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No Processo evolutivo muitas vezes o ser humano é surpreendido pela enantiodromia, a qual se refere a um conjunto de sintomas associados á neurose aguda, que impede o desenvolvimento da personalidade. Desse modo Jung (1984) ressalta que o processo de individuação não entra em conflito com a norma coletiva do meio onde está o indivíduo. Desde que este tenha adaptado-se ao ambiente, tornando-se ativo na comunidade. O Psicólogo Suíço salienta que poucos alcançavam a individuação como uma meta mais ampla. No entanto para adquirí-la precisa-se assimilar as quatro funções - sensação, pensamento, intuição e sentimento, conceitos definidos por Jung (1980) na Teoria dos Tipos Psicológicos[5]. Desse modo, ao concluir os estudos sobre a alquimia identifica a meta da individuação como o Opus, ou seja a Grande Obra dos Alquimistas. A superação.
Na obra ou na vida as imagens vivenciadas, incluem o histórico de vida, as características da personalidade e o contexto sócio-histórico. Nesta perspectiva, a individuação permite que o ser humano se torne uma essência que tem valor. Num processo arquetípico lento que aprimora a persona, pois na autonomia do inconsciente há uma energia psíquica, que quando assimilada não se torna adjetivo do ego. Transforma-se no ponto central da personalidade, o ponto indescritível entre os opostos, o unificador, o resultado do conflito.
No desenvolvimento da obra, o autor alcança a individuação e para resolver as suas neuroses, utiliza a transferência para re-significar a realidade inconsciente, modificando as relações do sujeito. Segundo Freud e Lacan[6] (1997) numa experiência dialética do desejo. No dialogo consigo mesmo, Cervantes atua como analista e analisando, pois se percebe no personagem. A partir disso se dá o processo de analítico onde o trauma torna-se consciente. Este fenômeno, na Teoria de Freud percebe-se como a transferência, ou seja, o deslocamento do sentido atribuído a pessoas do passado para as pessoas no presente. Onde a transferência é executada pelo inconsciente. Sendo esta função psicológica que resulta da união dos conteúdos conscientes e inconscientes, fundamental no processo de cura. A personalidade como um fim, desenvolve-se pela educação. Sendo resgatada pela Psicanálise quando necessária pela transferência nas relações humanas. Um processo que se dá não apenas no setting analítico, mas em todas as possibilidades de interação com a vida. Na obra, Don Quixote tinha o seu sentido esvaziado para receber o desejo inconsciente do autor.
Don Quixote foi um personagem criado por Cervantes (1978) para ridicularizar e desmoralizar as histórias de cavalaria na aurora do racionalismo científico. Que por ironia do destino encantou a Cultura Ocidental com as suas loucuras. A teoria do desenvolvimento arquetípico individual foi ampliada pelo referencial teórico no Processo de Humanização e na Teoria Arquetípica da História. Formulados pela Psicologia Simbólica transmitem a compreensão simultânea do desenvolvimento individual e coletivo a partir da extensão dos conceitos de símbolo e de arquétipo Byington (1983)[7]. Uma teoria que concebeu o Self Cultural e percebeu o funcionamento inseparavelmente do Self Individual. Aplicada ao mito.
O livro tem 126 capítulos de sabedoria, amizade, enternecimento, encantamentos, loucuras e divertimento, divididos em duas partes: a primeira data de 1605 e a outra de 1615. Apresenta características muito significativas para a Psicanálise e a Educação, pois se desenvolve em torno do real e do imaginário. Apresenta episódios em que os dois planos se confundem, o delírio é tanto, que e o imaginário torna-se a própria realidade. A ação principal do romance gira em torno das três incursões feitas pelo protagonista e pelo seu fiel amigo e companheiro Sancho Pança, que entra no jogo e aceita os delirios do cavaleiro. O escudeiro tem um perfil realista e andam pelas terras de La Mancha, Aragão e Catalunha na Espanha.
A estória conta as peripécias de um senhor rural decadente que passa lendo livros de cavalaria. Obcecado pelas idéias, acredita nas aventuras e torna-se o próprio cavaleiro andante. O personagem principal é um fidalgo castelhano que perdeu a razão pela leitura assídua dos romances de cavalaria e imita seus heróis prediletos. Na obra envolve-se numa série de aventuras, mas as fantasias são sempre desmentidas pela realidade. Cervantes (1978) aponta bons exemplos, "investe-se dos ideais cavalheirescos de amor, de paz e de justiça, e prepara-se para sair pelo mundo, em luta por tais valores". (BARSA, 1998, p. 171) Passa da imaginação á ação, quando Cervantes projeta-se em Don Quixote e Sacho Pança.
