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Mas, apesar dos vestibulandos receberem essas propostas bem definidas de escrita, corretores de provas de vestibular têm observado que algumas redações não contemplam o que foi exigido nas instruções. Daí surge a pergunta: será que os concorrentes compreendem o que está sendo pedido como tarefa?
E é pensando nessa questão, ou seja, na leitura que o candidato faz da tarefa de escrita da prova de redação dos concursos classificatórios, que centro minhas investigações em textos de vestibular, verificando neles marcas linguísticas que possam demonstrar se o jovem concorrente deixou em sua produção marcas textuais (palavras ou expressões) que possam demonstrar se houve compreensão das instruções dadas.
Foi observado, especificamente, se candidatos ao curso de Jornalismo/manhã, do primeiro vestibular 1998 do UNI-BH, deixaram evidências em seus textos de que entenderam os objetivos propostos na tarefa de redação.
A hipótese inicialmente levantada foi de que muitos candidatos deixariam marcas linguísticas de não compreensão dos objetivos a serem seguidos ao produzirem seus textos, lançando mão de estratégias diferenciadas para realizar a tarefa exigida no concurso. Sendo assim, imaginou-se que os candidatos poderiam ser divididos em duas grandes categorias: candidatos que deixaram marcas textuais de compreensão das instruções e candidatos que não deixaram marcas, mas, mesmo assim, resolveram de alguma forma o seu problema de escrita, porque, na situação em que se encontravam, necessitavam escrever alguma coisa.
Esta investigação, desenvolvida durante meu curso de especialização em Leitura e Produção de Texto, caminhou no sentido de responder às seguintes questões: 1) a qualidade das produções dos candidatos pode estar relacionada à leitura que fazem da tarefa de escrita? 2) Até que ponto os textos produzidos revelam problema de leitura das instruções de escrita, especificamente, problemas de entendimento dos objetivos propostos?
Sem nenhuma pretensão de originalidade, explicito que esta pesquisa será subsidiada por autores que já vivenciaram a experiência de analisar a leitura e a escrita. Por isso, discutirei a seguir um pouco sobre assuntos que julgo importantes serem esclarecidos e que foram, sem dúvida, discutidos anteriormente por teóricos que me guiaram o tempo todo.
1.2.1. A leitura como um processo de produção de sentido
Estudos recentes têm demonstrado que a leitura é uma tarefa desafiadora para aquele que lê, pois há o envolvimento de um complexo processo de interação do leitor com o texto lido. O seja, além de acontecer a decodificação dos símbolos linguísticos, nós produzimos sentido ao texto na medida em que incorporamos nossos conhecimentos prévios ao ato de ler. KLEIMAN (1995) afirma, com segurança, que "sem o engajamento do conhecimento prévio do leitor não haverá compreensão".
Considera-se como conhecimento prévio toda a bagagem de conhecimento e vivência que o leitor carrega consigo– conhecimento linguístico, conhecimento textual e conhecimento de mundo – e que são ativados durante a leitura, sem o qual a compreensão não é possível. O conhecimento linguístico abrange desde o conhecimento de sobre como pronunciar português, passando pelo conhecimento de vocabulário e regras da língua, chegando até o conhecimento sobre o uso da língua. Em relação ao conhecimento textual, pode-se dizer que está relacionado ao que o leitor sabe sobre os diversos tipos de estruturas textuais e de tipos de discurso que circulam na sociedade, determinando, em grande medida, as expectativas em relação aos textos lidos. "Quanto maior seu conhecimento e exposição a todo tipo de texto, mais fácil será sua compreensão" (KLEIMAN: 1995). Por fim, temos o conhecimento de mundo ou o conhecimento enciclopédico, ou seja, é o que sabemos sobre o que aconteceu e está acontecendo pelo mundo em todos os sentidos. É fácil de imaginar que quanto mais sabemos sobre fatos e situações do mundo em que vivemos mais conhecimentos temos para compreender uma leitura, para fazer inferências e olhar criticamente para o lemos.
