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Evidências da incipiente industrialização brasileira no século XIX, consistem no facto de que «em 1850, por exemplo, começou a funcionar uma das empresas de Mauá (.). A empresa era de fundição de ferro e bronze, galvanização e construção naval. (.) Neste mesmo ano surgiu em São Paulo a primeira fábrica têxtil movida a vapor. (.) Em 1852 um relatório do presidente da Província de São Paulo referia a existência de 5 fábricas: uma fiação, uma fundição, uma fábrica de vidros, uma fábrica de velas e uma usina de potassa. (.)» (Ribeiro, 1988: 21)
Esse fomento da actividade industrial foi possível graças às condições criadas pela expansão do sector primário-exportador, que forçou à criação de uma rede de transportes e outras infra-estruturas, que distribuiu internamente os rendimentos monetários que alimentaram mercados internos suficientemente amplos e atractivos e que proporcionaram o capital necessário para a aquisição de bens de equipamento, sem os quais não teria sido possível desenvolver a actividade industrial.
No caso do Brasil, foi precisamente na região cafeeira Rio de Janeiro-São Paulo que surgiram as primeiras indústrias ligeiras, com destaque para o têxtil. Para Avelãs Nunes «esta coincidência geográfica do desenvolvimento do complexo exportador cafeeiro (incluindo neste as actividades produtivas e as actividades comerciais, financeiras, serviços de transportes, etc.) e das actividades industriais, logo indiciará uma forte conexão entre a sorte do sector exportador primário e o incremento da indústria» (Nunes, 1982: 264)
Quando a produção de café iniciou a sua grande expansão, milhares de emigrantes europeus vieram para o Brasil, até porque a escravatura tinha acabado de ser abolida. Inicialmente em pequenos contingentes, como foi o caso dos açorianos e dos alemães e, posteriormente, em grandes vagas de emigrantes "mediterrâneos", nomeadamente italianos, espanhóis e portugueses.
A imigração forneceu também grande número dos novos empresários industriais e uma quota substancial dos operários qualificados, ao mesmo tempo que reforçou o processo de crescente urbanização (arrastado pelo próprio desenvolvimento do sector exportador), para o que contribui, além de outros factores, a dificuldade de acesso à propriedade da terra, praticamente monopolizada desde o período colonial. «Esses pequenos produtores agrícolas tornaram-se não só mão-de-obra disponível como os principais supridores de alimentos para os mercados de Rio de Janeiro e São Paulo, à medida que com eles se articularam através das linhas ferro-rodoviárias.» (Becker e Egler, 1992: 71). O afluxo de mão-de-obra europeia à região de São Paulo constituiu, finalmente, um factor importante de ampliação do mercado interno de bens de consumo corrente.
Na perspectiva de Regina Salvador, «as cidades dos países em desenvolvimento surgem e desenvolvem-se graças ao êxodo rural, às migrações regionais sobretudo para a Capital ou para as cidades capitais de província. As teorias clássicas das migrações campo?cidade consideram que as suas principais causas residem nos efeitos dos factores de repulsão e atracção dos campos e das cidades (.).De modo inverso, os níveis mais elevados de rendimento urbano constituem um importante factor de atracção que a cidade exerce sobre as populações rurais (.)» (Salvador, 2004b: 228-229)
A expansão do sector primário-exportador permitiu a acumulação do capital necessário para investir na indústria, «a acumulação do capital industrial foi ainda facilitada pelas entradas líquidas de capital estrangeiro, quer proveniente de empréstimos contraídos pelo Estado, para financiar os seus investimentos em infraestruturas, quer proveniente de investimentos directos estrangeiros em ambos os casos em relação com actividades induzidas pelo auge do sector exportador» (Nunes, 1982: 268-269)
Contudo, este modelo de "crescimento para fora" pressupunha a especialização dos países latino-americanos na produção de bens primários destinados à exportação, admitindo que o desenvolvimento do sector externo seria capaz de criar um mercado interno de bens de consumo corrente capaz de sustentar um sector industrial destinado a satisfazer a procura de tais bens. Infelizmente, o exemplo dos países latino-americanos demonstrou que as indústrias cuja implantação foi induzida pela expansão das exportações primárias, juntamente com o sector de subsistência, revelaram-se incapazes – dada a sua tecnologia incipiente, a sua baixa produtividade, a desigual distribuição da propriedade, da riqueza e do rendimento e a inexistência de uma classe média – de viabilizar um dinamismo próprio da indústria nacional. Para Celso Furtado era necessário «réflechir sur la situation des sous-ensembles économiques intégrés au système capitaliste international (...), qui se sont maintenus comme exportateurs de matières premières (...). Dans ces économies, les augmentations de productivité résultent fondamentalement du développement des exportations et non de l"accumulation et des avantages technologiques qui s"associaient, au centre du système, à cette accumulation» (Furtado, 1976a: 26)
Apesar de tudo, durante muitos anos, o café (e outros produtos primários) foram os principais produtos de exportação do Brasil. Na primeira década do século XX, contudo, a procura mundial de café começou a exceder a oferta e os preços começaram a cair rapidamente. O governo brasileiro tentou proteger as exportações comprando as colheitas e retendo-as até conseguir obter um preço razoável no mercado internacional.
Conforme refere Boris Fausto, «(...) o governo compraria o café com a receita derivada do imposto de exportação, e do confisco cambial, ou seja, de uma parte da receita das exportações, e destruiria fisicamente uma parcela do produto. Tratava-se assim de reduzir a oferta e sustentar os preços. (...) A destruição de café só terminou em Julho de 1944.» (Fausto, 1997: 334).
Assim, podemos concluir que «Le Brésil a été jusqu"à la crise de 1929 un pays de mono-exportation primaire; le café était presque son unique source de devises (.). La crise des années 30 qui coupait le pays – et son café – de ses marchés traditionnels, joint à des mouvements politiques internes, a facilité un changement d"orientation; le Brésil allait s"industrialiser. (.) Un «sentiment développementiste» naít au Brésil, facilité par la prise du pouvoir de Getúlio Vargas (.)» (Taïeb e Barros, 1989: 21)
Na perspectiva de Avelãs Nunes, «não parece, porém, quer no que se refere ao Brasil, quer no que respeita à América Latina em geral, que possa caracterizar-se como processo de industrialização (e muito menos como revolução industrial) o crescimento industrial registado a partir das décadas de 80/90 do século [XIX]. (.) Com efeito, o desenvolvimento industrial que ocorreu até finais da década de vinte, durante a fase do crescimento para fora, não passou de um crescimento horizontal, baseado no aumento da capacidade de produção das indústrias tradicionais já existentes, mediante a criação de novas unidades de produção a partir da importação dos equipamentos necessários. Não houve uma diversificação significativa das estruturas produtivas industriais (uma grande parte da procura interna de bens de consumo industrial continuava a ser satisfeita pela importação), e muito menos se registou qualquer tentativa séria de produção interna de bens de produção (ao contrário do que se verificou nos países que passaram por verdadeiras revoluções industriais)» (Nunes, 1982: 275-276).
Na mesma linha de pensamento Albert Fishlow opina que «apesar dos esforços iniciais de substituição de importações realizados nos anos 1890 e a despeito do veloz crescimento manufatureiro subsequente, entre 1906 e 1912, às vésperas da Primeira Guerra Mundial o Brasil possuía uma estrutura industrial ainda primitiva. Continuava importando produtos têxteis e dependia de fontes externas para mais de um terço de seu consumo nesse segmento» (Fishlow, 2004: 16)
3.1.2. De 1930 até a actualidade
3.1.2.1. O papel de Vargas
Foi neste contexto que na década de 30 subiu ao poder um dos políticos que mais fortemente irá marcar a história brasileira do século XX, Getúlio Vargas: «Subindo ao poder em Outubro de 1930, Getúlio Vargas nele permaneceu por quinze anos, sucessivamente, como chefe de um governo provisório, presidente eleito pelo voto indirecto e ditador. Deposto em 1945, voltaria à presidência pelo voto popular em 1950 não chegando a completar o mandato por se suicidar em 1954.» (Fausto, 1997: 331)
Conforme referido anteriormente, com vista a solucionar a grave crise no sector do café devida à superprodução, o governo foi obrigado a queimar os stocks de café. A ideia era manter o preço de venda em valores minimamente rentáveis para os produtores. Importa referir que, a despeito da industrialização por que o Brasil passou nas décadas de 30 e 40, até à década de 50, o café continuou a ser a principal produção e exportação do país.