Dom Quixote e Sancho Panço tem valores distintos, embora participes do mesmo contexto. Na visão irónica, a alegria que está por detrás da melancolia buscam o absoluto. O fiel escudeiro de Dom Quixote defini-se como o - o homem de bem, mas sem moleira, que representa o bom senso e o comportamento ideal. Na obra, as figuras de Dom Quixote, Sancho Pança e o seu cavalo continuam conquistando a imaginação popular. Onde o delirio de Quixote ajusta-se a realidade. Na estória, tratava os monges como feiticeiros e lutava contra os moinhos de vento como se fossem gigantes malfeitores. No seu delírio convencia-se de que apenas homens destemidos e forte como ele, poderia derrotá-los para trazer paz e justiça para a Espanha. Assim, Cervantes e o leitor projetam-se nos personagens.
Alonso Quijano, chamado pelos vizinhos de o Bom. Comenta as estorias com os amigos, o cura e o barbeiro do lugar. Desse modo investe-se de ideais cavalheirescos de amor, paz e justiça. Sai pelo mundo lutando por tais valores, no qual vive o seu próprio romance de cavalaria. Escolhe um título para si, Don Quixote de la Mancha, atribui ao velho cavalo o nome de Rocinante e elege a dama ideal dos seus sentimentos a camponesa Dulcinea del Toboso, pela qual atribui um amor platonico. Na obra Dom Quixote convence o seu vizinho, o agricultor Sancho Pança a acompanhá-lo em suas andanças, na condição de fiel escudeiro. Suas viagens acontecem num estado de alucinação, de deliro, "onde as perturbações na cognição podem incluir interpretações errôneas da realidade, ilusões ou alucinações," [8] pois acredita estar a viver na época das cavalarias e precisa de alguém para lhe trazer a realidade.
Na estrada por onde anda vê cavaleiros armados, damas em apuros, gigantes e monstros. Confunde os estabelecimentos com castelos de nobres e moinhos de vento com gigantes que precisam ser combatidos. Na identificação do infante com os personagens apresenta o heroísmo e faz com que as pessoas se identifiquem com ele nas suas lutas. "No infante imagina que sofre com o herói em suas provas e tribulações e triunfa com ele, quando a virtude sai vitoriosa". (BETTELHEIM 1996, p. 16) O autor acredita em seus ideais, mesmo fora da realidade. Tanto que, quando Sancho Pança fica desnorteado com as suas atitudes sugere que recorra a sua misericórdia e diz: Mire vuestra merced lo que dice senhor.
Na visão delirante, a obra preserva a personalidade global e forma uma ilha de loucura num mar de sanidade. As pessoas se identificam com a saga do heroísmo de Dom Quixote, quando sofrem, torcem e se divertem com as trapalhadas do protagonista. Devido a estas alucinações, o personagem gera situações penosas e ridículas, mantendo uma figura nobre e patética, sob o epíteto de Cavaleiro da Triste Figura.
De família rica, o fidalgo Dom Quixote vive na ociosidade e aos poucos gasta toda a sua riqueza pagando dívidas e comprando livros, pois busca na leitura a solução para suas dificuldades. Na obra, os amigos não entendiam o problema, mas acreditavam que o excesso de leitura havia enfraquecido o seu cérebro. Assim, queimam todos os livros de cavalaria no intuito de eliminar a insanidade. Numa relação do poder sobre o indivíduo. Solitário, deixa-se levar pela imaginação e passa a viver num mundo ilusório e fantasioso.
Após muitas aventuras e desventuras, alegrias e sofrimentos, Dom Quixote recupera a razão, traz os traumas do inconsciente á consciência. Renuncia aos romances da cavalaria e morre como um piedoso cristão. O conflito surge do confronto entre o passado e o presente, o ideal e o real e o ideal e o social. Neste contexto, percebe-se que Dom Quixote de La Mancha é a energia do espírito, enquanto que Sancho Pança é a matéria racional. Ambos representam há dualidade da natureza humana: um sonha e o outro vive a realidade. Uma dualidade indispensável para o ser humano conviver com a complexidade do mundo.
Na analise de Bettelheim (1996) Dom Quixote, corria o mundo para defender os inocentes. Uma metáfora que retrata o sonho inconsciente do ser humano em busca de uma nova realidade com justiça e inclusão social. Nesta obra magnífica percebe-se com muita lucidez o valor da amizade, o amor platônico de Dom Quixote pela amada Dulcinéia e a luta pela superação. Percebe-se como a insanidade de um ser é capaz de induzir a ação e a transformação em prosa e poesia. Influenciar políticas de governo. A obra acontece nos séculos XVI e XVII, onde a educação na grande maioria dos paises não tinha valor nenhum e as crianças deixam a rua onde brincavam para dar lugar ao transporte de carros de bois. Assim, a unidade política, jurídica e administrativa coesa foi construída apenas no século XVIII, pelos esforços da política centralizadora da dinastia francesa Bourbon: "A monarquia Bourbon levou a cabo o que os Habsburgo não tinham conseguido fazer".[9] (ANDERSON, 1985, p.81) Na época de Cervantes a Espanha era um agregado heteróclito de unidades políticas mais ou menos autônomas em relação á liderança do Reino de Castela.