KATO (1998) estabelece que o significado varia de acordo com as condições de leitura estabelecidas pelo leitor, que são as seguintes: a) grau de maturidade do leitor: o leitor maduro consegue estabelecer metas e monitorar a compreensão. Ele direciona sua leitura para os objetivos que pretende, mantém uma postura crítica diante daquilo que lê e consegue formular suas próprias ideias a respeito do assunto tratado no texto. Além de conseguir ir em frente na leitura, quando depara com palavras desconhecidas. b) Nível de complexidade do texto: o nível de complexidade do texto também pode interferir no processo de leitura. Se o tema trabalhado é do conhecimento do leitor, certamente, a produção de sentido será facilitada. Paralelamente à complexidade do tema, tem-se a complexidade da linguagem adotada: "Acredita-se que um texto com muitas palavras desconhecidas seja de leitura difícil e se processe palavra por palavra". c) Estilo individual: esse está diretamente ligado à forma como o leitor executa sua leitura. Uns fazem muitas inferências, outros ficam apenas com o que o texto lhe informa, ainda outros só entendem bem quando leem em voz alta, enquanto certos indivíduos preferem a leitura silenciosa. d) Gênero do texto: a forma como o indivíduo processa cada gênero de texto, também, influencia na compreensão. Por exemplo, algumas poesias produzem melhor efeito se lidas em voz alta; o texto científico permite leitura objetiva, direta, enquanto o texto literário deixa aberturas para o leitor.
Dessa forma, devemos entender a leitura não como um simples ato mecânico em que nossos olhos decodificam as letras impressas nas folhas de papel, formando palavras. Essa concepção decodificadora e simples da leitura impede que muitos professores de língua materna, nas situações de ensino-aprendizagem, identifiquem e solucionem problemas de seus alunos, pois, agindo dessa forma não conseguirão ajudar os aprendizes a desenvolverem estratégias de leitura. Deve haver uma fundamentação clara do processo cognitivo envolvido na compreensão de texto, processo esse em que o leitor, com seus conhecimentos prévios, dá significado ao texto lido, fazendo inferências e analisando criticamente os elementos da língua que o autor utiliza. E é nesse processo de leitura que este trabalho está centrado.
1.2.2. O que se entende por estratégias de leitura
Em nosso dia a dia estamos sempre desenvolvendo estratégias para a solução de nossos problemas. Algumas são tão automáticas que nem nos damos conta de que as usamos. Outras exigem de nós mais esforço mental ou físico, exige que pensemos com mais cuidado antes da execução de alguma tarefa, que tracemos planos para o alcance do melhor resultado possível.
Com a leitura também precisamos definir métodos. Quando lemos definimos, consciente ou inconscientemente, procedimentos que nos levam a conseguir os objetivos de nossa leitura. Esses métodos, técnicas ou habilidade que utilizamos antes, durante e depois da leitura, para alcançarmos nossos objetivos enquanto leitores, podem ser considerados, grosso modo, como estratégias de leitura. Na prática o ato da leitura na escola deveria ser antecipado por motivações que ajudem o aluno a descobrir as diversas utilidades da leitura a ser feita. Para isso é importante a definição dos objetivos que se quer alcançar, para que o leitor saiba o que deve fazer durante sua leitura.
Segundo SOLE (1998) os objetivos dos leitores com relação a um texto podem ser muito variados e, talvez, não se esgotem nunca. Mas os mais comuns são: "ler para obter uma informação precisa, ler para seguir instruções, ler para obter uma informação de caráter geral, ler para aprender, ler para revisar um escrito próprio, ler por prazer, ler para comunicar um texto a um auditório, ler para pratica a leitura em voz alta e ler para verificar o que se compreendeu".
1.2.3. O processo de escrita de um texto
Assim como a leitura, a escrita também envolve múltiplas e complexas operações mentais. Por isso os textos prontos não devem ser alvo único de observações e julgamentos, há a necessidade de se observar o processo envolvido em sua criação para que se possa encontrar as causas dos eventuais fracassos. Ao depararmos com o problema e sua possível causa temos condição prática de ação local.
KATO (1998) apresenta um modelo de como as pessoas produzem texto, proposto por FLOWER & HAYES, que envolve operações de; planejamento, tradução e revisão. Na etapa de planejamento o escritor gera ideias, fixa as metas e os planos do que será escrito. É nessa etapa que o escritor planeja o assunto, a linguagem e os objetivos em função da plateia que vai ler seu texto. Durante a fase de tradução o produtor transforma ideias em sentenças escritas. Por fim, tem-se a fase de revisão do texto produzido, é o momento da leitura e da edição do que foi escrito.
Essa é apenas uma ideia muito simplificada e linear do processo de produção textual. Na prática, as etapas do processo podem sofrer interferências que facilitem ou dificultem a execução da tarefa de escrita. Ou seja, quando escrevemos, vários fatores podem interferir, positivamente ou negativamente, no produto final.
