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Nepotismo: A outra face da moeda (página 2)

Alexandre Duarte Quintans

    1. CARGOS EM COMISSÃO – UMA FACULDADE JURÍDICA DO AGENTE PÚBLICO.
    2. A Constituição Federal, em seu art. 37, incisos I e II, é bem clara quanto à investidura em cargo público. Estabelece tal preceito que a "investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para o cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração." (negrito nosso).

      A Lei Maior estabelece o concurso como regra para investidura de cargo ou emprego público (delineando as bases para a implantação do sistema de mérito); entretanto, excepciona tal provimento à livre nomeação ou exoneração. É justamente essa última parte do inciso II do art. 37 que criou tal celeuma jurídica, doutrinária e social, em relação à questão do Nepotismo. Foi um grave erro do legislador não disciplinar tal matéria.

      Sob a ótica da legalidade, o assunto jaz encerrado. Qualquer pessoa pode submeter-se ao concurso público (desde que preenchido os requisitos editalícios), da mesma forma que qualquer pessoa pode ser investido em cargo ou emprego públicos via cargo em comissão. Assim, preserva-se o princípio da legalidade e da isonomia em cada tipo de investidura.

      No entanto, a investidura via cargo em comissão é alvo de críticas das mais diversas – e com propriedade. O sistema de acessibilidade à função administrativa sem concurso público (leia-se sem critérios) dá margens aos apadrinhamentos, abusos e injustiças aos concursados (SILVA, 2006:679). Essa constatação é inerente ao nosso sistema administrativo. Sob o ponto de vista da isonomia, qualquer pessoa pode ser investida em cargo em comissão; e, de acordo com a bibliografia consultada, ser objeto dos citados apadrinhamentos e injustiças independe de ser parente ou não.

      Nesse sentido, vincular o ato de nomeação de parente à "corrupção" contraria a princípio da isonomia constitucional (art. 5º, caput), a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e da presunção de inocência prevista na Constituição (art. 5º, LVII). Pois estaria imputando um crime contra a administração pública a alguém somente pelo fato de investir-se no cargo ou emprego públicos.

      Consideramos esse entendimento contrário a presente ordem constitucional. O "favorecimento" implícito ao conceito Nepotismo não reside no ato de nomeação (haja visto o princípio da isonomia), mas no exercício irregular do cargo ou na execução com desvio de finalidade do contrato. Somente haverá "favorecimento", "privilégio" ou "benefícios" a partir do momento em que o servidor estiver no exercício do cargo ou executando o contrato. Por exemplo: receber remuneração sem trabalhar, receber diárias sem justificativas, superfaturamento em obras e serviços, exercício da atividade sem capacitação técnico-profissional, abuso de autoridade, desvio de finalidade pública etc. Para todos os casos citados, nosso ordenamento jurídico dispõe de inúmeros instrumentos de controle e combate.

      Ressaltamos, novamente, que as injustiças, os apadrinhamentos e os abusos são inerentes ao nosso sistema de acessibilidade à função administrativa. Ou seja, a parte final do inciso II do art. 37 da CF/88 permite um elevado grau de discricionariedade no provimento desses cargos. Trata-se de uma faculdade legal inerente a quem nomeia. As pessoas investidas nos cargos ou empregos públicos passam a gozar, quase que integralmente, dos mesmos direitos e prerrogativas dos servidores efetivos (exceto a estabilidade e promoção basicamente).

      Marçal Justen Filho (citado por SILVA JÚNIOR, 2006), com segurança, alerta sobre essa liberalidade e os males que acarretam, quando versa que:

      A aplicação das teses mais recentes acerca da discricionariedade conduz à reprovação de atos de investidura em cargos em comissão fundados na pura e simples preferência subjetiva do governante. Seria possível reconhecer como válida a decisão de nomear um sujeito simplesmente por compartilhar o mesmo partido político? Pode-se reputar como compatível com o sistema constitucional vigente a concepção de que um cargo em confiança possa a vir ser ocupado por um sujeito destituído de qualquer predicado objetivo? É possível nomear para o cargo em comissão um parente, se destituído de qualquer habilitação, capacitação ou virtude necessária ao desempenho da função pública? A resposta deve ser negativa.

      Por mais que se rejeite a idéia ou possibilidade de nomeação de parentes (bem como de qualquer outra pessoa) não há como negar a permissão legal do inciso II do art. 37 da CF/88. Nessa mesma linha de raciocínio, diante do princípio da legalidade e do Estado Democrático Direito, não há como vedar ou limitar sua aplicabilidade sem o dispositivo de uma Emenda Constitucional ou legislação pertinente em contrário. Desta forma, vedar ou limitar a nomeação de parentes, sem permissivo legal, e ainda assim permitir que outras pessoas sejam nomeadas livremente ensejaria em atentado ao princípio da isonomia, ocorrendo em discriminação.

      Essa realidade jurídica é discutida por Matos (2006), quando assevera:

      A única forma republicana de alterar a constituição é através da emenda constitucional. Não existe outra forma. As demais são violações expressas do texto da Constituição de 1988, a partir da quebra da harmonia dos poderes e da invasão do espaço de competência do Poder Legislativo.

      Admitir, através do Órgão Supremo de Controle, que um conselho normatize, apenas para satisfazer a platéia assistente, desrespeitando os controles de constitucionalidade, é um precedente perigoso, muito perigoso, pois de fato atenta-se contra o estado democrático constitucional de direito. O anseio da coletividade é justo e deveria ser atendido por intermédio de uma emenda constitucional.

      Em termos institucionais, o abalo é grave, pois viola a regra maior que assegura uma forma adequada de modificação no texto da Constituição de 1988, fato que talvez só possa ser percebido pelo conjunto da sociedade gerando um direito adquirido, foi violado. Nesse momento ocorrerá a percepção da gravidade do precedente.

      É geral o entendimento de que os cargos em comissão se constituem no grande entrave à implantação de um sistema de mérito no Brasil, inibindo o processo de profissionalização do serviço público. Esse quadro somente será revertido com uma verdadeira mudança de paradigma na consciência política brasileira. Outro fator negativo dos cargos em comissão reside na impossibilidade de limitar sua quantidade.

      Santos & Cardoso (2004-2005:106) fazem essa constatação quando asseveram que:

      Um dos fatores que contribui para essa situação é a proliferação de cargos comissionados, para os quais não se exige concurso, principalmente após 1988. De fato, a abundância desses cargos na Administração Federal além de viabilizar a apropriação patrimonialista dos postos de trabalho, à revelia do sistema de mérito, permite que ocorra um elevado grau de proliferação da direção da administração pública, em todos os seus níveis, contrariamente ao que ocorre nos países europeus que adotam sistemas de carreira.

      Desta forma, sem amparo legal, fica muito difícil estabelecer limites objetivos para a proibição de nomeação e contratação de qualquer pessoa, inclusive de parentes.

      O Ministério Público tem recomendado aos Poderes Executivos e Legislativos, nas três esferas administrativas, a exoneração de todos os cargos comissionados ou funções de confiança que sejam cônjuges, companheiros ou parentes consangüíneos ou afins até o terceiro grau, bem como se abstenham de nomear ou contratar esse público alvo, sob a citação dos aspectos subjetivos do princípio da moralidade e da impessoalidade.