Desse modo Cervantes cria o sistema literário. Original e talentoso aprende a lidar muito bem com o devaneio e a razão de forma recreativa. Demonstra claramente na sua obra os mecanismos de defesa, desenvolvidos posteriormente por Sigmund Freud (1894). Decorridos quatro séculos as suas lições continuam eternas, encantam e inspiram leitores.
Na analise da obra de Dom Quixote de La Mancha se percebe a fuga da realidade. O medo do autor para enfrentar a verdade, a neurose. Na analise de Freud (1915) a neurose manifesta-se como resultado do conflito entre o Ego e o Id, ou seja, entre aquilo que o indivíduo é ou foi, com aquilo que deseja ser ou poderia ter sido. Um processo que pode ser resolvido pela transferência, pela formação de memórias, ou seja, pela conscientização. Um instrumento fundamental na Psicanálise, que se não for exercitado de forma oral ou recreativa, transforma-se em resistência e interrompe a comunicação com o inconsciente. Impede o discurso organizado do sujeito, inviabiliza a re-elaboração dos seus conflitos diante da vida.
Na transferência da obra, há um deslocamento de afeto. Existe uma relação afetiva do sujeito com as figuras parentais revividas por meio da estória, marcadas pela ambivalência de amor e ódio. Um quadro que não existe na Psicose, pois há uma distorção da realidade. Uma incoerência entre o pensamento e a afetividade. Para o paciente, o analista é apenas a sua testemunha, devido á dificuldade que tem em perceber o outro e exercer a empatia. Neste sentido a relação do sujeito com as figuras parentais caracteriza-se como o desfecho análogo de um distúrbio entre o Ego e o Mundo. Assim, a neurose caracteriza-se como o medo de enfrentar a verdade, devido há ausência de memórias. As quais foram resgatadas na medida em que o autor vivenciava a obra utilizando-se dos mecanismos de defesa para organizar-se.
Ao utilizar os mecanismos de defesa fez projeções, de forma inconsciente trouxe a tona os conflitos e conseguiu re-significar. O primeiro a utilizar o termo projeção em seu sentido psicológico foi Freud (1924), que procurou explicar por meio desse mecanismo manifestações normais e patológicas. "A Neurastenia e a Neurose de Angústia" (1980), distingue a neurastenia típica de um complexo de perturbações neuróticas cujos sintomas, etiologia e mecanismos são diferentes configurando o que denominou neurose de angústia. Nessa obra, considera que a neurose da angústia se origina pelo acúmulo de excitação sexual somática, desviada da psique e conduzida ao sistema nervoso formando um estado afetivo de angústia. Desse modo, afirmava o autor "quando se sente incapaz de estancar a excitação (sexual) originária endogenamente." Conduz-se, pois, como se projetasse essa excitação para o exterior. (FREUD 1972, p.196). A psique desenvolve a neurose de angústia.
Num primeiro momento Freud (1915) distingue as neuroses atuais, cuja origem se deve a distúrbios somáticos da sexualidade, as psiconeuroses de transferência e narcísicas, cuja origem se localiza num conflito psíquico. Na categoria das neuroses narcísicas inclui as psicoses. Alguns anos depois, Freud (1924) distingue neuroses atuais, neuroses propriamente ditas, neuroses narcísicas e psicoses. Atualmente, a maioria dos autores ligados á Psicanálise prefere distinguir entre afecções psicossomáticas, neurose e psicose maníaco-depressiva - seja a bi-polar, a paranóica, a esquizofrênica ou outras denominações, num esquema geralmente seguido pela maioria das escolas psiquiátricas (LAPLANCHE, PONTALIS, 2001).
Entre a neurose e os Mecanismos de defesa há uma relação muito significativa. A regressão, o recalcamento, a formação reativa, o isolamento, a anulação, a projeção, a introjeção, a inversão contra o ego, a reversão e a sublimação atuam nos conflitos como representantes pulsionais. Caracterizam-se como impulsos energéticos que ajudam o analista a descobrir a formação dos sintomas neuróticos. Sendo este um processo dinâmico que nasce do inconsciente, leva o organismo em direção a um fim agindo de forma impulsiva para resolver uma tensão orgânica. Nesta perspectiva, comportamento altera-se afetivamente para resolver uma tensão. Assim, as pulsões são recalcadas ou sublimadas de acordo com o super ego - ou seja a censura que separa o inconsciente do consciente, representada na sociedade.