Vamos imaginar um vestibulando, escrevendo sua redação do vestibular, sem certo grau de conhecimento prévio sobre o assunto que ele deverá dissertar. Certamente ele encontrará enormes dificuldades para desenvolver seus argumentos, para defender suas ideias. Mesmo que ele saiba exatamente como lidar com as etapas de planejamento, tradução e revisão de um texto ele não saberá o que e como escrever, as dificuldades em cumprir essa tarefa serão enormes. Por outro lado, se esse mesmo vestibulando é profundo conhecedor do assunto em questão, mas não sabe lidar com o processo de escrita, se lhe falta prática e consciência de que deve fazer planos, definir metas e traçar caminhos antes da escrita final, com certeza, a missão de passar para a folha em branco suas ideias também será um fracasso. De nada adianta um profundo conhecimento sobre determinado tema se, no momento de transformá-lo em escrita, o indivíduo não sabe como organizar e transformar suas ideias em sentenças que possam ser lidas e compreendidas por seu leitor.
1.2.4. A redação do vestibular: história e influência
Já que o presente estudo usa redações de vestibular como material de análise, é importante que se fale também um pouco da história desses textos nos concursos.
O contexto político vivido nas décadas de 60 e 70, época de regime autoritário de governo, contribuiu para o desaparecimento temporário, nas escolas, da produção textual. Os testes de múltipla escolha tomaram lugar dos textos escritos e praticamente nada se fez, nesse período de tempo, em termos de incentivo ao ato de escrever. Era como se esse exercício pudesse dar vazão às insatisfações do cidadão com a vida política daquela época. Foi uma época em que se abafou a voz dos estudantes (LARA: 1993).
Na Segunda metade da década de 70, o Presidente da República General Ernesto Geisel determinou a volta da produção de textos através da "inclusão obrigatória de prova ou questão de redação em língua portuguesa" (Art. 1º, alínea d), nos concursos de vestibular. Essa foi uma das tentativas de seu governo para buscar a redemocratização do país. A determinação provocou grandes mudanças no ensino da língua, pois foi nesse período que as pesquisas na área linguística tomaram força, surgindo no mercado livros voltados para o ensino da produção textual e da língua portuguesa.
Segundo AMARAL (1996), a pressão que a medida exerceu foi positiva, pois o ensino brasileiro, voltado para os exames vestibulares acabou percebendo que o desenvolvimento efetivo das habilidades de escrita seria de fundamental valor.
CAPÍTULO II
Os candidatos a uma vaga no UNI-BH receberam a prova de redação e nela havia duas propostas ou tarefas de escrita. Nelas haviam instruções que estabeleciam o que o concorrente deveria considerar para resolver seu problema de redação. Isto é, estavam estabelecidas as orientações sobre o que escrever, para quem escrever e com que objetivos a escrita deveria ser trabalhada.
Além disso, os candidatos contaram com cinco textos, extraídos do jornal "Folha de S. Paulo", referentes ao assunto central a ser dissertado pelos jovens. Esses textos jornalísticos fizeram parte do contexto da prova com a finalidade de ampliar os conhecimentos prévios dos estudantes a respeito do tema proposto, abrindo o campo de visão mesmo daqueles alheios aos atuais fatos e polêmicas em relação ao assunto. Dessa forma, eles serviram como facilitadores da tarefa, buscando favorecer a geração de ideias e planejamento da escrita (ver Anexo I).
As propostas trabalhadas foram as seguintes:
a) Proposta 1: Escrever uma carta ao Ministro da Saúde, Carlos Albuquerque, criticando a posição assumida por ele diante da questão. Tente convencê-lo a mudar de opinião. Para isso, não vale dizer que você é contra ou a favor, há necessidade de apresentar argumentos, exemplos, estatísticas, etc.
b) Proposta 2: escreva um texto argumentativo para a seção de Debates de um jornal (sério) de circulação nacional, confrontando os argumentos dos que são contra com aqueles usados por quem é a favor do aborto. Ao final, deixe claro com quem é possível concordar.
A proposta 1 (P1) forneceu aos vestibulandos o que escrever (uma carta), para quem escrever (para o Ministro da Saúde Carlos Albuquerque) e o objetivo da escrita (criticar a posição assumida pelo Ministro diante da questão do aborto e tentar convencê-lo a mudar de opinião, apresentando argumentos, exemplos, estatísticas, etc.). Um dos textos jornalísticos, transcritos na prova, falava, exatamente, da posição do Ministro em relação à polêmica questão do aborto. O candidato deveria lê-lo com cuidado e, a partir dele, compor sua carta, contestando a opinião do Ministro. Os outros textos do jornal serviram, pois, como auxiliares dos argumentos e exemplos que, porventura, o autor quisesse usar.
