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A primeira concepção é mais abrangente e é usada mas claramente no texto no que tange ao complexo conceito de fé, o autor afirma: “Crer é por conseguinte uma atitude fundamental de aceitação, de entrega, de compromisso com uma proposta que envolve todas as atividades livres da pessoa no seio da comunidade, portadora e destinatária dessa proposta” (p.15).
Essa proposta tem como núcleo a revelação de Deus, isto é, de seu ser e de sua vontade em Jesus Cristo e que nele nos torna participantes da natureza divina. Crer em Deus é um convite a viver em comunhão com Ele, da maneira referida por Cristo dentro de um longo projeto anunciado antes pela Lei, pelos Profetas, pelos sábios, pela experiência do povo de Israel. Seu limite é alcançado em Jesus Cristo, princípio e fim de tudo que Deus nos diz. Essa proposta de Deus está sempre atualizada pela comunidade da fé, que é a Igreja, que crê nessa proposta e a anuncia de diversas formas, repropondo-a sempre. A comunidade é uma mediadora de Deus na proposta e a evangelização é o anúncio por parte da comunidade cristã daquela proposta em que crê, a todos os homens.
Essa fé é gratuita porque a conhecemos pela graça de Deus, mas também porque amamos o que cremos por essa graça.
Entretanto, consentir ou dissentir desse chamado de Deus é próprio da liberdade humana, opondo o reino de Deus à sua negação. A fé é vivida na dimensão da nossa percepção sensível mas também nos transformam como pessoa e como membro de uma comunidade que é a Igreja. Crer em Deus é uma entrega radical, uma saída de nós mesmo em direção ao Ser de Deus na medida em que somos chamados por ele para um relacionamento que dá sentido último à vida e à realidade. Noutros termos ele indica esperança e não desespero, o ser e não o nada, o valor e não o absurdo, a vida e não a morte, Deus e não um ídolo. Fundamos em Deus nas suas exigências e promessas nossa fé e nossa vida, na sua força e no seu poder.
Contudo, a fé existe dentro de um concreto humano, ela é apropriada ao longo da história humana e da história do projeto de Deus ao qual nos referimos acima. A Revelação de Deus vai sendo apropriada pelas comunidades de fé ao longo da história sendo continuamente relida dentro dessa história. Esse aspecto hermenêutico da fé tem três momentos, o primeiro metafísico-cosmológico, no qual “a interpretação consistia fundamentalmente em determinar bem o objeto da fé, fixá-lo zelando por sua reta formulação” (p.24). Um segundo momento é antropológico na medida em que o homem se pergunta não tanto pelo ser quanto por sua existência, pelo significado da fé na própria vida humana. Há aí uma interpretação antropológica e subjetiva na qual aquele que crê não só interpreta a tradição da fé mas sabe que interpreta. Um terceiro momento é histórico-dialético, na medida em que vai mais além relacionando sua interpretação com sua situação histórica.
Nesse último sentido a autêntica ortodoxia se realiza para o autor na “inteligente interpretação da revelação dentro do novo contexto sócio-histórico” (p.27).
A percepção acima foi levantada por João XXIII no Concílio Vaticano II ou teólogos como Karl Rahner, que insistiram na interpretação dentro da cultura atual das exigências da fé. Por outro lado, essa é uma pergunta pelos nossos compromissos com a história e a realidade concreta na qual vivemos. Há uma relação profunda aí da fé com a prática como foi lembrado, por exemplo, no encontro de bispos em Puebla, que recupera a noção de que a fé sem a obra é uma fé voltada pra morte e não pra vida
Entretanto deve-se ressaltar que a fé cristã tem a pretensão de, dentro da dimensão do tempo, viver o início da plenitude da vida eterna ou do reino de Deus. Nesse sentido, a fé a um tempo implica um já agora e um ainda não, um momento em que o reino se inicia, participamos do conhecimento de Deus mas ainda devemos continuar a construir o mundo da esperança da nova terra e na solicitude pelo aperfeiçoamento desta terra. Dessa forma, as atividades humanas realizadas pela fé dentro da história contribuem para a execução do plano divino na história, a plenitude do reino, que se consumará com a vinda do Senhor. Para o autor, referindo-se a uma das encíclicas do Concílio Vaticano II, “Numa afirmação ainda mais ousada, a Gaudium et Spes reconhece que os valores da dignidade humana da comunidade fraterna e da liberdade propagados na terra no Espírito do Senhor e por sua ordem, isto é, todos estes frutos bons da natureza e do trabalho do homem vamos encontrá-los novamente, limpos de toda impureza, iluminados e transfigurados na concepção da história. O Reino já está presente em mistério aqui na terra. Chegando Senhor, ele se consumará” (p.37).
