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Metafísica e religião na experiência pós-moderna: uma reflexão sobre o pensiero debole de Gianni Vat (página 3)

Oliveira, Francisco Elvis Rodrigues
Partes: 1, 2, 3

CAPÍTULO III: A imagem da religiosidade pós-moderna

Após discutirmos, nos capítulos anteriores, as questões relativas ao fenômeno do retorno religioso, bem como da transfiguração da Religião, ou seja, da mudança sofrida pela Religião como meio de sua sobrevivência no mundo pós-moderno, vamos tratar, neste capítulo, do modo como esta Religião se apresenta em nossa situação epocal. Refletiremos, portanto, sobre essa nova "proposta" religiosa que se nos apresenta hoje e, também, sobre algumas implicações de ordem pragmática, esboçadas por Vattimo em seus escritos. Discorreremos ainda sobre a possibilidade de se construir uma imagem da religiosidade pós-moderna e de como Vattimo elabora tal imagem com base no pensamento de Gioacchino da Fiore.

  1. O Deus ornamento
  2. A este momento do presente trabalho, Gianni Vattimo remete-nos às conseqüências últimas de seu pensiero debole e nos apresenta toda uma pragmática desta teoria. Isto significa dizer que, ao abordar a questão da imagem da religiosidade pós-moderna, Vattimo está conduzindo a sua reflexão para uma categoria de ordem prática, com todas as implicações que o pensamento fraco e o anúncio do fim da Metafísica têm na história pós-moderna.

    Ora, valendo-se da teoria ora explanada, como se alcança o "mundo real", histórico, objetivo? É o que Gianni Vattimo começa esboçando em uma sua proposta de um novo modelo de Cristianismo. E não somente isso. Este novo modelo de Cristianismo implica apresentar um novo modo de relação com o ser e com a história. Isto porque, neste momento da exposição, se percebe uma unidade e uma inseparabilidade entre o niilismo e o Cristianismo, entre o fim da Metafísica e a Religião, assim como entre a secularização e o destino do ser, e assim por diante.

    Ao principiar este capítulo com o título "Imagem da religiosidade pós-moderna", estamos nos reportando, antes de qualquer coisa, ao caráter estético que Vattimo compreende estar presente no cerne do Cristianismo. Como vimos acima, a Pós-modernidade traz consigo a possibilidade de interpretação da letra, da Escritura. Faz soçobrar os aspectos violentos da Metafísica e percebe "um fim da concepção da história como progresso linear", portanto, carente de interpretação.

    Este período em que nos encontramos, Vattimo o identifica como a Idade da interpretação, ou nas palavras de Gioacchino da Fiore, de "Idade do Espírito". A interpretação literal da Escritura (violência metafísica) é suplantada pela interpretação espiritual (caridade). Vattimo identifica, pois, esta situação epocal como sendo a realização da terceira idade preconizada pelo abade calabrês. Por isso, como dissemos no início, é este o momento de ordem pragmática – portanto, a teoria vattimiana posta em prática – ao menos em linhas gerais, como proposta para um novo modelo de práxis (em especial no que concerne à moral cristã): "Nossa única possibilidade de sobrevivência humana está depositada no preceito cristão de caridade".

    Quando Vattimo remete a uma imagem da religiosidade e também à interpretação da Escritura, bem como da concepção de um fim da história linearmente compreendida, pode-se dizer que ele está se reportando ao mesmo fenômeno: o caráter estético que a Idade do Espírito se nos apresenta. Daí a possibilidade de se começar a falar em Deus ornamento, como sugere o tópico deste capítulo. Dada à influência de Nietzsche (mas não somente, como já vimos), Vattimo se utiliza nas suas obras do étimo ornamento para um dos capítulos de seu escrito intitulado Depois da cristandade, homônimo do tópico deste texto. Nas palavras de Nietzsche: "O que alguém é começa a se revelar quando o seu talento declina – quando ele cessa de mostrar o quanto pode. O talento é também um ornamento; um ornamento é também um esconderijo".

    Se ornamento é, portanto, para Nietzsche, um esconderijo, o Deus ornamento do qual nos fala Vattimo, seria talvez – seguindo esta concepção – um Deus esconderijo? Se esconderijo for, quem seriam os seus "refugiados"? De que ou de quem estariam se escondendo? Guardemos por ora estas indagações que serão retomadas posteriormente, e passemos às considerações que Vattimo faz acerca do "nexo entre espiritualização e enfraquecimento". Busquemos também compreender o significado do enfraquecimento do ser como um fenômeno de "espiritualização" do sentido da Escritura.

    O caráter prático deste momento do texto está ainda naquilo que Vattimo compreende, no âmbito de tal problemática, por secularização. Reportamo-nos à "aplicação interpretativa da mensagem bíblica" do que seja a secularização. Em tal contexto, a secularização significa, para Gianni Vattimo, "interpretação ‘espiritual’" da Escritura. Daí Vattimo propor, de certa forma, uma nova relação com a leitura da Sagrada Escritura e da história. Por exemplo, quando ele sustenta que a negação por parte da Igreja Católica do sacerdócio às mulheres, decorre da argumentação de que Jesus deixara apenas homens para o governo da Igreja: algo que soa, para o autor, absurdo. Para Vattimo, isto é expressão de uma "interpretação literal e, por isto mesmo, autoritária do texto bíblico".

    O primeiro sentido, portanto, no qual, segundo a minha hipótese, devemos entender a nossa época como uma idade da interpretação espiritual da mensagem bíblica, é que nela a presença ativa da herança cristã só pode ser reconhecida se for abandonada à interpretação literal e autoritária da Bíblia.

    Vattimo sugere uma "libertação" deste "rigorismo histórico" a fim de que se avance para uma interpretação espiritual ou secularizante da Bíblia. Tal movimento traria, de imediato, a conseqüência de desmarginalizar tantos e tantos fenômenos religiosos que habitam nossa situação histórica, ou seja, abrir-nos-ia ao diálogo com o outro, com o diferente. Seria este, por exemplo, o começo para um bom diálogo ecumênico e inter-religioso.

    Se a terceira época anunciada é de uma idade interpretativa, resta-nos, entretanto, perguntar sobre a existência e limite de tal interpretação, a fim de se evitar "interpretações aberrantes da mensagem cristã". Conforme Vattimo responde: "o único limite para a espiritualização da mensagem bíblica é a caridade".

    A única verdade que as Escrituras nos revelam, aquela que não pode, no curso do tempo, sofrer nenhuma modificação – visto que não é um enunciado experimental, lógico, metafísico, mas sim um apelo prático – é a verdade do amor, da caritas.