Nesta pesquisa constatou-se que a proposta 1 apresentou falha na instrução ao apresentar ao candidato a exigência de estatísticas em relação ao aborto. Estatísticas, sinteticamente, são levantamentos matemáticos que partem da observação de fatos. Esses fatos, depois de criteriosamente observados, são registrados através de valores numéricos. Como um candidato poderia ter tais dados registrados na memória? É pouco provável que aconteça, a não ser que a pessoa lide no cotidiano com esses registros. O máximo que poderia fazer é argumentar usando a palavra estatística como força expressiva do tipo: "Nosso país apresenta estatisticamente, um elevado índice de abortos clandestinos, em clínicas particulares, seguidas de complicações como: hemorragias, esterilidade em alguns casos de morte da mulher" (trecho retirado de uma das redações analisadas, identificada como JM 79 (ver Anexo II)
A proposta 2 (P2), por sua vez, forneceu aos concorrentes o seguinte direcionamento: a) o que escrever: um texto argumentativo; b) para quem escrever: para a seção de Debates de um jornal (sério) de circulação nacional; c) com que objetivos escrever: fazer um confronto dos argumentos dos que são contra o aborto com aqueles usados por quem é a favor e deixar claro com quem é possível concordar.
Como se pode notar, a proposta 2, também, apresenta as diretrizes necessárias à escrita. Os textos da Folha de S. Paulo apresentavam opiniões diversas, em relação ao tema, que deveriam ser confrontadas e, para finalizar, o candidato deveria manifestar sua opinião, dizendo de que lado estaria e, é claro, justificando sua posição diante da questão.
Na presente pesquisa procurou-se estudar, especificamente, se o objetivo proposto pela P2 foi entendido pelo candidato ao vestibular. Ou seja, foi observado se os vestibulandos deixaram em seus textos marcas linguísticas de entendimento do objetivo de escrita.
Relembrando o que foi traçado como objetivo da P2: fazer um confronto dos argumentos dos que são contra o aborto com aqueles usados por quem é a favor e deixar claro com quem é possível concordar.
Pode-se perceber que o objetivo central da tarefa é confrontar opiniões contrárias e favoráveis ao aborto e, por último, deixar registrada a própria opinião sobre o assunto. Sendo assim, toda palavra ou expressão encontrada nos textos dos candidatos que remetessem a essa ideia foram consideradas como pistas de entendimento do objetivo proposto.
No caso específico da P2, foram consideradas as seguintes palavras e expressões, retiradas dos textos analisados, como marcas de compreensão da proposta: "confronto", "os simpatizantes ao aborto" e "os contrários ao aborto", "os dois grupos", "como julgar o aborto", "decisões a serem tomadas", "conflitos", "a divergência de opiniões", "por um lado" e "por outro lado", "os argumentos usados a favor", "a fim de contrapor", "polêmica", entre outras.
Essas pistas linguísticas serviram como direcionamento para as análises feitas. Através delas, nesta pesquisa, pôde-se inferir que o vestibulando teria entendido qual seria seu objetivo de escrita. A ausência dessas pistas inferiram exatamente o contrário: o candidato não entendeu o objetivo proposto.
Os textos que compõem o corpus analisado nesta pesquisa foram produzidos no Vestibular Unificado do UNI-BH, 1º semestre de 1998. Foram selecionados, especificamente, os textos escritos pelos candidatos ao curso de Jornalismo/manhã.
O curso de Jornalismo/manhã foi o escolhido, entre os demais, por se supor que as produções escritas por seus candidatos pudessem revelar um nível melhor de compreensão das tarefas de escrita. Essa suposição baseou-se no fato de que, em outros vestibulares, o curso de Jornalismo apresentou maiores notas na prova de redação. Portanto, ao trabalhar com esse corpus, estudando nele as possíveis pistas linguísticas que evidenciam problema de entendimento da proposta de escrita, a pesquisa estará levantando evidências gerais para os outros candidatos. Isto é, supõem-se que o estudo dessa amostragem possa revelar problemas comuns a todos os candidatos. A opção pelo turno da manhã não seguiu critérios específicos, foi uma escolha aleatória, num total de 373 textos.