A fé e a política devem ser articuladas, o que passa pelo reconhecimento de que a fé tem como último ponto de referência uma plenitude final, embora possa se relacionar com as utopias políticas e humanas que são princípios vitais da sociedade humana. As utopias nascem nos grupos humanos pelas aspirações de convívio, fraternidade, participação e felicidade, contrastando com a insuficiência das estruturas sociais presentes. Nesse sentido, as utopias são criações que não têm lugar exato na história, mas aparece como horizontes que movem os grupos humanos dentro da história. A utopia não existente e o viável e nasce na experiência e nas potencialidades humanas dentro da sociedade, projetando-se no futuro previsível.
A fé não se esgota no limite humano como a utopia, mas recorre ao uma instância transcendente como sua inspiração, existindo uma distinção radical entre utopia e os fins da fé mas também pontos de entrelaçamento. Este ocorre no dia a dia dos homens, que ao mesmo tempo que se sentem chamados por Deus, aspiram também à fraternidade com seus irmãos e a construir uma sociedade de liberdade e participação. Na verdade, o projeto do Reino de Deus, ao tratar de modo radical a comunhão entre os homens e a transcendência dos seus horizontes, articula fé, política e utopia. Pode-se talvez falar aí em Reino de Deus inaugurado embora não plenamente realizado. A utopia pode ser caminho para a contínua inauguração deste Reino de Deus.
É importante também notar que há uma relação profunda entre a fé e a ideologia. Esta mobiliza as pessoas para uma causa que pode ser fundamental para uma transformação da realidade mesmo que mistifique aspectos dela, mas a fé ajuda a enriquecer a ideologia de autênticos valores humanos. A fé critica a ideologia na medida que mostra como o Reino de Deus pertence aos pobres e desprezados. Todavia, a ideologia religiosa pode se revestir de fanatismo, rigidez, com a fé prestando desserviço à ideologia.
O essencial aí é mostrar que a salvação tem um horizonte escatológico mas mantém uma relação de diálogo com as realidades humanas históricas, transcendendo-as e inaugurando-as ou criticando-as. Nesse sentido, a fé cristã coloca como exigência de salvação delimitações para as mediações políticas realizarem algo no sentido da salvação e do Reino.
O mal possui nessa visão causas econômicas e políticas de situações e práticas sociais injustas, podendo-se falar em estruturas sociais do pecado. É nesse sentido que o autor escreve: “...pela fé acolhemos a revelação de Deus, conhecemos o projeto último de Deus sobre a humanidade. Entretanto, essa revelação, devido a seu caráter histórico – ela aconteceu no contexto sociocultural definido de um povo, de um momento – e de sua vigência universal, necessita continuamente ser interpretada e mediatizada para os contextos em que nossas práticas políticas se realizem” (p.46). Daí a importância, por exemplo da Doutrina Social da Igreja e da Teologia da Libertação.
A Teologia aí é vista como uma fé que procura ser compreendida e compreender, e a Teologia da Libertação como fé engajada no processo de libertação procurando inteligência, clareza e lucidez nesse processo. Daí sua opção pelos pobres preferencial e solidária, que implica a presença de Igreja dentro de sua própria história através da assistência, da ajuda material e espiritual aos pobres como sujeitos ativos de sua caminhada libertadora ao lado do qual a Igreja quer estar de modo preferencial.
Um último ponto aqui refere-se à motivação que o cristão deve possuir com a fé apresentando-se como motivação última para o agir político enquanto as ideologias são motivações em nível mais imediato, embora não contraditório. O Concílio Vaticano II referiu com insistência à motivação do cristão para comprometer-se mais seriamente com este mundo, uma tarefa da justiça e do amor com o bem dos semelhantes, com a missão de construir um mundo mais humano. Existem laços diversos entre a fé e a ideologia, mas deve ser respeitado o laço fundamental e radical entre o amor ao próximo e o amor ao Deus. Há aí uma unidade de uma realidade plural, realidades que encerram elementos distintos entre si, mas que efetivamente apontam para o mesmo alvo. Pode haver assim uma ideologia que seja expressão vivida e prática de verdadeiro amor ao irmão na luta contra dominações e injustiças, possibilitada pela presença de Deus entre nós. Essa é função crítica positiva da ideologia.