      As recomendações do Ministério Público ganharam muita força, e de certa forma embasamento objetivo, com "a recente decisão proferida em sede de medida cautelar nos autos da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº. 12, proposta pela Associação dos Magistrados do Brasil – AMB - em prol da Resolução nº. 07/2005 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, na qual foram delineados fundamentos de mérito, confirmando a inconstitucionalidade da prática de nepotismo em face dos princípios da impessoalidade, moralidade e eficiência independentemente da intervenção do legislador ordinário" (RECOMENDAÇÃO REC-PGJ nº. 006/06).

      O fim proposto pela Resolução do CNJ, bem como do Ministério Público (abolir a prática nefasta do Nepotismo) é válida. Entretanto, os meios utilizados são impróprios diante do direito posto.

    3. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA E A RESOLUÇÃO Nº. 07/2005.
    4. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) é o Órgão Supremo de Controle do Poder Judiciário. É composto por 15 (quinze) membros, com mais de trinta e cinco e menos de sessenta anos de idade, nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal (§ 2º).

      Esse órgão foi criado pelo art. 103-B, introduzido pela Emenda Constitucional nº. 45, de 2004 (a chamada Emenda da Reforma do Judiciário).

      Compete ao Conselho Nacional de Justiça, entre outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura, o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes (§ 4º). O controle a que se refere esse dispositivo legal é o "administrativo, disciplinar e o desvio de condutas da magistratura, como é previsto na Constituição de vários países: Conselho Superior da Magistratura, na Itália (art. 105); França (art. 65); Portugal (art. 223); Espanha (art. 122);Turquia (arts. 143-144); Colômbia (arts. 254-257); Venezuela (art. 217) (SILVA, 2006:567). O CNJ não possui função jurisdicional.

      Diante dos casos de Nepotismo no Poder Judiciário e do clamor social, o CNJ publicou a Resolução nº. 07/2005, de 18 de outubro de 2005, que "Disciplina o exercício de cargos, empregos e funções por parentes, cônjuges e companheiros de magistrados e de servidores investidos em cargos de direção e assessoramento, no âmbito dos órgãos do Poder Judiciário e dá outras providências".

      A supracitada Resolução veda a prática de Nepotismo no âmbito de todos os órgãos do Poder Judiciário sob a égide do princípio da moralidade e da impessoalidade. O art. 2º da Resolução nº. 07/2005, exemplifica o que seja tal prática.

      Não há consenso sobre a constitucionalidade da sobredita Resolução. Os defensores de sua constitucionalidade se apóiam no inciso II, § 4º, do art. 103-B da Constituição que atribui ao CNJ "zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União." (grafo nosso).

      Quanto à segunda parte (...legalidade dos atos administrativos...) não há o que se tergiversar. A Constituição permite a nomeação e a contratação de parentes (ou de qualquer pessoa).

      Quanto à primeira parte (zelar pela observância do art. 37...) há uma referência circular de argumentos e de dispositivos constitucionais sem resolver a questão. Explicamos. Toda a discussão relativa ao Nepotismo repousa sobre o princípio da moralidade. Os defensores do movimento anti-Nepotismo não dispõem de fundamentação legal para restringir ou vedar essas nomeações ou contratações, haja vista o permissivo do inciso II do art. 37 da CF/88. A Resolução nº. 07/2005, ao fazer referência ao art. 37, está voltando ao início da questão; ou seja, ao princípio da moralidade. Entretanto, a edição da referida resolução (como diploma administrativo emitido por um órgão de controle) imprimiu uma "roupagem legal" à vedação.

      Acostamo-nos ao entendimento de que tal Resolução invade competências e restringe direitos constitucionais, notadamente a acessibilidade à função administrativa (cargos em comissão).

      Montalvão (2006), nesse sentido, explica essa "impropriedade" da Resolução nº. 07/2005, quando disserta que:

      A Resolução invade ainda diversas outras competências constitucionalmente previstas. A nossa Lei Mater diz ser da competência privativa dos Tribunais "dispor sobre os órgãos jurisdicionais e administrativos e organizar suas secretarias e serviços auxiliares", art. 96, I, letras a e b, sendo assegurado ao Poder Judiciário autonomia administrativa e financeira, art. 99, caput. Está previsto que "os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos na Constituição, Art. 125". A "competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça", § 1º do artigo retro. O nosso sistema de governo é federativo, sendo a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados, Municípios e Distrito Federal, art. 1º. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição, art. 18. Não havendo norma primária impeditiva do nepotismo, a RES. Do CNJ, infelizmente, é norma ineficaz. (grafo nosso)

      Citado autor (Op. Cit.) arremata que "No particular, entendo que somente uma Emenda Constitucional seria capaz de proibir a prática do nepotismo em razão das Competências Constitucionais da União, Estados, Município e Distrito Federal e dos Poderes".

      Matos (2006) alia-se nesse mesmo sentido quando disserta que:

      Contudo, é fundamental identificar o cerne da decisão do STF. De fato, não foi o nepotismo que estava na mesa de julgamento e sim a possibilidade de uma resolução do Conselho Nacional de Justiça restringir direitos e normatizar além do texto da Constituição de 1988.

      A Constituição Federal de 1988, no art. 37, inciso II, disciplinou a investidura nos cargos e empregos públicos, estabelecendo como regra geral o concurso público e por exceção a livre nomeação e exoneração nos cargos de confiança definidos em lei. O CNJ impôs um limite além do previsto no texto expresso da Constituição Federal de 1988.

      Ora, a sociedade brasileira está indignada e deseja proibir a nomeação de parentes para cargos em comissão. Qual o caminho? Edição de uma Emenda Constitucional que altere o art. 37, inciso II, passando a estabelecer limites para nomeação, além de estender esse dever a todos os poderes de todas as esferas federativas, como reza o caput do referido artigo.

      Desta forma, somente a Lei (em seu aspecto formal) pode vedar tal investidura.

      Hely Lopes Meirelles (1999:163-166) delimita o campo de atuação das resoluções quando explica que "são sempre atos inferiores ao regulamento e ao regimento, não podendo inová-los ou contrariá-los, mas unicamente complementá-los e explicá-los. Seus efeitos podem ser internos ou externos, conforme o campo de atuação da norma ou os destinatários da providência concreta".

      De forma didática, podemos fazer a seguinte co-relação: Como é que a Resolução nº. 07/2005 normatiza o inciso II do art. 37 da CF/88, se a mesma é hierarquicamente inferior ao regimento interno, que é inferior ao regulamento, que é inferior à lei ordinária, que é inferior à lei complementar, que é inferior à Constituição Federal? O correto seria o disciplinamento da matéria via reforma Constitucional ou legislação pertinente a cada esfera de Governo.

      Garcia (2003) expõe, com muita precisão, diversos diplomas legais que vedam a prática de nomeação, designação e contratação de parentes, a saber: Lei nº. 8.112/90, art. 117, VIII (Estatuto dos Servidores da União); Lei nº. 9.427/96, art. 10 (Regime Jurídico dos Servidores do Poder Judiciário da União); Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (arts. 355, § 7º e 357, parágrafo único); Regimento Interno do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (art. 326); Lei nº. 9.165/95 (Tribunal de Contas da União); Ordem dos Advogados do Brasil (Provimento nº. 84/96, art. 1º).