O esforço de centralização «estendeu-se também ao campo económico. O governo Vargas não abandonou e nem poderia abandonar o setor cafeeiro. Tratou porém de concentrar a política do café em suas mãos. Em Maio de 1931, o controle dessa política passara (...) para um novo órgão federal, o Conselho Nacional do Café (CNC) (...). O CNC ficava porém sob a influência direta dos interesses cafeeiros, pois era constituído por delegados dos Estados produtores.» (Fausto, 1997: 333)
No plano económico Vargas era nacionalista, ao mesmo tempo que procurava atrair capital estrangeiro, tentava "controlar" as empresas estrangeiras, colocando entraves à saída de capital estrangeiro e exigindo a transferência de tecnologia para o Brasil. Foi nesse período também que aumentou a intervenção estatal na economia. O Governo Federal passou a actuar como uma entidade de planeamento económico, controlando grandes empresas e participando na economia como investidor. Na perspectiva de Celso Furtado, «government action in the whole of the economic sphere began to be acceptable when the need for counter-cyclical policy was recognized» (Furtado, 1963: 310). Deste modo foi plenamente aceite que «a burguesia brasileira disponha de um poderoso instrumento de defesa, o Estado e vai utilizá-lo não apenas na política económica mas em todos os sentidos onde julga necessário, desde os investimentos directos nos ramos para os quais não dispõe de recursos, até ao controle do mercado de força de trabalho e das organizações de classe do operariado que cresce a cada ano» (Ribeiro, 1988: 52)
Vargas realizou a expansão da Siderúrgica Nacional, a criação da hidroeléctrica de Paulo Afonso, a fundação do BNDES e a ELETROBRÁS, entre outras empresas. Em 1953, surge a PETROBRÁS, frustrando as multinacionais do petróleo em explorar o combustível fóssil do subsolo brasileiro, apesar das crescentes pressões do governo norte-americano. Pode-se dizer que «a acção do Estado será decisiva durante o período em estudo, particularmente durante o governo Vargas (1950/54). Em 1949 a instalação da empresa estatal CHESF (Companhia Hidroelétrica do São Francisco), vem quebrar o monopólio de produção de electricidade que estava nas mãos das empresas estrangeiras. A 3 de Outubro de 1953 é instalada a PETROBRAS, a companhia estatal para a extracção e refinação do petróleo e actividades correlativas, tendo como resultado o aumento da produção de óleo cru (.)» (Ribeiro, 1988: 57)
Neste contexto, «l"action de l"État visait désormais moins à susciter une croissance dejá bien engagée qu"à l"orienter. (.) l"État devait participer au développement, l"industrie étant le fer de lance, la planification économique le moyen d"organiser les effets d"entraínement, et le capital privé l"indispensable allié.» (Théry, 2000: 221)
No começo dos anos cinquenta, «o governo promoveu várias medidas destinadas a incentivar o desenvolvimento econômico, com ênfase na industrialização. Foram feitos investimentos públicos no sistema de transportes e de energia, com a abertura de um crédito externo de 500 milhões de dólares. (...) Em 1952, foi fundado o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), diretamente orientado para o propósito de acelerar o processo de diversificação industrial.» (Fausto, 1997: 409)
Em 1953, o ritmo da industrialização nacional entrou num impasse: para crescer precisava de recursos, internos e externos. Internos, com a expansão do crédito, financiamento, aumentos salariais e, infelizmente, inflação. Externos, com o aumento das importações, agravamento das taxas de câmbio e aproximação aos EUA.
3.1.2.2. O papel do "Plano de Metas" de Kubitschek
Porém o grande "salto" da industrialização brasileira resultou da implementação do "Plano de Metas", sintetizado no slogan "crescer cinquenta anos em cinco" do governo de Juscelino Kubitschek (frequentemente referido como JK) que, na segunda metade dos anos cinquenta, deu à região do ABCD o perfil de periferia industrial da Metrópole de São Paulo. Deste modo, o ABCD iria configurar-se como uma das áreas mais dinâmicas do território brasileiro, sobretudo no domínio das actividades de transformação, com especial incidência na indústria metalomecânica pesada (sector automóvel), «as empresas automobilísticas pelo fato de representarem o melhor exemplo de grande produtora de bens de consumo duráveis (.) [destacaram-se pelo] seu caráter motriz na industrialização brasileira» (Scarlato, 1996a: 371)
Não obstante, «o país forjou seu crescimento econômico segundo os princípios de planejamento de cima para baixo, efetuado por grupos técnicos profissionalizados, grandes plantas industriais, produção em massa, concentração de fábricas em áreas urbanas e acentuada participação de investimentos estatais na oferta de infra-estrutura e bens de capital. Era o modelo hegemônico de industrialização dos países retardatários, respaldado pelas experiências da França, Alemanha, Japão e União Soviética, dentre outras. (..) No caso brasileiro, a industrialização em marcha forçada, especialmente a partir do Governo Juscelino Kubitschek, contribuiu para acentuar desigualdades intra e inter-regionais na alocação de recursos, bem como no perfil de distribuição de renda entre os diferentes estratos sociais. Aliado a isso, a rápida urbanização concentrou pessoas e mazelas sociais, incrementando a demanda por habitação, transportes, saneamento, segurança e outros bens coletivos.» (Costa e Cunha, 2002: 10)
Conforme explica Guido Mantega, «a ideologia desenvolvimentista ganhava impulso no Brasil com a adesão de boa parte da esquerda, inclusive do Partido Comunista Brasileiro (.). Entretanto, a liderança do movimento ficou nas mãos de um grupo de intelectuais (.). Não foi por acaso que em 1955 esse grupo se transformaria no Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), órgão do governo Kubitschek (.) encarregado de discutir os grandes problemas nacionais e de auxiliar na elaboração dos programas de governo. No ISEB reuniram-se os principais pensadores progressistas da intelectualidade brasileira que amadureceram (.) uma versão ligeiramente mais nacionalista do desenvolvimentismo na sua formulação cepalina, a ser praticado por um governo curiosamente muito liberal com o capital estrangeiro como o de Kubitschek. E foi justamente dessa tradição nacional-desenvolvimentista que surgiram os dois grandes pensadores dessa época no campo da economia política, Celso Furtado e Ignácio Rangel (.). A Celso Furtado coube traçar as linhas-mestras do "processo de substituição de importações" (.)» (Mantega, 1987: 12-13).
Deste modo, se o Presidente Kubitschek foi o "rosto político" do "Programa de Metas", o economista Celso Furtado foi o "rosto teórico" desse mesmo programa, «nascido em Pombal, Paraíba, em 1920. Estuda [na] (.) Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil (Rio de Janeiro), onde se diploma aos 24 anos. (.) Doutora-se em Economia pela Universidade de Paris, aos 27 anos. Estuda também em Cambridge, Inglaterra. Integra, com o economista Raul Prebish, o núcleo original da Cepal, agência da ONU sediada em Santiago do Chile, que terá grande influência no pensamento econômico latino-americano. Em 1958, cria, com o presidente Juscelino Kubitschek, a (.) Sudene. Ministro do [Planeamento no] governo João Goulart (.). É autor (.) do clássico: Formação Econômica do Brasil, marco da historiografia brasileira.» (Couto, 1999: 194).
Uma importante característica da política económica de Kubitschek era o apoio público ao desenvolvimento: «O Governo Kubitshek caracterizou-se pelo integral comprometimento do setor público com uma explícita política de desenvolvimento. (...) [A] formulação do Plano de Metas (...) constituiu o mais completo e coerente conjunto de investimentos até então planejados na economia brasileira.» (Orenstein e Sochaczewski, 1990: 171)
São realizados novos investimentos públicos com vista a ocupar uma mão-de-obra flutuante: construção de estradas, barragens e novas siderurgias. O capital estrangeiro é atraído para a indústria automóvel.
«É neste estágio que se revelaria, por completo, o alcance da visão cepalina, pois ficaria claro que não bastaria a produção doméstica de artigos de consumo, mas também seria necessário estender a atividade manufatureira aos bens de produção – sobretudo máquinas e equipamentos – entendidos como o núcleo do progresso técnico em escala mundial.» (Colistete, 2002: 126)
Desta forma, surgem as fábricas de automóveis Willis-Overland (americana), Ford (americana), General Motors (americana), Volkswagen (alemã) e Simca-Chambord (francesa), no futuro ABCD paulista, «(...) mudando completamente a fisionomia daquela região. Entre outras conseqüências, a industria automobilística passou a concentrar operários em proporções inéditas no país.» (Fausto, 1997: 428)
Segundo Werner Baer, a administração de Kubitschek desenvolveu, na década de 50, vários programas dos quais o «(...) mais bem-sucedido (...) foi o que se destinou a promover a industria automobilística (.) que ofereceu grandes benefícios à importação de equipamento para fabricação e componentes automotivos durante um número limitado de anos. Em troca, essas empresas se comprometiam a adotar uma política de substituição progressiva das importações por componentes de fabricação nacional.» (Baer, 2002: 82)
Neste sentido, forma-se, assim, uma elite dirigente convicta da necessidade do capital estrangeiro como dinamizador do crescimento industrial. Para essa elite, o subdesenvolvimento brasileiro devia-se ao antigo modelo agro-exportador herdado do colonialismo. Deste modo, seguindo as concepções empreendidas por Vargas desde os anos 30, havia pois que industrializar o País, para que o atraso brasileiro fosse ultrapassado. «O desenvolvimento era pensado em termos nacionais, devendo ser conduzido preferencialmente pelos governos centrais, que não estavam sujeitos aos interesses particulares de grupos políticos regionais ou locais. Desenvolvimento era, acima de tudo, expandir a produção interna e a oferta de bens e serviços padronizados para o mercado doméstico, esperando que os efeitos multiplicadores dos investimentos sobre a geração de rendas e emprego produzissem os resultados desejados em termos de eqüidade.» (Costa e Cunha, 2002: 2)
A persecução desse objectivo durante o período da Ditadura Militar conduziu a elevado endividamento externo, desbocando numa grave "crise da dívida" na década de 80, conforme teremos oportunidade de aludir, brevemente, no resumo do presente capítulo.