A prova de redação apresentou aos candidatos duas propostas de escrita, que chamaremos: proposta 1 (P1) e proposta 2 (P2). Sendo assim, os 373 textos escolhidos foram separados de acordo com a proposta que o candidato escolheu para trabalhar, constatando-se que 212 candidatos trabalharam com a P1 e 161 trabalharam com a P2. Depois disso, os 161 textos que optaram pela P2 foram então escolhidos, sem critérios específicos, para serem estudados e analisados.
Esses 161 textos foram finalmente categorizados quanto ao entendimento dos objetivos propostos e cada categoria foi nomeada da maneira que melhor parecia defini-la.
Categoria 1: Textos com marcas linguísticas de entendimento dos objetivos propostos.
Nessa categoria, como o próprio nome diz, ficaram os textos que demonstraram, que os vestibulandos teriam entendido os objetivos da tarefa de escrita. Entraram todos os textos que deixaram marcas linguísticas que dão ideia de confronto de opiniões, mesmo que não tenham elaborado com clareza de ideias seus argumentos e opiniões. O que importou para a análise foram as pistas formais de entendimento dos objetivos propostos.
Categoria 2: Textos que não deixaram evidências de entendimento da proposta.
Aqui ficaram os textos que não apresentaram evidências da compreensão dos objetivos, ou seja, textos que não deixaram nenhuma marca linguística de entendimento da proposta. Registrou-se a presença de textos em que o autor cria seus próprios caminhos de escrita, escrevendo como lhe pareceu melhor naquele momento ou como conseguiu naquela situação.
Depois das categorizações, as produções foram quantitativamente analisadas e, para cada categoria, registraram-se valores numéricos que serão apresentados a seguir.
CAPÍTULO III
O total de candidatos ao curso de Jornalismo/manhã que produziram seus textos de acordo com a proposta 2 foi de 161. Desse total, 138 vestibulandos deixaram marcas de entendimento dos objetivos da tarefa de escrita e 23 concorrentes escreveram sem deixar pistas de compreensão. Veja quadro a seguir:
Nº de candidatos ao curso de Jornalismo/manhã analisados = 161 |
|
Textos com marcas linguísticas de entendimento dos objetivos propostos. |
Textos escritos fora dos objetivos e sem nenhuma evidência de entendimento da proposta. |
138 |
23 |
85,7% |
14,3% |
Os resultados obtidos na pesquisa são, nesse momento, analisados qualitativamente, ou seja, algumas produções, que fizeram parte da amostra analisada e que melhor caracterizaram os problemas encontrados, são transcritas, integralmente, e analisadas à luz do referencial teórico adotado. Nas transcrições há respeito total à forma original dos textos, não sendo feita nenhuma espécie de correção ortográfica ou gramatical.
A todo o momento será discutida a questão do "entendimento dos objetivos propostos pela tarefa de escrita", porém, não se deve confundir essa questão com "cumprimento dos objetivos propostos pela tarefa de escrita". Muitas vezes entendemos que devemos fazer algo, mas, simplesmente não fazemos ou fazemos de forma não esperada. Isso poderá ser mais bem entendido através das análises feitas em 3.1.1 e 3.1.2.
As redações serão identificados pelas iniciais JM (Jornalismo/manhã) e, a seguir, por um número que variou de 1 a 161. Os textos originais, que serviram de exemplo, poderão ser vistos no Anexo II.
3.1.1) Categoria 1: Textos com marcas linguísticas de entendimento dos objetivos propostos.
Texto JM1
A polêmica
A polêmica sobre o aborto não será cessada tão breve. As causas dessa polêmica são, sem dúvida, as variadas questões que a envolvem: questões religiosas, morais, econômicas, sociais e até culturais.
De um lado, estão as pessoas que são contra a prática do aborto. Nesse grupo, encontramos os religiosos e as pessoas que se julgam fazer parte da família de boa moral brasileira. Os principais argumentos são que só Deus tem o direito de nos dar e nos tirar a vida e que a legalização do aborto, prevista para casos de estupro ou risco de vida para a mãe, será um grande passo para a legalização do aborto em qualquer circunstância. Esses argumentos, indiscutivelmente, são muito bons, o que intensifica a discussão sobre o assunto.
Do outro lado, encontram-se as pessoas que são a favor do aborto nas condições já citadas. Esses não precisam de argumentos, pois eles já são a própria realidade brasileira. Essa realidade nos mostra abortos toldos os dias, em hospitais clandestinos ou em casa. Em ambos, a precariedade está presente. A realidade nos mostra mulheres sem condições financeiras, correndo risco de vida e jovens da classe média e alta pagando um absurdo para tirar o filho que por motivos banais não quer agora.