      Não resta dúvida que somente via legislação própria pode limitar ou vedar a nomeação ou contratação de parentes na Administração Pública.

    5. LEI ANTI-NEPOTISMO E A PROIBIÇÃO AO TRABALHO.

    Um ponto que passa despercebido aos defensores da proibição de nomeação/contratação de parentes reside que tal instrumento jurídico infra-constitucional atropela vários dispositivos da nossa Carta Magna.

    O primeiro deles reside que a República Federativa do Brasil tem como um dos seus fundamentos os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, IV).

    Ademais, é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer (art. 5º, XIII).

    O trabalho é um dos direitos universais do Homem. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, é explícita quando prescreve em seu artigo XXIII, item 1. que: "Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego". Preteri-lo de exercer atividade laborativa em pleno Estado Democrático de Direito é um paradoxo.

    A Constituição Federal de 1988 elenca como um dos direitos sociais o trabalho (art. 6º, caput.). A Ordem Econômica do Brasil é fundada na valorização do trabalho humano que tem por finalidade assegurar a todos existência digna (art. 170, caput). Por fim, a Ordem Social da nossa República tem como base o primado do trabalho (art. 193, caput).

    A lei que proíbe a assunção ao cargo público ou contratação com a Administração de parentes de agentes públicos fere, pelo menos, esses dispositivos universais e constitucionais.

    Até o condenado tem direito ao trabalho. A Lei das Execuções Penais (Lei federal nº 7.210/84) em seus artigos 28 a 37 disciplina o trabalho do apenado.

  1. ASPECTOS SUBJETIVOS DO PRINCÍPIO DA MORALIDADE COMO FUNDAMENTO AO COMBATE À NOMEAÇÃO OU CONTRATAÇÃO DE PARENTES.

    Toda discussão relativa à vedação de nomeação ou contratação de parentes repousa sobre o princípio da moralidade.

    A teoria da moralidade administrativa parte do princípio de que nem tudo que é lítico, é honesto. Nesse tom, os administrados e a própria Administração dispõem de um dispositivo Constitucional de defesa contra eventuais abusos de poder cometidos por seus agentes contra os bens juridicamente protegidos, sob o manto da "legalidade".

    No caso da nomeação ou contratação de parentes (genericamente denominado Nepotismo), o princípio fundante de sua vedação é o da moralidade. Existe um clamor social para abolir essa possibilidade de investidura, sob a justificativa de que haveria "favorecimento" na nomeação em detrimento de outras pessoas, quiçá mais capacitadas.

    Entretanto, conforme a maioria da bibliografia consultada, o que se verifica é a citação (somente) do princípio da moralidade como fundamento ao combate à nomeação ou contratação de parentes, ou, se muito, referir aos aspectos subjetivos desse princípio (honestidade, ética, caráter etc).

    Não vemos como se sustentar a vedação a um permissivo constitucional (inciso II do art. 37), sobre a citação de haver lesão ao princípio da moralidade administrativa. E, o que é mais grave, o modo como a questão é tratada comumente enseja tonalidade agressiva e imputação de crime contra a Administração Pública ao detentor do cargo público (a contratação de parentes – genericamente denominado de Nepotismo - é tratada como sinônimo de "corrupção" ou "favoritismo"). Sob essa ótica, a dignidade da pessoa humana (art. 5º, caput), a presunção de inocência (art. 5º, LVII) e o devido processo legal (art. 5º, LIII) caem por terra.

    Alega-se também que tal investidura atenta contra os princípios da honestidade, da ética, dos bons costumes, da lealdade e da boa fé impostos aos agentes públicos. Consideramos tais princípios intrínsecos ao caráter de cada um - o que torna dificílima a materialização de critérios objetivos (quantificáveis) do "favorecimento" do servidor ou contratado e da lesão ao patrimônio público ("corrupção"); o que evidencia as bases frágeis dessa linha argumentativa. Porque caráter independe do modo de investidura ao serviço público.

    Por exemplo: Uma pessoa pode ter um excelente currículo (resultado de uma vida voltada ao trabalho e ao estudo) e ser aprovado em concurso público (sistema de mérito), mas possuir um péssimo caráter, ser desonesto no comércio e um mau exemplo de pai de família. Quais critérios na seara pública para avaliar esse cidadão?

    É claro que, como ressalta Caiden (apud Klitgaard, 1994;88), a substituição do sistema de apadrinhamento pelo sistema de mérito não assegura que a seleção dos melhores preparados intelectualmente irá garantir que sejam selecionadas as mais éticas ou com valores mais consistentes com a burocracia profissionalizada. Mas, quando se busca combater a corrupção, pode ser necessário pagar o preço da renúncia a um determinado grau de capacidade técnica em prol da honestidade. (SANTOS & CARDOSO, 2004-2005:127)

    A honestidade é uma qualidade intrínseca à personalidade individual. O modo como é discutida a questão do Nepotismo subentende-se que o parente já é desonesto. Consideramos esse posicionamento presunçoso e discriminatório.

    Ainda mais, advogamos a tese de que só poderia haver "favorecimento" quando do exercício do cargo ou execução do contrato. Pois, como conceber que "A" foi beneficiado/favorecido na gestão de "B" sem que aquele pudesse usufruir da posição através da Administração Pública. Consequentemente, não é o ato de nomeação que se reputa imoral, mas a conduta danosa do agente público.

    Existe teoria que defende que o ato de nomeação, por si só, seria um "presente" ao parente, cujo favorecimento repousa no acesso ao serviço público pelo "critério familiar" e não pelas qualificações técnicas da pessoa.

    Ora, a denominação do cargo é clara: cargo em comissão ou de confiança. Faculta ao agente público escolher quem melhor lhe prestará assessoria a serviço do interesse público. "Melhor" é um termo relativo, pode ser a soma de fatores intrínsecos, como o caráter, mais a qualificação técnico-profissional. Somente o agente público que nomeia seria capaz de aferir esses critérios (direito subjetivo). Ainda mais, é consenso que entre duas ou mais pessoas equivalentes em experiência profissional, curricular e titulação seja preferível trabalhar com quem se tenha afinidade ou se conheça mais. Essa ação é um princípio básico de segurança.

    Um exemplo muito simples desse princípio básico de segurança vivencia-se em casa todos os dias. Não precisamos referenciar as teorias comportamentais ou literaturas afins. Se não vejamos: na contratação de trabalhador doméstico (CF/88, art. 7, parágrafo único) para cuidar da casa e do filho recém nascido ou em idade tenra, se você tivesse a opção de escolher entre duas pessoas: uma já conhecida, com idoneidade moral, boas referências, que trabalhou muitos anos na casa da mãe ou tia, cujo nível escolar é baixo; e outra com o nível médio concluído, com larga experiência nessa atividade, mas sem referências e idoneidade moral duvidosa, quem você escolheria?