3.2. O PROCESSO DE METROPOLIZAÇAO DE SAO PAULO
3.2.1. História e Evolução do Estado e do Município de São Paulo
O Estado de São Paulo localiza-se na Região Sudeste do País, sendo o mais importante em termos económicos. Apesar de ocupar apenas cerca de 3% do território brasileiro (248209 Km2), concentra 21,8% da população total e 35,3% do Produto Interno Bruto (PIB).
A Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), criada em 1973 pela lei complementar n.° 14 de 8 de Junho, reúne o Município de São Paulo e 38 outras municipalidades, constituindo um dos maiores aglomerados urbanos do mundo e o maior do Brasil, com 15444941 habitantes em uma área de apenas 8051 Km2. Em termos económicos, a Região Metropolitana contribui com mais de 50% do PIB estadual e cerca de 18,5% do PIB nacional, sendo o PIB per capita, cerca de 6,4 mil dólares americanos, quase o dobro da média nacional. «São Paulo, a Capital, é considerada metrópole nacional por possuir um território de influência que abraça todo o território nacional ocupando o primeiro lugar na hierarquia urbana e, assim, polarizando todo o território nacional» (Lencioni, 2004: 153)
Na Região Metropolitana situa-se o ABCD paulista, uma cintura industrial que teve origem no desenvolvimento da indústria transformadora, principalmente automóvel no fim da década de 40, início de 50, nomeadamente graças à política de Getúlio Vargas, prosseguida por Juscelino Kubitchek e o seu "Plano de Metas", de fomento industrial e substituição de importações.
Segundo Jefferson José da Conceição, «os principais motivos que levaram a região do ABC a concentrar tamanho parque industrial estão relacionados a um contexto nacional e internacional favorável (.). No âmbito nacional, a introdução de uma política governamental de incentivo à industrialização, particularmente a substituições de importações na área de bens de consumo duráveis e ao setor automobilístico (.). Os novos investimentos foram direcionados para essa região em virtude de um conjunto de fatores, tais como: proximidade com importante Porto de Santos e com o maior mercado consumidor nacional, que já na época era São Paulo; existência de uma rodovia como a Anchieta, (.) disponibilidade e atracão de trabalhadores, (.), etc.» (Conceição, 2004: 272)
É precisamente este território, o ABCD e o Município de São Paulo, que constitui o objecto de estudo da presente dissertação e cuja caracterização e análise procuraremos fazer ao longo do presente capítulo, analisando posteriormente no capítulo IV uma série de iniciativas de desenvolvimento local realizadas na área em estudo.
Figura 5 – Localização da área em estudo no contexto do Brasil e do Estado de São Paulo
Fonte: Elaboração própria
Figura 6 – Localização da área em estudo no contexto da Região Metropolitana de São Paulo
Fonte: Elaboração própria
A actual cidade de São Paulo teve origem num colégio de padres jesuítas fundado em 25 de Janeiro de 1554, ao redor do qual se começaram a construir as primeiras casas de taipa, que deram origem a um povoado chamado São Paulo de Piratininga. Do ponto de vista da localização topográfica, São Paulo apresentava enormes vantagens contra ataques por parte de tribos hostis, uma vez que se localizava numa colina alta e plana. Em 1560, a povoação ganhou o foral de vila.
Figura 7 – Povoado de São Paulo de Piratininga en 1560
Fonte: Scarlato (1996b: 441)
É neste contexto que Caio Prado Júnior afirma que «a superioridade do sítio de São Paulo é incontestável, e é provável mesmo que os jesuítas o tivessem escolhido exatamente por isso. Em primeiro lugar, com relação à defesa contra as ameaças e ataques do gentio (.). A aldeia jesuítica possuía a este respeito uma posição estratégica esplêndida. Ocupava no alto de uma colina (.) um sítio naturalmente defendido por escarpas abruptas e acessíveis por um lado apenas.» (Prado Júnior, 1983: 16)
Nos primeiros anos da sua existência, os habitantes de São Paulo vivam da agricultura de subsistência, capturando índios para trabalharem como escravos na tentativa frustrada de implantar o cultivo da cana sacarina. Na segunda metade do século XVII, após a descoberta de ouro e metais preciosos, iniciaram-se as viagens de reconhecimento pelo interior do território, as chamadas "bandeiras", expedições organizadas com o objectivo de aprisionar índios e procurar ouro ou outros metais preciosos nos sertões distantes, dando início à colonização do actual Estado de Minas Gerais.
No ano de 1681, São Paulo tornou-se capital de Capitania, que incluía então um território muito mais vasto que o do actual Estado de São Paulo. Apesar de, em 1711, São Paulo ter sido elevado à categoria de cidade, o sucesso das campanhas dos bandeirantes fez com que a Coroa dividisse a capitania, de forma a ter um controle mais apertado sobre a região de Minas. Deste modo, durante o século XVIII, São Paulo continuou a ser apenas o ponto de partida das "bandeiras" responsáveis pela ampliação do território brasileiro a sul e a sudoeste, além dos limites estabelecidos pelo Tratado de Tordesilhas. Desta situação resultou uma estagnação, relativa, de São Paulo durante a época colonial, em virtude de não ter uma actividade económica lucrativa, como era o caso do cultivo da cana-de-açúcar no Nordeste. Também do ponto de vista da população, São Paulo viu-se desfalcado dos seus elementos mais válidos, que partiam para o sertão em busca de riquezas.
O facto histórico da «descoberta de ouro em Minas Gerais (.) representa a meta final do esforço tenaz dos paulistas durante quase dois séculos, votado ao reconhecimento de todo o território que havia de constituir o Brasil de hoje (.). Realizado este fim São Paulo encerra sua obra e entra numa fase de prolongada estagnação. Não só interrompe sua expansão colonizadora, mas se despovoa. Seus habitantes, atraídos pelas minas cujo território, antes abrangido pela Capitania, vai sendo dela destacado sucessivamente, (...) no correr do século XVIII (.)» (Prado Júnior, 1983: 32)
Durante os três primeiros séculos de colonização, o número de índios e mestiços superou em muito o de portugueses. Já após a Independência, em 1822, os africanos representavam cerca de 25% da população da cidade e os mulatos mais de 40%.
Só no fim do século XVIII, início do século XIX, quando as plantações de café começam a substituir as de cana-de-açúcar é que o Estado de São Paulo passou a desempenhar o lugar de primazia que ainda ocupa na economia brasileira.
Assim, no século XIX «São Paulo n"était encore qu"une «boca do Sertão», un caravansérail d"aventuriers, alors que Rio de Janeiro vivant la fièvre du café et brillait de tous ses feux. Ce n"est qu"à la fin du XIXe siècle que ces mêmes Paulistes découvrirent que leur région présentait des conditions naturelles très favorables pour la culture du café (.)» (Demangeot, 1972: 86). De facto, em oposição a «Salvador and Rio de Janeiro, capitals of colonial and independent Brazil, and urban and political nuclei consolidated since the 17th and 18th centuries, São Paulo gained importance later on.» (Fix et al., 2003: 2)
Com a chegada da família real portuguesa ao Brasil em 1808, fugindo ao avanço das tropas napoleónicas na Metrópole, o País conheceu algumas transformações determinantes que contribuíram para a sua independência. D. João VI iniciou uma série de reformas político-administrativas com vista a tornar o Brasil a sede do Reino, pelo menos temporariamente, que prepararam as elites e a administração pública para a independência.
A cidade de São Paulo também beneficiou muito destas transformações. De facto, foi em território paulista que em 7 de Setembro de 1822, o príncipe Dom Pedro, o herdeiro do trono português, lançou o "Grito do Ipiranga" e declarou a Independência do Brasil.
Na segunda metade do século XIX, São Paulo passou a assumir um lugar de primazia na economia brasileira, com a expansão da cultura do café que encontrou na "terra rossa" do norte do Estado o solo ideal para o seu cultivo. O desenvolvimento e expansão do cafezal exigiu a expansão do caminho-de-ferro, iniciando-se por volta de 1860 a construção da ferrovia entre São Paulo e o Porto de Santos. Em 1888, a escravatura é definitivamente abolida, iniciando-se a emigração de milhares de europeus para trabalhar nas plantações de café.
Em termos geográficos «são as férteis terras, primeiro do norte, depois do oeste, (.) que vão constituir a zona de eleição do cafeeiro. E toda esta região que é por sua situação tributária de São Paulo, tem nesta cidade seu centro natural. (.) O sistema ferroviário que então se constitui amolda-se, como é natural, a tal estrutura, e é de São Paulo que vão irradiar as novas vias de comunicação.» (Prado Júnior, 1983: 35)
São Paulo conheceu um enorme crescimento nessa época, deixando de ser uma capital da província, pouco mais do que um entreposto comercial, para se tornar na capital da nova elite económica agro-exportadora ligada ao café. De facto, quando se implanta a República em 1889, São Paulo era uma cidade com apenas 50 mil habitantes, enquanto que um século depois a sua população tinha sido multiplicada por mais de 200!