    Para não sairmos da compreensão do aspecto pragmático deste capítulo, vale dizer que tal limite (a caridade) implica de imediato, entre outros conceitos, na moral católica vigente e naquilo que diz respeito à ética sexual cristã:

    Este não é, de forma alguma, um critério genérico e vago. Pensemos, ainda uma vez, na grande pregação moral da Igreja Católica atual: por exemplo, uma ética sexual que esteja atenta ao amor e não somente presa às estruturas tradicionais da família, não dominada pelo princípio da reprodução, é algo que, certamente, não fere o mandamento da caridade e, no entanto, o ensinamento eclesiástico continua a se opor a ela por meio de uma disciplina fundada na letra de certos textos bíblicos [...] e de uma metafísica da ‘natureza’ que não tem mais lugar na Filosofia, pois equivale mais ou menos à doutrina aristotélica dos ‘lugares naturais’.

    É importante destacar que, ao se tratar deste novo modo "espiritual" de ler a Bíblia, não se está aqui intentando construir meramente um discurso religioso, ou teológico, fugindo assim do discurso filosófico. Pensamos que Vattimo se utiliza de sua compreensão da terceira idade (de Gioacchino), como uma metáfora para interpretar o momento histórico e social em que nos encontramos.

    A espiritualização sobre a qual estamos falando, utilizando livremente um termo da teologia de Gioacchino, não é somente aquela que se refere ao modo de ler os textos bíblicos e sim, aquela que se verifica em todos os aspectos da vida como efeito pós-moderno da modernização. Do mesmo modo como a espiritualização do sentido dos textos bíblicos se impõe às igrejas, em virtude da questão do encontro com as outras religiões, assim também parece que se possa dizer, de forma geral, que o efeito do pluralismo cultural, sociopolítico, etc., que caracteriza o mundo pós-moderno, é uma espécie de ‘espiritualização’ do próprio sentido da realidade.

    Nesse sentido, "a espiritualização assume o significado daquele enfraquecimento das estruturas fortes do ser que parece resultante do triunfo da técnica em nosso mundo". Vattimo constrói uma breve análise sobre o desenvolvimento e evolução tecnológica e diz que, em princípio, a técnica era técnica do motor, ou seja, mecânica. Atualmente, esta técnica tornou-se, antes de mais, tecnologia da informação, "que enfraquece a realidade ao mostrá-la, cada vez mais explicitamente, como um jogo de interpretações".

    Desse modo, podemos, finalmente, retomar o título desta seção: O Deus ornamento. Fora preciso, a exemplo de Vattimo, fazer todo este preâmbulo para nos conduzirmos à compreensão deste título. Trata-se do nexo entre Filosofia e herança judaico-cristãs, pois "a história sacra e a história profana não se distinguem mais". Tal conceito aqui exposto sobre a interpretação espiritual, Vattimo vai assumir, em outro momento, como sinônimo de ornamental:

    A história da nossa civilização, parece poder se configurar como uma história da salvação como acontecimento que prepara a transferência do real para o plano das qualidades secundárias, do espiritual, do ornamental: talvez, até mesmo, do virtual.

    É este o caráter estético da terceira idade – a idade do Espírito. O Deus ornamento, de que nos fala Vattimo, é, pode-se dizer, um Deus possível de ser interpretado, espiritual, não-violento, esconderijo, estético. Estético porque a interpretação da letra da Escritura "nos oferece a chance de realizarmos o reino do espírito entendido como suavização e ‘poetização’ do real". Destacamos que, para Vattimo, "‘estético’ aqui é o termo que indica um estado da realidade no qual não mais se distingue nitidamente da fantasia: o que também chamamos de ‘poético’". Tal conceito nos prepara para a abordagem em que o autor trata da história da salvação, compreendendo-a também esteticamente, ou seja, como "fruição perfeita dos significados e das formas espirituais que a história da humanidade produziu e que constituem o ‘reino’ da imortalidade".

  3. A história da salvação como história da interpretação
  4. Após a discussão acerca do caráter estético da interpretação da letra bíblica, neste ponto discorreremos sobre como se dá tal interpretação, a sua importância e a relação desta interpretação (Filosofia hermenêutica) com a história da salvação. Como o presente trabalho objetiva discutir a (plausibilidade da) Religião na Pós-modernidade, parece-nos necessário que se ponha também a questão da salvação, uma vez que tal aspecto seria o fim último da experiência religiosa, ou seja, como o agente religioso, praticante de sua crença, tenciona, ao realizá-la, salvar-se.

    Remetemo-nos não somente – embora principalmente – à Religião cristã, mas também às demais religiões, que apresentam, em seu discurso, um traço teleológico e soteriológico. Seja a iluminação (Nirvana) para o budismo; ou – para se falar nas "religiões do livro" – a prática irrestrita da Torá, para os judeus; os preceitos do Corão, para os muçulmanos; ou ainda, o cumprimento do Evangelho, para os cristãos. As grandes religiões, em sua totalidade, preconizam um mundo ulterior, que deve ser buscado, e se alcança mediante certos critérios e práticas que lhes são próprios.

    Falar em história da salvação como história da interpretação, nos remete, também, ao problema da escatologia, ou seja, da discussão sobre as questões últimas. Pergunta-se, se a Filosofia poderia caminhar por tal terreno, correndo o risco de invadir uma seara que não lhe pertence, isto é, tornar o seu discurso religioso demais e desviar-se daquilo que lhe é próprio. Para tanto, retornemos às palavras de Vattimo:

    O filósofo, como qualquer homem religioso, pode apenas esperar que a vida não acabe com a morte do corpo, e tal esperança não é desprovida de razão na medida em que não existem mais limites "metafisicamente" certos para a natureza.

    Desta forma, "permitidos" que estamos por tomar esta linha de discurso, vamos refletir sobre a importância que Vattimo atribui ao aspecto da salvação e como ele constrói, valendo-se de tais questões, um discurso originariamente filosófico. Ele compreende nisto que denomina "história da interpretação" – ainda retomando o pensamento de Gioacchino da Fiore – a terceira época, a idade do Espírito, do qual o monge nos falava. Nesse sentido, a história da interpretação se configura como idade do Espírito, ou por que não dizer, "Idade da interpretação".

    A história da salvação, como história da interpretação, significa retomar o discurso acerca do ser, da kenosis, da dissolução da Metafísica, bem como da verdade e da caridade. Isto significa dizer que, a esta altura do texto, Vattimo nos conduz à uma compreensão mais detalhada daquilo que ele compreende como a idade do Espírito, preconizada por Gioacchino da Fiore.

    A idade do Espírito que se realiza neste momento histórico de nossa sociedade pós-moderna, assim é interpretada com base em uma perspectiva que encontra a sua razão na interpretação da letra bíblica. Vattimo concluiu este momento pós-moderno identificado como idade do Espírito, valendo-se da sua leitura e interpretação das Escrituras. Para não tornar por demais religioso este discurso, Vattimo justifica tal caminho tomado sustentando uma ligação agora inseparável entre Pós-modernidade e teologia cristã.