    Quanto ao "interesse público", resta mais que consolidado, na doutrina e na jurisprudência, o entendimento de que tal interesse repousa na teoria da finalidade do Estado: ou seja, o bem comum. E qual a finalidade do servidor público se não prestar serviços à sociedade? Está claro que não é o ato de nomeação a causa do "favorecimento" ou lesão ao patrimônio público, mas sim, se o servidor não presta serviços à sociedade ou se presta, mas com desvio de finalidade.

    Suscitar o princípio da moralidade como fundamento de tal vedação, maquia uma situação, pois transmite um ar de legitimidade ao respectivo ato jurídico de nomeação, preservando o autor de pormenorizar ou elencar os elementos ou requisitos imprescindíveis à finalidade do ato. É o que Becker (citado por VASCONCELLOS, 2003), com a devida vênia, denomina de "Sistema dos Fundamentos Óbvios", descrito como os "que costumam ser aceitos como demasiado óbvios para merecerem a análise crítica".

    Quanto à Resolução nº. 07/2005 e as recomendações do Ministério Público que determinam a exoneração e abstenção de contratação de parentes, a moralidade administrativa está sendo tratada dentro desse sistema, servindo de Princípio-Álibi "legitimador" dos respectivos atos jurídicos que, a nosso ver, são lesivos à ordem constitucional vigente.

    Vasconcellos (Op. Cit.) traça o perfil do que seja a utilização do Princípio-Álibi para "legitimar" determinados posicionamentos:

    O apelo ao princípio lógico sua simpático. Dá um ar de progressivismo, de pós moderno, à tese defendida. Manejar princípios, ao invés de "simples" regras provoca maiores repercussões no discurso defendido. E, ainda, ressalte-se que recorrer a um princípio é mais fácil e cômodo do que pugnar pela aplicação de uma regra, porquanto "o uso do signo princípio oferece farta variedade conotativa, de tal sorte que alcançada todas as circunstâncias de objetos, atuando nas quatro regiões ônticas".

    (...)

    Reafirme-se que recriminamos, unicamente, a manipulação de regras (tidas como princípios), na intenção de provocar uma maior aceitação da posição defendida. Ou, ainda, quando se forja um princípio ao escopo de lhe outorgar significado (e sentido) previamente concebido, valendo-se, para tanto, desse chamado "fetiche do axiológico".

    Aceitar como válida a Resolução nº. 07/2005 do CNJ e as recomendações do Ministério Público abre um precedente perigoso no ordenamento jurídico, pois seria instituir uma antecipação de tutela em favor do patrimônio público embasada pela presunção de culpabilidade do futuro agente, sem o devido processo legal ou certidão pública que ateste a inidoneidade moral dessa pessoa.

  2. DIFERENÇAS ENTRE NEPOTISMO E NOMEAÇÃO DE PARENTES: ADOÇÃO DE CRITÉRIOS OBJETIVOS AO PRINCÍPIO DA MORALIDADE.
  3. No início desta exposição foi apresentada a tese de que há uma distinção entre Nepotismo e nomeação de parentes. Como salientamos, parece a mesma coisa em princípio, mas não é. A distinção repousa naquilo que entendemos por teoria da finalidade administrativa e dos elementos constitutivos do princípio da moralidade.

    Vimos que não tem base sólida o argumento de que tal investidura seria imoral, face ao atentado aos princípios da honestidade, da ética, dos bons costumes, da lealdade e da boa fé impostos aos agentes públicos, pela relação de parentesco, porque tais princípios são intrínsecos ao caráter de cada um. Somente pelo exercício da função é que se pode saber se a atividade administrativa foi eficaz.

    O favorecimento é a característica marcante do Nepotismo. Ele se materializa quando o servidor exerce sua função e dispõe de certos "privilégios". Por exemplo: receber sem trabalhar, não ser assíduo, assumir função sem capacidade técnico-profissional, não possuir o nível de escolaridade exigido pela função, agir com arbítrio ou abuso, superfaturar obras e serviços etc. Desta forma, fica claro que a imoralidade administrativa não reside no ato de nomeação ou contratação, mas na conduta lesiva do agente, que age com abuso de poder.

    Aliás, agir dessa forma implica em conduta danosa a Administração Pública independente de ser servidor comissionado, efetivo, parente ou não.

    Ainda mais, considerar que o parente foi favorecido com um cargo não abrange o contexto da investidura à função pública. O favorecimento não repousa no parente, mas em qualquer pessoa investida em cargo de comissão, pois sua investidura é feita sem concurso público. Portanto, qualquer pessoa é favorecida por esse modo de acesso à função pública.

    Vedar a possibilidade de nomear ou contratar parentes (sem previsão legal em sentido formal) reportaria, como foi dito, em antecipar uma tutela jurídica em defesa do patrimônio público pela presunção de culpabilidade do futuro agente. Tal atitude importa em lesão ao princípio da presunção de inocência (art. 5º, LVII) e isonomia (art. 5º, caput) garantidos na Constituição Federal, e cerceia o direito subjetivo do agente público em nomear quem melhor lhe prestará assessoria.

    Em obediência aos princípios da isonomia (art. 5º, caput), da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III); da presunção de inocência (art. 5º, LVII) e do direito social ao trabalho (art. 6º, caput), prescritos e garantidos pela Constituição Federal, firmamos entendimento de que se o servidor público possuir idoneidade moral, aptidão (técnico-profissional), disciplina, assiduidade, dedicação ao serviço, escolaridade exigida para função, é motivado e apresenta bons resultados, não há como cercear sua investidura ao serviço público sob a alegação de um possível favorecimento em razão do parentesco.

    A Resolução nº. 07/2005 e as Recomendações do Ministério Público estão cerceando o direito ao trabalho dessas pessoas sem que haja uma avaliação dos critérios objetivos de sua admissão, incorrendo o CNJ e o parquet, infelizmente, em excesso de poder.

    Entendo que princípios, competências e prerrogativas não se transigem. Entender como válida a Resolução do CNJ em razão do moralismo nela embutido não é o caminho. Se o STF vir declarar a constitucionalidade da Resolução nº 07/2005, do CNJ, com certeza, estará dando margem à ditadura dos tribunais. (MONTALVÃO, 2006)

    A Resolução do CNJ não é o instrumento jurídico competente para vedar tal admissão e as recomendações do Ministério Público estão eivadas de excesso de poder, haja vista que o parquet recomenda ao Poder Executivo e ao Legislativo, em suas esferas administrativas, exonerarem ou se absterem de nomear servidores públicos. A CF/88 é incisiva: "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei" (art. 5º, II).

    Silva (Op. Cit.:463-464) alerta para a instabilidade de se recorrer ao princípio da moralidade pura e simplesmente para vedar ou limitar condutas:

    ...No caso da defesa da moralidade pura, ou seja, sem alegação de lesividade ao patrimônio público, mas apenas de lesividade do princípio da moralidade administrativa, assim mesmo se reconhecem as dificuldades para se dispensar o requisito da ilegalidade, mas quando se fala que isso é possível é porque se sabe que a atuação administrativa imoral está associada à violação de um pressuposto de validade do ato administrativo.