Por volta de 1860, a cidade de São Paulo já tinha perdido grande parte dos seus traços da época colonial, inclusive nos aspectos arquitectónicos. Surge a "cidade burguesa" por iniciativa dos "barões do café", baseada no estilo neo-clássico e no novo traçado urbano de Paris, com amplas avenidas ("boulevards"), criado por iniciativa do Barão Haussmann. Neste sentido, em São Paulo, à semelhança de outras metrópoles, começa a surgir um conjunto de novos equipamentos urbanos tais como: iluminação e jardins públicos, todo um conjunto de edifícios estatais como a Assembleia, a Câmara, bem como escolas, quartéis, cadeias, igrejas, conventos e mosteiros.
Também na arquitectura residencial ocorrem grandes transformações, com a construção de grandes mansões, alguns verdadeiros palácios, por iniciativa das oligarquias do café, que querem residir no centro da cidade para ter acesso privilegiado aos novos serviços e diversões urbanas (ópera, teatro, hipódromo, etc.). Deste modo, quando os "barões" tinham necessidade de voltar às suas propriedades agrícolas do interior do Estado de São Paulo, utilizavam o novo (e então rápido e confortável) meio de transporte, o caminho-de-ferro. Rapidamente, «São Paulo became the coffee capital of Brazil, a wealthy city that tried to emulate Paris, building an elite neighbourhood, named "Champs Élisées" and a copy of the French capital"s "Opéra".» (Fix et al., 2003: 2)
O desenvolvimento das «estradas de ferro ainda tiveram outro efeito considerável sobre São Paulo. (.) elas atraíram para a capital as camadas abastadas da população paulista, os fazendeiros (.), que antes habitavam ou as suas próprias fazendas, ou as cidades mais próximas a elas. Com as estradas de ferro puderam estes fazendeiros, ao mesmo tempo que se mantinham em contato estreito com suas propriedades, aproveitar a vida mais confortável de um grande centro.» (Prado Júnior, 1983: 36)
Por outro lado, também a população residente sofreu grandes mudanças, não só no aspecto quantitativo, mas principalmente no aspecto étnico. De facto, com a abolição da escravatura o Brasil viu-se na necessidade de acolher milhares de emigrantes, principalmente europeus, que além de permitirem resolver o problema da mão-de-obra da lavoura cafeeira, possibilitou uma melhor ocupação do interior do Estado.
Desta forma, surgiram as condições necessárias para que pequenas empresas, relacionadas com a torrefacção, comércio e exportação do café, dessem os primeiros passos no caminho da industrialização. Com o povoamento e colonização do interior, aliado ao rápido crescimento económico induzido pelo café, começou a surgir a necessidade de construção de novas estruturas viárias e ferroviárias, induzindo um círculo virtuoso de crescimento económico.
A abolição da escravatura em 1888 marcou o fim do Império. Em 1889 a reacção conservadora, apoiada pela burguesia latifundiária, promove um golpe militar liderado pelo Marechal Deodoro da Fonseca que implantou a República. Até 1930, data em que Getúlio Vargas conquistou o poder, a República é "governada" pelas oligarquias agrárias do Sudeste (i.e. Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro). A importância económica do café produzido em São Paulo e do gado de Minas Gerais sustenta a política do "café com leite", em que paulistas e mineiros, sustentados pelas respectivas oligarquias agrárias, alternam na presidência da República. Contudo, São Paulo mantinha a primazia graças, precisamente, à consolidação da nova base económica do país, o café. Nas áreas urbanas, a industrialização avançava e abria caminho para o surgimento de novas classes sociais, o operariado e a classe média.
Ao mesmo tempo que a indústria assume cada vez maior importância, começa também a ganhar contornos preocupantes a precariedade da infra-estrutura urbana associada à industrialização, que aliás perdura no Brasil dos nossos dias.
Conforme refere Caio Prado Júnior, «São Paulo é uma cidade que ainda espera para ser urbanizada, no sentido integral da palavra; espera ser organizada, que todas suas partes se integrem num sistema geral de comunicações e vias públicas, onde os melhoramentos e serviços, como seria elementar, se estendam homogeneamente sobre toda a área ocupada.» (Prado Júnior, 1983: 76)
Depois da Revolução de 1930 o país viveu uma época conturbada que facilitou a implementação da ditadura do "Estado Novo", que terminou após a II Guerra Mundial, dando origem a um período de democracia que duraria até 1964.
Entretanto, no campo económico, o café ultrapassou a crise provocada pelo crash de 1929, sendo estimulado pelos bons preços praticados durante a guerra, favorecendo a recuperação do Estado de São Paulo.
Contudo, as décadas de 40 e 50 marcaram o início do declínio relativo do café e o aumento da importância da indústria transformadora, dinamizada, entre outros motivos, pelos capitais deslocados da agricultura. Desde modo, e como já tivemos oportunidade de referir, as elites económicas e financeiras de São Paulo e do Brasil deixaram de ser os "barões do café", para se tornarem nos "capitães da indústria", «Historically the relation between urbanization and modernisation in Brazil became relevant in 1930 (.). The economic crisis that reduced international trade at that time led to an "import substitution" policy, and the transfer of capital from agriculture to industry. São Paulo played a crucial role in this change.» (Fix et al., 2003: 1)
Porém, teríamos de esperar até aos anos 50 para que aparecesse a indústria automóvel, nomeadamente no ABCD, como o grande motor económico do Estado e, mesmo, do País, com o surgimento de um mercado de trabalho de dimensões amplas, uma vez que o processo de crescimento industrial, através dos seus efeitos multiplicadores levou também a um crescimento acentuado do sector terciário. Desta forma, São Paulo aumentou a sua primazia económica a nível nacional, «Desenvolveram-se na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) as condições que a capacitaram ao desempenho não apenas de núcleo principal da produção fordista periférica em nosso país (Lipietz, 1985), mas sobretudo, de ponto articulador e articulado do conjunto de "cidades mundiais", centro básico do controle e acumulação do capitalismo ao nível internacional em nosso território.» (Cordeiro, 1994: 320-321).
Em termos migratórios, a década de 50 e, principalmente, a de 60 foram marcadas pelos enormes fluxos de êxodo rural, principalmente do Nordeste, em direcção ao "Eldorado" que representava São Paulo, «During the entire period referred to as the Brazilian "Nacional Development" ("desenvolvimentismo"), from 1930 to 1989, the process of urbanization accelerated greatly, with an intense process of migration from the countryside to the main industrial hus in the large metropolises.» (Fix et al., 2003: 1) Milton Santos resumiu o processo de ligação entre a evolução demográfica e o processo de urbanização das grandes metrópoles do sul referindo que «Entre 1940 et 1980 se produit une véritable inversion de la localisation de la population brésilienne. En 1940, le taux d"urbanisation était de 26,35%; en 1980 il atteint 68,86%. Pendant ces quarante ans, la population totale du Brésil se multiplie par trois tandis que la population urbaine se multiplie par sept et demi. Aujourd"hui la population urbaine brésilienne approche des 75%.» (Santos, 1992: 130)
Em resultado desta situação as áreas urbanizadas não pararam de crescer ao longo do caminho-de-ferro, sobretudo no início da década de 30 ("crescimento em forma de estrela"), e, desde os anos 50, ao longo das estradas ("crescimento em forma de mancha de óleo") (ver figura 8). Deste modo, podemos dizer que «one corollary of the phenomenon of metropolization in Brazil was the significant process of "peripherization" of a large part of the Brazilian population» (Cunha, 2002: 16). No entanto, a situação presente demonstra que ocorreram algumas mudanças no processo de crescimento da metrópole paulista, «O crescimento da aglomeração metropolitana paulista abrangendo um raio de cerca de 150 km a partir da capital (.) se estendendo ao longo dos principais eixos rodoviários, conforma uma paisagem metropolitana que se apresenta fragmentada, embora constitua uma unidade. Essa aparência de fragmentos tem levado a interpretações equivocadas baseadas na ideia de aglomeração metropolitana apenas na perspectiva da concentração. Se a (.) concentração industrial, é que estruturou o aglomerado metropolitano, hoje é a dispersão industrial o elemento fundamental na reestruturação da metrópole de São Paulo.» (Lencioni, 1994: 198)
Figura 8 – Expansão da área urbanizada na Região Metropolitana de São Paulo
Fonte: Adas (2002: 576)
Para Gilberto Dupas, «nos últimos cinqüenta anos, em virtude da mudança do padrão tecnológico no campo, das migrações e da dinâmica populacional, as cidades brasileiras passaram de 12 milhões para 130 milhões de pessoas, constituindo-se em um dos mais maciços processos de deslocamento populacional da história mundial. Esse processo deu origem aos cinturões de pobreza urbanos – especialmente metropolitanos -, formando um imenso estoque de reserva de mão-de-obra não qualificada, mal acomodada no subdesemprego.» (1999: 124, apud Rolnik e Nakano, 2000: 108-109).
