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Limites temporais do estado puerperal nos crimes de infanticídio (página 2)


Diferenças entre puerpério e estado puerperal

Parte da comunidade científica tem por puerpério o período em que ocorre a psicose puerperal que é uma espécie de transtorno psicológico independente, pois é restrito às mulheres e ocorre durante, ou logo após o parto, e recebe tal nomenclatura por ocorrer dentro do período do puerpério. De outra banda, temos que relevar o fato de que a maior parte da literatura médica considera que o puerpério é o período compreendido entre a dequitação placentária e o retorno do organismo materno às condições pré-gravídicas, tendo duração média de 6 semanas e não a psicose puerperal, que é o momento em que ocorre a crise. A este, a doutrina dá o nome de estado puerperal, que seria justamente quando acontece o trauma psicótico mencionado acima, ou seja, a alteração temporária em mulher sã, com colapso do senso moral e diminuição da capacidade de entendimento seguida de liberação de instintos, culminando com a agressão ao próprio filho.[6]

Mencionando seu colega Ibrahim Abi-Ackel e doutrinadores como Almeida Junior e Mirabete, o Deputado Federal Aluysio Nunes Ferreira, no Projeto de Lei 1.262, de 2003, aduz que, littheris:

"Nele (estado puerperal) se incluem os casos em que a mulher, mentalmente sã, mas abalada pela dor física do fenômeno obstetrício, fatigada, enervada, sacudida pela emoção, vem sofrer um colapso do senso moral, uma liberação de impulsos maldosos, chegando por isso a matar o próprio filho. De um lado, nem alienação mental nem semi-alienação (casos esses já regulados genericamente pelo Código). De outro, tampouco frieza de cálculo, ausência de emoção, a pura crueldade (que caracterizariam, então, o homicídio). Mas a situação intermédia, podemos dizer até "normal" da mulher que, sob o trauma da parturição e dominada por elementos psicológicos peculiares, se defronta com o produto talvez não desejado, e temido, de suas entranhas".[7]

Nelson Hungria, dissertando acerca das psicoses puerperais, assevera que:

"Surgem elas (as psicoses puerperais) no terreno lavrado pela tara psíquica que se agrava pelos processos metabólicos do estado puerperal ou são uma espécie do genus psicoses sintomáticas, isto é, transtornos psíquicos que se apresentam no curso de enfermidades gerais internas, de infecções agudas, de intoxicações, etc. e cujas lesões não têm uma localização cerebral. Tais psicoses manifestam-se, de regra, vários dias após o parto, e nada tem a ver com elas, portanto, o art. 123, deixando a ocisão do infante de ser infanticídio, para constituir, objetivamente, o crime de homicídio, mas devendo a acusação ser tratada segundo a norma geral sobre a responsabilidade ou capacidade de direito penal (art. 22)".[8]

NUCCI[9]lecionando acerca da definição de estado puerperal e puerpério, aduz que este é o período que se estende do início do parto até a volta da mulher às condições de pré-gravidez. Já o estado puerperal é o que envolve a parturiente durante a expulsão da criança do ventre materno. Há profundas alterações psíquicas e físicas, que chegam a transtornar a mãe, deixando-a sem plenas condições de entender o que está fazendo. É uma hipótese de semi-imputabilidade que foi tratada pelo legislador com a criação de um tipo especial. Assevera ainda que como toda mãe passa pelo estado puerperal, algumas com graves perturbações e outras nem tanto, defende o douto doutrinador a desnecessidade da perícia médica.

Mister salientar que a definição conhecida para puerperal é eminentemente médica, ou seja, técnica. Desta forma não nos cabe fazer divagações acerca de seu significado, uma vez que este foi apregoado pela comunidade científica. Para fins didáticos fiquemos, pois, com a definição de que puerpério é o período em que ocorre a psicose puerperal, definida em nosso Código Penal, como Estado Puerperal.

INFANTICÍDIO

  • Escorço histórico

Ao longo dos tempos a forma como o homem, principalmente os próprios pais, vêm a morte de um filho recém nascido vem sofrendo constante metamorfose o que, por conseguinte, tem proporcionado diversas alterações na forma jurídica de recepcionar fato tão danoso. De remotos tempos têm-se relatos de que, em busca da supremacia no grupo, crianças do sexo feminino[10]eram constantemente vítimas de homicídio ao nascer.

Na antiguidade tem-se o exemplo dos gregos, mais precisamente dos espartanos, onde o ritual era mais ou menos assim: A criança ao nascer era examinada pelos anciãos que sacrificavam as fracas e as do sexo masculino que tivessem algum defeito físico. A forma consistia em lançá-las para a morte do alto do monte Taigeto. Já as fortes, do sexo masculino, que poderiam tornar-se guerreiros, eram entregues às suas mães, para que com essas vivessem até os sete anos de idade, quando, finalmente, eram entregues ao Estado, de quem recebiam uma educação cívica belicosa.[11]

A diversidade de formas de interpretação da figura delituosa do infanticídio, ao longo dos tempos, é tão notória que José Frederico Marques, no seu Tratado de Direito Penal, critica tais mudanças afirmando que em determinadas circunstâncias de espaço e de tempo, rigorosos e até bárbaros são os castigos impostos aos que praticam esse crime. Em outras ocasiões, no entanto, o abrandamento das penas vai ao absurdo de se estender, subjetivamente, até a parentes da vítima, de forma a subtraí-lo, quando matam o infans, das normas comuns do homicídio. Lembra esse autor que o infanticídio, por épocas, é encarado com grande rigor, sob o fundamento de tratar-se da morte de ser indefeso equiparável, assim, ao parricídio. Já em outras ocasiões, vigora o entendimento oposto: o infanticídio se torna crime privilegiado, quando atende a motivos de ordem psicológica.

Ainda na antiguidade, o Direito Romano em sua gênese, impunha severas penas às mães que matassem seus recém-nascidos. Castigos brutais e a pena de morte eram bastantes comuns em tais casos. Não obstante, supedaneado pelo patria potestas[12]o pai que praticasse o mesmo ato não sofria nenhuma punição. Vale ressaltar que, além do próprio império romano, também em algumas tribos bárbaras a prática do infanticídio era aceita para regular a oferta de comida à população. Pensavam eles que, eliminando as crianças, diminuía-se a população e gerava um pseudo controle administrativo por parte dos governantes, o que, sob a ótica antiga, não deixa de fazer sentido.

Já na época Medieval não se fazia diferenciação entre o crime de infanticídio e o de homicídio, com isso, as penas daquele eram tão ou mais severas quanto às deste. MARQUES[13]lembra que o Fuero Juzgo[14]por exemplo, mandava que se condenasse à morte a mulher que matasse ao filho, ou então com a cegueira, penas que também se impunha ao marido que ordenasse o infanticídio[15]

Como bem assinalava von Liszt, já no começo do século XX, com o advento do iluminismo e da doutrina do direito natural, novos rumos são dados ao tratamento penal do infanticídio, ocorrendo, assim, um abrandamento e, por que não dizer, uma espécie precoce de descriminalização do tipo delituoso em tela. Segundo Liszt[16]a literatura do Direito Natural apoderou-se da questão do infanticídio e assinalou a série de circunstâncias atenuantes que tornam patente a injustiça da pena de morte. Com as freqüentes cobranças e os textos dos doutrinadores naturalistas da época que, invariavelmente defendiam uma completa impunidade para o crime de infanticídio, não tardou que a legislação os ouvisse e tratasse da matéria.

Neste sentido tem-se o Edito Prussiano de 1765 que restringiu a aplicação da pena de morte, e a Theresiana de 1768, conquanto ainda prescrevesse o empalamento do cadáver, ligava, sobretudo, importância à prevenção do infanticídio. Registre-se ainda que a partir do abrandamento mencionado acima, em certo sentido, o crime de infanticídio, quando praticado honoris causa, pela mãe ou parentes próximos, passou a adquirir caráter privilegiado, destarte tem-se então a gênese do critério bio-psicológico.[17].