    A prática do Nepotismo se encaixa como uma luva nessa passagem. Explicamos. Apesar de haver permissivo Constitucional para se nomear ou exonerar livremente (art. 37, II), o parente investido em cargo público que não trabalha, não é assíduo, não possui idoneidade moral, não tem aptidão técnico-profissional, é indisciplinado, age com truculência valendo-se da função e do "padrinho", não se dedica ao serviço, não possui escolaridade exigida para função, é desleixado e apresenta resultados inexpressivos, lesa o patrimônio público. Porque, nesses exemplos, caracteriza-se a transferência de renda, o privilégio e o desvio de finalidade.

    Garcia (2003) exemplifica como se daria os casos de Nepotismo na prática e aceita a nomeação do servidor desde que atendidas certas prerrogativas:

    Por derradeiro, o nepotismo poderá ser associado ao desvio de finalidade, o que demandará a análise do contexto probatório, diga-se de passagem, nem sempre fácil de ser construído. O provimento de determinado cargo, ainda que sujeito à subjetividade daquele que escolherá o seu ocupante, sempre se destinará à consecução de uma atividade de interesse público.

    Assim, é necessário que haja um perfeito encadeamento entre a natureza do cargo, o agente que o ocupará e a atividade a ser desenvolvida. Rompido esse elo, ter-se-á o desvio de finalidade e, normalmente, a paralela violação ao princípio da moralidade. Os exemplos, aliás, são múltiplos: um cargo que exija o uso das mãos não pode ser ocupado por quem não as possua; uma pessoa que sequer é alfabetizada não pode ocupar um cargo que exija conhecimentos técnicos-científicos; um adolescente, filho ou sobrinho de Desembargador, que sequer concluiu o ciclo básico de estudos, não deve ser nomeado Assessor deste, máxime quando estuda em outro Estado da Federação etc. Em situações como estas, restará claro que ao nomear um parente para a ocupação do cargo buscou o agente unicamente beneficiá-lo, já que suas limitadas aptidões inviabilizam o exercício das funções inerentes ao cargo para o qual fora nomeado.

    Diante desses fatos, o Ministério Público tem fundamentação jurídica suficiente para recomendar a exoneração ou abstenção de contratar ou nomear parentes sem apego à coisa pública pelo flagrante atentado ao princípio da moralidade e da lesão ao patrimônio público. Inclusive, ajuizar a competente Ação Civil Pública (CF/88, art. 129, III c/c Lei 7.347/85); o que também, nessa vertente, qualquer cidadão, cônscio de tal conduta do agente administrativo, pode "...propor ação popular que vise anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade que o Estado participe, à moralidade administrativa..." (art. 5º, LXXIII).

    O agente público não poderá se utilizar do permissivo constitucional descrito no art. 37, II, para nomear tal parente, uma vez que agem com Abuso de Poder.

    A construção da teoria do princípio da moralidade está diretamente vinculada aos freios a serem impostos aos agentes públicos na execução dos poderes discricionários, surgida e desenvolvida junto à idéia de desvio de poder.

    (...)

    Efetivamente, o desvio de poder, em suas duas espécies denominadas excesso de poder e desvio de finalidade é que fixou a dimensão da teoria da moralidade administrativa como forma de limite à atividade discricionária da administração pública que, utilizando-se de meio lícitos, busca a realização de fins de interesses privados ou mesmo de interesses públicos estranhos às previsões legais. (VASCONCELOS, 2003)

    É importante asseverar que, em agindo assim, o Ministério Público abrange todos os casos de lesividade ao patrimônio público, sendo fiel ao princípio da isonomia formal. Pois, o que adianta recomendar a exoneração ou abstenção de nomear ou contratar parente se, ao mesmo tempo, muitos outros servidores públicos têm o mesmo privilégio?

    Cercear a investidura ao cargo público de parentes e não de outras pessoas em situação análoga é um ato de discriminação.

  4. PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO COMBATE AO NEPOTISMO.
  5. O princípio da eficiência obteve a ênfase merecida na ordem constitucional brasileira com o advento da Emenda Constitucional nº. 19/98, com a finalidade de otimizar os serviços prestados à população, bem como aferir o desempenho da atividade pública através dos resultados dessa ação (pelo menos em teoria).

    Encontramos, por exemplo, outros dispositivos constitucionais, afora o caput do art. 37, que fazem menção à eficiência no serviço público: § 3º do art. 37 (princípio da participação do usuário); § 8º do art. 37 (autonomia gerencial / fixação e controle de desempenho); inciso LXXVIII do art. 5º (celeridade na tramitação de processos judiciais e administrativos); inciso II e § 4º do art. 41 (procedimento de avaliação periódica de desempenho e avaliação especial de desempenho por comissão, respectivamente); incisos I e II do art. 74 (cumprimento de metas no PPA e controle interno - comprovar a legalidade e avaliar os resultados quanto a eficácia e eficiência, respectivamente).

    Infraconstitucionalmente o caput do art. 2º da Lei nº. 9.784/99 e alguns artigos do Decreto-lei nº. 200/67 (art. 13; 25, V e VIII; art. 26, III e art. 100) vinculam a atividade administrativa à eficiência.

    Eficiência está intimamente ligada ao resultado e à qualidade do serviço público. Logo, sua noção e prática não têm natureza jurídica, mas acepção econômica. Asseverar que a simples nomeação de parente é causa de ineficiência da atividade administrativa é incorrer, no mínimo, em inadequação conceitual. A ineficiência no serviço público é resultado da falta de uma gestão que não foca sua ação no resultado, mas em outros fatores, principalmente as ações voltadas para atividade auto-referidas, de conveniências políticas e troca de favores.

    Osborne & Glaeber (1995:151) retratam bem essa situação quando asseveram que:

    Com tão pouca informação sobre os resultados, os governos burocráticos recompensam seus funcionários com base em outros critérios: o tempo de serviço, o volume de recursos e de pessoal que administram, além de sua hierarquia. Sendo assim, esses funcionários tratam de manter seus empregos de qualquer maneira, construindo, assim, seus impérios, tentando conseguir orçamentos maiores, supervisionar mais funcionários e ter mais autoridade.

    (...)

    Esse legado foi preservado por uma razão simples: o teste definitivo para o governo não é o rendimento, mas a reeleição. Empresas privadas estão sempre atentas aos resultados, pois sabem que irão à falência se os seus principais indicadores forem negativos. Mas o governo jamais sairá do mercado. O grande fracasso do governo não é deixar de render bem, mas deixar de se reeleger. Como bem expressou um legislador estadual: "A satisfação dos eleitores é o nosso indicador de performance".

    Silva (2006:671-672) referencia a acepção econômica à noção do princípio da eficiência:

    Eficiência não é um conceito jurídico, mas econômico; não qualifica normas, quantifica atividades. Numa idéia muito geral, eficiência significa fazer acontecer com racionalidade, o que implica medir os custos que a satisfação das necessidades públicas importam em relação ao grau de utilidade alcançado. Assim, o princípio da eficiência, introduzido agora no art. 37 da Constituição pela EC-19/98, orienta a atividade administrativa no sentido de conseguir os melhores resultados com os meios escassos de que se dispõe e a menor custo. Rege-se, pois, pela regra de consecução do maior benefício com o menor custo possível. Portanto, o princípio da eficiência administrativa tem como conteúdo a relação meios e resultados.