Também Milton Santos refere que «As grandes cidades são propícias a receber e acolher gente pobre e lhes oferecer alguma espécie de ocupação (não propriamente empregos). (...) Sem dúvida, a presença de pobres e a correspondente depressão do mercado de trabalho e dos salários projectam-se no empobrecimento das respectivas municipalidades. Esse problema, aliás, é agravado com o crescente desmantelamento do estado de bem-estar, o que contribui para um empobrecimento ainda maior da população.» (Santos e Silveira, 2001: 286-287)
Apesar de os migrantes se distribuírem por todo o Estado, a RMSP, nomeadamente o ABCD, surgiu como a área mais importante de atracção populacional do Estado, tendo o saldo migratório contribuído com mais 50% do crescimento total da população da região no período compreendido entre 1960 e 1970.
Aquele período ficou (.) profundamente marcado pela forte concentração do dinamismo industrial na região Sudeste, especialmente no Estado de São Paulo, que atraiu os grandes contingentes de migrantes vindos principalmente dos Estados de Minas Gerais, Bahia e Ceará, motivados, em geral, pela possibilidade de rendimentos no mercado de trabalho formal e informal dinamizado pelas altas taxas de crescimento econômico verificadas no período.» (Rolnik e Nakano, 2000: 106)
Actualmente o Estado de São Paulo e, nomeadamente, a sua Região Metropolitana, continua a ser a área economicamente mais dinâmica do país, com maior concentração de riqueza; contudo existem problemas que serão estudados e aprofundados em detalhe ao longo do presente capítulo.
Em síntese, concordamos com a afirmação de que a «A cidade de São Paulo continua sendo (.) o pólo nacional. Todavia, enquanto ascendem as atividades terciárias e de serviço, a indústria continua crescendo em terra paulista, embora sua velocidade seja mais menor. São Paulo mantém sua posição hierárquica sobre a vida económica nacional. Se ela perde o seu poder industrial, aumenta o seu papel regulador graças à concentração da informação, dos serviços e da tomada de decisões. É a conjugação desses três dados que permite à metrópole paulista renovar o seu comando em todo o território brasileiro.» (Santos e Silveira, 2001: 269)
3.2.2. São Paulo como "Cidade Global"
Conforme tivemos oportunidade de referir no anterior sub-capítulo, São Paulo, face ao seu "gigantismo" económico e demográfico, é a Metrópole brasileira por excelência. No entanto a importância da Cidade de São Paulo extravasa as fronteiras nacionais, assumindo-se como a Metrópole de maior importância ao nível de toda a América Latina e podendo constituir mesmo aquilo que se tem vindo a designar por "Cidade Global".
"Cidades globais" são cidades que possuem um razoável degrau de influência no mundo, segundo Saskia Sassen, pode-se considerar que algumas das características básicas das cidades globais são:
? Familiaridade internacional: uma pessoa diria Paris, e não Paris, França.
? Influência e activa participação em eventos internacionais. Por exemplo, a cidade de Nova Iorque é a sede da ONU, Bruxelas a sede da OTAN.
? Uma grande população, onde a cidade global é centro de uma área metropolitana de pelo menos um milhão de habitantes, muitas vezes de vários milhões de habitantes.
? Um aeroporto internacional de grande porte, que serve como base para várias linha aéreas internacionais.
? Um sistema avançado e eficiente de transportes que inclui vias expressas, auto-estradas e sistemas de transporte público.
? Sedes de grandes companhias, como conglomerados e multinacionais.
? Uma bolsa de capitais, que possua influência na economia mundial.
? Presença de redes multinacionais e instituições financeiras de grande porte.
? Multiculturalismo.
? Infra-estrutura avançada de comunicações.
? Presença de grandes instituições de arte como museus. (Sassen, 1991)
Segundo Jordi Borja e Manuel Castells, a definição de "Cidade Global" deve considerar que «(.) el requisito indispensable es la constitución de un nodo urbano de gestión de servicios avanzados organizados, invariablemente, en torno a un aeropuerto internacional; un sistema de telecomunicaciones por satélite; hoteles de lujo, con seguridad adecuada; servicios de asistencia secretarial en inglés; empresas financieras y de consultoría con conocimiento d ela región; oficinas de los gobiernos regionales y locales capaces de proporcionar información e infraestructura de apoyo al inverso internacional; un mercado de trabajo local con personal cualificado en servicios avanzados e infraestrutura tecnológica.» (Borja e Castells, 1997: 37)
Segundo Beaverstock, Smith e Taylor (2000), as "cidades globais" podem ser hierarquizadas em três níveis: alfa, beta e gama:
? Cidades globais alfa: São as cidades mais influentes no cenário mundial. As actuais cidades alfa são Nova Iorque, Paris, Londres, Tóquio, Chicago, Frankfurt, Hong Kong, Los Angeles, Milão e Singapura.
? Cidade globais beta: Cidades que possuem um certo grau de influência no cenário mundial. São elas: Bruxelas, Madrid, Cidade do México, Moscovo, São Francisco, São Paulo, Seul, Sidney, Toronto e Zurique.
? Cidades globais gama: Cidades que possuem um limitado grau de influência no cenário mundial. São elas: Amesterdão, Atlanta, Bangcock, Barcelona, Berlim, Boston, Budapeste, Buenos Aires, Caracas, Copenhaga, Dallas, Dusseldorf, Estocolmo, Genebra, Hamburgo, Houston, Istambul, Jacarta, Joanesburgo, Kuala Lumpur, Manila, Melbourne, Miami, Minneapolis, Montreal, Munique, Osaka, Pequim, Roma, Santiago do Chile, Taipé, Varsóvia, Washington DC e Xangai.
O papel das "cidades globais" pode ser interpretados sobre duas lógicas:
1 «Una lógica espacial, que distingue dos enfoques teóricas: el enfoque territorial, el cual interpreta la ciudad com un "lugar" dentro de un espacio bidimensional, y el enfoque de red, que interpreta la ciudad como nudo d euna red global de relaciones transterritoriales; y
2 Una lógica cognitiva, referida a las distintas racionalidades implicadas en el comportamiento de los agentes económicos (...): una racionalidad sustantiva qye conlleva un enfoque funcional, para optimizar entre alternativas perfectamente conocidas, y una racionalidad "procesual", que implica un enfoque simbólico, típico de una situación de información imperfecta y de incertidumbre planeando sobre las alternativas, sobre los movimientos de los actores y sobre los posibles resultados de las decisiones presentes. En esta última situación, las decisiones están vinculadas a rutinas establecidas, a la coordinación previa entre actores, a representaciones, códigos y símbolos comunes.» (Camagni, 2002: 222-223)
No entanto torna-se importante distinguir "cidades globais" de "megacidades". As primeiras são os centros nevrálgicos da parte globalizada da economia mundial. Já as últimas estariam excluídas dessa rede. As primeiras caracterizam-se pela concentração das funções de comando e/ou coordenação das empresas transnacionais e pela correspondente oferta de variados serviços de padrão mundial. As segundas, por seu lado distinguem-se pela concentração de grandes contingentes populacionais e por uma oferta precária de serviços e equipamentos de uso colectivo.
As "megacidades" predominam nos países em desenvolvimento. As "cidades globais", por sua vez, constituem um grupo selecto de centros urbanos, a maior parte deles localizada nos países desenvolvidos. Fazem parte da lógica da globalização, que dispersa e fragmenta o processo produtivo ao redor do globo e por isso mesmo exige a concentração das funções de comando e articulação em alguns pontos do planeta.
Posto isto, e face às suas características socio-económicas é possível que no caso de São Paulo, nela possam coexistir estes dois "tipos" de cidades.
São Paulo é a maior cidade do Brasil – a décima economia mundial – e a terceira maior metrópole do mundo, sendo a maior da América Latina. Em termos globais, podemos afirmar que «São Paulo reproduz o modelo de crescimento pela desigualdade, embora seja a capital econômica do Brasil e o centro industrial mais importante da América Latina. (.) é também (.) a cidade dos contrastes, onde o sucesso, medido em termos de crescimento económico e de modernização, caminha junto com a acumulação de pobreza (.).» (Sachs, 1999: 47). Também Jacobi refere que «São Paulo"s growth has created urban patterns similar to those in other Latin American cities, characterized by large disparities in health, social and economic status.» (2001: 20).
Para além destes problemas, São Paulo é também uma das cidades mais cosmopolitas do mundo, vivem nela pessoas provenientes ou descendentes da maior parte dos países e de várias raças. São Paulo é uma cidade plural do ponto de vista étnico, cultural, religioso, económico e político. O cosmopolitismo e universalismo convivem e não anulam as singularidades e as especificidades de cada cultura, de cada raça, de cada religião.
A maior metrópole da América Latina permite que sobrevivam comunidades antigas e novas, identidades culturais específicas, sejam elas brasileiras ou estrangeiras. A tensão entre a solidão individual e a vida colectiva, entre comunidade e indivíduo, cria uma ebulição cultural e psicológica que faz a cidade palpitar de forma ininterrupta.
A dinâmica urbana brasileira dos dias actuais não procura urbanizar espaços rurais ou desenvolver novas cidades, pelo menos de uma maneira semelhante à registada nas décadas de 60 e 70, fruto das migrações internas. Esse processo já está consolidado. A questão agora é "metropolizar" os espaços urbanos existentes: trata-se de imprimir-lhes características da metrópole uma vez que muitas actividades, até então exclusivas, necessitam de ser realizadas fora dela para que a reprodução do capital continue a verificar-se.