Nesse aspecto, desenvolve-se a ética social, pela organização do conjunto de princípios e valores no ser humano. Que passa a exercer a cidadania quando consegue lidar com as regras, os principios e as leis interagindo de acordo com os seus valores. Porem, na sociedade nem todas as pulsões são satisfeitas, algumas são percebidas como imorais para o super ego e tornam-se inaceitáveis. Desencadeando uma série de neuroses, devido a dificuldade com que o sujeito tem para lidar com os mecanismos de defesa. Assim como em administrar problemas individuais e sociais. Recalcando-se, estas quando suprimidas e mal canalizadas, transformam-se em depositos de energia, exteriorizando-se de varias formas, pelas atitudes sociais incovenientes, pelos atos falhos e outras formas de manifestação inconsciente do desejo reprimido. Muitas vezes pela sublimação da pulsão de forma racional.
A Psicanalise humanista tem um compromisso com a totalidade do homem e não apenas com a libido. Desse modo percebe que toda forma sofrimento emocional ou afetivo coloca o ser humano em sofrimento existencial. Para isso desenvolve novos métodos e tecnicas no intuito de abrir caminhos e criar novas perspectivas para quem deseja qualidade de vida. O processo de autoconhecimento viabiliza a reflexão e o resgate da auto-estima.
Nesta perspectiva se faz necessário relembrar a origem da palavra defesa, que surge em 1894, como resultado do estudo de Sigmund Freud. As quais são entendidas como operações em que a defesa pode ser especificada. "Os mecanismos predominantes diferem segundo o tipo de afecção considerado, a etapa genética, o grau de elaboração do conflito defensivo." [10] As neuropsicoses de defesa têm seqüência com estudos sobre a Biologia da Histeria e ajudaram a descrever as lutas do ego, contra idéias ou afetos dolorosos insuportáveis. As quais foram substituídas posteriormente pelo recalcamento e utilizadas quando o ego se serve nos conflitos e na neurose. Desta forma o ego se protege contra as exigências pulsionais e o recalcamento se reduz a um método ou mecanismo de defesa. Nem se discute mais, os mecanismos de defesa são realmente utilizados pelo ego, mas permanece a questão teórica sobre a existência da organização do ego. Utilizar o termo, Mecanismo de defesa foi á maneira que Freud (1923) encontrou para apresentar os diferentes tipos de manifestações das defesas do Ego - Eu. O Ego é visto como a consciência inferior, enquanto que o EU refere-se ao centro superior da consciência, a soma total dos pensamentos.
O Ego obedece ao princípio da realidade, busca objetos para satisfazer o id, o principio do prazer sem transgredir as exigências do superego, da moral. Quando o ego submete-se ao id, torna-se imoral e destrutivo, ao submeter-se ao superego, desespera-se e se deprime. A energia dos instintos do Id busca do Principio do prazer que exige satisfação imediata. Desse modo o inconsciente e o Superego se juntam ao mundo exterior as lembranças do passado. O Ego consciente das condições reinantes sai-se bem das situações de forma lógica, objetiva e racional, mas quando se desencadeiam situações que possam vir a provocar sentimentos de culpa ou ansiedade, o Ego perde as três qualidades.
O medo trata-se de uma resposta emocional a um perigo real. A ansiedade um temor, que de forma inconsciente ativa os mecanismos de defesa, gerando uma situação de angustia para proteger-se da dor psíquica, numa resposta desproporcional ao grau real de estresse. Desse modo há uma relação entre a doença e os mecanismos de defesa. Nas situações de angustia a tensão física aumenta, desperta o afeto, mas a conexão psíquica torna-se insuficiente. Portanto, segundo o autor "um afeto sexual não pode ser formado, porque falta algo nos fatores psíquicos. Por conseguinte, a tensão física, não sendo psiquicamente ligada, é transformada em - angústia." (FREUD, 1894/1996h, p. 273) O que resulta nas neuroses de angústia e muitas vezes na histeria devido á falta destas interações de forma saudável.
A regressão, a alteração reativa do ego, o isolamento, o fato em desfazer o que já foi feito, tem sido citada como técnicas defensivas empregadas na neurose obsessiva. Considera-se que em ambas as neuroses são de estase. Tanto numa quanto na outra, existe uma espécie de conversão: "na histeria, é a excitação psíquica que toma um caminho errado, em direção á área somática, ao passo que na neurose de angústia é uma tensão física, que não consegue penetrar no âmbito psíquico e, portanto, permanece no trajeto físico" (FREUD, 1894/1996h, p. 273). Desse modo Freud conclui que a neurose de angústia acumula-se na libido, desencadeando outras neuroses associadas ao fato desencadeador.