O que está em questão não é a religiosidade, pois a lei é criada para todos, ateus a cristãos. Com essa lei será mais fácil combater o aborto ilegal e conscientizar a população sobre quão prejudicial ele é.
Pode-se perceber, claramente, que o escritor do texto anterior buscou cumprir as instruções estabelecidas na prova de redação. Isso pode ser facilmente percebido pelas marcas linguísticas encontradas em sua produção. Observemos, primeiramente, o título da redação: "A polêmica". Esse título nos remete a ideia de confronto, que é justamente o que foi pedido nas instruções, ou seja, pede-se para confrontar "os argumentos dos que são contra com aqueles usados por quem é a favor" ao aborto. A partir dessa marca, encontra-se a primeira evidência textual de que o escritor, ao ler a instrução de escrita, compreendeu o que lhe foi estabelecido como tarefa. Por meio desse título cria-se, no leitor, a primeira expectativa daquilo que poderia ser o desdobramento do assunto do texto.
No primeiro parágrafo, é apresentada a ideia geral da escrita, e a palavra "polêmica" é novamente colocada em evidência. O retorno dessa palavra, sustenta, mais uma vez, a compreensão do vestibulando em relação à proposta dada.
No segundo e no terceiro parágrafos, acontece o confronto esperado. Há o parecer daqueles que estabelecem uma opinião negativa em relação ao aborto e há o desenvolvimento das ideias dos que são a favor, evidenciando, novamente, a compreensão da tarefa. Além de finalizar seu texto deixando sua opinião a respeito do assunto em questão.
Diante dessas constantes marcas linguísticas de compreensão das tarefas de produção, nesta pesquisa conclui-se que o candidato analisado tinha perfeita noção do que deveria fazer naquele momento. É bem verdade que a redação não trouxe novidade a respeito do assunto, além daquelas transcritas pelos textos jornalísticos. A criação cai no lugar comum, na falta de criatividade e de subjetividade. Também, quanto à argumentação usada, pode-se dizer que é pobre em sua força de convencimento, não agrade e nem convence, apenas cumpre seu papel de neutralidade tão ensinado nas escolas e cursinhos preparatórios para o vestibular (AMARAL: 1996).
Texto JM128
(Sem título)
A polêmica que cerca a questão do aorto ainda está bem longe de terminar. De um lado, estão os que enxergam nessa prática um verdadeiro assassinato. Do lado oposto encontran-se, principalmente, mulheres que desejam obter legalmente o direito de determinarem sozinhas o seu destino. Não faltam argumentos aos dois grupos, mas sobram muitas dúvidas. O que muitas pessoas não sabem é que, no meio dessa questão ética, há a parte prática. Os casos de aborto só vêm aumentando com o passar do tempo, e as mulheres brasileiras não encontram informações e apoio suficiente para tomar uma decisão segura. Não é preciso ser a favor do aborto para concordar com a sua legalização. É só olhar em volta e ver que as mulheres não podem mais continuar morrendo em clínicas clandestinas. Legalizar o aborto é dizer "não" à omissão e impedir que também a vida da mãe seja posta em risco.
À primeira vista, talvez esta não seja uma redação aos moldes esperados pela banca examinadora do vestibular. Mas nesta pesquisa ela é vista com outros olhos, pois, o que se quer é a investigação da leitura que o vestibulando faz da proposta. Apesar de alguns problemas estruturais, o escritor deixou marcas de entendimento da tarefa. Essas marcas podem ser constatadas pelas pistas linguísticas deixadas ao longo do texto. Observe que temos registrado o termo "polêmica", as frases "De um lado, estão os que enxergam nessa prática um verdadeiro assassinato" e "Do lado oposto encontram-se, principalmente, mulheres que desejam obter legalmente o direito de determinarem sozinhas o seu destino". Percebe-se que há tentativa de separação dos dois grupos envolvidos na polêmica do aborto. É um texto que demonstra, apesar das dificuldades, que seu produtor entendeu a proposta e sabia que deveria confrontar opiniões. Há tentativa de separação dos dois grupos envolvidos na polêmica do aborto, sabia que deveria trabalhar com eles, mas não conseguiu, ficando apenas na citação deles.