Em síntese, podemos afirmar que, pelo seu cosmopolitismo, pelo seu comércio, pelo vigor de seus sectores de serviços e indústria, pela diversificação e qualificação de sua mão-de-obra trabalhadora, pelo lazer, pela sua cultura, pelos seus agregados de saber, ciência e tecnologia e pelos seus centros financeiros, São Paulo é uma "cidade global".
Mas ao ser uma "cidade global" não faz com que ela deixe de ser também uma síntese do Brasil. Aqui se condensam os históricos problemas urbanos das cidades brasileiras não planeadas. Multiplicam-se os graves problemas das favelas e da pobreza das grandes cidades. Agravam-se os problemas do trânsito automóvel e do transporte colectivo, ao mesmo tempo que se aprofundam os problemas da violência, do saneamento básico e da habitação.
São Paulo é considerada como uma "cidade global", mas o seu território é limitado, a "cidade global" situa-se apenas em determinadas parcelas do município. Trata-se do território que concentra a maioria das sedes dos bancos e das multinacionais, actualmente concentrada em três eixos ou pólos principais: Avenida Paulista, Avenida Faria Lima e Avenida Luiz Carlos Berrini/Marginal Pinheiros. Certamente que há outros pólos menores, e o próprio centro histórico, ao redor da Sé, também pode ser considerado como parte desta "cidade global" com os seus bancos e Bolsa de Valores.
Figura 9 – Os "Centros" da Cidade de São Paulo
Fonte: Frúgoli Jr. (2000)
Figura 10 – Aspecto da Paisagem Urbana do Centro de São Paulo
Fonte: Frúgoli Jr. (2000)
Figura 11 – Avenida Paulista
Fonte: Souza (1994: 120)
Figura 12 – Avenida Paulista
Fonte: Frúgoli Jr. (2000)
Figura 13 – Avenida Faria Lima
Fonte: Souza (1994: 121)
Figura 14 – Avenida Luiz Carlos Berrini
Fonte: Souza (1994: 118)
Figura 15 – Pólo terciário moderno ao longo da Marginal Pinheiros
Fonte: Frúgoli Jr. (2000)
Figura 16 – Pólo terciário moderno ao longo da Marginal Pinheiros
Fonte: Frúgoli Jr. (2000)
Figura 17 – Centro Empresarial na Marginal Pinheiros
Fonte: Souza (1994: 117)
Os três territórios citados são emblemáticos porque concentram as funções e serviços característicos das "cidades globais". Contudo, eles são fruto de evoluções históricas diferenciadas.
A Avenida Paulista, sede dos casarões dos "barões do café" na primeira metade do século XX, aos poucos transformou-se em sede de serviços e no "centro cívico" da cidade, no lugar de maior visibilidade para todo o tipo de manifestações públicas, dos protestos políticos aos eventos culturais.
A Avenida Faria Lima ganha destaque no cenário da cidade a partir do final da década de 60, com a emergência do "Shopping Center" como o principal "templo" de consumo da classe média emergente, expresso na criação do Shopping Iguatemi. A Faria Lima foi impulsionada pela expansão dos escritórios, principalmente das empresas multinacionais que se instalaram no país após 1964.
A Avenida Luiz Carlos Berrini representa um outro momento histórico, nos anos 90, e um novo vector da expansão urbana paulista. A arquitectura arrojada de seus edifícios é "típica" das "cidades globais". Cada prédio é um "mundo próprio", ligado com o resto do planeta via cabos e conexões multimédia e informáticas.
Contudo, nestes territórios também há pobreza, miséria ou fome, uma das características das "cidades globais" é a coexistência, no mesmo espaço central, de profissionais "globalizados" e de excluídos, de empregados e desempregados. Olhando para além dos "arranha-céus" pós-modernos de São Paulo pode ver-se o bairro do Morumbi ou as Favelas do Real Parque do outro lado do Rio Pinheiros, a Favela Panorama e outras, num contraste que revela não apenas as diferenças sociais existentes no Brasil mas também as diferenças entre "cidades globais" como São Paulo e Cidade do México e "cidades globais" como Nova Iorque, Londres ou Tóquio.
De facto, muitos autores defendem que São Paulo, ainda que conectada marginalmente aos fluxos transnacionais de investimentos, pessoas e empregos, é uma "cidade global".
De acordo com Zeuler Lima, a definição de "cidade global" de Saskia Sassen (Sassen, 1991) traduz a expansão da economia empresarial numa escala transnacional. Ela exige a construção de centros económicos específicos, eliminando a representação tradicional da cidade, criando enclaves de concentração de recursos financeiros e tecnológicos. (Lima, 2005). Estas áreas pontuais dentro do território de muitas das cidades contemporâneas materializam a dimensão local onde os processos globais ocorrem. Esses enclaves precisam de ser equipados como pontos ou nós estratégicos que concentram tanto a infra-estrutura física, de comunicação e de informação, como mercados qualificados de funcionários e de consumidores. Oferecem o cenário urbano de excelência, marcado por uma arquitectura empresarial neutra e internacional e uma arquitectura residencial e espaços urbanos altamente controlados e privatizados (i.e. condomínios privados).
Na opinião de Zeuler Lima, o que a criação de enclaves urbanos globais significa, no final de contas, é que a rede heterogénea de cidades que controla a economia global requer uma distribuição territorial homogénea e semelhante de equipamentos e de elementos simbólicos para que ela possa funcionar eficientemente. Em outras palavras, nos enclaves globais, valoriza-se mais a relação entre eles do que a relação com o tecido urbano em que eles se inserem. A contextualização urbana, cultural e ambiental, cede lugar à reprodução de tipologias urbanas e arquitectónicas que respondem às necessidades de comando da economia global. (Lima, 2005) Contudo, «devemos ter em mente que a cidade tem a sua própria materialidade e que esta não pode ser reduzida simplesmente à questão da globalização.» (Sassen, 2004: 42)
Neste sentido, parece-nos que uma cidade, ao modernizar-se no sentido de caminhar para uma "Cidade Global", corre o risco de perder parte da sua "identidade", podendo mesmo caminhar no sentido de se tornar um "não-lugar" de grande dimensão. Deste modo, cabe aos poderes políticos locais recorrer a instrumentos de intervenção territorial, como o Planeamento Estratégico, de forma a que os diferentes actores locais possam conciliar a modernização arquitectónica e infra-estrutural "exigida" pela "Cidade Global", com a manutenção das características próprias de cada urbe e que lhe conferem um carácter específico e diferenciado.
A Região Metropolitana de São Paulo, a partir dos finais dos anos 80, passou incorporar-se de forma mais nítida na dinâmica da globalização. As relações com o sistema urbano nacional tornaram-se relativamente mais fluidas, enquanto as relações estabelecidas com as redes internacionais de cidades passaram a assumir importância crescente. Essa nova situação cedo se fez acompanhar de mudanças profundas no interior da própria metrópole, tanto que algumas das actividades aí desenvolvidas parecem estar fora de qualquer relação com o território nacional, ligando-se directamente ao cenário global. Segundo Saskia Sassen, «A economia global, na realidade, é uma rede de grandes cidades (.) especialmente, no plano das funções de coordenação e operação desses sistemas globais (.), ou seja, um espaço que exclui a grande maioria dos trabalhadores, a grande maioria das empresas, a grande maioria dos lugares, inclusive cidades. Essa geografia estratégica tem impactos que vão além de seus próprios limites, mas na realidade o processo de implementação é um processo muito estratégico quanto aos espaços geográficos, até mesmo em relação à geografia nacional.» (Sassen, 2004: 46-47)
A formação destes enclaves urbanos em São Paulo torna certamente a cidade mais poderosa economicamente, mas também faz com que a segregação espacial e social se torne mais evidente. O desenvolvimento da área sul do rio Pinheiros e ao longo da Avenida Luiz Carlos Berrini é o caso mais claro desse processo na cidade, seguido pelas tentativas de renovar a Avenida Paulista e o centro histórico de São Paulo.
Segregação e isolamento espacial, assim como conflitos sociais, marcam crescentemente a imagem de São Paulo, em que violência urbana quotidiana é disso exemplo.
Contudo, devemos considerar que a segregação dá-se mais a nível da habitação, do que a nível "profissional". De facto, áreas como a Avenida Paulista e o Centro Histórico, são frequentemente "invadidas" por vendedores ambulantes ("camelôs"), pedintes e sem-abrigo.
Não se trata pois de um fenómeno novo, exclusivo dos processos recentes de globalização. Conforme tivemos oportunidade de referir no presente capítulo, a inserção periférica do Brasil no sistema-mundo produziu discrepâncias internas entre as formas espaciais e sociais nas cidades brasileiras, particularmente em São Paulo.