Sendo assim, consideram-se mecanismos de defesa os diversos processos psíquicos: as diferentes ações e reações do ser humano que tem como finalidade afastar o evento gerador de angústia da percepção consciente, no intuito de preservar-se como ser humano. Na obra de Cervantes percebe-se que os mecanismos de defesa foram utilizados para impedir que os pensamentos dolorosos chegassem á consciência, da qual se derivam os demais. A repressão transformou-se em patologia e a paranóia em mania de perseguição. A racionalização foi justificada pelas atitudes. Suspeita-se que, na obra Don Quixote se manifesta como um neurótico, que apresenta a Formação reativa com um hábito psicológico, no sentido oposto ao desejo recalcado. Na frustração, identifica-se com o herói internalizando características, que instigaram Miguel de Cervantes a superar-se. Se re-educa quando escreve Don Quixote. Na medida em que organiza o pensamento pela ação dos personagens elabora os traumas.
Adquire maturidade, uma tese sustentada por Anna Freud (1936)[11] quando detecta a identificação com o agressor num mecanismo na fase pré-liminar do superego. Nesta fase a agressão dirige-se ao exterior, pois a pessoa ainda não consegue fazer á autocrítica, nem perceber a empatia no relacionamento humano. Assim, o agredido transforma-se no agressor e age com um comportamento infantil, na fase do desenvolvimento moral. Uma estratégia que Cervantes utilizava de forma inconsciente para superar as suas neuroses e reorganizar a sua vida. Na identificação com a criança interior, o autor assimilava e interagia com o mundo.
Assim o autor tornou-se importante para os personagens, pois tinham muitos elementos comuns. Nesta situação o autor adquiriu poder, para ensinar e preparar o aluno segundo suas próprias crenças. Nesta configuração psíquica o deslocamento do centro psíquico se deu do ego para o Self, no reconhecimento do eu nas vivências. Assim como a descoberta da liberdade, da autonomia, do autocontrole, da participação e da responsabilidade social pela interação humana com muita alegria, diversão e prazer.
Ao fazer uma retrospectiva percebe-se que Freud (1980) vincula Cervantes nas relações com o inconsciente e os sonhos aos mecanismos de defesa. Percebe-se que os mecanismos de defesa sempre existiram e são necessários á saúde mental. Como afirmava Cervantes "um dos efeitos do medo é perturbar os sentidos e fazer com que as coisas não pareçam o que são." Perceber o medo e aprender a lidar com ele é perfeitamente saudável. Uma condição essencial no processo de re-educação adotado na Psicanálise do Século XXI. Que atinge seu ápice quando de forma dialógica o paciente consegue perceber a origem das suas dores, trazem do inconsciente ao consciente e re-significar. Independente do diagnostico atribuído a Don Quixote, aqui se discutem os mecanismos de defesa e as neuroses. Assim como o novo paradigma da Psicanálise no intuito de que as pessoas possam incluir-se.
A natureza humana para Erick Fromm (1983) se constitui na razão, na imaginação e na autoconsciência, num conjunto das relações sociais. Sendo que, "as necessidades psíquicas fundamentais que nascem das peculiaridades da existência humana devem ser satisfeitas de uma ou de outra maneira para que o homem não se torne mentalmente doente." (FROMM, 1983, p.77) Atualmente prima-se pela natureza humana num processo biológico, psicológico, social e emocional afetivo, com acessibilidade na diversidade, num processo de sinergia. Na interação com um mundo que pense global, mas que atue de acordo com o contexto local, respeitando os seus integrantes. No entanto, os conceitos e os preconceitos já não condizem mais com uma realidade burguesa e patriarcal, mas com a essência do ser humano. De acordo com a sua interação social de forma saudável, este ser deve ter acesso a qualquer instancia social, independente da sua condição econômica, opção sexual, de credo ou de crença.