Penso ter exposto o essencial do pensamento do autor sobre as articulações mútuas e as autonomias próprias da fé e da política neste texto. Desejo apenas complementar à guisa de esclarecimento maior minha visão do autor apelando para o texto Jesus Cristo Libertador, de Leonardo Boff. O primeiro ponto é a necessidade transcender as análises de corte sociológico apenas e descer a considerações mais estruturais e culturais: “O capitalismo, o consumismo, os laços de dependência e a opressão manifestam um certo ethos cultural (o sentido da vida e da morte, das relações com o outro, com os bens, com o Transcendente) que tem suas formas de concretização histórica. A modernidade optou por um sentido de ser e viver orientado pelo saber e pelo poder sobre tudo o que se lhe oferece, especialmente sobre o mundo em termos de dominação, lucro, e exploração. Qualquer revolução que não mudar esse ethos cultural, que se encontra na base de nossa história ocidental e também no marxismo, será apenas uma variação do mesmo tema, e jamais uma verdadeira libertação, pelo menos a visada pelos mais sérios grupos latino-americanos de reflexão” (p. 25). Esta citação, a meu ver, ilustra o ponto relacionando fé e ideologia e indica a falsidade de ver a Teologia da Libertação como uma teologia de cunho marxista strictu sensu. Todavia, se olharmos Jesus, sua práxis teve um sentido sóciopolítico marcante alcançando a estrutura da sociedade e da religião da época. Assim, a justiça ocupa lugar central no anúncio do Reino. Os pobres são bem aventurados não por serem virtuosos, mas porque provocam a intervenção do Messias cuja primeira função é fazer justiça ao pobre e defender o fraco em seu direito. A riqueza também é vista como conseqüência de exploração dos pobres, mas o ideal de Jesus não é uma sociedade de opulência de nem de pobreza, mas de justiça e fraternidade: “Jesus não propugna um amor despolitizado, deshistorizado, desestruturado, mas um amor político, ou seja, situado e que tem repercussões visíveis para o homem” (p.31).
Esta libertação que Jesus prega mostra-se em seu ápice na ressurreição, ou seja, na vida que se escondia e não podia ser limitada pela cruz. Nesse sentido, esses poucos pontos retirados do livro de Leonardo Boff, ajudam a compreender melhor uma prioridade da fé sobre a política, mas ao mesmo tempo como esta se vê implicada pela fé. A política, por outro lado, é vista no sentido mais amplo, não enquanto estruturas do Estado apenas, mas enquanto atos cotidianos de poder dentro da sociedade nas suas várias manifestações. Finalmente, aponta para uma radicalidade da fé que termina num silêncio profundo sobre a realidade última do Reino de Deus. Podemos ter seu anúncio, inaugurá-lo, mas sua plena manifestação passa por nós mas começa e termina na revelação e no segredo do Pai.
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Não conheço nenhum texto budista específico sobre a política, mas todos os textos desta velha religião falam do poder como uma ponte entre uma dimensão suprema e uma dimensão histórica, bem como da relação entre ambas.
O monge vietnamita Thich Nhat Hanh afirma em Jesus e Buda Irnãos: “Quando falamos sobre esta suprema dimensão, precisamos estar conscientes de que a nossa relação com ela é diferente, não é igual à nossa relação com os outros eventos que nos cercam. É por isso que no budismo existe conscientização de que não podemos lidar com a suprema dimensão do mesmo modo com que lidamos uns com os outros na dimensão histórica. Neste contexto não falamos em termos de ondas ou de fenômenos, mas de água, da suprema dimensão ou numenal” (p. 130).
O budismo consiste, em suas várias tendências, na busca do nirvana, um tipo de realidade numenal que significa extinção, quer dizer, a destruição de noções, conceitos, idéias e palavras, até mesmo a palavra nirvana. Nesse sentido, ele consiste na busca de um caminho inefável, no qual se removem os obstáculos da vida condicionada.