Em nota de rodapé, MARQUES[18]esclarece um pouco da evolução do crime de infanticídio no Direito Francês. Segundo o mestre, esta evolução tem sido bastante acidentada, ora com abrandamentos, ora com agravamentos. No Código de 1810, por exemplo, o crime de infanticídio vinha equiparado ao parricídio e a sanção era a pena de morte. Entretanto, uma lei de 21 de novembro de 1901, mostrou-se bastante indulgente com a mãe culpada de tal crime, e aplicou aos demais autores da morte de recém-nascido o tratamento penal do homicídio. Ainda ao tempo do governo de Vichy[19]a lei de 2 de setembro de 1941 correlacionalizou o infanticídio: o responsável, fosse a mãe ou qualquer outra pessoa, passou a ficar sujeito à prisão de três a dez anos e multa de até dois milhões de francos. A finalidade de tal medida foi a de tornar mais segura a repressão, subtraindo o infanticídio do júri. Em 1954, porém, uma lei fez o infanticídio retornar à qualificação de crime, com sistema análogo ao da lei de 1901 (cf. Émile Garçon, Code Pénal Annoté, 1.956, tomo II, pg. 38; Robert Vouin, Précis de Droit Pénal Spécial, 1.953, PP. 140 e 141).

Em que pese a evolução mostrada acima, no que toca ao abrandamento das penas, não se pode conceber a idéia de que atualmente a China possua ainda um elevado índice de infanticídio. Vale salientar que naquele país é comum a prática de aborto quanto se trata de criança do sexo feminino. Tais procedimentos têm gerado grade desequilíbrio, quanto ao gênero da população da China e que fatalmente será sentido num futuro próximo.

  • Escorço histórico-jurídico brasileiro

  • Noções Preliminares

O ordenamento jurídico pátrio em relação ao crime de infanticídio não destoou muito do que foi preconizado em outros ordenamentos. Já no Código Criminal de 1.830, o art. 198 preceituava que "se a própria mãe matar o filho recém-nascido para ocultar sua desonra", a pena seria a de "prisão com trabalho por um a três anos". Note-se que, em relação a outros preceitos do passado europeu, já se tem um verdadeiro abrandamento da pena culminada à mãe autora de infanticídio. Também se tem no tipo ora exposto a aplicação do critério bio-psicológico: "ocultação de desonra". Não obstante já ser patente a presença de tal critério, o Código Penal promulgado em 1890 também seguiu na mesma esteira e trouxe o reconhecimento de crime privilegiado ao infanticídio, dando-lhe o tratamento de honoris causa. O que chama atenção é o fato de que ambos os códigos, segundo alguns autores, (José Frederico Marques), de forma indevida, equiparavam o delito de infanticídio ao homicídio simples, entretanto, não se aplicavam as mesmas qualificadoras dos demais crimes de homicídio, pois tinha o infanticídio o status de crime privilegiado[20]

Com o advento do Código de Hungria, 1940, o ordenamento jurídico pátrio deu ao crime de infanticídio o status de espécie autônoma e privilegiada de homicídio, adotando, para tanto, o critério biopsíquico, denominado estado puerperal, como veremos adiante, afastando, assim o status honoris causa.

 

  • Infanticídio como tipo penal

É mister que se registre que a expressão "infanticídio" vem do latim 'infanticidium' e significa a morte de uma criança, especialmente do recém-nascido. Tratando-se de crime, pode ser configurado como: Próprio, visto somente pode ser cometido pela mãe ou, em circunstâncias especiais, por terceiros; Também é instantâneo, visto que sua consumação se dá com uma única conduta, não produzindo, assim, resultado prolongado no tempo; Também é um crime comissivo, pois é cometido por meio de uma ação; Também é crime material visto que somente se consuma quando surge o resultado pretendido pelo agente; É de dano, obviamente, pois se consuma com a efetiva lesão a um bem jurídico tutelado, in casu, a vida humana. Desta forma, tem-se a ocorrência de um prejuízo efetivo e perceptível pelos sentidos humanos; Também é um crime unissubjetivo, pois pode ser praticado por uma única pessoa; É plurisubsistente, pois exige vários atos que compõem a mesma ação, logo é perfeitamente admissível a modalidade tentada porque o agente ativo poderá não alcançar seu objetivo por circunstâncias alheias à sua vontade; e por fim, é um crime de forma livre, visto que pode ser praticado de qualquer modo pelo agente, não havendo, no tipo penal, qualquer vínculo com o método.

O crime de infanticídio encontra-se preceituado no Código Penal brasileiro no art. 123, littheris:

Infanticídio

Art. 123. Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após:

Pena – detenção, de dois a seis anos.

Pela leitura da letra do referido artigo tem-se de forma clara que o legislador adotou o critério biopsíquico para o tipo em estudo. Nessa esteira é importante trazer à baila o item 40 da exposição de motivos do Código Penal pátrio, littheris:

"O infanticídio é considerado um delictum exceptum quando praticado pela parturiente sob a influência do estado puerperal. Esta cláusula, como é obvio, não quer significar que o puerpério acarrete sempre uma perturbação psíquica: é preciso que fique averiguado ter esta realmente sobrevindo em conseqüência daquele, de modo a diminuir a capacidade de entendimento ou de auto-inibição da parturiente. Fora daí, não há por que (sic) distinguir entre homicídio e homicídio. Ainda quando ocorra a honoris causa (considerada pela lei vigente como razão de especial abrandamento da pena), a pena aplicável é a de homicídio". (grifo nosso).

  • Caracterização do tipo penal

Para a caracterização do crime de infanticídio, ou seja, para que haja uma subsunção entre os atos praticados, incluindo aí as circunstâncias em que foram praticados e a letra do tipo necessário se faz que estejam presentes as elementares do tipo, a saber: Ser mãe, Matar; o próprio filho; durante o parto ou logo após; e sob a influência do estado puerperal. Para uma melhor compreensão analisemos, pois, uma a uma:

  • Matar

O verbo matar, nesse sentido, significa eliminar a vida humana extra-uterina provocada por terceiro. Para NUCCI[21]o verbo matar é o mesmo do homicídio, razão pela qual a única diferença entre o crime de infanticídio e o homicídio é a especial situação em que se encontra a agente. Matar significa eliminar a vida de outro ser humano, de modo que é preciso que o nascente esteja vivo no momento em que é agredido fatalmente.

  • O próprio filho

Esta elementar é de importância ímpar, uma vez que, por se tratar de descendente direto da agente do crime de infanticídio, não deve ser confundido, com outros tipos de ilícitos penais praticados contra descendentes. Nesse sentido têm-se as letras "e" e "h", do inc. II, do art. 61 do Código Penal pátrio, littheris:

Circunstâncias agravantes

Art. 61. São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime:

[...]

II – ter o agente cometido o crime:

[...]

e) contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge;

[...]

h) contra criança, maior de sessenta anos, enfermo ou mulher grávida;

Nesse diapasão, é salutar que se registre que in casu não pode a elementar em tela servir também para agravar a pena, pois caso contrário ter-se-ia um instituto que não é admitido em direito, qual seja o bis in idem.

  • Sob a influência do estado puerperal

Esta elementar, a nosso ver, é uma das mais importantes, pois trata-se linha tênue que separa o homicídio do infanticídio. Representa, assim, o estado anímico em que deve se encontrar a agente parturiente, quando do cometimento do fato típico. Note-se que, fora deste estado, a agente não pratica o infanticídio, mas o homicídio. Assim, o Estado Puerperal, num conceito uníssono, é o período que vai do deslocamento e expulsão da placenta à volta do organismo materno às condições anteriores à gravidez. Em outras palavras, é o espaço de tempo variável que vai do desprendimento da placenta até a involução total do organismo materno às suas condições anteriores ao processo de gestação, lembrando, por fim, que puerpério vem de puer (criança) e parere (parir).

Importante frisar que o puerpério não quer significar que sempre seja acarretado por uma perturbação psíquica, sendo necessário que fique averiguado se esta pertubação tem realmente sobrevindo da capacidade de entendimento ou autodeterminação da parturiente, ficando clara a seguinte decisão jurídica. Nesse sentido: "Se não se verificar que a mãe tirou a vida do filho nascente ou recém-nascido sob a influência do estado puerperal, a morte praticada se enquadrará na figura típica do homicídio (RT 491/292)".[22]

Estado puerperal é, assim, um fato biológico bem estabelecido que a parturição desencadeia numa súbita queda nos níveis hormonais e alterações bioquímicas no sistema nervoso central. A disfunção ocorreria no eixo Hipotálamo-Hipófise-Ovariano, e promoveria estímulos psíquicos com subseqüente alteração emocional. Em situações especiais, como nas gestações indesejadas, conduzidas em segredo, não assistidas e com parto em condições extremas, uma resposta típica de transtorno dissociativo da personalidade e com desintegração temporária do ego poderiam ocorrer.[23]

  • Durante o parto ou logo após.