Na Psicanálise atual, a racionalização ainda é vista como um mecanismo de defesa, como uma mentira inconsciente que se põe no lugar do reprimido. "Porem, os modos pelos quais podem ser satisfeitas as necessidades psíquicas são muitos e a diferença entre os diversos modos de satisfação equivalem a diferença entre os diversos graus de saúde mental." (FROMM, 1983, p. 77) Ao respeito que se tem com a subjetividade do ser humano. Na obra, o autor, devido á frustração regredia, voltava aos níveis anteriores de desenvolvimento com respostas infantis. Desse modo conseguiu elaborar as suas dores com atitudes e comportamentos manifestos por Don Quixote. Pelo deslocamento descarregava os sentimentos agressivos acumulados de forma lúdica e recreativa, pois havia uma desordem e uma organização nas suas aventuras. Quando brincava inconscientemente com a situação, de forma recreativa utilizava uma seqüência organizada com objetivos pré-estabelecidos. A neurose foi resolvida pelo deslocamento e pela sublimação de forma sensível e inteligente.
Em nenhum espaço do mundo, se consegue conviver sem dominar o medo. Seja na rua, na igreja ou na escola, de várias maneiras as nossas vidas se misturam num processo constante de ensino aprendizagem. Nessa perspectiva é preciso superá-lo, no intuito de que se consiga conviver socialmente com os demais de forma equilibrada e saudável. Infelizmente, nem sempre isso acontece. O medo acentuado, a falta de habilidades e competências para lidar com os problemas, faz com que as pessoas desenvolvam neuroses e patologias que atrapalham a vida e para isso precisam reeducar-se para dominar a ansiedade e a frustração.
Ao analisar a ansiedade, Karen Horney (1993) a percebe como a angustia do neurótico diante do conflito em que vive, a qual se manifesta de forma injustificada pela insegurança e pela ausência de um perigo real. Diferente do medo. Nessa perspectiva, o medo e a ansiedade são reações proporcionais ao perigo. No caso do medo, o perigo é manifesto e objetivo e na da ansiedade, ele manifesta-se oculto e subjetivo. Horney (1993) Na percepção da autora os conceitos ficam muito bem definidos e de fácil compreensão. Desse modo, em ambos os casos a re-educação se faz necessária, pois não vem de um único e exclusivo caminho, requer interação das partes. Necessita que o paciente reconheça o a origem do medo e as extensão das suas neuroses. As limitações individuais e coletivas, os mecanismos de defesa para que obtenha sucesso no tratamento.
Tudo isso implica em aprender como lidar com a subjetividade, os princípios e os valores para a formação ética da pessoa no contexto.
O signo ideológico, vivo e dinâmico, se constitui no presente vivido de determinada comunidade social e proporciona a compreensão da atividade mental. Neste contexto se revela todo o conteúdo ideológico. Segundo Bakhtin (1997), a comunicação seria difícil se "os indivíduos não dominassem os gêneros de discurso e tivessem de criá-los no processo de fala" (BAKHTIN, 1997, p.302) O indivíduo é o detentor dos conteúdos de sua consciência, autor dos seus pensamentos e dos desejos, apresenta-se como um fenômeno sócio-ideológico. Num processo inconsciente que leva a humanização e a emancipação pelos signos e símbolos.
Na obra, o sonho e o imaginário determinaram o funcionamento psicossomático. Sendo que na vida real os mecanismos de defesa induzem a preservação do ser humano. Desse modo, os mecanismos de defesa atuam nos conflitos como representantes pulsionais[12] dos afetos. Uma tarefa que cabe ao analista investigar até que ponto os métodos utilizados comprovam a sua eficácia nos processos de resistência do ego e de formação de sintomas que se observam nas pessoas. Ao analisar os mecanismos de defesa, percebe-se que são os responsáveis pela imunização do nosso organismo. Sendo capazes de desenvolver uma auto- proteção para preservar a vida da autodestruição em prol de uma nova humanização.
Nesta perspectiva Morin (1986) denuncia as ilusões do humanismo tradicional para revitalizar o novo sentido ético-antropológico e afirma: "Não se trata de recusar o humanismo. é necessário como veremos, hominizar o humanismo e portanto enriquecê-lo, baseado na realidade do homo comptex ."(Morin 1986, p. 398) Fundamentado na complexidade da vida, percebe-se que os métodos utilizados na Psicanálise tradicional devem ser questionados e os interesses dos pacientes respeitados. A re-educação do paciente não se dá apenas no Setting analítico, mas na ação e na interação com as situações da própria vida.
O novo paradigma da Psicanálise contempla a escuta como o elemento imprescindível para estabelecer o vinculo entre o paciente e o analista e detectar o problema. Porem, a sua perspectiva vai muito além, estabelece uma visão de futuro, a cura do paciente e não o vinculo permanente ao setting analítico. Atua pelo método dialógico dialético, a partir de um planejamento flexível organizado entre o analista e o paciente. Fundamentado nos temas problemas, por meio de ações e estratégias flexíveis que possibilitam desenvolver as atividades re-educativas de forma alegre e divertida, proporcionar a cura ao paciente.