    Pinheiro (2000) resume o entendimento de que eficiência está ligada ao resultado e não ao jurídico:

    Eficiência aproxima-se da idéia de economicidade. Visa-se a atingir os objetivos, traduzidos por boa prestação de serviços, do modo mais simples, mais rápido e mais econômico, elevando a relação custo/benefício do trabalho público.

    A eficiência no serviço público deve se atrelar às normas (em sentido formal) norteadoras da Administração. Isto é, não satisfaz a idéia que o resultado vem em primeiro lugar. A lei é que tem prioridade e o administrador, fazendo uso da discricionariedade, deve adotar uma postura a alcançar o melhor resultado.

    França (2001) explica bem a vinculação lei-servidor–resultado quando disserta que:

    Somente há o respeito e a observância do princípio da eficiência administrativa quando o administrador respeita o ordenamento jurídico, mesmo diante da finalidade legal efetivamente atingida. Por mais que esteja bem intencionado o administrador, este não pode afastar os preceitos do regime jurídico-administrativo sob o argumento de que os mesmo atrapalham o próprio interesse público.

    Extrai-se, portanto, dessa passagem que o mero ato de nomeação de parentes em nada influencia o resultado da atividade administrativa. Entretanto, a conduta do agente é imprescindível para tal fim.

    A ineficiência do serviço é intrínseca ao modelo de Administração Pública em todo mundo, notadamente a brasileira.

    As Administrações Públicas tradicionais mundiais não atendem aos desafios do mundo globalizado, tecnológico e voltado à era do conhecimento. Essa deficiência não se instaurou nos últimos 50 anos. Ela é inerente aos modelos de Administração que se sucederam no tempo, mas que, há cada época, serviram como paradigma de controle e defesa do interesse público.

    O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado Brasileiro (1995) discrimina, histórica e sucintamente, a evolução das Administrações Públicas através de três modelos básicos: a Administração Pública patrimonialista; burocrática e gerencial que se sucederam, mas sem se anularem, preservando, em alguns aspectos, suas respectivas características.

    A Administração Pública patrimonialista funciona como uma extensão do poder do soberano, era adotada em boa parte do mundo nas monarquias absolutistas do século XVI ao XIX, e teve sua expressão maior nas palavras do Rei Luís XIV: "L´Etat c´est moi!". Nessa perspectiva, a coisa pública se confunde com a coisa do príncipe e suas principais características são: a "corrupção", o Nepotismo, o fisiologismo e o clientelismo.

    A Administração Pública burocrática foi implementada em contraposição àquele modelo patrimonialista, despótico e clientelista, e surgiu no momento em que o capitalismo e a democracia se tornaram dominantes. Sua implementação iniciou na segunda metade do século XIX - época do Estado Liberal ou Mínimo - e tem como principais características: o controle rígido dos processos, profissionalização, hierarquização funcional, impessoalidade, formalismo, cargos pautados em carreiras e doutrina filosófica baseada no poder racional-legal de Max Weber. Por mais de 100 anos a burocracia se revelou capaz de gerir os problemas sócio-econômicos dos Estados e atender à população. Seu ápice ocorreu após a II Guerra Mundial através de políticas de assistência social e a implantação do Estado do Bem-Estar Social (Welfare State).

    Entretanto, a rigidez e o controle excessivos dos processos e o crescimento exponencial das funções do Estado fizeram com que esse modelo de gestão volte-se para si, tornando-se um fim em si mesmo e suas conseqüências mediatas são: a ineficiência, a auto-referência, o alto custo de sua manutenção e a redução da qualidade dos serviços prestados à população.

    A Administração Pública burocrática, por muito tempo, serviu como paradigma no zelo pela coisa pública e combate à "corrupção". Entretanto, o custo financeiro e social para manter esse modelo foi aumentando e os serviços por ele prestados não atendem mais às necessidades da população e gera déficit fiscal profundo. O papel do Estado precisava ser revisto. Toscano Jr. (1998, p. 10) analisa a falência desse modelo e enfatiza seus pontos omissos quando afirma que:

    Ainda que houvesse surgido como uma forma de diminuir os efeitos da corrupção, do nepotismo e do empreguismo, características do paradigma patrimonialista, a Administração Pública Burocrática não primava pelo empreendedorismo, isto é, não trazia em seu arcabouço teórico, linhas filosóficas que delineassem a possibilidade de que o modelo, na sua aplicação, vislumbrasse a ação de medidas autonômas dos recursos humanos no intuito de atingir as metas estratégicas da Administração Pública.

    A Administração Pública gerencial surgiu na metade do Século XX como resposta à expansão das funções econômicas e sociais do Estado e ao modelo weberiano de gestão, e tem como pressupostos: a eficiência, a efetividade, a economicidade dos gastos públicos e o aumento da qualidade dos serviços prestados ao cidadão que passa a ser visto como beneficiário. O controle deixa de basear-se no processo e passa a concentrar-se nos resultados. O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (1995), idealizado no Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, caracteriza de forma objetiva esse modelo de gestão:

    O paradigma gerencial contemporâneo, fundamentado nos princípios da confiança e da descentralização da decisão, exige formas flexíveis de gestão, horizontalização de estruturas, descentralização de funções, incentivos à criatividade. Contrapõe-se à ideologia do formalismo e do rigor técnico da burocracia tradicional. À avaliação sistemática, à recompensa pelo desempenho, e à capacitação permanente, que já eram características da boa administração burocrática, acrescentam-se os princípios da orientação para o cidadão-cliente, do controle por resultados, e da competição administrada.

    Essa é a nova realidade enfrentada pelos administradores públicos de diversos países. A busca pela eficiência na prestação do serviço se tornou imperiosa.

    A Administração Pública brasileira sofreu grandes reveses ao longo dos anos. Ironicamente, os fatores que ensejaram a criação e o fortalecimento do modelo de gestão burocrático foram os mesmos que levaram ao seu esgotamento.

    Hoje, os paradigmas gerenciais são diversos. O cenário internacional caracteriza-se pela integração e globalização da economia, a tecnologia e a velocidade da informação ditam as regras do jogo. Não há mais tempo nem recursos a perder com processos em si mesmos. A nova realidade mostra que estamos num tempo de rápidas mudanças e novos conceitos.

    No cotejo das transformações, a Administração Pública procura seu lugar e adapta-se às circunstâncias. O que antes era Administração Pública burocrática e estática passa a se transformar, pouco a pouco, em Administração Pública gerencial e dinâmica.

    Nesse contexto, historicamente, a Administração Pública gerencial teve um alicerce maior no Brasil com a edição do Decreto-lei nº 200/67 que estabeleceu a descentralização e desconcentração dos serviços públicos. Esse período foi marcado por estratégias estatizantes de intervenção. Nas décadas de 1970 e 1980 foram criadas as Secretaria de Modernização (SEMOR) e o Ministério da Desburocratização, através do Programa Nacional de Desburocratização (PrND).

    Em 1988, houve um retrocesso, para fins de reformas, com a promulgação da Constituição Federal que engessou o aparelho estatal. Entretanto, em 1995, o Governo Fernando Henrique Cardoso elaborou o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE), que estabeleceu os princípios norteadores do novo perfil gerencial da Administração Pública brasileira.