    Nesse sentido, "a história da salvação faz ser a história da interpretação; juntas, porém: a história da salvação acontece ou se dá somente como história da interpretação". Desse modo, parece-nos que o autor interpreta o mundo vivido sob uma perspectiva, de certa forma, preconizada pela letra bíblica. Disto decorre a harmonia entre o pensamento cristão e o mundo ocidental em que encontramos atualmente.

    Segundo a tradição cristã, a história da salvação poderia ser compreendida originalmente como "uma prova à qual o homem deve se submeter para obter a vida eterna", uma vez que este distanciou-se dos planos de Deus e daquilo que Ele deixara "escrito" mediante de seus profetas. Ela ainda poderia ser identificada como sendo "uma condição de exílio da qual é preciso fugir o quanto antes", ou seja, para se alcançar a salvação, a vida eterna, se faz imprescindível um caminho de renúncia (kenosis) de prazeres e bens terrenos e um seguimento-obediência rigorosos no cumprimento da letra bíblica.

    A reviravolta que Vattimo empreende, ao compreender com base em um olhar de Gioacchino de Fiore, um novo modelo de história da salvação, está justamente no oposto daquilo que se entendia por salvação. Isto significa dizer que "a história da salvação passa por nós por meio dos acontecimentos da Modernidade". Por conseguinte, a salvação se dá aqui na história secular e não em outro plano ulterior. Desse modo, este "nexo entre hermenêutica e Cristianismo" significa dizer que esta idade da interpretação, seria tão-somente a "maturação da mensagem cristã". Interpretação, portanto, seria uma redução dos fatos à mensagem.

    Neste ponto, Vattimo sustenta uma [talvez] impensável ligação entre Nietzsche e o Cristianismo: retornemos à frase "não existem fatos, apenas interpretações". Se interpretação para o niilismo pós-moderno significa a redução dos fatos à mensagem, teríamos pois, em Nietzsche, a explicação daquilo que chamamos história da salvação: interpretação da mensagem cristã acerca da encarnação do filho de Deus, a sua morte e ressurreição e de como alcançar esta herança. Nesse sentido, a salvação se põe à disposição da comunidade para que sejam "intérpretes e não (...) registradores objetivos de fatos", pondo, assim, a salvação em nossas mãos e não como expectadores de um ser transcendente, que estaria acima de nossa inteligência.

    Percebe-se, no decorrer das assertivas de Vattimo, particularmente acerca dos aspectos para os quais o pensamento fraco se conduz ou se inclina, que em todo o discurso sobre a Pós-modernidade e enfraquecimento do ser, existe algo de necessário, ou vocacional, portanto, algo para o qual o ser se destina. Desse modo, torna-se mais clara a compreensão do ser como vocacionado ao esvaziamento, tanto quanto da história da salvação, tornar-se história da interpretação e esta, por sua vez, assumir-se reduzida à mensagem.

    De igual forma, falar em história da salvação como história da interpretação, segue esta linha de argumentação, pois o modelo de Jesus, sendo ele o Logos divino, é ele a própria interpretação das Escrituras. Não somente. É, também, o cumprimento destas. Por ele se dá o anúncio da salvação (paixão, morte e ressurreição...). Dessa forma, história da salvação acontece como história da interpretação, porque o próprio Cristo fora a interpretação da vontade de Deus e se fez a própria salvação. Este momento descrito por Vattimo, apenas continua tal ação "salvífica" na Pós-modernidade.

    A esta altura podemos finalmente falar sobre a verdade: momento conclusivo da reflexão vattimiana sobre a história da salvação. É o que Vattimo denomina "interpretação produtiva". Trata-se da interpretação que não é somente uma tentativa de apreender o sentido originário do texto, mas que lhe acrescenta algo de essencial. Desse modo, a verdade está ligada a um horizonte de um anúncio, por uma palavra transmitida. A verdade é, portanto, a aceitação da interpretação. A aceitação da comunidade passa a ser o critério para a validade da interpretação. Por fim, "o ser não se dá de forma definitiva na presença, mas acontece como anúncio e cresce nas interpretações que o escutam e que a ele correspondem".

  5. A relação entre Ocidente e Cristandade
  6. Vattimo, ao discutir sobre este tema, a saber, o da relação entre o Ocidente e a Cristandade, deixa evidente a influência – ao menos naquilo que concerne ao título, mas, como veremos, também em sua construção do argumento acima indicado – dos textos de Novalis, em particular da sua obra A cristandade ou a Europa. Pode-se dizer, com isso, que foi justamente com base nas páginas de Novalis que Vattimo construiu o seu discurso sobre a "equivalência, senão identidade sinonímica (...) entre Ocidente e Cristianismo".

    Podemos, contudo, perguntar, se existe de fato, alguma relação possível entre estes dois "mundos", inicialmente percebidos de modo tão divergente, posto que a idéia de que se tem do Ocidente seja "sinônimo de consumismo, hedonismo, pluralismo babélico das culturas, perda do centro e esquecimento de todo tipo de evocação à lei da ‘natureza’", enquanto o Cristianismo pode ser pensado como renúncia (kenosis) de bens e prazeres para obtenção de um "prêmio" ulterior (salvação), uma unidade ou identificação de uma mesma cultura (a da Sagrada Escritura), ou ainda, no aspecto da práxis, a vivência de normas entendidas como "naturais".

    Vattimo ainda se detém, de início, na tentativa de elucidar a relação entre um e outro, explicando o étimo ou – aquilo que ele utiliza para significar a sinonímia entre Ocidente ou Cristandade. Nesse sentido, falar sobre um, é ao mesmo tempo, falar sobre o outro. Esta não é uma questão meramente semântica, pois tal definição, antes de qualquer coisa, se faz necessária para a compreensão daquilo que Vattimo pretende desenvolver. Valendo-se de tal relação:

    Trata-se, antes de mais nada, de compreender radicalmente que a equivalência significa duas coisas: a) o Ocidente [...] sente a exigência de afirmar uma sua identidade cultural, não encontra outro elemento [...] a não ser uma comum origem cristã [...]; b) a nova vitalidade do cristianismo, [...] pode ser tão-somente uma redescoberta do cristianismo como Ocidente e nada mais.

    A discussão acima, aparentemente mera semântica, assemelha-se ao debate anterior, onde discorremos acerca da história da salvação como história da interpretação. Esta preposição como, utilizada por Vattimo, também é um aspecto central na compreensão do dito tema, pois, como vimos, tal verbete designa uma decorrência, proveniência. Daí Vattimo não utilizar outros termos, tais como "ou seja", "ou", e até, quem sabe, utilizar um "travessão" ou "dois pontos". Estas pontuações não confeririam o mesmo sentido e efeito se não as pontuações que Vattimo aplicara.