Neste novo paradigma, quando o ser humano aprender a lidar com os mecanismos, com certeza enfrentará as verdades, com mais tranqüilidade e segurança. Sendo assim, os sintomas neuróticos cessam e resgata-se o equilíbrio. Enquanto que, sem saber utiliza-los, ampliam-se a probabilidade de desenvolver outras patologias. Na histeria, devido ao acumulo de energia reprimida as dores permanecem no inconsciente, o que resulta numa tensão constante e em diversas neuroses. Na sua essência, todos os mecanismos de defesa consomem a mesma energia psíquica. Nas defesas patogênicas quando os métodos terapêuticos são bem administrados tornam-se capazes de erradicar as neuroses pela transferência e a catarse.
Quatro séculos se passaram e as idéias de Cervantes permanecem. "Quem perde seus bens perde muito, quem perde um amigo perde mais, mas quem perde a coragem perde tudo". Perde a energia vital, a capacidade de se manter vivo. Assim, a idéia de perder coisas assusta, mas a idéia de perder a liberdade apavora ainda mais. Desperta um nível de ansiedade incalculável e um sentimento negativo de prisão nas pessoas. Uma sensação de frustração que se não for elaborada resulta em muitos problemas emocionais e na manifestação da neurose.
Na analise da obra de Cervantes, percebe-se os mecanismos de defesa e uma série de alternativas para trabalhar com a re-educação na Psicanálise. Desse modo, os métodos e as técnicas aplicadas na terapia devem estar em constante avaliação. As práticas Psicanalíticas tradicionais não tem mais dado conta dos dilemas e das necessidades existenciais das pessoas. O mundo mudou, transformou-se num todo complexo. Os medos e as neuroses não se restringem mais a libido como no paradigma Freudiano. A dinâmica da vida requer escuta, ação e transformação para que as pessoas possam adaptar-se ao novo paradigma e ser feliz.
Numa contraproposta a Psicanálise Tradicional sugere-se a Psicanálise Humanista Emancipadora, fundamentada em diversos autores. Capaz de dar vazão as demandas sociais por meio de um trabalho desenvolvido de forma alegre e recreativa. Voltada aos problemas principais do paciente ou do grupo por meio da transferência, no intuito de que por meio deste processo se possa promover a cura. Conforme sugere o trabalho publicado pela autora: Um ensaio sobre os métodos de tratamento na psicanálise: a dieta da alma[13], no site em anexo.
A proposta visa de forma recreativa, colocar o paciente frente as suas queixas. No intuito de minimizar os sintomas neuróticos e resgatar a sua auto-estima. Para que possam viver e conviver com dignidade, e exercer a cidadania de forma pró-ativa. Fundamentados num planejamento flexível, numa sucessão de temas, ações e atividades re-educativas organizadas entre o paciente e o analista. Estimula-se a ação e a motivação para agir, com o objetivo de oportunizar o encontro consigo mesmo e re-significar as dores e os traumas.
Nesta dinâmica, a partir da síntese se favorece o desenvolvimento de outras teses e antíteses constantemente. No momento em que se re-significam os bloqueios mentais e emocionais, os impulsos ameaçadores manifestos tendem a desaparecer porque formam as memórias para o funcionamento completo do cérebro. Quando se estimulam os caminhos neurais entre os hemisférios do cérebro, completa-se este processo. Desaparecem os medos, o paciente depara-se com a verdade, com a certeza de ter resolvido o problema e encontrado o caminho seguro. Deste modo aumenta gradativamente a sensibilidade, a capacidade de atenção e concentração indispensáveis para a aprendizagem e a formação da consciência.
Desse modo, os traumas são re-organizados por meio da criatividade. A inteligência manifesta-se pela sensibilidade e pela intuição em lidar com o problema. O acesso hás informações e aos conhecimentos desenvolvem as habilidades e as competências necessárias ao desenvolvimento do processo de cura. De posse disso o paciente torna-se mais seguro, consegue fazer uma gestão eficaz dos seus problemas e minimizar os níveis de estresse. A sensação de segurança equilibra a química no organismo e as pessoas conseguem agir com mais tranqüilidade, minimizando a ansiedade, muitas vezes manifestas pela compulsão. Desse modo, melhora o relacionamento humano, a qualidade de vida e a possibilidade de ser feliz.
Nessa perspectiva a teoria e a prática psicanalítica se valem da contribuição de muitos autores. Jung (1991) utilizava na clínica atividades artísticas como forma de acesso ao inconsciente estimulando a fantasia e o sonho. Porque acreditava que no inconsciente encontrava-se a força criadora que aparece na multiplicidade de símbolos e imagens da psique. Percebe-se ser esta também, uma das muitas formas para interpretar o desconhecido na nossa consciência e re-organizar a vida. Assim como, abordar os sentimentos de Don Quixote, relacionar com os nossos sentimentos para identificar os mecanismos de defesa e as dificuldades para lidar com as neuroses que se manifestam no decorrer do processo.