Trata-se de cláusula temporal onde o legislador, sem definir de modo conclusivo sua limitação, tornou difícil e emblemático a hermenêutica do tipo penal em estudo. Logo, a única delimitação que se infere do Código é que o crime de infanticídio seja cometido durante ou logo após o parto. No entanto, tem-se a interrogação: Quando começa e termina o parto e, conseqüentemente, quando começa o estado puerperal durante o parto? E o que é parto? Nesse sentido, é mister que se registre o significado de parto sob a ótica jurídica. Trata-se de uma palavra de origem latina que significa partus (ação de partir), entende-se, assim, o ato pelo qual o feto, ou o produto da concepção, deixa o útero materno.

O grande mestre NORONHA[24]ensinava que o parto inicia-se com o período de dilatação, apresentando-se as dores características e dilatando-se completamente o colo de útero; segue-se a fase de expulsão, que começa precisamente depois que a dilatação se completou, sendo então, a pessoa impelida para o exterior; esvaziando o útero, a placenta se destaca e também é expulsa: é a terceira fase. Está, então, o parto terminado. Assim, NUCCI[25]nos lembra que se deve interpretar a expressão "logo após" com o caráter de imediatidade, pois, do contrário, poderão existir abusos. Levando-se em consideração que a expressão "logo após" encerra imediatidade, mas pode ser interpretada em consonância com a "influência do estado puerperal", embora sem exageros e sem a presunção de que uma mãe por trazer consigo inafastável instinto materno, ao matar o filho estaria ainda, mesmo que muitos dias depois do parto, cometendo o infanticídio. Para MARQUES[26]durante ou depois do parto, pouco importa, sempre é necessário que a morte resulte da influência do estado puerperal. Como se verifica, não há consenso entre os doutrinadores, daí porque não se deve exigir harmonia de outros segmentos como da jurisprudência.

  • Elemento subjetivo do crime

O elemento subjetivo do crime é o próprio dolo, pois não há falar em punição para a forma culposa desse tipo de crime. A alegação de alguns doutrinadores, como Damásio, é que não se pode exigir de uma mãe puérpera o dever de cuidado que normalmente se exigiria de outra que não esteja em tal estado, logo, não se teria previsibilidade objetiva que, como se sabe, é um dos requisitos da culpa na modalidade própria.

  • Sujeito Ativo

O sujeito ativo é a mãe do recém-nascido que se encontra em estado puerperal, obviamente que, levando-se em conta o concurso de pessoas nesta matéria, conforme abordagem em momento específico infra 3.3.6.

  • Sujeito Passivo

Acerca desse assunto, sem prejuízo para o trabalho final a que nos propomos, passaremos à margem de inferências científicas sobre as diversas formas de se aferir o nascimento com vida. Basta-nos aqui deixar claro que a vítima, ou seja, o sujeito passivo do crime de infanticídio é sempre o filho da mãe em estado puerperal, muito embora receba denominações divergentes, conforme o estágio em que ocorra o crime, podendo ser chamado de "nascente" se o crime ocorrer durante o parto, ou de recém-nascido se ocorrer logo após o parto. Importante salientar que em ambos os casos é preciso que haja constatação de que estava este ou aquele vivo, quando do ato maligno.

  • Participação de terceiros no crime de infanticídio

  • Contextualização Preliminar

Discutir o concurso de pessoas no crime de infanticídio não é objetivo principal desta pesquisa, entretanto, diante de farta controvérsia que o presente tema ocupa no ordenamento jurídico, é inconcebível que o deixemos de lado. Vejamos: Em consonância com o que vimos anteriormente, o crime de infanticídio é composto pelas elementares "Ser mãe, Matar; o próprio filho; durante o parto ou logo após; e sob a influência do estado puerperal". Nesse sentido, o concurso de agentes, seja com a presença do partícipe ou do co-autor, traz conseqüências distintas de acordo com o fato concreto a ser analisado. Vejamos, pois, alguns exemplos:

  • 1. A mãe mata, sozinha, o próprio filho, logo após o parto, sob a influência do estado puerperal: Nesse caso, tem-se o crime de infanticídio em sua forma plena, pura. Logo, responderá de acordo com as penas preconizadas no art. 123 do CP: "Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após: Pena – detenção, de dois a seis anos". Importante lembrar que nesta forma pura de infanticídio não há falar em controvérsia técnica de relevância, exceto para os doutrinadores não adeptos das posições jus naturalistas, conforme já mencionado;

  • 2. Com a ajuda de terceiro, a mãe mata o próprio filho, logo após o parto, sob a influência do estado puerperal: Nesse caso, note-se que a mãe, como autora, responde nas penas do art. 123, mencionado acima, por ter ela executado as elementares do tipo. Já o terceiro participante, que a auxiliou, responderá pelo crime de infanticídio, como partícipe, isso porque, o Estado Puerperal como vimos, não é uma circunstância, mas uma elementar do tipo;

  • 3. Com a ajuda da mãe que se encontra sob a influência do Estado Puerperal e no momento logo após o parto, ajuda terceira pessoa a matar o próprio filho recém-nascido: Pelos ditames do artigo 29 do CP, littheris: "Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade", logo, em análise sob ótica técnica, tem-se que a terceira pessoa praticou do crime de homicídio, pois executou o núcleo do tipo, qual seja matar alguém. Já a mãe, atuou como partícipe, logo responderá pelo crime de homicídio também. Entretanto, esta não é a regra que vige no nosso ordenamento jurídico, até porque estaríamos diante de uma espécie de insegurança jurídica, portanto, a mãe deverá responder pelo crime de infanticídio e não de homicídio, como nos conduz a comum técnica de interpretação;

  • 4. Terceira pessoa e a mãe puérpera matam o filho desta, recém-nascido, logo após o parto, com liame subjetivo e identidade de infrações: Nesse caso, tanto a mãe quanto a terceira pessoa deverão responder pelo crime de infanticídio, em consonância à teoria monista, adotada no Brasil, bem como com os ditames do art. 29, caput, cc art. 30 do CP.

Como vimos, é notória a divergência existente acerca do concurso de agentes no crime de infanticídio, no tocante às circunstâncias, principalmente pelas posições doutrinárias antagônicas. Duas correntes têm ocupado boa parte das discussões acerca desse assunto. Preliminarmente é importante salientar que a questão que passamos a tratar encontra-se supedaneada no artigo 30 do Código Penal pátrio, littheris:

Circunstâncias incomunicáveis

Art. 30. Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime.

(grifamos)

A primeira corrente defende que as condições de caráter pessoal, como o estado puerperal, são inerentes somente às puérperas, portanto não se comunicam a terceiros. Nesse sentido tem-se que aqueles que concorrem na condição de partícipe responderão pelo delito de infanticídio, mas aquele que concorre na condição de co-autor, ou seja, executa o núcleo do tipo: "matar alguém", por exemplo, deve responder por homicídio. Nesse sentido tem-se a lição de CERNICCHIARO[27]que aduz que:

"O infanticídio, portanto, é um tipo que pensa uma agente. Ela e só ela. O juízo de reprovabilidade é exclusivo à pessoa descrita no tipo. A mais ninguém. O estranho à narração do modelo quando, de qualquer modo concorre para matar alguém, amolda-se a outro tipo de culpabilidade, no caso, do homicídio".