Segundo Wagner Iglesias «(.) reapresentam-se os conhecidíssimos esquemas que confundem negócios privados e a coisa pública (.). A construção da "nova cidade" que surge em São Paulo reúne a antiga prática da expulsão, pelo Estado, das populações de baixa renda estabelecidas em áreas valorizadas pelo mercado imobiliário, a forma casuística de interpretação da legislação, de acordo com os grandes interesses, o aliciamento de lideranças populares, a aquiescência da mídia e a desinformação e/ou a indiferença da opinião pública.» (Iglesias, 2002: 166)
O desenvolvimento sem planeamento urbanístico da Avenida Luiz Carlos Berrini demonstra um fenómeno tradicional da expansão urbana de São Paulo que é a criação de avenidas imobiliárias e verticalizadas. Esse fenómeno é, ainda, um resquício histórico do processo iniciado com a realização incompleta do Plano de Avenidas de Prestes Maia no final da década de 1930.
Figura 18 – Plano de Avenidas de Prestes Maia de 1935
Fonte: http://www.usp.br/fau
No entanto, a criação desses espaços vem com grandes custos e não traz consigo a definição de uma cidade, como uma instituição colectiva e minimamente democrática. Pelo contrário, o seu resultado é perverso para a maioria da população que não goza dos benefícios gerados nesse esforço de desenvolvimento e dos direitos de acesso a ele.
Apesar de, conforme tem sido enunciado ao longo do texto, existirem alguns pressupostos de partida para se poder considerar São Paulo como uma "cidade global", existe uma série de estudos recentes que desmentem, pelo menos parcialmente, esta ideia.
Segundo João Whitaker Ferreira, «seria razoável supor que São Paulo aparecesse, quanto aos atributos característicos de uma "cidade-global", ao menos entre as 20 mais importantes cidades do planeta. Entretanto, em classificações feitas pelos estudiosos das cidades-globais (.) seu aeroporto sequer era um dos 25 maiores do mundo (.), ela não aparecia entre os 25 mais importantes "pares" de origem-destino no tráfego internacional de passageiros, enquanto que metrópoles periféricas menores e de países de economia menor, como Cingapura, Bangkok, ou o Cairo figuravam nessa lista. São Paulo tampouco estava entre os 25 maiores destinos dos fluxos mais intensos de telecomunicações, nem seu porto era um dos 25 maiores do mundo quanto ao volume de containers.» (Ferreira, 2003: 3).
Não obstante consideramos que, face à performance económica favorável do Brasil nos últimos anos, São Paulo melhorou significativamente os seus indicadores económicos, de transporte aéreo e de telecomunicações, de forma a ser considerada uma "Cidade Global" de pleno direito.
Por outro lado, o pressuposto de que as "cidades globais" são cidades orientadas para o terciário, nomeadamente o terciário superior (ou "quaternário"), não se confirma no caso de São Paulo, «Embora seja inegável que ocorreu nas últimas décadas alguma diminuição da indústria na cidade de São Paulo, (.) não há indícios significativos para afirmar que a cidade esteja passando por um processo efetivo de transição para uma economia terciária, quanto menos "terciária de ponta". (.) São Paulo, assim como ocorre em qualquer grande metrópole, sempre teve predominância dos setores de comércio e serviços, característicos de grandes aglomerados de pessoas. (.) por outro lado sempre se caracterizou por receber em seu território atividades terciárias "de comando", simplesmente pelo fato da cidade ser, desde a mesma década de 50, o principal pulmão do crescimento econômico do país e do continente. (.) e fica difícil entender qual a novidade – equiparando-se o peso que as inovações tecnológicas dos edifícios tinham em cada época – de uma concentração de edifícios terciários modernos na região da Marginal Pinheiros, nos dias atuais, em relação à concentração de novos e modernos (para a época) edifícios na avenida Paulista da década de 70, em grande parte ocupada, aliás, também por sedes de empresas multinacionais.» (Ferreira, 2003: 4)
A nova "centralidade terciária" de São Paulo na verdade não tem uma concentração significativa de empresas do terciário, o que existe é «(.) o seu espraiamento na cidade. De fato, se considerarmos que as regiões da Paulista e da Marginal Pinheiros reúnem apenas 5,66% (3,46% + 2,20%) das empresas do "terciário avançado" situadas na cidade de São Paulo (.).» (Ferreira, 2003: 5). Também Philip Gunn e Daniel Van Wilberode constataram que «nos anos 1980 e 1990 as novas formas de crescimento do comércio e dos serviços não são mais territorialmente restringidas mas se espalham ao longo dos vales do rio Pinheiros e do rio Tietê. Concomitantemente, mais uma nova centralidade surge ao longo da Avenida Luís Carlos Berrini e novas ilhas de consumo da classe média aparecem em diversos lugares policêntricos do tecido metropolitano» (Gunn e Van Wilberode, 2004: 134)
Em resumo, podemos considerar que, não obstante alguns indicadores negativos, São Paulo é uma verdadeira "cidade global". De facto, a cidade mais importante da América Latina tem vindo a apresentar um fortalecimento significativo dos modernos sectores económicos ligados à economia global capaz de a enquadrar plenamente nos "cânones" do modelo teórico das "cidades globais" (Sassen, 1991). Por outro lado, a tentativa de construir as infra-estruturas físicas necessárias à proclamada "cidade global" conduziu a expropriações, mais ou menos coercivas, das populações pobres, aumentando a exclusão social e a segregação territorial e reforçando a "complexidade desconexa" da metrópole paulista.
Não obstante, «la ciudad global no es Nueva York, Londres o Tokio, aunque sean los centros direccionales más importantes del sistema. La ciudad global es una red de nodos urbanos de distinto nivel y con distintas funciones que se extiende por todo el planeta y que funciona como centro nervioso de la nueva economía, en un sistema interactivo de geometría variable al cual deben constantemente adaptarse de forma flexible empresas y ciudades. El sistema urbano global es una red, no una pirámide.» (Borja e Castells, 1997: 43)
Na perspectiva de Sueli Ramos Schiffer, «ainda que se constate que a cidade de São Paulo detenha a centralidade econômica e financeira do Mercosul, podendo assim ser incluída entre as "cidades globais", a manutenção dessa situação requer investimentos públicos de porte, visando dotar de infra-estrutura e políticas sociais adequadas toda a Região Metropolitana de São Paulo, enfrentar questões como poluição, violência, trânsito, além de implementar projetos de revitalização de áreas específicas» (Schiffer, 2004: 192).
3.2.3. Caracterização dos Municípios de São Paulo e do ABCD
No âmbito da presente Dissertação, e tendo em linha conta o enquadramento teórico e o caso de estudo, apresentaremos agora uma breve caracterização dos Municípios de São Paulo e do ABCD, que, conforme temos vindo a referir, compreende os Municípios de Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra.
A evolução do crescimento populacional na Região Metropolitana de São Paulo acompanhou, em linhas gerais, o seu desempenho económico. Conforme tivemos oportunidade de referir num sub-capítulo anterior, desde fins do século XIX até meados de 1970, regista-se uma crescente concentração de actividades produtivas, consequência de um processo que determinou a sua liderança no cenário económico nacional. Processo esse que foi iniciado com a produção cafeeira no século XIX e fortalecido com a implantação da industrialização pesada nos anos 1950 do século XX, no município de São Paulo e, principalmente, nos municípios vizinhos do ABCD.
Figura 19 – "Via dos Imigrantes" na fronteira entre Diadema e São Bernardo do Campo
Fonte: Lúcio (2003)
Figura 20 – Exemplos de fábricas em Diadema
Fonte: Lúcio (2003)
Figura 21 – Prefeitura de Diadema
Fonte: Lúcio (2003)
Figura 22 – Grande superfície comercial em Diadema
Fonte: Lúcio (2003)
Figura 23 – Fábrica de material de construção civil em Diadema
Fonte: Lúcio (2003)
O Município de São Paulo representa 58,4% dos residentes na RMSP. Em conjunto com os sete municípios do ABCD abrange 71,5% da população residente na referida Região Metropolitana, com uma densidade populacional cerca de duas vezes e meia superior à média metropolitana.
Quadro 5 – População Residente e Densidade Populacional nos Municípios em estudo em 2001
Fonte: IBGE – Censo 2000 e Sumário de Dados da Grande São Paulo, 1994 (www.ibge.gov.br)
Os dados mais recentes sobre a população residente são de 2004. No período em causa o único município em que se registou diminuição da população residente foi São Caetano do Sul, o que poderá estar relacionado com a reduzida dimensão do município e a sua elevada densidade demográfica que podem surgir como factores de repulsão da população. Os municípios em que se registaram maiores taxas de crescimento são precisamente os mais "recentes" e menos industrializados/urbanizados em termos do ABCD (Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra) e São Bernardo do Campo. No caso de São Bernardo da Serra não será de negligenciar o facto de ser este o município que possui uma das maiores bacias de emprego (potencial) da região, fruto de ai se localizarem a maioria das fábricas de automóveis.
Quadro 6 – População Residente nos Municípios em estudo entre 2001 e 2004
Fonte: IBGE – Censo 2000 e Estimativas da População (www.ibge.gov.br)
Por outro lado, os níveis de crescimento demográfico na RMSP não deixam de ser bastante menores do que aqueles que caracterizaram as décadas de 50 e 60. Com a queda do ritmo de crescimento demográfico, entre outras razões, surge um novo padrão de urbanização. Passa-se a ter um preenchimento de vazios urbanos, densificando e consolidando áreas urbanas já existentes, por oposição à "clássica" ocupação e incorporação de novas áreas na periferia da cidade. As maiores taxas de crescimento continuam a ser na periferia, mas essencialmente no interior da área já urbanizada, e não pela procura de áreas cada vez mais periféricas como anteriormente. Em consequência, existe uma tendência para a homogeneização, ou seja, para uma queda na diferenciação da estrutura urbana como um todo.