    "Pertinência e proveniência": termos mais adequados para se relacionar nosso objeto agora estudado, ou seja, o Ocidente e a Cristandade. Vattimo intuiu um movimento da Europa por encontrar a sua identidade cultural. Isto acontece, segundo ele, num momento político intenso, como a queda do comunismo, as mudanças políticas e econômicas ocorridas na construção da Europa unida, ou ainda, com a "queda dos interditos filosóficos contra a Religião [...] e a dissolução dos grandes sistemas que acompanharam o desenvolvimento da ciência, da técnica e da organização social modernas [...]".

    Nesse sentido, ao realizar este movimento de busca de sua identidade cultural, a Europa depara-se justamente com sua "origem cristã sob a forma de uma herança". Daí Vattimo afirmar que o Ocidente é Cristianismo secularizado. O Ocidente, ou a Europa, constituídos originalmente como sociedade leiga, não-religiosa, ou até mesmo ateísta, depara-se, por mais paradoxal que possa parecer, com uma inegável raiz cristã em sua formação. Retirar o Cristianismo da Europa é, portanto, tirar-lhe ela própria.

    Assim como a literatura ocidental não seria pensável sem os poemas homéricos, sem Shakespeare, sem Dante, assim também a nossa cultura [européia] em seu conjunto mais amplo não teria sentido se quiséssemos amputar-lhe o cristianismo.

    Em tal movimento de identificação cultural, Vattimo afirma que o Ocidente tem de se confrontar com fenômenos como a racionalização capitalista weberiana, o mundo da informação e interpretação sem centro, e uma tendência a enfraquecer o sentido de termos como "ser" e "realidade". Temas, portanto, ora discutidos neste trabalho. Nesse sentido, Vattimo compreende que tais fenômenos acontecem como confirmação da vocação íntima da Europa (ou do Ocidente, ou, o que é o mesmo, da Modernidade), ou seja, o enfraquecimento da dureza do real, do sentido da realidade.

    Semelhante asseveração indica o que está no cerne mesmo da etimologia da palavra Ocidente: "a terra do ocaso, do declinar do ser" ou, como denomina Heidegger, "a terra do crepúsculo". Vattimo sustenta que hoje o Ocidente só pode ser definido como Cristianismo secularizado. Não se pode negar, com efeito, as raízes cristãs do Ocidenteou, nas palavras de Vattimo (parafraseando Benedetto Croce), "não podemos não nos dizer cristãos". A própria idéia de unidade da Europa (vide os esforços pela construção da União Européia, uma única moeda e políticas comuns...) tem, em seu íntimo, o mesmo ideal bíblico-cristão de unidade, de "membros de uma mesma comunidade".

  7. O silêncio da Filosofia sobre Deus

Em razão daquilo que fora exposto acima, tencionamos concluir estas reflexões retomando o tema inicial do retorno da Religião, mas sob a perspectiva da Filosofia. Ora, objetivamos discutir sobre por que a Filosofia não mais teve em seu centro de debates o fenômeno religioso e a questão de Deus. A Filosofia – ou ainda a racionalidade científica – compreendia a Religião como um erro a ser desmentido, suplantado, superado. Esta característica do pensamento moderno, a saber, "a noção de progresso e a de superação", já não se sustenta, uma vez que tal noção de superação (Überwindung) indicaria uma substituição de uma verdade por outra "mais verdadeira" e, como nos indica o pensamento pós-moderno, a Überwindung cede espaço para a Verwindung, ou seja, para aceitação-distorção. Desse modo, a novidade da Pós-modernidade está na noção de "dissolução da categoria do novo, como experiência de ‘fim da história’".

Isto significa dizer que a Filosofia, entre outras razões, não possui mais justificativas para o seu ateísmo, dado que a certeza da verdade que ela acreditava alcançar fora também refutada. Dessa forma, "perderam o valor todas as razões fortes para um ateísmo filosófico". Por isso, Vattimo põe em discussão este silêncio da Filosofia sobre Deus, afirmando ser tal posição apenas uma inércia por parte da Filosofia e não, de fato, uma posição racional sustentada por argumentos válidos, de seu convencimento de não valer a pena tomar parte nesta discussão.

O silêncio da Filosofia sobre Deus parece ser hoje carente de razões filosoficamente relevantes. Em sua maioria os filósofos não falam de Deus, ou, antes, se consideram explicitamente ateus ou irreligiosos, por puro hábito, quase por uma espécie de inércia.

Desse modo, "o renascimento da Religião na cultura contemporânea não pode deixar de representar um problema para uma Filosofia que se habituou a não mais considerar relevante a questão de Deus". Daí a Filosofia, ora "emudecida" sobre esta perspectiva, está como que instigada por Vattimo a voltar a sua atenção uma vez mais para este fenômeno que, como vimos, o autor faz-nos reconhecer a sua centralidade e atualidade. Sob esta perspectiva, se quiser estar atenta às razões da atualidade, a Filosofia deverá, portanto, tomar ciência do renascimento da Religião na consciência comum, e "aproximar-se" novamente de Deus para um debate.

A esta altura do discurso, surge para nós outro questionamento: se a Filosofia deve assumir uma postura de reaproximação de Deus, do ser que retorna, da Religião, pode então, o filósofo ser religioso? Vattimo sustenta a tese que, de fato, a Filosofia não mais pode ser atéia, chegando mesmo, em outro momento, a defender uma postura de que se deva, igualmente assumir a sua/nossa natureza cristã. Deve-se, contudo, tomar consciência desta herança cristã, mas continuar a assumir um comportamento crítico em relação a este renascimento, justamente para denunciar os seus traços perigosamente fundamentalistas que porventura sejam retomados.

O que Vattimo pretende dizer com tal consideração é que a Filosofia não pode mais continuar se considerando atéia ou agnóstica, apenas com base em uma inexplicável e insustentável inércia, sob pena de se afastar da consciência comum. É preciso considerar a nova vitalidade religiosa e não tê-la por um atraso cultural ou alienante de ideologias que careceriam ser superados (novamente a inconsistente idéia moderna de superação) mediante uma revolução. "Não há motivo para recusar essa proximidade ou dependência em relação à tradicional reflexão filosófico-religiosa".

Vattimo sustenta ainda outro motivo para tal silenciamento sobre Deus: a tecnologia. Para ele, "a tecnologia suaviza a existência de forma a tornar menos angustiante a pergunta sobre as últimas coisas". Nesse sentido, pode-se afirmar que o pensamento moderno, técnico-científico, supre a necessidade de perguntas ulteriores, o que entendemos como uma caracterização de um pensamento de superficialidade, ou – para não parecer radical – ao menos imediatista. Vattimo demonstra, entretanto, um desencanto com a ciência e com a técnica, que volta contra si mesma e reencontra-se com seu limite: Deus.