Esta corrente é supedaneada por doutrinadores como Heleno Fragoso, Mayrink da Costa e, anteriormente, por Nelson Hungria que na 5ª edição de sua obra Comentários ao Código Penal, v. V, p. 266, mudou de opinião, preconizando que: "em face do nosso Código, mesmo os terceiros que concorrem para o infanticídio respondem pelas penas cominadas, e não pelas do homicídio". Nesse sentido, acreditamos ser bastante difícil uma mudança tão drástica de postura de alguém que, por mais de quarenta anos, relutou em aceitar tal posicionamento. Em brilhante artigo a esse respeito DAMÁSIO E. DE JESUS[28]lembra que:

 

"Nélson Hungria dificilmente mudava de opinião, sendo conhecido pela firmeza de suas posições. Mas, por volta de 1960, como nos confiou Heleno Cláudio Fragoso num encontro que tivemos no Rio de Janeiro, Hungria, já beirando a aposentadoria, passou a "ouvir mais", alterando orientações apaixonadamente preservadas ao longo dos anos. Tanto que, membro da Comissão elaboradora do Anteprojeto de Código Penal de 1963, várias vezes surpreendeu seus pares aceitando teses contrárias ao seu pensamento ardorosamente exposto em suas obras. Foi o que aconteceu em relação ao tema do concurso de pessoas no infanticídio, em que modificou sua posição na última edição de sua obra, fato que passou despercebido da maioria da doutrina brasileira. Reconhecendo humildemente o engano e dando a mão à palmatória, adotou a tese da comunicabilidade na 5.ª edição dos Comentários: "Comentando o art. 116 do Código suíço, em que se inspirou o art. 123 do nosso, Logoz (op. cit., p. 26) e Hafter (op. cit., p. 22), repetindo o entendimento de Gautier, quando da revisão do Projeto Stoos, acentuam que um terceiro não pode ser co-partícipe de um infanticídio, desde que o privilegium concedido em razão da "influência do estado puerperal" é incomunicável. Nas anteriores edições deste volume, sustentamos o mesmo ponto de vista, mas sem atentarmos no seguinte: a incomunicabilidade das qualidades e circunstâncias pessoais, seguindo o Código helvético (art. 26), é irrestrita ("Les relations, qualités et circonstances personnelles spéciales dont l"effet est d"augmenter, de diminuer ou d"exclure la peine, n"auront cet effet qu"à l"égard de l"auteur, instigateur ou complice qu"elles concernent"), ao passo que perante o Código pátrio (também art. 26) é feita uma ressalva: "Salvo quando elementares do crime." Insere-se nesta ressalva o caso de que se trata. Assim, em face do nosso Código, mesmo os terceiros que concorrem para o infanticídio respondem pelas penas a este cominadas, e não pelas do homicídio". (grifo nosso).

 

A segunda corrente, esta mais moderna e, amplamente majoritária na doutrina, defendida por doutrinadores como Celso Delmanto, Fernando CAPEZ, Damásio, Magalhães Noronha, dentre outros, prega a comunicabilidade prevista na segunda parte do art. 30 do CP, também ao crime de infanticídio. Em suma, as elementares do tipo "ser mãe" e "influência do estado puerperal", comunicam-se, tanto ao co-autor, quanto aos partícipes. Nesse sentido, embora entendendo a clareza da segunda parte do art. 30 do CP, entendemos não merecer comunicação no caso do delito de infanticídio, por tratar-se de "delictum exceptum". Destarte, comungamos o posicionamento de Heleno Fragoso que lecionava:

"Entendemos que deve ser adotada a lição de Hungria[29]fundada no direito suíço, segundo a qual o concurso de agentes é inadmissível. O privilégio se funda numa diminuição da imputabilidade, que não é possível estender aos partícipes. Na hipótese de co-autoria (realização de atos de execução por parte do terceiro), parece-nos evidente que o crime deste será o de homicídio"[30].

  • Jurisprudências quanto à desclassificação e a presunção.

Para que haja desclassificação do crime de homicídio para o de infanticídio, necessário se faz a presença dos requisitos elencados no artigo 123 do Código Penal que são: Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após. Note-se que a jurisprudência é unânime em suscitar tal necessidade[31]

Já a presunção, tão negada por alguns doutrinadores, se faz presente no crime de infanticídio, afinal, à notícia de que uma mãe matou seu filho recém-nascido, é natural que se presuma que esta mãe esteja fora de si, sob o efeito de algum psicotrópico ou mesmo sob efeito do estado puerperal. É relevante mencionar que mesmo com a presunção existe a necessidade de submeter a mãe autora de infanticídio a exame psiquiátrico[32]

Um grande serviço foi prestado a esta matéria pelo Desembargador SERGIO BRAGA, num voto histórico no processo nº 1.0003.01.000863-3/001(1)[33]. De forma clara e sucinta, o Des. Sérgio Braga traz em seu voto a necessidade de submissão do crime praticado à figura típica do infanticídio, se cometido com a presença das elementares deste, ou do de homicídio, se ausente qualquer das elementares do crime de infanticídio. É relevante mencionar que mesmo com a presunção tem-se a necessidade de submeter a mãe autora de infanticídio a exame psiquiátrico.

O INFANTICÍDIO NO DIREITO COMPARADO

O crime de infanticídio recebe interpretações divergentes de país para país. A seguir uma abordagem perfunctória acerca deste crime nos textos legais de alguns países, vejamos:

O código penal suíço não considera a defesa da honra na tipificação do infanticídio, littheris:

"Art. 116 - A mãe que, durante o parto se encontra sobre a influência do puerpério é punida com uma pena detentiva de 1 (um) a 3 (três) anos juntamente com uma pena pecuniária a ser determinada" (grifei).

No Código Penal do Peru, traz a previsão do infanticídio preconizada no art. 110, littheris:

"Art. 110 - La madre que mata a su hijo durante el parto o bajo la influencia del estado puerperal, será reprimida con pena privativa de libertad no menor de uno ni mayor de cuatro años, o con prestación de servicio comunitario de cincuentidós a ciento cuatro jornadas." (grifei)

No Código Penal Argentino tínhamos a previsão do infanticídio no § 2º do art. 81, mas este foi derrogado pela lei 24.410 de 30 de novembro de 1994, que preconizava que:

"Se impondrá reclusión hasta tres años o prisión de seis meses a dos años a la madre que, para ocultar su deshonra, matare a su hijo durante el nacimiento o mientras se encontrara bajo la influencia del estado puerperal y a los padres, hermanos, marido e hijos que, para ocultar la deshonra de su hija, hermana, esposa o madre, cometieren el mismo delito en las circunstancias indicadas en la letra a del inciso 1º de este artículo".

Já no Código Penal de Portugal, segundo alguns autores, a pena para o mesmo crime é por demais severa e cumprida com reclusão, littheris.

"Art. 136 - A mãe que matar o filho durante ou logo após o parto e estando ainda sob a sua influência perturbadora, é punida com pena de prisão de 1 a 5 anos."

LIMITES TEMPORAIS DO ESTADO PUERPERAL

  • Noções preliminares

Abordar o assunto em tela, seja qual for a natureza da pesquisa, é de fundamental importância, uma vez que ainda não existe consenso na literatura, nem na médica nem na jurídica. Com efeito, debruçar-se sobre este tema é descobrir que o estado puerperal, como espécie de depressão que é, possui diversas nuanças e características distintas, conforme o caso. Lição importante é a que prega a distinção literal entre puerpério, psicose puerperal e estado puerperal. Vejamos: O puerpério, como já mencionamos, é o período que se segue ao parto até que os órgãos genitais e o estado geral da mulher retornem à normalidade. Destarte, tem-se por Puerpério o nome dado à fase pós-parto, em que a mulher experimenta modificações físicas e psíquicas, tendendo a voltar ao estado que a caracterizava antes da gravidez; A Psicose Puerperal é uma espécie de transtorno psicológico independente, pois é restrito às mulheres e ocorre durante ou logo após o parto e recebe tal nomenclatura devido ao fato de ocorrer dentro período do puerpério. Já o estado puerperal, como já afirmado, é o período em que ocorre a psicose puerperal, ou seja, a alteração temporária em mulher sã, com colapso do senso moral e diminuição da capacidade de entendimento seguida de liberação de instintos, culminando com a agressão ao próprio filho.[34]

É importante que se observe que nem sempre o fenômeno do parto dá origem a transtornos psicóticos puerperais, não sendo, pois, uma regra. O espaço de tempo de ocorrência do estado puerperal, ocasião em que, ocorrendo a morte do filho pela mãe, esta pratica infanticídio é denominado privilegium legal. Fernando Capez[35]nos lembra que o tão-só fato de a genitora estar no período de parto ou logo após não gera uma presunção legal absoluta de que ela esteja sofrendo de transtornos psíquicos gerados pelo estado puerperal, pois, via de regra, o parto não gera tais desequilíbrios. Recomenda o autor que é necessário que se avalie o caso concreto, por meio de peritos-médicos-legais, se aquele estado puerperal acarretou ou não o desequilíbrio em voga.