Considerando a componente rendimento e apesar da média de rendimento mensal dos oito municípios em estudo ser semelhante à média estadual, existem grandes diferenças entre os municípios em análise. É o caso de Rio Grande da Serra, cujo rendimento médio mensal de 493 Reais é quase três vezes inferior ao de São Caetano do Sul com 1366 Reais. Por outro lado, não se deve estranhar que São Paulo, apesar de ser a metrópole que referimos e com "aspiração" a "cidade global", não tenha o rendimento médio mensal mais elevado. De facto devemos considerar as grandes "manchas" de pobreza existentes no município paulistano, nomeadamente se considerarmos o elevado número de habitantes que residem em "favelas" e "cortiços".
Quadro 7 – Rendimento médio mensal das pessoas residentes com 10 anos ou mais de idade nos municípios em estudo em 2001
Fonte: IBGE – Censo 2000 (www.ibge.gov.br)
Enquanto enquadramento espacial da nossa análise apresentamos, de forma resumida, algumas características da indústria transformadora no Estado de São Paulo, com o objectivo de destacar algumas diferenças sectoriais da indústria neste território:
1) Por um lado, na «(...) estrutura da indústria paulista: os setores de maior geração de valor não têm a mesma participação na ocupação, o que provoca um descompasso entre emprego e geração de riqueza.» (ver quadro 8)
2) Outro aspecto reside no «(...) porte das empresas: [uma vez que] há um grande distanciamento dos padrões tecnológico, de gestão dos recursos humanos, de inserção no mercado externo, desempenho inovador e participação do capital estrangeiro entre as empresas pequenas e médias e as grandes.»
3) Em termos espaciais, «o adensamento da atividade industrial na Região Metropolitana de São Paulo e na região localizada no seu entorno (...) faz com que este espaço detenha 90% do valor adicionado da actividade industrial. [Porém] este espaço não é homogéneo, já que a estrutura de cada região possui especificidades, como é o caso (...) do Município de São Paulo, com uma enorme concentração da indústria editorial e do vestuário; da indústria automobilística na região do ABC; da automobilística, química, têxtil e alimentícia em Campinas (...) e da química e metalúrgica em Santos. No interior do Estado, a preponderância é da agroindústria, importante para todas as regiões que compõem este espaço (...)» (Fórum São Paulo Séc. XXI, 1999a: 43)
Quadro 8 - Número de Empresas, Pessoal Ocupado e Valor Acrescentado das Empresas Transformadoras implantadas entre 1990-96 no Estado de São Paulo, por sector de actividade
Fonte: Fundação SEADE, in Fórum São Paulo Séc. XXI (1999a: 40)
A percentagem do pessoal ocupado ao nível da indústria transformadora em relação à população residente é mais elevada nos Municípios de São Bernardo do Campo (onde se localiza a maioria das indústrias automóveis), de São Caetano do Sul e de Diadema (onde se localiza maior parte das fábricas de componentes para automóveis), ou seja os municípios do núcleo mais "central", mais "antigo" e mais consolidado do ABCD.
Quadro 9 – Número de Unidades e Pessoal Ocupado na Indústria Transformadora nos Municípios em estudo em 2004
Fonte: IBGE – Cadastro Central de Empresas 2004 (www.ibge.gov.br)
No caso concreto do ABCD paulista e conforme se mencionou em subcapítulo anterior, «foi a implementação do Plano de Metas do governo Juscelino Kubitschek, na segunda metade dos anos cinquenta, que deu à região o perfil de cinturão industrial da Grande São Paulo» (Leite, 2000:88). Assim, o ABCD paulista irá configurar-se como uma das áreas mais dinâmicas do território brasileiro, sobretudo no domínio das actividades de transformação.
A concentração da actividade industrial na RMSP constitui um processo resultante de uma série de vantagens que passamos a mencionar:
a) Existência de um mercado urbano mais evoluído, correspondente à Cidade e aos espaços periféricos de São Paulo;
b) Presença de uma rede de comunicações com o exterior mais desenvolvida, de que é o exemplo o Porto de Santos;
c) Abundância de terreno disponível para implantação de estabelecimentos empresariais;
d) Perfil de mão-de-obra com alguma qualificação e com baixos custos de reprodução.
Em consequência deste conjunto de vantagens, «instalou-se na região o parque industrial automotivo, constituído pelas montadoras de autoveículos e suas fornecedoras de autopeças» (Leite, 2000:88). Outro sector com, «grande expressão no ABCD corresponde à indústria química, que gera mais de 15% do valor adicionado e 10% dos empregos na região.» (Fórum São Paulo Séc. XXI, 1999a: 23)
A concentração de actividades produtivas neste centro, entre 1950 e 1970, foi de tal ordem que nesta última data a RMSP respondia por 42,2% do valor da transformação industrial nacional e por 74,6% do total estadual, cabendo ao município de São Paulo 64,0% do total metropolitano.
Quadro 10 – Importância relativa do VAB industrial em diferentes contextos territoriais (1960-85)
RMSP no Brasil |
Est. de S. Paulo no Brasil |
RMSP no Est. de S. Paulo |
Mun. de S. Paulo no Est. de S. Paulo |
Mun. de S. Paulo na RMSP |
|||||||||||
1960 |
39,8 |
54,5 |
- |
- |
- |
||||||||||
1970 |
42,2 |
56,6 |
74,6 |
46,6 |
64,0 |
||||||||||
1975 |
38,0 |
54,7 |
- |
- |
- |
||||||||||
1980 |
32,9 |
52,4 |
- |
- |
- |
||||||||||
1985 |
26,8 |
47,4 |
56,6 |
- |
- |
Fonte: Schiffer (2004) (org.), CD-ROM em anexo.
Tendo em conta o que temos vindo a enunciar, é possível afirmar que a reconfiguração espacial da economia brasileira, ocorrida entre as décadas de cinquenta e setenta do século passado, privilegiou um conjunto de espaços bem delimitados no território brasileiros correspondentes, em grande medida, aos oito municípios objecto de estudo. Em consequência deste padrão locativo de actividades, o Estado de São Paulo «representa, em 1980 aproximadamente 40% do produto nacional e abriga dos sectores mais modernos da economia do país» (Fórum São Paulo Séc. XXI, 1999b: 3).
No período que decorre até ao final dos anos setenta, e num contexto de forte crescimento económico, «o ABC tornou-se o coração do milagre brasileiro, tendo como carro-chefe desse crescimento a indústria automobilística instalada na região que era responsável pela quase totalidade da produção nacional de autoveículos.» (Leite, 2000: 89)
Neste sentido, podemos considerar que a estruturação do ABCD paulista corresponde, pelo menos parcialmente, e tendo em consideração os contornos económicos e geográficos que assumiu no seu início e posterior desenvolvimento, ao desenvolvimento de um "distrito industrial", com características próximas de uma "Mega Cluster" e com uma forte tendência para a localização e concentração de diversas actividades económicas que têm no fabrico de automóveis o seu sector "aglutinador".
No entanto, esta tese que defendemos não deve ser entendida como conclusão absoluta, isenta de debate e reflexão. Deste modo, o ABCD paulista poderá, também, ser considerado um pólo-motor de crescimento próximo de um conceito de inspiração Keynesiana. Neste sentido, a estruturação do ABCD corresponderia a uma área geográfica palco de grandes investimentos industriais, que despoletariam fenómenos de arrastamento intersectorial na malha produtiva da região. Nesta perspectiva, o ABCD poderá ser considerado como o elemento-chave de uma estratégia funcionalista na promoção do desenvolvimento, com uma aposta bem determinada em certos sectores produtivos e áreas geográficas.
Na sua génese, a formação do ABCD paulista beneficiou de vantagens territoriais compreendidas num modelo de organização de produção do tipo fordista, como sejam «mão-de-obra abundante e barata, grandes volumes de recursos naturais e economias de escala» (Fórum São Paulo Séc. XXI, 1999b: 10). Deste modo, o poder atractivo desta região motivou a procura de espaços disponíveis para investimentos industriais. Em consequência, assistiram-se a alterações profundas nos padrões de uso do solo nos municípios envolvidos, com um aumento significativo de parcelas de território afectadas à indústria e à habitação.
A consolidação da nova estrutura territorial teve, no curto prazo, um conjunto de consequências positivas para a economia paulista, como seja a melhoria dos rendimentos e a modernização da actividade económica. No entanto, no longo prazo, este modelo de desenvolvimento «será responsável pelo aparecimento de uma série de problemas ou desvantagens económicas (deseconomias de aglomeração) tais como: trânsito caótico, enchentes na época de chuvas, altos custos do porto de Santos, escassez e alto preço da água industrial, poluição ambiental, terrenos supervalorizados» (Leite, 2000: 89).
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