    Concomitantemente e favorecedores desse processo remodelador, as décadas de 1970 e 1980 foram palco de uma profunda crise. O descontrole fiscal, a redução nas taxas de crescimento e o desemprego caracterizaram esse período. O Brasil passou por uma profunda perda de crédito internacional, da poupança pública e o inchaço da máquina estatal causou altas taxas de inflação. Como solução para esse impasse, Bernareggi (1992, p.38) assevera que:

    ...no caso brasileiro, é preciso reaparelhar os organismos governamentais que foram desmontados nos anos recentes e reorganizar uma burocracia capaz de gerir de forma descentralizada e socialmente responsável os processos de tomada de decisão e implementação de políticas públicas.

    Nesse sentido, o processo de redemocratização e as reformas implementadas no país foram imprescindíveis para a estabilização da economia e as bases da retomada do crescimento.

    Somente a partir do Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1995, que uma oportunidade para uma efetiva reforma do Estado se apresentou, em particular do seu aparelho e pessoal, cujo cerne reside na separação entre o núcleo burocrático do Estado e o setor de serviços sociais e de infra-estrutura (PEREIRA, 1998). Os princípios norteadores para essa mudança de paradigma surgiram a partir da elaboração e implementação do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE).

    De acordo com o PDRAE, as principais medidas a serem adotadas pelos atuais e futuros governos seriam o ajuste fiscal duradouro, reformas econômicas orientadas para a economia que envolvia o aspecto tecnológico e o industrial (competitividade), inovação dos instrumentos de política social e a reforma no aparelho do Estado, que possibilitaria a governança.

    Apesar desses esforços, os mecanismos tradicionais de arrecadação de tributos e a conseqüente prestação de serviços públicos são incapazes de garantir, ao mesmo tempo, a manutenção do Estado do Bem-Estar Social e os investimentos em infra-estrutura.

    Na tentativa e retomar o crescimento econômico e social do país, os governos adotaram políticas rigorosas de ajuste fiscal (Lei de Responsabilidade Fiscal), afastamento da intervenção estatal na economia e das políticas sociais, bem como a tentativa de adoção de um modelo de gestão pública preocupada na obtenção de resultados e eficiência no gasto público.

    O Estado brasileiro, sob o aspecto constitucional e econômico, é caracterizado por uma social democracia, mas, está apontando, em diversos casos, para iniciativas de caráter subsidiário. Ou seja, "...o Estado exerce as atividades essenciais, típicas do Poder Público, e também as atividades sociais e econômicas que o particular não consiga desempenhar a contento no regime de livre iniciativa e livre competição" (DI PIETRO, 1996:2).

    Portanto, a busca pela eficiência (qualidade) no setor público pode ser vista sob o aspecto macroeconômico (ou estrutura orgânica – a correta aplicação do dinheiro público) e sob a ótica do servidor (satisfação da população).

    Di Pietro (2003:83) retrata bem esse dois aspectos da eficiência no serviço público:

    O princípio da eficiência apresenta, na realidade, dois aspectos: pode se considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se espera os melhores resultados; e em relação ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a Administração Pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público.

    Quanto ao aspecto macroeconômico ou estrutural, a contratação de parentes em nada modifica as metas fiscais e as políticas públicas adotadas pelos governos federal, estadual e municipal. É o povo quem decide a melhor estratégia a seguir por meio dos seus representantes via processo democrático.

    Sob o prisma do agente, há que se considerar duas situações distintas. A primeira é relativa à exata prestação do serviço público (satisfação da população). Se o funcionário público preenche os requisitos subjetivos e objetivos para investir-se em cargo público e o faz com responsabilidade, ele atende ao fim público do bem comum e não lesiona o erário. A segunda, refere-se ao abuso de poder praticado pelo servidor no exercício da função. Nesse caso, há desvio de finalidade administrativa e lesão ao patrimônio público, ensejando em improbidade e demais crimes contra a Administração Pública, independente de ser parente ou não.

    Está claro o posicionamento de que o ato de nomeação de parentes, pura e simplesmente, não atenta contra o princípio da eficiência nem o da moralidade administrativa, exceto quando exerce sua função com abuso de poder.

    Não havendo norma proibitiva, entendo que somente será possível caracterizar o emprego de parentes como ato de improbidade administrativa se o parente empregado receber sem trabalhar. Se o parente do Gestor Público trabalhar, tem freqüência e produz, não creio ter aplicabilidade os princípios da moralidade e impessoalidade, em razão do princípio da legalidade, todos do art. 37, "caput", da Constituição Federal. (MONTALVÃO, 2006).

    Em suma, são inúmeros fatores causadores da ineficiência do Estado. A falta de contraprestação por parte do servidor público (parente ou não) é o fim de um processo degenerativo, cujo nascedouro reside na própria estrutura da Administração Pública. Por exemplo: o uso indiscriminado dos cartões corporativos do Governo Lula. São efetuados saques (sem rastreamento) de milhões de reais como complemento da remuneração desses servidores públicos ou realização de gasto público sem licitação. Está correta esta conduta por um partido que se diz ético e sempre encabeçou uma luta pela moralidade?

    Santos & Cardoso (2004-2005:105-106) registra esse processo:

    Ora, no modelo de que estamos tratando, a ingerência política nas nomeações faz com que os mesmos que controlam as condições de emprego se interessem em "negociá-las", resultando no que Hélio Jaguaribe chamou de "Estado cartorial", e que, nos termos de Bendix, pode ser considerado "neo patrimonial". Nesse modelo, aqueles que controlam as nomeações e promoções (pistolões) distribuem os cargos como um ato arbitrário de favor "obrigando" os que o recebem a uma retribuição, formando, assim, uma clientela.

    (...)

    Tanto quanto a ausência de limitações precisas entre os cargos de natureza pública e os de natureza técnica, a ausência de uma prática de recursos humanos tem sido apontada como fator impeditivo de construção de um perfil profissional para os cargos comissionados, criando espaço para a distribuição aleatória, arbitrária e clientelista.

    As associações e os sindicatos representativos dos servidores públicos efetivos deveriam fiscalizar a conduta de todos os funcionários públicos que se submetam ou são privilegiados nesse processo (não apenas os parentes que representam a enésima parte do total de comissionados na Administração Pública).

    O Ministério Público, como defensor da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 129, caput), deve recomendar a regularização de todas as situações sobreditas e ajuizar Ações Civis Públicas e de Improbidade Administrativa nos casos de comprovada lesão ao patrimônio público.

    O que se constata na imprensa é que todos os males e vícios seculares da Administração Pública serão resolvidos com a "ação moralizadora" da vedação da contratação de parentes (genericamente denominada de Nepotismo). É um ledo engano. Aliás, essa ação provavelmente criará outros inúmeros problemas, tais como: desemprego de pais e mães de famílias que trabalham com responsabilidade e eficiência, e não vão honrar os compromissos assumidos em razão do emprego (quitação de imóvel, veículo, mensalidade escolar, crediário, feira semanal etc); a substituição desse público alvo por outras pessoas (pelo critério da confiança e não o técnico), logo não haverá economia para o erário público (os privilégios continuarão sob o arbítrio dos agentes públicos); intensificará a figura do "laranja" para ajustar o status quo antes da exoneração e o concurso público continuará sendo a "exceção" como modo de ingresso ao serviço público.