CAPÍTULO IV: A mensagem cristã: a propósito da dissolução da Metafísica

Este capítulo conclusivo (contudo, não peremptório) de nosso trabalho, pretende, ainda uma vez, tratar sobre o fenômeno de dissolução da Metafísica e como tal fenômeno, ou acontecimento, está também relacionado com a mensagem cristã. Esta "reaparição" da presente temática, intenta tão-somente pontuar algumas questões que agora podem ser aprofundadas, em razão da apresentação de suas premissas iniciais. Veremos como a mensagem cristã pode, enfim, ser resumida como a dissolução da Metafísica, e este anúncio como sendo a sua verdade. A este propósito, verdade e Cristianismo serão um dos tópicos centrais, nesta discussão, em que apresentaremos como Vattimo disjunge esta aparente correspondência.
  1. Cristianismo e dissolução da Metafísica
  2. O desenvolvimento ou o desarrolho (utilizo este termo para designar o seu significado etimológico mesmo, ou seja, tirar a tampa, abrir, portanto, revelar) dos argumentos iniciais em que tratamos do retorno da Religião, da vocação niilista do Cristianismo, fim e dissolução da Metafísica, idade da interpretação, entre outros, pode ser percebido como premissa para nosso argumento atual. Tal argumento pretende ser o "ponto de chegada" de todo o discurso deste trabalho.

    Vattimo principia sua reflexão tomando o texto do Evangelho que diz "ego sum via, veritas et vita", ou "eu sou o caminho, a verdade e a vida". Com esta declaração atribuída a Jesus, o pensamento cristão passou a identificar Cristo com a verdade, sem possibilidade de alternativa entre os dois termos. Vattimo confronta tal sentença com a declaração de Nietzsche sobre a "morte de Deus", "porque esta morte significa que não existe nenhuma verdade ‘objetiva’, ontológica, etc.". Esta fidelidade à verdade, como sendo sinônimo de fidelidade a Cristo, é posta em debate. Aqui, fidelidade pode ser tomada como amizade: o que nos abre à pergunta sobre a preferência entre amizade ou verdade.

    Dado que a mensagem do Cristianismo nos leva à consciência da vocação niilista e a ausência de fundamentos eternos, de que não podemos mais ter a pretensão de uma verdade objetiva, esse desejo de verdade se constrói apenas como expressão de amizade. Tomemos, pois, o sentido que Vattimo emprega para o termo dissolução, como "ruptura de unidade"e encontraremos a compreensão para esta declaração. Trata-se da disjunção da verdade e do Cristianismo: o que nos restaria seria a amizade.

    Pretende-se, com este discurso, afirmar que uma compreensão do Cristianismo como detentor de uma verdade objetiva seria, ao menos equivocada, pois "o Cristianismo desloca a atenção do pensamento na direção da interioridade, e isto fazendo, entre outras coisas, coloca em primeiro plano a vontade muito mais do que o intelecto". Ora, se o Cristianismo realiza um movimento de interiorização, de subjetividade, aplicar-lhe um caráter peremptório de verdade objetiva é um equívoco. Para Vattimo, o Cristianismo não pode pretender-se verdadeiro, mas, pela sua essência de enfraquecimento, deve assumir a sua condição histórica, das experiências vividas (Erleibnis).

    O Cristianismo – diz Vattimo – "é a condição que prepara a dissolução da Metafísica", pois, como vimos, tem em seu cerne, na característica do historicizar-se do ser, o seu caráter interpretativo, e porque interpretativo (pelas razões debatidas acima: interpretação, o limite da caridade, etc), a sua verdade não se pode pretender eterna, pois o Cristo se revela também na história e ele mesmo é interpretação (Logos) da lei e da vontade divinas. "O anúncio cristão é mais exatamente um evento histórico, não a revelação, por parte de Cristo, de uma verdade eterna".

    O Cristianismo que se abre como mensagem, diálogo (Gespräch), é o ponto de partida da dissolução Metafísica. Contudo, mesmo que se tenha compreendido a impossibilidade ou a impraticabilidade da Metafísica como ciência, Vattimo sustenta que "o elemento metafísico da nossa vida como experiência pessoal, quer dizer, como verdade religiosa e moral, permanece". "De fato, a ciência Metafísica é um fenômeno histórico delimitado, porém a consciência Metafísica da pessoa é eterna". Por que, afinal, preferir a amizade à verdade? Porque somente a amizade, nesse sentido, é o que atua no critério de validação de uma interpretação, portanto, verdade. "A amizade pode se tornar princípio, fator da verdade", mas é preciso um abandono das pretensões da verdade compreendida objetivamente, como queria a Metafísica.

    Em última instância, pode-se dizer que a verdade, na Pós-modernidade, assume as feições da caridade (o limite da interpretação) e o ser que, como vimos, assume-se débil, fraco, percebe-se como evento (Ereignis). Esta interpretação, e mesmo esta teoria desenvolvida por Vattimo, só se torna possível se posta no âmbito da dissolução da Metafísica. Este desfundamento da verdade e a dissolução da Metafísica podem pôr o homem diante de uma ausência de sentido e de identidade. "De qualquer forma é preferível viver em um mundo de amigos".

  3. O nexo entre violência e Metafísica na história do Cristianismo
  4. Como foi exposto acima, a preferência da amizade em detrimento da verdade, pode ser sustentada pelo caráter violento da verdade ou daquilo que a Metafísica compreendia por verdade, a saber, fundamento último, universal, fechamento ao diálogo, silenciamento, eternidade, e assim por diante. Após as explanações deste trabalho sobre a teoria vattimiana acerca do pensamento fraco e da Pós-modernidade, chegamos à compreensão da verdade como consenso interpretativo. A experiência da verdade pressupõe um caráter comunitário-participativo. "O sentido redentor da mensagem cristã desdobra-se precisamente na dissolução das pretensões de objetividade" .

    Como vimos anteriormente, o Cristianismo tem por sua vocação uma tendência ao enfraquecimento. Isto pode ser compreendido como a essência niilista do Cristianismo pós-moderno, ou – o que tem a mesma significação – a redução da violência do sagrado natural. Vattimo destaca o nexo da violência da Metafísica (ou entre violência e a Metafísica) pelo seu aspecto silenciador, fechado, peremptório. O Cristianismo, por sua vez (ao menos o Cristianismo reencontrado), é percebido como o agente redutor desta violência e o ponto de partida do fim da Metafísica.

    Neste debate encontram-se, ainda, traços, aspectos violentos na história do Cristianismo. Pergunta-se, pois, como, na lógica vattimiana, é possível tal violência neste Cristianismo que tem por característica uma ética da não-violência? Vattimo explica tal questão dizendo – a exemplo de Heidegger – haver uma possível insuperabilidade da Metafísica. Ora, a Metafísica não pode ser superada de fato, apenas "verwunden, aceita, distorcida".