Feitas essas considerações, trataremos dos limites do estado puerperal, agora sob a ótica de cada seguimento mencionado. Pelo que já foi exposto em capítulos anteriores é possível inferir-se que puerperal além de um estado, é espécie do gênero depressão. Destarte, tem-se o puerpério como aquele período compreendido entre o parto e até 12 meses depois. Mas a primeira dúvida que surge é: Qual o período de duração do parto? Quando se inicia e quando termina? Para MIRABETE, Estado Puerperal compreende "o período que vai do deslocamento e expulsão da placenta à volta do organismo materno às condições normais"[36]. Para o mestre Noronha[37]"O parto inicia-se com o período de dilatação, apresentando-se as dores características e dilatando-se completamente o colo do útero; segue-se a fase de expulsão, que começa precisamente depois que a dilação se completou, sendo, então, a pessoa impelida para o exterior; esvaziado o útero, a placenta se destaca e também é expulsa: é a terceira fase. Está, então, o parto terminado". Importante salientar que esse prazo não é consenso na medicina legal, mas dentro das literaturas pesquisadas foi o prazo médio alcançado. Nesse diapasão, o limite temporal do estado puerperal para a medicina legal é incerto, variando, pois de pessoa a pessoa, conforme seja a resposta do seu organismo e, conseqüentemente, os efeitos colaterais provenientes do parto, ou seja, das seqüelas em grau mínimo ou máximo, em razão do metabolismo da parturiente.

Com efeito, a elementar: "durante o parto ou logo após" constitui o fator tempo. É o elemento ou circunstância temporal. Sobre os limites de sua vigência não se tem hoje, nem na doutrina, nem na jurisprudência um entendimento pacífico, não sendo claro então o seu início e fim. Damásio argumenta que a melhor solução é deixar a conceituação da elementar "logo após" para análise do caso concreto, entendendo-se que há delito de infanticídio enquanto perdurar a influência do estado puerperal. Enquanto permanecer a influência desse estado, prega o mestre, vindo a mãe a matar o próprio filho, estaremos diante da expressão "logo após o parto". Nesse sentido: RT 531:318.

Mister salientar que nem sempre o Código Penal brasileiro foi permeado de indefinição quanto ao limite do estado puerperal no crime de infanticídio. O Código Criminal de 1890 preconizava no seu artigo 298, littheris:

Matar recém nascido, isto é infante, nos sete primeiros dias de seu nascimento, quer empregando meios direito e ativos, que recusando à vítima os cuidados necessários à manutenção da vida e a impedir a sua morte. (grifo nosso).

 

Com o advento do Código Penal de 1940 o legislador deixou de mencionar o lapso temporal mencionado no Código de 1890, deixando a cargo de peritos dizer se a mãe estava ou não sob a influência do estado puerperal e, conseqüentemente, ter direito ou não as prerrogativas do privilegium do crime de infanticídio.

  • Limites temporais segundo a jurisprudência pátria

De uma forma geral a jurisprudência tupiniquim privilegia a análise do caso concreto, como forma de melhor empregar o texto legal. Ante a grande dificuldade de se aferir se no momento em que ocorreu a morte do infante estava a mãe ou não sob o efeito de uma psicose puerperal, os magistrados orientam-se tão-somente pelos laudos dos peritos-médicos-legistas. Estes sim, responsáveis e competentes para, na forma da lei, depois de minuciosos estudos com a parturiente, emitir parecer indicando ao poder judiciário se a parturiente estava sofrendo transtornos psicóticos puérperos.

Tratando da cessação do estado puerperal o TJSP já se manifestou dizendo que "para a caracterização do crime de infanticídio é necessário que a mãe esteja agindo sob a influência do estado puerperal, ou seja, que o delito ocorra logo após o parto ou imediatamente após, sem intervalo, de modo que, ultrapassado tal lapso temporal e conseqüentemente o puerpério, responderá pelo crime de homicídio, no caso em sua forma tentada" (RT 757-530)[38]

  • Limites temporais no Direito Comparado

De um modo geral não existe consenso no que diz respeito ao limite temporal do estado puerperal nos crimes de infanticídio. Tratando do assunto, NUCCI[39]ensina que o infanticídio exige que a agressão seja cometida "durante o parto ou logo após", embora sem fixar um período preciso para tal ocorrer. Segundo o mestre deve-se, pois, interpretar a expressão "logo após" com o caráter de imediatidade, pois, do contrário, poderão existir abusos.

Também na doutrina e na jurisprudência de outros países não existe consenso, bem como nos respectivos códigos penais. Na Argentina, p. ex. o infanticídio é tratado como um delito que consiste no assassinato de um ser humano antes que complete certo número de horas, geralmente 48 a 72 horas do nascimento. Por seu turno, o Código Penal brasileiro permite que se infira que a expressão "logo após" deve ser interpretada como "imediatamente". Esta interpretação é referendada pela letra do art. 578 do Código Italiano que menciona a expressão "imediatamente" no corpo do seu texto, não deixando, assim, muitas dúvidas. Nesse diapasão a doutrina e jurisprudência italiana firmam o entendimento de uma situação instantânea. Já no Chile, de forma simples e eficaz, o legislador define no art. 394 o limite temporal de 48 horas.

Tratando desse assunto, NUCCI[40]aduz que "logo após" encerra imediatidade, mas pode ser interpretada em consonância com a "influência do estado puerperal", embora sem exageros e sem a presunção de que uma mãe, por trazer consigo inafastável instinto materno, ao matar o filho estaria ainda, mesmo que muitos dias depois do parto, cometendo um infanticídio. Segundo o douto mestre, o correto é presumir o estado puerperal quando o delito é cometido imediatamente após o parto, em que pese poder haver prova em contrário, produzida pela acusação. Após o parto ter se consumado, no entanto, a presunção vai desaparecendo e o correr dos dias inverte a situação, obrigando a defesa a demonstrar, pelos meios de prova admitidos (perícia e testemunhas), que o puerpério, excepcionalmente, naquela mãe persistiu, levando-a a matar o próprio filho.

EXPECTATIVAS LEGISLATIVAS

  • Noções preliminares

Ante todas as controvérsias que se viu acerca do crime de infanticídio a mais robusta é a que preconiza que ele deve perder o status de artigo de lei e submeter-se aos ditames do artigo 121 do CP, como um homicídio privilegiado que é. Nesse sentido alguns projetos se encontram em tramitação na Casa Legislativa pátria, desde 2003, Sendo os principais: Projeto de Lei 1.262, de 2003, de autoria do Deputado Federal Alberto Fraga que, de forma radical, a nosso ver, propõe a revogação expressa do art. 123 do Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940 – Código Penal; Projeto de Lei nº 3.398, de 2004, de autoria do Deputado José Divino, que também propõe a revogação do art. 123 do Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal; Projeto de Lei nº 3.750, de 2004, de autoria do Deputado Federal Coronel Alves, que propõe a inclusão de dois parágrafos ao artigo 123 do CP, a saber:

"§ 1º Na mesma pena do caput incorre a mulher que ao invés de matar, auxilia, induz ou instiga alguém a matar.

§ 2º O terceiro que induz, instiga ou auxilia a mulher a matar, pena de 8 (oito) a 15 (quinze) anos."

Dos três projetos, o mais relevante é o de nº 3.398, de 2004 por ter sido considerado, pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, constitucional e de boa técnica legislativa. Portanto, colacionamos abaixo o inteiro teor do Projeto e do voto do relator, Dep. Aloysio Nunes Ferreira, littheris:

COMISSÃO de constituição e justiça e de cidadania

PROJETO DE LEI Nº 1.262, DE 2003

(Apensos os PLs 3.398 e 3.750, de 2004)

Revoga o art. 123 do Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal.

Autor: Deputado José Divino

Relator: Deputado Aloysio Nunes Ferreira

I - RELATÓRIO

Através do Projeto de Lei em epígrafe enumerado, o ilustre Deputado José Divino pretende revogar o art. 123 do Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, que trata do infanticídio.

Alega, em sua Justificação, que:

"... o tipo do infanticídio acarreta vários problemas, doutrinários e práticos, seja pela dificuldade de visualização, obstaculizando a correta capitulação do fato, seja pela dúvida quanto ao enquadramento das pessoas que realizam a conduta típica, além da parturiente.

Destarte, é forçoso concluir-se que o tipo do infanticídio tornou-se como crime autônomo, e até desnecessário. É perfeitamente compreensível ao entendimento, nos tempos antigos, da importância da honoris causa; hoje, porém, diante da revolução dos costumes, mesmo no interior do país este motivo não mais encontra justificativa.

Quanto à influência do estado puerperal, a conclusão é outra. Na verdade, trata-se de um critério duvidoso de apuração da materialidade do crime, visto que pela complexa forma que se dá e pela rápida recuperação da mulher em puerpério fica difícil, ou quase impossível a detecção de tal atenuante material. Isso faz com que várias e várias vezes crimes de homicídio sejam levados ao juiz na forma de infanticídio.

