Os familiares e a inquisição no Brasil colonial

Enviado por Alcemar Oliveira


Monografia apresentada como pré-requisito para conclusão do curso de Licenciatura em História, da Universidade Veiga de Almeida, sob orientação do professor Valeriano Altoé.

"Tão logo expressamos uma coisa com palavras, é estranho como ela se desvaloriza. Pensamos ter mergulhado no mais fundo dos abismos, e, quando retornamos à superfície, a gota d"água que trazemos nas pálidas pontas dos nossos dedos já não se parece com o mar de onde veio. Imaginamos haver descoberto uma mina de tesouros inestimáveis, e a luz do dia só nos mostra pedras falsas e cacos de vidro. Mas o tesouro continua a brilhar, inalterado, no fundo escuro."

Maurice Maeterlinck

RESUMO

Uma análise da conivência entre a Igreja Católica e o Estado Português, no intuito de instaurar uma sociedade ideal na colônia, evitando prejuízos de ordem moral e financeira para a metrópole e sustentando a centralização do poder. Os pecadores e suas práticas, consideradas heréticas pela Igreja, que envolviam o comportamento social e sexual, iam do curandeirismo, judaísmo e qualquer outra que desafiasse o dogma católico, em plena Contra-Reforma. A não instituição do Tribunal Inquisitorial em terras brasileiras trouxe a figura dos Familiares: longa manus do poder eclesiástico, com fartos poderes e privilégios, levando o terror e o medo aos colonos, punindo com rigor e arbitrariedade, e, em muitos casos, atuando em proveito próprio.

Introdução

O presente trabalho tem por objetivo analisar a participação de agentes responsáveis pela aplicação da Inquisição no Brasil Colonial. Entretanto, a abordagem não poderia se restringir aos agentes familiares, tão-somente. Tornou-se necessário um estudo sobre as razões que levaram a Coroa Portuguesa a não instituir um Tribunal de Fé em terras brasileiras, a exemplo da Espanha, e as motivações das perseguições de cunho religioso ou não nas terras do além-mar. Da mesma forma, fundamental arrolar e citar casos de heresias freqüentes na colônia e de que forma tal comportamento incomodava a metrópole.

A Igreja caminhava lado a lado com a esfera política régia. E, sendo assim, o pecado se confundia com delito. As sanções interna e externa demonstravam o duelo entre a atividade inquiridora e o lado psicológico dos colonos. De fato, a aplicação da arma do medo e do terror fez poupar o trabalho dos familiares. A autodelação e os interesses de cada um em denunciar o outro por motivos fúteis ou torpes, eram resultados da sanção moral de cada um e do ganho material que se buscava.

As atividades tidas como heréticas iam do sexo sem o sacro consentimento da Igreja, através do matrimônio, até o uso indevido da investidura de Familiar, passando pela luxúria, pelo pensamento não-cristão e prática de magia. Uma terra repleta de índios e negros, com escassez de mulheres brancas para casamento, tornou o Brasil um paraíso para aqueles que buscavam satisfação sexual, altamente reprimida em terras lusitanas. O nascimento de bastardos e amancebamentos levou a Igreja a frear tal comportamento, já que comprometia a estabilidade social e a busca de uma sociedade idealizada como perfeita.

A questão dos Familiares é discutida nos seus aspectos objetivos e subjetivos. Tornou-se essencial mencionar sua procedência, seus interesses, suas possibilidades de fazer parte da elite que perseguia em nome do Santo Ofício. A exclusão do chamado sangue impuro, além de não brancos, revela o caráter preconceituoso e discriminador da instituição que pretendia uma sociedade ideal.

Os interesses dos Familiares, com tantas regalias e privilégios, inclusive fiscais, eram dos mais variados, porém, sempre oscilando entre a vaidade, o poder e a oportunidade de fazer riqueza com a corrupção que já reinava. Com tanto poder, não causa estranheza o fato de muitos se vestirem de Familiar, com falsos documentos, levando o terror, para impor respeito e se locupletar ilicitamente.

O processo de investigação para a credencial de Familiar revela uma devassa no requerente e seus próximos, até ascendentes de terceira geração - traduzindo um aspecto inquisidor perpetrado pela Igreja àqueles que dela queriam se aproximar e atuar.


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