    Por essa razão, ainda é possível encontrar traços metafisicamente violentos na história do Cristianismo. Seria preciso, pois, para a redução da violência no Cristianismo, um desligamento da tradição Metafísica, que este carrega em si como herança. Particularmente, em virtude da Igreja (Católica, mas também as outras denominações cristãs), este aspecto violento se perpetua no Cristianismo. Dissemos herança, porque a Igreja teve de assumir, depois da queda do império, as responsabilidades sociais e políticas, e juntamente com estas recaíram sobre os seus ombros os resíduos [violentos] das instituições antigas.

    Este movimento de retorno do religioso e do Cristianismo reencontrado, de que temos tratado neste texto, assume-se, então, como uma constante tentativa de adelgaçamento das forças naturais violentas da Metafísica. Pode-se dizer, com efeito, que, com o fim do poder temporal da Igreja, a Metafísica atenua-se em seu prosseguimento. Para esta superação (no sentido de Verwindung) da Metafísica se faz importante remeter-se ao discurso acima sobre a caridade. "A herança cristã que regressa no pensamento débil é também e, sobretudo, herança do preceito cristão da caridade e da sua recusa da violência".

    Como a salvação ainda não está positivamente em nossas mãos, quer dizer, como o projeto cristão da recusa à violência e da dissolução da Metafísica ainda não se realizou positivamente, vale retomar a declaração vattimiana de que ainda não somos suficientemente cristãos (ou niilistas).

  5. Cristianismo e visão ecumênica

Para encerrarmos este capítulo, onde intentamos tratar a questão da mensagem evangélica e a sua escuta para a nossa sociedade pós-moderna, seria preciso, ainda, discutir outro aspecto que se nos apresenta como uma conseqüente resultante deste debate. Reportamo-nos ao diálogo ecumênico e inter-religioso de como o Cristianismo pode (ou deve) relacionar-se com este processo de debate, diálogo e convivência despretensiosa.

Vattimo, ao pôr em discussão o tema do ecumenismo, encontra sustentação nos próprios argumentos, ora abordados neste trabalho. Dessa forma, parece nos indicar que toda a argumentação construída neste trabalho, com base em suas obras, estão condicionadas para esta temática, na forma de um "desembocadouro" para onde os temas relativos à Pós-modernidade, se destinam. Isto é, o diálogo ecumênico (ao menos as tentativas que se têm feito nestes tempos recentes de um debate salutar entre as religiões), pode ser tornado possível, em razão do retorno ao religioso e os fenômenos a este vinculados: fim da Metafísica, secularização, desfundamento das estruturas fortes.

Esta dissolução das principais teorias filosóficas, que caracteriza o fim da Modernidade, abriu espaço para o retorno do ser e da Religião. A Religião que retorna, descobre, contudo, o seu aspecto – ou vocação – niilista, kenótico, ou de esvaziamento. Uma vez não havendo mais verdades fundamentais, eternas, fechadas a uma conversação, o ser reduz-se a evento e, como tal, abre-se a uma interpretação e ao diálogo.

É com esta compreensão do texto bíblico, como mensagem que deve ser interpretada, que se torna possível, segundo Vattimo, um diálogo ecumênico entre as religiões cristãs, e não só entre estas, mas também entre as grandes outras religiões, como o Judaísmo e o Islamismo. Esta "leitura mais espiritual do texto bíblico" mostra-nos a possibilidade e, por que não dizer, a necessidade de um reconhecimento da verdade das outras religiões. Isto nos remete ao debate sobre a caridade, como a mensagem evangélica que nos permite tal diálogo. É um diálogo autêntico, sem pretensões, ou mesmo sem "os comportamentos missionários", ou seja, sem a pretensão de levar aos outros a sua verdade, mas antes reconhecer que há verdade no outro (como se reportava Levinás), "a verdade das outras religiões". A reflexão filosófico-religiosa contemporânea deve, portanto, compreender a Religião – ou o religioso – como irrupção de um Outro.

A condição para qualquer diálogo autêntico é que cada um dos interlocutores assuma explicitamente a própria condição de parte envolvida, se conscientize e conscientize o outro interlocutor dos próprios prejuízos ou, de maneira geral, da própria identidade, sem se sentir desde o início como aquele que sabe mais e é capaz de conduzir o diálogo em direção a êxitos previstos, já reconhecidos como ‘verdadeiros’.

Vejamos, pois, como Vattimo relaciona o Cristianismo e este tema do ecumenismo. O autor defende a existência de uma vocação laical, neste período pós-moderno, para o Cristianismo. Visto que a Pós-modernidade também se apresenta como um enfraquecimento das estruturas fortes – onde se caracteriza a Igreja, que perde o seu poder temporal – o Cristianismo reencontrado seria vivamente leigo. Esta característica leiga está apoiada naquilo que abordamos sobre a herança cristã da Europa. "A sociedade européia é medianamente leiga e secularizada, mas sobre a base de uma herança cristã bastante explícita". Em outras palavras, redescobrir a essência cristã da Europa é, ao mesmo tempo, descobrir a vocação leiga do Cristianismo na Pós-modernidade.

"Do universalismo à hospitalidade": é desta forma que Vattimo define o caráter ecumênico do Cristianismo, que agora pode ser participante de um diálogo ou confronto com as outras culturas e religiões.

A hospitalidade [...] não se realiza a não ser como um colocar-se nas mãos do hóspede, como um confiar nele, aceitando, portanto, a eventualidade, no caso do diálogo intercultural ou inter-religioso, que seja ele a ter a razão. Se deseja concretizar-se na forma da hospitalidade, a identidade do cristão no diálogo intercultural e inter-religioso – aplicando o preceito da caridade – pode apenas se reduzir, quase completamente, a um dar ouvidos aos hóspedes.

Vattimo conclui o seu argumento acerca do ecumenismo, não somente sustentando a sua validade, mas insistindo que esta abertura ao diálogo intercultural e inter-religioso seria um fenômeno resultante da Pós-modernidade, ou o seu futuro. Nesse sentido, o Cristianismo, finalmente, se torna capaz de pensar o seu próprio sentido ecumênico como "uma escuta e uma resposta" a esta nova época – pós-moderna – do ser.

CONCLUSÃO

Se é verdade que a Religião hoje se nos apresenta como uma exigência profunda e também filosoficamente plausível, isto se deve, também e primeiramente, a uma dissolução generalizada das certezas racionalistas das quais o sujeito moderno se alimentou.

(G. Vattimo, A Religião).