Em nossa justificativa, ressaltamos os dizeres do tratadista James Tubenchlak, que em sua obra "Estudos Penais", Rio de Janeiro ed. Forense, 1986: "A verdade, sim, é que o infanticídio mais é do que um homicídio, e não atinamos o porque de sua tipificação em artigo diferente, tal como acontece, aliás com o delito de exposição ou abandono de recém-nascido, esdruxulamente destacado do crime de abandono de incapaz. Diga-se mais, não se constitui em boa técnica transmudar-se uma infração para outra tão-somente em homenagem aos motivos que a determinaram.

É válido concluir que as condições a diferenciarem o infanticídio do homicídio - influência do estado puerperal (código em vigor) e honoris causa (diploma de 1969) - não devem ser supervalorizados, inexistindo mesmo qualquer razão subjetiva ou de ordem prática para tanto.

Realmente, inexistindo o atual artigo 123 do Código Penal, o julgador disporá, ainda assim, dos dois motivos justificadores do tipo autônomo, podendo aplicá-los quanto entender conveniente..."

A este Projeto, foram apensados os de nºs 3.398, de 2004, de autoria do Sr. Alberto Fraga, e 3750, de 2004, do Sr. Coronel Alves. O primeiro quer estabelecer pena relativa ao homicídio a quem colabora, contribui, instiga, induz ou auxilia a prática do infanticídio (art. 123 do CP).

O PL 3.750, de 2004, quanto ao infanticídio, determina que:

"§ 1º Na mesma pena do caput incorre a mulher que ao invés de matar, auxilia, induz ou instiga alguém a matar.

§ 2º O terceiro que induz, instiga ou auxilia a mulher a matar, pena de 8 (oito) a 15 (quinze) anos."

A esta Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania compete analisar as propostas sob os aspectos de constitucionalidade, juridicidade, legalidade, regimentalidade e técnica legislativa, sendo a apreciação final do Plenário da Casa.

É o Relatório.

II - VOTO DO RELATOR

A matéria tratada nas Proposições é de competência da União Federal (art. 22, I), de iniciativa desta Casa (art. 61), não atentando contra quaisquer dos incisos do § 4º do art. 60, todos da Constituição Federal, não há vício de constitucionalidade.

A técnica legislativa é adequada, salvo a do PL 3.398, de 2004, que traz, em vez da expressão NR entre parênteses, um (AC) ao final do dispositivo alterado; e a do PL 3.750, de 2004 que, no acréscimo que faz ao artigo 123, não segue a linha redacional adotada pelo Código Penal.

A juridicidade dos PLs 1.262, de 2003 e 3.750, de 2004, parece-nos não se coadunar com os princípios que informam nosso ordenamento jurídico.

O PL 1.262, de 2003, traz um parágrafo único que é conseqüência lógica da pretensão de revogação do artigo 123 do Código Penal. Ora, se o crime de infanticídio deixar de ser tipificado como tal, a dedução natural é a de que a mãe, que pratica o crime no estado puerperal, passará a ter sua conduta inserta no art. 121, que tipifica o crime de homicídio. Não há, pois, necessidade jurídica de, se aprovado este PL, acrescentar um parágrafo único no mesmo sentido.

Já o PL 3.750, de 2004, nos parágrafos que acrescenta ao artigo 123 do CP, confunde as figuras da autoria imediata (ou material, autoria de quem executa o fato, ou física) e autoria mediata (indireta, ou intelectual, ou do mandante). Incide, assim, em confrontação aos cânones do Direito Penal, além de apenar o instigador, o que induz, ou auxilia a mãe a praticar o infanticídio, com pena exacerbada (embora não traga o PL qual tipo de pena, pois apenas diz que a pena é de oito a quinze anos).

Cremos haja, então, injuridicidade desses aspectos nos PLs indigitados.

No mérito, não podemos concordar com a pretensão expendidas nos Projetos 1.262, de 2003 e 3.750, de 2004.

Embora embasado o PL 1.262/04 em abalizadas doutrinas, cremos que o infanticídio, por ser executado pela mãe em estado anormal de consciência, merece figura típica apartada do homicídio simples.

Puerpério, na definição comum, é o período que se segue ao parto até que os órgãos genitais e o estado geral da mulher voltem ao normal; é o conjunto de fenômenos ocorrentes após o parto.

O infanticídio é crime próprio, da genitora, da puérpera. É doloso, de dano, material, comissivo ou omissivo e instantâneo. A ação deve ser praticada durante ou logo após o parto, pois a circunstância de tempo, por ser normativa do tipo, é elementar do tipo penal. Deve-se entender como "logo após o parto" o que ocorre em seguida, imediatamente após, prontamente, sem intervalo. Se a conduta ocorre antes do nascimento, o crime será o de aborto (arts. 124 – 128). Se ausente o elemento fisiopsicológico ou temporal, poderá haver homicídio (Celso Delmanto, in Código Penal Comentado; Ed. Renovar; 6ª ed., 2002).

"A mulher, em conseqüência das circunstâncias do parto, referentes à convulsão, emoção causada pelo choque físico, etc., pode sofrer perturbação de sua saúde mental. O Código fala, então, em influência do estado puerperal. Este é o conjunto das perturbações psicológicas e físicas sofridas pela mulher em face do fenômeno do parto. Não é suficiente que a mulher pratique a conduta durante o período do estado puerperal. É necessário que haja uma relação de causalidade entre a morte do nascente ou neonato e o estado puerperal. Essa relação causal não é meramente objetiva, mas subjetiva. O CP exige que o fato seja cometido pela mãe "sob a influência do estado puerperal".

Não há incompatibilidade entre a descrição típica do infanticídio (art. 123) e o disposto no art. 26 e seu Parágrafo único do CP, que trata da inimputabilidade e da semi-responsabilidade... (Damásio de Jesus, Direito Penal, 2º vol. Parte Especial; Ed. Saraiva)

Notáveis penalistas defendem o critério adotado pelo nosso Código Penal, como lembrado pelo ilustre Deputado Ibrahim Abi-Ackel:

"Nele (estado puerperal) se incluem os casos em que a mulher, mentalmente sã, mas abalada pela dor física do fenômeno obstetrício, fatigada, enervada, sacudida pela emoção, vem sofrer um colapso do senso moral, uma liberação de impulsos maldosos, chegando por isso a matar o próprio filho. De um lado, nem alienação mental nem semi-alienação (casos esses já regulados genericamente pelo Código). De outro, tampouco frieza de cálculo, ausência de emoção, a pura crueldade (que caracterizariam , então, o homicídio). Mas a situação intermédia, podemos dizer até "normal" da mulher que, sob o trauma da parturição e dominada por elementos psicológicos peculiares, se defronta com o produto talvez não desejado, e temido, de suas entranhas". (A. Almeida Júnior e J.B.O. Costa Jr., "Lições de Medicina Legal", pág. 382, Júlio Fabbrini Mirabete, "Manual de Direito Penal, Parte Especial". Atlas, 2000, vol. 2, p. 89).

A esses estados psicológicos anormais que podem aflorar durante o parto somam-se as psicoses denominadas puerperais, caracterizadas por alucinações agudas, ofuscamento da consciência, delírios. Mestre Hungria dá ao problema o toque insuperável de sua maestria:

" Surgem elas (as psicoses puerperais) no terreno lavrado pela tara psíquica que se agrava pelos processos metabólicos do estado puerperal ou são uma espécie do genus psicoses sintomáticas, isto é, transtornos psíquicos que se apresentam no curso de enfermidades gerais internas, de infecções agudas, de intoxicações, etc e cujas lesões não têm uma localização cerebral. Tais psicoses manifestam-se, de regra, vários dias após o parto, e nada tem a ver com elas, portanto, o art. 123, deixando a ocisão do infante de ser infanticídio, para constituir, objetivamente, o crime de homicídio, mas devendo a acusação ser tratada segundo a norma geral sobre a responsabilidade ou capacidade de direito penal (art. 22)". Nelson Hungria, "Comentários ao Código Penal", Rio, Forense, vol. 5, p. 256, 257).

O estado puerperal existe sempre, mas nem sempre ocasiona perturbações emocionais que conduzam a mulher à morte do próprio filho. Se ocorre uma perturbação psicológica de natureza patológica, que se constitua em doença mental, há de ser isenta de pena, nos termos do art. 26 do CP. Se não lhe retira a capacidade de entender e querer, responde pelo delito de infanticídio, porém com pena atenuada (art. 26, Parágrafo único).

Deste modo, se o estado puerperal ocorre com todas as parturientes, levando algumas a praticar o delito extremo de retirar a vida de seu próprio filho, há que se levar em conta esta relevantíssima escusa, e continuar-se a adotar o critério então vigente em nosso ordenamento jurídico-penal.

