só vinte anos mais tarde, porém, Freud retornou ao tema dos ataques histéricos, ao examinar os ataques "epilépticos" de Dostoievski (1928b).
Ao empreendermos a psicanálise de uma paciente histérica cuja enfermidade manifesta-se através de ataques, logo nos convencemos de que tais ataques não passam de fantasias traduzidas para a esfera motora, projetadas sobre a motilidade e representadas por meio de mímica. É verdade que as fantasias são inconscientes, mas, com exceção desse detalhe, são da mesma natureza das fantasias que podem ser observadas diretamente nos devaneios ou que podemos inferir da interpretação dos sonhos noturnos. Muitas vezes um sonho pode substituir um ataque, e ainda mais freqüentemente explicar o mesmo, já que a mesma fantasia se expressa de formas diversas no sonho e no ataque. Poderíamos supor que, pela observação de um ataque, viéssemos a descobrir a fantasia nele representada, mais isso é raro. Via de regra, devido à influência da censura, a representação mímica da fantasia sofre distorções idênticas às distorções alucinatórias do sonho, de forma que ambas se tornam incompreensíveis tanto para a consciência do indivíduo como para a compreensão do observador. O ataque histérico, portanto, deve ser submetido à mesma revisão interpretativa que empregamos para os sonhos noturnos, pois tanto as forças que dão origem à distorção, como a finalidade dessa distorção e a técnica nela empregada são as mesmas que deduzimos da interpretação dos sonhos.
(1) O ataque torna-se ininteligível por representar simultaneamente várias fantasias em um mesmo material, ou seja, através da condensação. Os elementos comuns às duas (ou mais) fantasias constituem o núcleo da representação, como sucede nos sonhos. As fantasias que assim coincidem são sempre de naturezas bem diversas, podendo, por exemplo, consistir num desejo recente e numa reativação de uma impressão infantil. As mesmas inervações servem então às duas finalidades, muitas vezes de forma bastante engenhosa. Nos pacientes histéricos que utilizam em alto grau a condensação, uma única forma de ataque pode ser suficiente; outros expressam suas numerosas fantasias patogênicas através da multiplicidade das formas de ataque.
(2) O ataque torna-se obscuro pelo fato de o paciente tentar realizar as atividades de ambas as figuras que aparecem na fantasia, ou seja, por meio de uma identificação múltipla. Como por exemplo no caso mencionado por Freud no artigo sobre "Fantasias Histéricas e sua Relação com a Bissexualidade" (1908a), no qual a paciente tentava despojar-se de suas vestes com uma das mãos (como homem) enquanto as retinha com a outra (como mulher).
(3) Uma inversão antagônica de inervações, processo análogo à transformação de um elemento em seu oposto, comum no trabalho onírico, acarreta também uma distorção muito ampla. Um abraço, por exemplo, pode ser representado no ataque pelo esticar convulsivo dos braços para trás até que as mãos se tocam no plano da coluna vertebral. É bem possível que o conhecido arc de cercle que ocorre nos ataques histéricos graves seja apenas uma análoga e enérgica rejeição, através de uma inervação antagônica, de uma postura do corpo adequada para a relação sexual.
(4) Quase tão desorientadora e enganosa é a inversão da ordem cronológica na fantasia que é representada, a qual também tem seu correspondente em certos sonhos que começam com o final da ação e terminam com seu início. Vamos supor, por exemplo, que uma mulher histérica tem uma fantasia de sedução na qual se encontra sentada lendo num parque, com a saia ligeiramente erguida, de modo a mostrar o pé. Um cavalheiro aproxima-se e dirige-lhe a palavra; os dois vão para um lugar qualquer e se entregam a carícias amorosas. A atuação da fantasia no ataque inicia-se com convulsões que correspondem ao coito. Em seguida a mulher se levanta, dirige-se a um outro aposento, senta-se lendo um livro e dali a pouco responde a uma observação imaginária dirigida a ela.
As duas últimas formas de distorção acima descritas nos dão alguma idéia da intensidade das resistências que o material reprimido precisa levar em conta mesmo quando irrompe através de um ataque histérico.
O desencadeamento de ataques histéricos segue leis de fácil compreensão. Como o complexo reprimido consiste numa catexia libidinal e num conteúdo ideativo (a fantasia), o ataque pode ser determinado (1) associativamente, quando o conteúdo do complexo (se suficientemente catexizado) é atingido por um acontecimento da vida consciente a ele ligado; (2) organicamente, quando por razões somáticas internas resultantes de influências psíquicas externas a catexia libidinal eleva-se acima de um determinado nível; (3) a serviço do objetivo primário, como uma expressão da "fuga para a doença", quando a realidade torna-se penosa ou temível, isto é, como um consolo; (4) a serviço de objetivos secundários aos quais a doença se alia para que através do ataque o paciente atinja uma meta útil para ele. Neste último caso o ataque é endereçado a determinados indivíduos, podendo ser adiado até que estes estejam presentes e dando a impressão de ser conscientemente simulado.
Página seguinte |
|
|