Em seu ensaio, Vattimo utiliza uma frase corrente concernente à Religião, ou – o que tem o mesmo sentido –, à experiência religiosa, como um êxodo. Este sentido é aprimorado pelo autor quando diz que tal "êxodo", se se considerar desta forma, significa o sentido de uma viagem de volta, de retorno. Desta forma, torna-se plausível a Religião que reaparece, pois, em conformidade com esta concepção, estaria no seu cerne (da Religião) a dinâmica do retorno.

Ora, se com base nesta concepção, a Religião pode ser compreendida como retorno, ou seja, retorno para Deus, este Ser percebido como princípio primeiro e último, e para onde todas as coisas e seres retornam (vide a concepção bíblica da morada celeste como residência final dos fiéis, ou a sentença "porque és pó, e pó te hás de tornar"), torna-se plausível que o próprio Ser, Deus, ou o sentido religioso, também passasse por este caminho de volta, reaparecendo como experiência do sagrado.

Existem, pois, duas razões para este fenômeno de retorno do religioso, que Vattimo profere nesta conferência. A primeira assume um caráter apocalíptico, violento e, por que não dizer, metafísico. Diz respeito ao florescimento de seitas, influência de doutrinas orientais em nossa sociedade ocidental, uma nova vitalidade das igrejas (as cristãs em particular), bem como todos os "modismos" de cunho espiritualista.

Para Vattimo, este marco do reflorescimento do sagrado começou logo depois da Segunda Guerra Mundial (daí o caráter apocalíptico citado anteriormente), como motivo premente de riscos de uma guerra nuclear. Atualmente, este mesmo "sentimento apocalíptico" pode ser percebido por meio de outros riscos que assolam o mundo, por exemplo, com os malefícios à ecologia, às questões delicadas de manipulação genética, bem como o próprio caráter existencial, ou a perda do sentido da existência, caracterizado, entre outras coisas, pelo consumismo desenfreado. Ora, o retorno da Religião pode acontecer, antes de qualquer coisa, em virtude de uma experiência caracterizada pelo medo.

A segunda razão para o reflorescimento do sagrado nos dias atuais e que tornaram por merecer destaque, chamando, assim, a Filosofia a um debate, não foi, contudo, aquelas características "assombrosas", mas a dissolução dos sistemas de ciências que deveriam cumprir o papel de segurança, ou seja, de verdade para responder às questões postas pelo homem. Deveriam porque, como Vattimo sustenta, também este sistema não respondeu às questões que lhe cabiam. O pensamento técnico-científico, a sociedade da organização total, não foi capaz de suplantar totalmente a Religião. Desse modo, a queda dos interditos filosóficos contra a Religião, já que é justamente disso que se trata, coincide com a dissolução dos grandes sistemas que acompanharam o desenvolvimento da ciência, da técnica e da organização social modernas, portanto, com o desaparecimento de qualquer fundacionalismo, em outras palavras, daquilo que a consciência comum parece buscar em sua volta à Religião.

A Religião que cumpria este papel de fidei depositum, de depositária e guardiã da verdade, perdera o seu lugar para o pensamento moderno que, por sua vez, assumiu tal característica. Daí a sociedade da organização total (Ge-Stell), do pensamento técnico-científico e todos os elementos que acompanham a idéia da Modernidade. Como se esta cumprisse a tarefa de desmitificar a Religião, a ponto de superá-la por completo, tomando, assim, o lugar do pensamento metafísico e pondo o pensamento científico em seu lugar.

Também a queda de tais conceitos e a dissolução dos sistemas organizacionais característicos da Modernidade, possibilitaram o retorno do religioso ao cenário de discussão filosófica, mas não como se, por um momento na história, o homem houvesse se distanciado da sua condição religiosa, como uma "diáspora" e, depois – nestes tempos de Pós-modernidade – ele percebe-se, agora, tomando o caminho de retorno. Este retorno do religioso, ou ainda, esta busca renovada pela Religião, não se efetiva de modo reativo (para se falar em sentido nietzschiano), ou seja, de uma maneira nostálgica, como um retorno ao fundamento ou à Metafísica. O retorno à Religião, do qual fala Vattimo e toda a argumentação do pensiero debole, deve ser pensado de modo ativo (ainda Nietzsche), portanto, projetado para frente, sem descartar as conquistas realizadas pela humanidade. Isto implica uma relação harmônica entre ciência, técnica, razão e Religião.

Vattimo sustenta que a experiência do retorno do religioso não se dá sob a forma de um "retorno às raízes", como se, em algum momento, a humanidade houvesse se "desgarrado" do seu fundamento, criando, desta forma, uma ciência e técnica desumanizantes. De fato, sustenta Vattimo, a experiência religiosa tem, em seu cerne, tal caráter de retorno. O retorno da Religião não é, em absoluto, algo acidental, mas uma mesma forma da Religião transfigurar-se. Trata-se, portanto, não de um retorno àquilo que fora esquecido, mas de um outro modo de retornar ou retomar o sentido do religioso nos dias atuais.

O autor aborda este fenômeno atribuindo outro elemento ou característica, que ele denomina de "historicidade do ser", em que o retorno é compreendido não mais como uma volta às raízes, ou ao fundamento metafísico, pois o ser que retorna à Religião vive esta sua experiência na história. Outro elemento ainda se nos apresenta nesta verificação do retorno: reportamo-nos ao aspecto da criaturalidade, que constituiria o conteúdo essencial da experiência religiosa. Podemos interpretar esta "criaturalidade" como o modo de o ser perceber-se como criatura de um ente divino criador e o homem – como ente criado (criatura) – plasmado por ele. Como, pois, relacionar criaturalidade e historicidade?

Sob este aspecto, é preciso destacar a importância da interpretação do mito proposta por Vattimo, que por sua vez, remete aos escritos de Pareyson e Schelling, no intuito de explicitar tal característica. O mito seria, pois, o lugar onde se dá a historicidade, ao mesmo tempo radical e (justamente por isso) tão irredutível à imanência da historicidade intramundana.

Este caráter mítico, por exemplo, está ligado ao sentimento de culpa, à idéia de pecado e, juntamente com esta, à necessidade de perdão: fenômenos próprios da experiência religiosa. Emblemática tal situação, pois, uma vez que a religiosidade pós-moderna perde o seu caráter metafísico, ainda podem-se encontrar tais aspectos ligados à experiência do retorno, como "resquícios" da tradição. Isto porque, no lugar de se perguntar sobre a culpa, o pecado e o perdão – diz Vattimo – não seria mais plausível questionar-se sobre o pecado original, a promessa da redenção e a encarnação, bem como a paixão e morte de Jesus? Destacamos que Vattimo identifica a declaração de Nietzsche sobre a "morte de Deus" como sendo, em muito sentidos, a morte de Cristo na cruz.