Pelo exposto, não há como aprovar a Proposição de nº 1.262, de 2003.

Quanto ao Projeto de Lei n.º 3.750, acreditamos inexistirem razões para a sua aprovação. De que mulher trata os §§ 1º e 2º, que quer ver acrescidos ao art. 123 do CP?

Se é a própria mãe, há desnecessidade de tal mandamento, pois a lei já disciplina o tema. Quanto à pena do terceiro, como retrodito, cremo-la por demais exacerbada.

No que concerne ao terceiro que induz, instiga ou auxilia a mãe ou mesmo comete o crime de infanticídio, do mesmo modo como o faz o PL 3.398, de 2004, remetendo o agente à figura típica do homicídio, somos favoráveis à sua aprovação.

A elementar do tipo infanticídio (sob a influência do estado puerperal) não deve ser comunicada ao terceiro para que este seja beneficiado com menor dosimetria da pena, caso em que incidiria a regra dos artigos 29 (que dispõe sobre o concurso de pessoas) e 30 do CP:

Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.

§ 1º - Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço.

§ 2º - Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave.

Circunstâncias incomunicáveis

Art. 30 - Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime

Ora o terceiro que participa do crime deve responder não por infanticídio, comunicando-se a elementar, mas da conduta típica do homicídio, pois no momento do fato não se encontra em estado perturbado de consciência, como a parturiente, mas está plenamente cônscio de seu comportamento delituoso, e naturalmente tendo a capacidade para entender o caráter ilícito do fato, o que, indubitavelmente, deve afastar a incidência dos artigos 26 e 30 do CP.

Pelo exposto, nosso voto é pela constitucionalidade, juridicidade, regimentalidade, boa técnica legislativa e no mérito pela aprovação do Projeto de Lei n.º 3.398, de 2004, com a emenda em anexo; e pela constitucionalidade, injuridicidade (nos aspectos retroindicados), inadequada técnica legislativa dos Projetos de Lei n.ºs 1.262, de 2003 e 3.750, de 2004, e no mérito pela rejeição de ambos.

Sala da Comissão, em de de 2004 .

Deputado Aloysio Nunes Ferreira

Relator

COMISSÃO de constituição e justiça e de cidadania

PROJETO DE LEI Nº 3.398, DE 2004

Altera o art. 123 do Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal.

 

EMENDA SUBSTUTIVA

Substitua-se do art. 2 º do projeto a expressão (AC) por (NR).

Sala da Comissão, em de de 2004.

Deputado Aloysio Nunes Ferreira

Relator

Como se pode vislumbrar o projeto de lei é robusto e de muita seriedade e com certeza servirá para pôr termo à grande controvérsia doutrinária acerca desta matéria. Acreditamos, assim, que em vista a ausência de projetos sérios acerca do direito penal pátrio, este é um bom exemplo de como o poder legislativo pode se antecipar à jurisprudência no sentido de fornecer os mecanismos de aplicar o direito posto de forma coesa com os costumes da sociedade.

CONCLUSÃO

No presente trabalho procurou-se demonstrar o entendimento formulado no decorrer da pesquisa sobre os limites temporais do estado puerperal no crime de infanticídio. No bojo que se pesquisou, foi possível verificar que no direito brasileiro, não obstante às argumentações contrárias, com a exclusão do limite que era preconizado no Código de 1890, existe uma lacuna no tocante a esta limitação.

Acreditamos que deixar a cargo de exames periciais a definição se o crime foi praticado ou não em estado puerperal da mãe, é muito cômodo, quando o que deveria existir é uma legislação que tratasse desse assunto, propiciando, assim, melhor mecanismo para o magistrado formar seu entendimento. É assim que acreditamos que ao invés de permitir simples inferências ao texto legal, melhor seria uma interpretação conforme, no sentido de que uma análise mais detalhada ao caso concreto propiciasse menos controvérsias, quando da aplicação da lei.

Verificou-se pela pesquisa realizada que em outros países existe a figura da delimitação do período do estado puerperal, como por exemplo, no Código Chileno que estabelece o limite de 48 (quarenta e oito) horas, ou até mesmo como no Código pátrio de 1890, que preconizava o período de sete dias. Desta forma, tem-se, além da possibilidade, a viabilidade, pois não se verificou nos estudos realizados, motivos legais que justifique a não aplicação de uma limitação.

Ante o exposto, entendemos ser necessária a confecção de um projeto de lei, que estabeleça o limite temporal para efeito da tipificação penal em tela, visando a uma maior transparência em termos de hermenêutica jurídica. Ademais, é sabido que em muitos casos de morte de infante pela mãe, os crimes são perpetrados quando esta já se encontra em sua residência, portanto, longe dos cuidados médicos e sem o auxílio de uma profissional de enfermagem que possa lhe prestar auxílio. É justamente nessa solidão a que é submetida a parturiente em resguardo é que costuma ocorrer o desenvolvimento das psicoses puerperais, levando a mãe a cometer o infanticídio. Assim, fica a agente ativa deste crime, desprotegida pela legislação devido a ausência da elementar "durante o parto ou logo após", o que lhe conduz direto ao tribunal do júri na condição de autora de homicídio e não de infanticídio. Acreditamos, pois, que não deveria ter sido suprimido do Código Penal pátrio o texto que estabelecia o limite temporal de sete dias, como elementar do crime de infanticídio, portanto, nos posicionamos no sentido de que seja restabelecido o limite temporal de outrora que era de setenta e duas horas após o parto, como elementar do tipo preconizado no art. 123 do Código Penal pátrio, a exemplo de outros países, ou que se revoque tal artigo nos termos do projeto de lei elencado acima.

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XAVIER, Ronaldo Caldeira – Latim no Direito – Ed. Forense, 2004.

Monografia baseada no TTC – Unieuro Brasília, como conditio sine qua non para a obtenção do título de Bacharelado em Direito em janeiro de 2008.

 

Autor:

Antonio Sólon Rudá

antoniosolonruda[arroba]gmail.com

Doutorando em Direito Penal pela Universidade de Buenos Aires – Argentina; Especialista em Ciências Criminais pela Faculdade Cândido Mendes no Rio de Janeiro; Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Unieuro – Brasília-DF.


[1] O método utilizado para o desenvolvimento do trabalho de pesquisa foi o dedutivo, dando ênfase no estilo monográfico. Já a técnica de pesquisa foi a pesquisa bibliográfica em fontes primárias e secundárias que versam sobre a matéria.

[2] Novo Dicionário Aurélio - Forma Eletrônica

[3] Segundo De Plácido e Silva, esta palavra vem do latim puerpera (mulher que está de parto), é justamente a expressão que designa a mulher que deu á luz recentemente. é a parturiente.

[4] Período em que ocorre o crime de Infanticídio.

[5] Texto com fonte no Wikipédia, link: http://pt.wikipedia.org/wiki/Puerp%C3%A9rio.

[6] Professor Roberson Guimarães, Professor da Disciplina de Medicina Legal da Faculdade de Direito de Anápolis, FADA-AEE), Publicado no site: http://www.medicinalegal.com.br/a15.htm.

[7] COSTA JR. A. Almeida Júnior e J.B.O, "Lições de Medicina Legal", pg. 382, citação de MIRABETE, Júlio Fabbrini, "Manual de Direito Penal, Parte Especial". Atlas, 2000, vol. 2, p. 89.

[8] HUNGRIA, Nelson, "Comentários ao Código Penal", Rio, Forense, vol. 5, p. 256, 257.

[9] NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado - 7ª edição, São Paulo, RT, 2007, pg. 565.

[10] Prática comum até nos dias de hoje, mas que vem recebendo fortes críticas dos defensores dos Direitos Humanos.

[11] ARRUDA, José Jobson de A. e PILETTI, Nelson, Toda a História, Ed. Ãtica, São Paulo, 2000, pg. 46.

[12] Note-se que o Patria Potestas revela um caráter político, e que a família é ao mesmo tempo uma unidade política, religiosa e econômica.  O chefe de família era a um só tempo o responsável pelo culto doméstico, pela justiça, pela relação com terceiros, pela representação de todos os negócios da família, enfim o chefe e administrador do seu território familiar. Outro aspecto era que esse exercício tinha caráter perpétuo e abarcava todos os que tivessem sob sua submissão. Só ao chefe da família competiam direitos, pois só ele era pessoa sui júris os demais ficavam subordinados a esse poder, portanto condicionados a  personae alieni júris.