Observe que, num determinado momento, o vestibulando escreve: "Não faltam argumentos aos dois grupos, mas sobram muitas dúvidas". Entende-se que se escreveu isso é porque compreendeu que deveria confrontar opiniões, só não soube transformar esse entendimento para a forma escrita.
Texto JM142
O aborto tema polêmico
O aborto é um tema delicado, que gera discussões, polêmicas e, às vezes brigas. É um assunto que necessita de muita cautela para ser discutido, pois é algo até hoje complicado e muito íntimo. Cada pessoa tem sua forma de pensar e agir.
Os mais velhos acham que o aborto é um crime, que quem o comete são assassinos, só que esquecem de olhar a verdadeira causa pelo qual a pessoa foi levada a fazer aquilo. Ninguém pode ser condenado antes de se explicar, se justificar.
Os jovens já veêm às coisas de um outro ângulo, talvez mais realista. Mas ao mesmo tempo muito mais cruel e frio. Os jovens não têm medo, isso facilita às decisões. Só que muitas vezes são insensatos e maldosos.
O aborto gera conflito entre gerações, isso é bom, faz cm que haja diálogo entre os familiares. Os mais experientes sempre acham que estão com a razão, só que sobre este assunto são mais atualizados e por isso enchergam tudo de uma forma melhor e, em certa parte estão com a razão.
O aborto sendo feito em hospitais, diminuirá às mortes de adolescentes e até mesmo de senhoras que procuram clínicas clandestinas, ou métodos ainda piores. Com a aprovação tudo ficaria mais fácil e justo.
No texto anterior, assim como os outros analisados, encontrou-se marcas de entendimento da proposta. Primeiramente deparamos, ainda no título, com a palavra "polêmica". Em seguida, no primeiro parágrafo, é encontrada a expressão "o aborto é um tema delicado, que gera discussões, polêmicas e, às vezes brigas". Tais pistas aparecem, mas o autor não fez o confronto exigido, isto é, o confronto entre os que são favoráveis e os contrários ao aborto. O que ele fez foi confrontar opiniões dos "mais velhos" com as dos "jovens".
O autor demonstrou que sabia confrontar opiniões, que sabia qual o caminho inicial a seguir, mas, ao que parece, ele não leu os artigos da "Folha de S. Paulo", criando suas próprias estratégias de escrita, inventando seus próprios caminhos, sem considerar as orientações estabelecidas na prova. Há, portanto, evidências de que o vestibulando sabia que deveria confrontar opiniões, mas não se preocupou ou não soube como atender às exigências da proposta.
Categoria 2: Textos que não deixaram evidências de entendimento da proposta.
Texto JM55
Uma nova lei para os homens
A violência sexual é difícil de ser encarada e vivida, não somente pela angústia da gestação, mas pelo rejeitamento das mães às crianças.
É impossível aceitar o comportamento de homens que realizam um ato tão brutal como o estupro, entretanto, o aborto é um ato tão brutal quanto este.
Uma mulher ao ser violentada, mesmo que não tenha como impedir o estupro, tenta desesperadamente se defender com gritos, lágrimas e implorando para que o ato não seja consumado; a criança, porém, que será retirada do feto da mãe não poderá chorar, nem se quer implorar por sua vida.
Os homens, a cada dia, criam leis uns para os outros, passando por cima da ética dos profissionais que se dedicam a salvar vidas e se esquecem que, antes de seguir a lei dos homens, deveriam seguir rigorosamente as leis de Deus onde é bem claro e explícito quando ordena aos homens para não se matarem.
Se houver vida, foi Deus que a concedeu, portanto, somente ele tem o poder de tirá-la.
Percebe-se que o escritor do texto anterior não conseguiu desenvolver seu produto de acordo com o que lhe foi estabelecido como objetivo de escrita. Não há o confronto de opiniões proposto.
O título, geralmente, nos dá a primeira dica do que será discutido pelo escritor , mas "Uma nova lei para os homens" não nos permite estabelecer relação direta com o objetivo proposto, que é a polêmica sobre o aborto. Continuando a leitura, verifica-se que, assim como o título, o texto não deixa pistas concretas de que o vestibulando tenha compreendido que deveria fazer um confronto das diferentes ideias sobre o assunto, divulgadas no jornal "Folha de S. Paulo". Na verdade há o desenvolvimento do tema proposto, mas as direções seguidas não contemplam o que lhe foi traçado como objetivo de escrita.
Dessa forma, o texto anterior foi considerado nesta pesquisa como produto que demonstra a não compreensão da tarefa de escrita. A fuga do caminho pré-determinado levou à essa constatação.