  6. NEPOTISMO E SUBDESENVOLVIMENTO – A IMPRESSÃO DOS PAÍSES DESENVOLVIDOS.

    Os organismos internacionais de crédito, os autores de países desenvolvidos e a própria consciência nacional (complexo de inferioridade) associam as práticas de "corrupção", Nepotismo, fisiologismo e clientelismo como hábito dos gestores públicos dos países subdesenvolvidos. Essa conduta teria "origem" no grau de imaturidade político-administrativa desses Estados/Nações/Países que não evoluíram para uma gestão eficiente dos recursos públicos, bem como a concepção da dicotomia: público-privado.

    Amaral & Moreira (2006) traçam uma radiografia dessa impressão sob a ótica do sociólogo alemão Norbert Elias:

    O nepotismo ancora-se na consciência de uma pré-concepção do que seja a finalidade do Estado, que, na modernidade, passa impreterivelmente por uma necessária separação entre o público e o privado. O sociólogo alemão Norbert Elias foi quem bem captou essa (ausência de) distinção, comentando inclusive a nossa precariedade cultura no que se refere à prática de nomeação de parentes para cargos públicos, ou afirmar que: "A formação tradicional da consciência moral, a ética tradicional de apego à antiga unidade de sobrevivência, representada pela família ou clã – em suma, o grupo mais abastado não deixará negar nem mesmo aos parentes distantes uma certa medida de ajuda, caso eles a solicitem. Assim, fica difícil para altas autoridades de uma nação recém-independente recusar apoio a seus parentes quando eles tentam conseguir um dos cobiçados cargos estatais, mesmo subalternos. Considerada em formas da ética e da consciência das nações mais desenvolvidas, essa nomeação de parentes no preenchimento de cargos estatais é uma forma de corrupção. Em termos de consciência moral pré-nacional, ela constitui um dever e, uma vez que todos a praticam na luta tribal tradicional pelo poder e pelo status, uma necessidade. (negrito nosso)

    É realidade insofismável que países mais pobres adotem práticas que visem beneficiar determinados grupos pela manutenção do poder. Entretanto, quanto à questão do Nepotismo, não é hábito só dos países subdesenvolvidos. Os desenvolvidos também.

    Isto é, a mesma formação tradicional representada pela família ou clã permanece muito viva na ocupação dos espaços públicos de alguns países muito desenvolvidos.

    Como explicar, então, a forma de governo ainda monárquica (forma mais viva de Nepotismo) dos Estados/Nações/Países mais desenvolvidos do mundo. Na Monarquia boa parte dos espaços públicos faz parte do patrimônio da família real, que é perpassada de geração para geração, através dos princípios básicos de hereditariedade e vitaliciedade.

    Dados das Nações Unidas (Lista de países por índice de Desenvolvimento Humano, 2003) revelam que dos 20 Estados/Nações/Países com maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) no mundo, 11 adotam a forma de governo monárquico. Portanto, não há ligação direta entre subdesenvolvimento e contratação de parentes, pois se houvesse, os problemas da exclusão, do déficit público, da péssima qualidade dos serviços públicos e da "corrupção" estariam resolvidos com a simples vedação, sob o âmbito Constitucional, de nomear ou contratar parentes de agentes públicos.

  7. CONCLUSÃO

O Estado brasileiro não atende às demandas sociais. Essa incapacidade é fruto de décadas de políticas refratárias, elitistas, endividamentos externo e interno, apropriação indevida do patrimônio público, exclusão social e do modelo de gestão excessivamente auto-referido. Portanto, a crise em que se vive no Brasil não é um ato isolado, reputa-se ao nosso próprio sistema político-administrativo. Dentro desse contexto, insere-se a questão da nomeação ou contratação de parentes, a qual é vinculada, genericamente, à prática do Nepotismo.

A Constituição Federal faculta a livre nomeação como forma de acesso ao serviço público, portanto, qualquer pessoa pode ser investida em cargo público. O problema da prática do Nepotismo e da "corrupção" não está no ato de nomeação, mas no modo como essa pessoa irá prestar satisfatoriamente os serviços à população. O exercício do cargo ou a execução do contrato realizada com deslinde, abuso de autoridade e superfaturamento lesam o patrimônio público, atentando, concomitantemente, contra os princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade e eficiência, independente de quem esteja no cargo (parente ou não).

Foi constatado que o instrumento legítimo para vedar o acesso à função pública reside na lei (em sentido formal) e não nas resoluções ou recomendações do MP. É explícito o entendimento de que o Ministério Público ajuizará Ação Civil Pública, entre outras ações, quando da lesão ao patrimônio público e somente haverá lesão ao respectivo patrimônio se o servidor locupletar a si ou outrem, isto é, agir com abuso de poder. Esses atos de "corrupção" poderiam ser facilmente detectados com a ajuda dos sindicatos e associações dos servidores, a imprensa e a própria sociedade por acompanharem de perto a atuação dos agentes administrativos.

Aceitar como válida a recomendação do MP criaria um novo instituto processual referente à antecipação de tutela em favor do patrimônio público embasada pela presunção de culpabilidade do futuro agente, sem o devido processo legal ou certidão pública que ateste a inidoneidade moral dessa pessoa, o que contraria o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e da presunção de inocência prevista na Constituição Federal (art. 5º, LVII).

Ademais foi visto que tal preceito fere vários dispositivos constitucionais referentes aos Direitos Individuais (art. 5º, XIII), Sociais (art. 6º, caput), a Ordem Econômica (art. 170, caput e inc. VIII) e Social (art. 193, caput) da República Federativa do Brasil.

Não é válido o argumento de que o parente seria "favorecido" com a nomeação em detrimento de outras pessoas, quiçá mais capacitadas, pois o favorecimento é inerente ao próprio modo de acesso à função pública; ou seja, qualquer pessoa pode ser nomeada sem concurso público, sem escolaridade compatível com a função, sem comprovante de idoneidade moral e falta de experiência, indiscriminadamente.

Também foi visto que a confiabilidade nas pessoas se sobrepõe aos critérios técnico-profissionais nas relações inter-pessoais, notadamente quando da nomeação; uma vez que o detentor do cargo poderá passar por processo de capacitação no desempenho da atividade administrativa, o mesmo não ocorre quanto à confiança. Não existe escola ou curso de caráter.

Por fim, acreditamos que os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, o MP e demais instituições públicas e privadas perdem uma ótima oportunidade para discutir a questão da nomeação ou contratação de parentes, bem como do acesso à função pública sem concurso público. Ao invés disso, ditam resoluções e emitem recomendações sem critérios objetivos na materialização do dano ao patrimônio público (apenas citam o princípio da moralidade), contrariando a ordem constitucional vigente, cerceando direitos e, principalmente, sem resolver os gigantescos problemas do nosso sistema administrativo.

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Alexandre Duarte Quintans

adquintans@hotmail.com

JOÃO PESSOA-PB

2008



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