[13] MARQUES, José Frederico, Tratado de Direito Penal, Vol. IV, 2002, Ed. Millenium, Campinas-SP, pg. 149.

[14] Fuero Juzgo, ao lado dos costumes municipais, são as principais fontes do direito por muitos séculos.

[15] No mesmo sentido, no que tange á severidade, a Carolínia (Ordenança Penal de Carlos V) no seu art. 131 preconizava que: "as mulheres que matam secreta, voluntária e perversamente os filhos, que delas receberam vida e membros, são enterradas vivas e empaladas segundo o costume. Para que se evite o desespero, sejam essas malfeitoras afogadas, quando no lugar do julgamento houver para isso comodidade de água. Onde, porém tais crimes se dão freqüentemente, permitimos, para maior terror de tais mulheres perversas, que se observe o dito costume de enterrar e empalar, ou que, antes da submersão, a malfeitora seja dilacerada com tenazes ardentes".

[16] LISZT, Franz von, Tratado de Direito Penal Alemão, Vol. II, Ed. Russel, Campinas-SP, 2003, pg. 41.

[17] Nesse sentido tem-se que Beccaria e Feuerbach foram os primeiros a conceber o homicídio como tal no Código Penal austríaco de 1803. Beccaria, por exemplo, assinalava que: "o infanticídio é ainda o resultado quase inevitável da cruel alternativa em que se acha uma infeliz, que só cedeu por fraqueza, ou que sucumbiu sob os esforços da violência. De um lado a infâmia, de outro a morte de um ser incapaz de sentir a perda da vida: como não havia de preferir esse último partido, que a rouba á vergonha, á miséria, juntamente com o desgraçado filhinho. O melhor meio de prevenir essa espécie de delito seria proteger com leis eficazes a fraqueza e a infelicidade contra essa espécie de tirania, que só se levanta contra os vícios que não se podem cobrir com o manto da virtude".

[18] MARQUES, José Frederico, Tratado de Direito Penal, Vol. IV, 2002, Ed. Millenium, Campinas-SP, pg. 150.

[19] A França de Vichy (em francês chamada hoje de Régime de Vichy ou Vichy; na altura autotitulava-se de état Français) foi o Estado francês dos anos 1940-1944, o qual era um governo fantoche da influência Nazi, opondo-se ás Forças Livres Francesas, baseadas inicialmente em Londres e depois em Argel. Foi estabelecido após o país se ter rendido á Alemanha nazista em 1940, na Segunda Guerra Mundial. Recebe o seu nome da capital do governo, a cidade de Vichy, a sudeste de Paris, próximo de Clermont-Ferrand. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Fran%C3%A7a_de_Vichy.

[20] Eis a íntegra da letra do artigo preconizado no Código Penal de 1890 no que tange ao crime em tela, littheris: "Matar recém-nascido, isto é infante, nos sete primeiros dias de seu nascimento, quer empregando meios diretos e ativos, quer recusando á vítima os cuidados necessários á manutenção da vida e a impedir a sua morte". (Grifo nosso).

[21] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 7ª edição, São Paulo, RT, 2007, pg. 620.

[22] http://pt.wikipedia.org/wiki/Estado_puerperal.

[23] http://pt.wikipedia.org/wiki/Estado_puerperal.

[24] NORONHA, E. Magalhães, Direito Penal, v. 2, p. 43 e 44.

[25] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 7ª edição, São Paulo, RT, 2007, pg. 621.

[26] MARQUES, José Frederico, Tratado de Direito Penal, Vol. IV, 2002, Ed. Millenium, Campinas-SP, pg. 154.

[27] CERNICHIARO, Luiz Vicente. Tipo penal e tipo de culpabilidade. In. Estudos Jurídicos em homenagem a Manoel Pedro Pimentel. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992. P. 270-271.

[28] JESUS, Damásio de. Nélson Hungria e o concurso de pessoas no crime de infanticídio. São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, dez. 2000. Disponível em: .

[29] Posição antes da 5ª edição de sua obra Comentários ao Código Penal.

[30] FRAGOSO, Heleno Claudio, Lições de direito penal: parte geral. 13. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991. p. 57.

[31] "RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - PRONÚNCIA - HOMICÍDIO QUALIFICADO - INDÍCIOS SUFICIENTES DA AUTORIA - MATéRIA A SER DECIDIDA PELO TRIBUNAL DO JÚRI - DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE INFANTICÍDIO - IMPOSSIBILIDADE - Presentes indícios suficientes da autoria, deve a ré ser pronunciada para responder perante o Júri, que tem a competência constitucional para julgar os crimes dolosos contra a vida - Para a desclassificação do homicídio para infanticídio, imperioso fazer prova de que o crime preenche todos os requisitos do tipo do artigo 123, do Código Penal, fato que a recorrente não logrou realizar - Improvimento do recurso que se impõe." Processo: 1.0120.03.900021-7/001(1).

[32] "Pronúncia. Homicídio qualificado e ocultação de cadáver. Filha recém-nascida morta pela mãe. Desclassificação para infanticídio. Decisão correta. Estado puerperal. Presunção. Decisão que encontra amparo no art. 408, § 4º, CPP. Crime conexo. Exclusão da pronúncia. Impossibilidade. Submissão ao Júri. Recurso do Ministério Público parcialmente provido." Processo: 1.0145.99.021633-8/001(1).

[33] EMENTA: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - PRONÚNCIA - HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO E OCULTAÇÃO DE CADÃVER (ART. 121, § 2º, INCISOS I E III, C/C ART. 211, AMBOS DO CP) - MÃE QUE TERIA CEIFADO A VIDA DO PRÓPRIO FILHO LOGO APÓS O PARTO - TESE DEFENSIVA DE QUE A AGENTE ENCONTRAVA-SE SOB A INFLUÊNCIA DO PUERPéRIO - PEDIDO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE INFANTICÍDIO (ART. 123 DO CP) - IMPOSSIBILIDADE - DÚVIDA QUANTO À EFETIVA CARACTERIZAÇÃO DO ESTADO PUERPERAL NO CASO CONCRETO - EXAME RESERVADO AO TRIBUNAL DO JÚRI - PRONÚNCIA: MERO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE DA ACUSAÇÃO - REQUISITOS (ART 408, CPP): CONVENCIMENTO ACERCA DA EXISTÊNCIA DO CRIME E INDÍCIOS DE SUA AUTORIA - SUPREMACIA DO PRINCÍPIO DO "IN DUBIO PRO SOCIETATE" DURANTE A FASE PROCESSUAL EM QUE O FEITO SE ENCONTRA. A teor do disposto no art. 408 do Código de Processo Penal e precedentes jurisprudenciais, para que haja pronúncia, basta que se estabeleça convencimento acerca da existência de crime e indícios de sua autoria. Tanto o homicídio quanto o INFANTICÍDIO pressupõem a conduta típica "matar", repousando a diferença entre ambos apenas na específica situação em que se encontra o agente deste último, qual seja, o 'estado puerperal', definido como sendo "o período que vai do deslocamento e expulsão da placenta á volta do organismo materno ás condições normais" (MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código Penal Interpretado, 4ª. Ed., São Paulo: Atlas, p. 842). Assim, tem-se que a aferição acerca do estado da Recorrente no caso concreto, e, em última análise, da sua capacidade de determinação diante da conduta praticada, demandaria uma profunda incursão no conjunto probatório para se concluir pela caracterização de um ou de outro delito, o que, como cediço, extrapola os limites do juízo que se pode conformar em sede de pronúncia. Recurso desprovido e decisão mantida. Para acesso ao inteiro teor, consultar jurisprudência do TJMG.

[34] Professor Roberson Guimarães, Professor da Disciplina de Medicina Legal da Faculdade de Direito de Anápolis, FADA-AEE), Publicado no site: http://www.medicinalegal.com.br/a15.htm.

[35] CAPEZ, Fernando, op. Cit. Pg. 101.

[36] (MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código Penal Interpretado, 4ª. ed., São Paulo: Atlas, p. 842).

[37] NORONHA E. Magalhães, Direito Penal, cit., v. 2, p. 43 e 44.

[38] MIRABETE, Julio Fabrini, Código Penal Interpretado, São Paulo, Atlas, 2003, pg. 843.

[39] NUCCI, Guilherme de Souza, Código Penal Comentado, São Paulo, Saraiva, 2007, pg. 565.

[40] NUCCI, ob. Cit. Pg. 566.



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