Existia, inicialmente, a hipótese de que os candidatos ao vestibular não desenvolviam seus textos da forma esperada porque não compreendiam a proposta de escrita, não entendiam o que lhes era determinado como caminho a ser seguido para produzir seus textos. Porém, as observações feitas nesta pesquisa sugerem que essa suposição, levantada em primeira instância, não é válida.
Pelos levantamentos feitos, o problema maior dos candidatos não se refere à leitura e compreensão das propostas, já que 87,5% dos candidatos deixaram em suas produções marcas linguísticas de que compreenderam a tarefa. A qualidade de muitas redações, provavelmente, foi afetada pela falta de habilidade dos vestibulandos em lidar com os processos que envolvem a tarefa de escrita e pela falta de costume em lidar com propostas bem definidas, isto é, tarefas que propõem tema, objetivos e leitores para o texto a ser produzido.
Ainda pelos resultados encontrados, pode-se arriscar em dizer que muito se tem a caminhar em termos de ensino e aprendizagem da língua materna. O comprometimento com o ensino voltado ao processo de leitura e escrita está ainda a passos lentos. Os alunos que saem do 2º grau ainda precisam de melhores condições de desenvolvimento dessas habilidades, tão exigidas hoje nessa nossa sociedade.
Vivemos num mundo tão dinâmico em termos comunicativos, que me arrisco na afirmação de que leitura e escrita são instrumentos básicos e essenciais para quem quer se destacar nas diversas situações que a vida oferece.
1. AMARAL, Nair Ferreira Gurgel do. Clichês em redações do Vestibular: estratégia discursiva. Dissertação de Mestrado. UNICAMP, 1996.
2. CAFIERO, Delaine. Influência do Modelo de Leitor no Planejamento do Texto Escrito por Crianças de 4ª Série: seleção de informações. Dissertação de Mestrado. UFMG, 1995.
3. CORRÊA, Hércules Toledo. Processos de Leitura: a influência do título na construção de macroestruturas textuais. Dissertação de Mestrado. UFMG, 1995.
4. COSCARELLI, Carla Viana. Entendendo a Leitura. Ceale Debates, FAE/UFMG, 1997.
5. COSCARELLI, Carla Viana. O ensino da Leitura: uma perspectiva psicolinguística. Boletim da Associação Brasileira de Linguística. Maceió: ABRALIN, v. 19, dez. 1996, p. 163 – 174.
6. FULGÊNCIO, Lúcia. LIBERATO, Yara. Como Facilitar A Leitura. 3 ed. São Paulo: Contexto, 1998.
7. GERALDI, João Wanderley. O Texto Na Sala De Aula. 2 ed. São Paulo: Ática, 1999.
8. KLEIMAN, Ãngela. Texto e Leitor: aspectos cognitivos da leitura. 4 ed. Campinas: Pontes, 1995.
9. KLEIMAN, Ãngela. Oficina de Leitura: teoria e prática. 5 ed. Campinas: Pontes, 1997.
10. LARA, Gláucia Muniz Proença. Autocorreção e Auto-avaliação na Produção de Textos Escolares: relato de uma experiência. Dissertação de Mestrado. UFMG, 1993.
11. MARCUSCHI, Luiz Antônio. Exercícios de compreensão ou copiação nos manuais de ensino de língua? Em Aberto, Brasília, ano 16, n.69, jan./mar. 1996.
12. PÉCORA, Alcir. Problemas de Redação. 4ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
13. SOLÉ, Isabel. Estratégias de Leitura. 6 ed. Porto Alegre: ArtMed, 1998.
14. VAL, Maria da Graça Costa. O que é produção de texto na escola? Presença Pedagógica, Dimensão, v.4, n. 20, p. 83-87, mar./abr. 1998.
15. VAL, Maria da Graça Costa. Redação e Textualidade. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
16. WALTY, Ivete Lara Camargo. Os sentidos da leitura. Presença Pedagógica, Dimensão, p. 23-37, jul./ago. 1995.
DEDICATÓRIA
Para Deus que acompanha silenciosamente meus passos.
Para Gilvane, Vítor e Igor: companheiros, amigos e incentivadores.
Autor:
Rita Eloisa Pereira Arantes
ritalingport[arroba]yahoo.com.br
Belo Horizonte, 2001.
Monografia apresentada ao Curso de Pós-Graduação Lato Sensu, especialização em Leitura e Produção de Textos, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
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