A fé é uma confiança inerente a um praticante que deseja alcançar sua realização, e o poder significa capacidade de comprometimento com esta dimensão transcendental em mudar a vida desde já, por exemplo como se mostra nos cinco treinamentos de conscientização que consistem em (1) cultivar da compaixão e aprendizado das maneiras de proteger a vida de todos os seres; (2) trabalhar para o bem estar de todos os seres a partir da consciência do sofrimento a eles causado pela exploração, injustiça social, roubos e opressão; (3) cultivar a responsabilidade e aprender maneiras de proteger a segurança e integridade dos casais das famílias e da sociedade não se envolvendo em relações sexuais sem amor e sem compromisso a longo prazo; (4) cultivar da conversa amorosa e atenção profunda de modo a trazer alegria e felicidade aos outros e alívio aos seus sofrimentos; (5) comprometer-se com a boa saúde física e mental de todos os seres praticando o comer, o beber e o consumir conscientes, isto é, que não danifiquem o corpo e a consciência e não traiam nem os ancestrais nem a sociedade nem as futuras gerações.
O conceito budista de responsabilidade universal dá conta de como coabitam o universo tradicional e a visão profunda do Buda. Este ponto é desenvolvido num texto chamado Responsabilidade Universal do Lama Padma Samten, gaúcho criador do Instituto Caminho do Meio em Viamão, região metropolitana de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Apresentamos a seguir este texto. Para o Lama, a visão de mundo convencional é a visão do mundo ilusório, que surge da noção de separatividade entre os seres e tem seqüência com a responsividade de tudo que parece ferir nossas identidades. Esta situação é fruto da ignorância, e só pode ser cortada pela lucidez quando, focando a ignorância, examinamos nossos enganos como operações da mente às quais o praticante tem acesso através da meditação. Essa lucidez permite reconhecer uma união perfeita entre o mundo ilusório e o mundo ilimitado, e está sempre disponível como possibilidade de perceber a inexistência de separação entre a aparência convencional e a natureza última.
Esta visão é difícil quando perdemos a clareza e nos colocamos no mundo a partir de uma identidade e fazemos surgir respostas automáticas dela derivadas. É preciso desenvolver a capacidade de surgir no mundo de forma livre, capaz de reconhecer os vários tipos de universos que as pessoas habitam, reconhecer suas diferentes paisagens mentais e os sucessivos problemas que aquelas paisagens mentais e formas de comportamento produzem. Olhando com liberdade, surge a possibilidade de entender como o outro vive, mas que ele mesmo possui uma liberdade com que pode atuar, na qual a compaixão surge. Este é o caminho que conduz a condição na qual estamos livres do autointeresse, sustentados pela energia de todos os budas e que permite trazer benefícios aos seres dentro do mundo condicionado usando sua própria linguagem, mas manifestando lucidez e liberdade. Há três passos nesse caminho: (1) a visão, os ensinamentos que estão ligados ao conteúdo que se percebe além das obstruções mentais; (2) estes ensinamentos precisam ser estabilizados e tornados disponíveis de forma prática pela meditação; (3) estes ensinamentos culminam na operação lúcida em meio ao mundo para benefício de todos os seres, através da ação.
O conteúdo começa com a noção de responsabilidade universal ou de um bom coração, que vem da compreensão inicial de que todos somos seres interdependentes. Dessa compreensão passamos a notar que apara preservar nossas vidas precisamos preservar as deles.
Lentamente, compreendemos que desejamos a felicidade e queremos evitar o sofrimento, e que é preciso que alimentemos essa coletividade de seres e nos harmonizemos ao universo. Notamos que somos dependentes do universo em todas as suas formas, não apenas do ambiente vivo mas também de estruturas não vivas. Tudo que fizermos para esse mundo ao redor produz resultados sobre nós.
Isso vai nos conectar com as necessidades de criar um relacionamento positivo com o ambiente natural, proteger o ambiente social ao nosso redor, promover relações interpessoais positivas e também olhar para nós de forma mais lúcida e benigna.