Uma pessoa saudável sabe que a liberdade é uma utopia. Assim age de forma autônoma e participativa. Exercita o autocontrole e a responsabilidade social. Desse modo não precisa passar por um processo de análise o resto da vida, como recomenda a Psicanálise Tradicional, porque conquistou a autonomia e resgatou a auto-estima. Sendo assim, o processo de re-educação se dá na interação, nas vivencias com os mecanismos defesa de defesa de forma alternativa e interativa. Necessita-se do Setting analítico, mas de outros conhecimentos e ferramentas para atuar com a Psicanálise de forma mais eficaz. Num paradigma que requer ação reflexão e ação. Numa busca incessante por novos métodos e técnicas de atuação para que o profissional possa realmente induzir o paciente a cura.
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Autora:
Lisete Maria Massulini Pigatto
lisetepigattoaid[arroba]yahoo.com.br
Novembro 2008
Lisete Maria Massulini Pigatto é Doutora em Ciências da Educação. Psicanalista, atua como Educadora
Especial na EAD da UFSM, na Rede Estadual e Municipal de Santa Maria, RS, Brasil
Página do grupo: http://br.groups.yahoo.com/group/recreacao-cidadania
[1] Dom Quixote de la Mancha, de Miguel de Cervantes. Publicado, na Espanha, entre os anos de 1605 e 1615.
[2] A individuação é um processo no qual o ser humano evolui de um estado infantil de identificação para um estado de maior diferenciação, o que amplia a consciência.Nesse processo, o indivíduo identifica-se menos com as condutas e valores encorajados pelo meio no qual se encontra e mais com as orientações emanadas d e si mesmo. Disponível em: "http://pt.wikipedia.org/wiki/Individua%C3%A7%C3%A3o. Acesso 28/10/08.
[3] LIMA, Ricardo. Individuação e as dimensões do cuidado arquetípico: interface entre Jung e a tradição budista. Disponível em: http://www.symbolon.com.br/artigos/IndividuacaoDimensoescuidadoArquetipico.doc. Acesso 29 out 08.
[4] Enantiodromia: significa passar para o lado oposto, correr no sentido contrário. Refere-se á emergência do oposto inconsciente no curso da vida. Isto normalmente ocorre quando uma tendência unilateral extrema domina a vida consciente. Na mesma hora em que uma contraparte igualmente poderosa é construída. Primeiro inibe a atuação da consciência e subseqüentemente interrompe a consciência e toma o controle. Jung a emprega este termo para caracterizar o aparecimento do contraste inconsciente, numa sucessão temporal. Sempre que predominar a vida consciente, converte-se numa posição contrária inconsciente, que se manifesta como um obstáculo ao rendimento consciente, e mais tarde, como uma interrupção na direção consciente. Glossário de Termos Junguianos. Disponível em: http://www.salves.com.br/j-glossam.htm#e. Acesso 28/10/08.
[5] JUNG, C. G. Tipos Psicológicos. Zahar Editores: RJ. 1980.
[6] LAPLANCHE, J. & PONTALIS, J. B. Vocabulário de psicanálise. SP: Martins Fontes. 2001
[7] Disponível em: http://www.carlosbyington.com.br/downloads/artigos/pt/d_quixote_sf.pdf. Acesso 28 out 08.
[8]Delirium. http://www.psiqweb.med.br/site/?area=NO/LerNoticia&idNoticia=107
[9] Cf. Anderson, P. Linhagens do Estado absolutista. São Paulo: Brasiliense, 1985. p.. 81.
[10] Disponível em: C:\Documents and Settings\WindowsXP\Desktop\Mecanismos de Defesa.htm. Acesso 01/10/08.
[11] Disponível em: http://psicanalisekleiniana.vilabol.uol.com.br/identificacao.html Acesso 05 out 2008.
[12] Pulsões são impulsos energéticos. é um processo dinâmico que nasce no Inconsciente que leva o organismo em direção a um fim, uma tendência para agir, para resolver uma dada tensão orgânica. Esta orienta a pessoa para determinados afetos, mentalizações e comportamentos. Disponivel em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Puls%C3%A3o. Acesso em 26 out 08.
[13]PIGATTO, Lisete. Disponível em: https://www.monografias.com/pt/trabalhos3/metodos-de-tratamento-na-psicanalise/metodos-de-tratamento-na-psicanalise.shtml. Acesso em 29 de outubro de 2008.
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