Além destes aspectos, existem outros de caráter míticos, que constituem a experiência religiosa, tais como o enigma da morte (ou a própria morte), a dor e, sobretudo, a experiência da oração. Em tais aspectos míticos da Religião, Vattimo encontra um modo de "pertencer", ou seja, uma proveniência que é adequada à Religião: todos compreendidos como conteúdos positivos desta experiência de retorno.

A este fenômeno pode-se acrescentar outro, ou seja, o do caráter interpretativo da Religião e das letras da Sagrada Escritura, bem como fazer uma hermenêutica da própria história do ser. Desse modo, o homem faz a experiência do retorno do religioso num mundo onde também se tornou imprescindível a consciência da Wirkungsgeschichte [história efetiva] de todo o texto e, antes de qualquer coisa, do bíblico.

Tal leitura, ou interpretação da Religião, pode ser tomada como discussão filosófica, valendo-se da doutrina cristã da encarnação do filho de Deus. A encarnação do filho de Deus, portanto, não assume apenas um modo de expressar-se mítico da Religião, mas, ao abordar a questão da encarnação, está se remetendo a Deus que se encarna, isto é, revela-se, num primeiro momento, na anunciação bíblica que, no final, "dá lugar" ao pensamento pós-metafísico da eventualidade do ser.

De forma mais abreviada – para concluirmos o presente trabalho –, Vattimo alcança o ponto de chegada de sua reflexão sobre o pensiero debole. Ao discorrer, em suas obras, sobre a temática da Pós-modernidade e sobre o fim da Metafísica, ele faz um caminho de reductio ad infinitum, encontrando na raiz desta discussão, o Cristianismo. Nesse sentido, tudo que fora abordado por ele sobre o niilismo pós-moderno, o fim da Metafísica (já preconizado por Nietzsche e radicalizado por Heidegger), a falta de fundamentos absolutos, bem como a hermenêutica no lugar da verdade objetiva, entre outras coisas, tem a sua chegada no encontro das raízes inegavelmente cristãs.

De todos estes discursos que Vattimo realiza, o que ele encontra, no fim de suas reflexões, é justamente o Cristianismo, o sentido religioso: o Deus que "insiste" e reaparece na história como a sua fonte (vide a abordagem sobre a Europa e sua relação com o Cristianismo). Não se trata, entretanto, de uma atitude missionária, como se Vattimo intentasse construir um discurso religioso a ponto de "converter" os filósofos. Ao contrário, esta religiosidade não-Metafísica é também uma religiosidade não-missionária.

Vattimo constrói, em seus discursos, um projeto sobre outro modo de relacionamento com o Cristianismo, dado ser inevitável tal retorno. Ademais, o autor compreende com esta impossibilidade de "matar Deus" a vocação cristã do Ocidente. Tirar o Cristianismo do Ocidente seria, pois, tirar-lhe ele próprio. Tal aceitação (Verwunden), desta vocação cristã que o Ocidente apresenta, seria a condição de sobrevivência do ser humano. De qualquer modo, a Religião não está morta, Deus ainda está ao nosso redor...

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Obras de Gianni Vattimo

VATTIMO, Gianni. A sociedade transparente. [1989]. Trad. br. Carlos Aboim de Brito, Lisboa: Edições 70, 1991.

______. Acreditar em acreditar. [1996]. Trad. br. Elsa Castro Neves, Lisboa: Relógio D´água, 1998.

______. Depois da cristandade: por um cristianismo não-religioso. [2002]. Trad. port. Cynthia Marques, Rio de Janeiro: Record, 2004.

______. O fim da Modernidade: niilismo e hermenêutica na cultura pós-moderna. [1985]. Trad. port. Eduardo Brandão, São Paulo: Martins Fontes, 1996.

DERRIDA, Jacques; VATTIMO, Gianni. A Religião: o seminário de Capri. [1996]. Trad. port. Guilherme João de Freitas Teixeira, Roberta Barni, Cláudia Cavalcanti e Tadeu Mazzola Verza, São Paulo: Estação liberdade, 2000.

RORTY, Richard; VATTIMO, Gianni; ZABALA, Santiago (org.). O futuro da Religião: solidariedade, caridade e ironia. [2004]. Trad. port. Eliana Aguiar e Paulo Ghiraldelli, Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2006.

Obras sobre Vattimo

PECORARO, Rossano. Nietzsche-Renaissance, desconstrução, pensamento fraco [online]. [cited 02.10.2007]. http://www.unirio.br/morpheusonline/rosario%20rossano.htm, ISSN 1676-2924.

______. Niilismo e (pós)Modernidade: introdução ao "pensamento fraco" de Gianni Vattimo. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2005.

Outros autores

NIETZSCHE, Friedrich. Além do bem e do mal: prelúdio a uma Filosofia do futuro. [1886]. Trad. port. Paulo César de Souza, 2. ed. São Paulo: Companhia das letras, 2003.

SPONVILLE, André-Comte. O Ser-Tempo: algumas reflexões sobre o tempo da consciência. [1999]. Trad. port. Eduardo Brandão, São Paulo: Martins Fontes, 2000.

GLOSSÁRIO

A

Ab-Gründ – Sem fundamento; abismo; abissal; fim do fundamento.

Andenken – Revisitar; rememorar; fazer memória.

Aufklarüng – Esclarecimento.

C

Calembour – Trocadilho.

E

Ereignis – Evento do ser; o ser como evento; a eventualidade do ser.

Erleibnis – Experiência vivida.

G

Geschick – Destino.

Ge-Stell – Armação; dispositivo; composição.

Gründ – Fundamento; solo; chão; fundo; razão; motivo; causa.

K

Kenosis – Esvaziamento.

L

Logos – Palavra; razão.

U

Überwindung – Superação; ultrapassamento; igual a deixar para trás.

Überwunden – Superado; ultrapassado; deixado para trás.

Üeber-liefrung – Transmissão; envio.

V

Verwindung – Torção; distorção; remeter-se a; aceitação; reinterpretação; aceitação irônica.

Verwunden – Torcido; distorcido; remetido; aceito.

W

Wirkungsgeschichte – História do efeito; história efetiva.

AGRADECIMENTOS

A Deus, autor da vida e, de certa forma, objeto deste trabalho.

Ao professor orientador, Dr. José Expedito Passos Lima, pelo apoio e acompanhamento pontual e competente.

A todos os professores que tive durante o curso, com os quais muito aprendi.

À banca examinadora, pela grata aceitação do convite.

À minha esposa, pelo ânimo e motivação constantes.

Autor

Francisco Elvis Rodrigues Oliveira

elvisroliveira[arroba]hotmail.com

Universidade Estadual do Ceará

Fortaleza

2007

Monografia apresentada ao Curso de Filosofia, da Universidade Estadual do Ceará – UECE, como requisito parcial, para obtenção do título de licenciado em Filosofia.

Orientador: Prof. José Expedito Passos Lima

Partes: 1, 2, 3


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