Este é o olhar da responsabilidade universal, no qual existe a noção de interdependência, unidade, não separatividade, rede. Para o Lama, “Muitas vezes nos parece que a lógica do ‘mundo real’ é vitoriosa sobre as nossas aspirações elevadas e visões espirituais que terminam por mostrar-se frágeis diante da concretude das circunstâncias. Na visão budista não é assim. Quando nos comportamos ferindo as relações, temos problemas, quando promovemos relações positivas, somos recompensados” (p. 21). A conexão da responsabilidade universal com a visão espiritual é explicitada por S.S. Dalai Lama citado no artigo que estamos usando: “Não importa quanto poder tenhamos, e nem quantos recursos tenhamos, a felicidade vai depender de nossa dimensão de afeto, de carinho, de compaixão e de amor. Se nós não tivermos isso, a nossa vida vai parecer muito infeliz e sem sentido” (p.22).
Nesse sentido, a busca de poder e recursos não pode proporcionar a experiência que no fundo todos buscam e que só vem com compaixão, amor e afeto. Na nossa cultura atual, inúmeras ações de desenvolvimento são geradas por uma lógica que não tem por objetivo explícito trazer felicidade e reduzir o sofrimento, mas estão ligadas à busca de dominação e de recursos. Esses não são valores humanos, apenas trazem infelicidade e destroem o suporte da vida sobre o planeta. É preciso encontrar uma visão ampla de cultura de paz e responsabilidade universal porque este é o mundo real e não o mundo como é pensado a partir de visões obstruídas.
Creio que estas reflexões indicam de forma clara as relações entre a fé e o poder no universo budista e que se conectam com preocupações de pensadores cristãos como os que vimos no início deste texto.
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Podemos agora passar às conclusões desse texto. Em primeiro lugar, a Teologia da Libertação latino-americana tem um horizonte escatológico mas mantém mediações com o mundo da política do ponto de vista do Estado e da política no que poderíamos chamar de micropoderes que dizem respeito a inúmeros aspectos da vida cotidiana do ser humano, sendo o seu horizonte quase anarquista.
O reino de Deus, em última análise, abole o poder do Estado, entretanto, ela se utiliza de conceitos como utopia e ideologia inscritos na civilização ocidental que a Igreja ajudou a criar. Ela tem uma visão com matizes hegeliano-marxistas quando pensa o espírito se revelando na história através das mediações humanas da fé e da política. Além disso ela exige um compromisso de práxis cristã na medida em que o reino foi inaugurado com Cristo mas sua realização final tem um prazo que pode ser dilatado talvez por Deus talvez pelas práticas humanas.
Essa redenção cristã tem pontos de contato com a busca budista do caminho do meio que por sua vez também tem uma relação com a política no sentido da emancipação humana.
Seguindo por exemplo Thich Nhat Hanh, a busca de concretização do Espírito é a própria busca do Buda, da concentração e da sabedoria que para efetivar-se no nível das identidades que vivemos precisa também de mediações que tenham a ver com o mundo dos fenômenos e das identidades. Nesse sentido, o reino de Deus vive no coração dos praticantes mas deve se exteriorizar na vida cotidiana: “Algumas vezes dizemos que Deus está em nossos corações, que o Reino de Deus está em nossos corações. O significado é justamente este, mas não nos sentidos verdadeiramente felizes quando fazemos tal declaração, porque na verdade não experimentamos... O que significa amar a Deus com todas as forças? É o seguinte: na vida cotidiana, vocês têm que se esforçar para alcançar a outra dimensão da realidade, a suprema dimensão, a dimensão de Deus, a dimensão da água. É uma pena que desperdice todo o tempo lidando com o mundo dos fenômenos, enredados, sem qualquer oportunidade de voltar e tocar a mais profunda dimensão dos seus seres” (p. 138)
Parece-nos assim que as principais diferenças entre fé e poder no cristianismo radical e no budismo residem sobretudo em problemas de organização eclesial e pastoral e não em questões teológicas, que mantém um fecundo diálogo.
Referências bibliográficas
João Batista Libâneo; Fé e Política – Autonomias Específicas e Articulações Mútuas; Edições Loiola, São Paulo, 1985;
Leonardo Boff; Jesus Cristo Libertador; 18ª Edição; Editora Vozes, Petrópolis, 2003;
Thich Nhat Hanh; Jesus e Buda, Irmãos, 2ª Edição; Bertrand Brasil, Rio de Janeiro, 2005;
Lama Padma Santem; Responsabilidade Universal; Mímeo, Recife, 12 de agosto de 2004.
Autor:
Igor Zanoni Constant Carneiro Leão
igorzaleao[arroba]yahoo.com.br
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