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Drogas, por que legalizar? A interferência do direito penal na questão das drogas (página 4)


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Infelizmente, o viés proliferado, é que todo usuário é dependente. Importante, porém, observar que apenas 1/9 dos usuário são viciados, ou seja, a imensa maioria dos usuário de drogas o fazem de modo recreativo e sem nenhum tipo de vício ou dependência, logo, não praticam crimes para sustentar o uso. Ademais, o número de viciados em álcool supera em muito, guardadas as proporções, aos viciados nas drogas ilícitas. Maria Lúcia Karam (apud LIMA, 2014) afirma que:

os maiores danos relacionados às drogas ilícitas advém do próprio proibicionismo, e não da sua circulação, e atingem os direitos fundamentais dos cidadãos, o que abala a própria preservação do modelo de Estado Democrático de Direito. Diante disso, defende que está na hora de legalizar a produção, a distribuição e o consumo de todas as substâncias psicoativas, regulando essas atividades, através de regras efetivamente preocupadas com a saúde pública e o bem-estar da população, bem como respeitando a dignidade de cada cidadão.

Ainda em Lima (2014) podemos verificar que:

rebatendo argumento lançado por aqueles que defendem sistemas repressivos, embora se aponte a estreita ligação entre o consumo de drogas e a delinquência, não há nenhum estudo que demonstre relação de causalidade entre eles, uma vez que é extremamente difícil verificar se o uso de drogas levou a prática do ilícito ou se o individuo já havia cometido crime antes e posteriormente passou a fazer uso de drogas. Ademais, essa relação torna-se ainda mais difícil de ser estabelecida diante do fato de que usualmente chegam ao Poder Judiciário apenas os crimes cometidos por sujeitos marginalizados, excluídos socialmente, e, portanto, mais afetos ao problema das drogas, bem como que as pessoas consomem drogas por motivos íntimos e particulares. Não bastasse isso, a clandestinidade da produção, distribuição e consumo das drogas consideradas ilícitas impedem o controle de qualidade dos entorpecentes consumidos, o que aumenta os riscos de adulteração, impurezas e desconhecimentos dos potenciais das substâncias usadas, bem como por estar na esfera da ilegalidade, impõe aos usuários a noção de que devem consumir o mais rápido possível e da forma mais fácil encontrada, o que auxilia na proliferação de doenças transmissíveis.

Não se pode mais acreditar que, com a criminalização da conduta, os sujeitos deixarão de consumir drogas. O consumo existe, sempre existiu e continuará existindo. O que o Estado precisa fazer é encontrar meios de amenizar os resultados oriundos do consumo desenfreado (política de redução de danos).

Vemos, portanto, que existe uma forte possibilidade do poder do tráfico ser diminuído drasticamente com a legalização das drogas, dos crimes conexos ao tráfico também reduzir drasticamente, bem como os impactos sobre a segurança pública e o sistema carcerário.

Continua a ser um problema a ser resolvido não pelo direito penal, e nem mesmo pelo próprio direito em si, a questão das drogas, pois, ao passo que o consumo não vem aumentando nos países que legalizaram a venda, o mesmo também não diminuiu, o que demonstra que está na família, na educação e em campanhas educativas e com forte intervenção do Estado a possível solução para uma política concreta de redução de usuários de drogas.

3.4.1 AS DROGAS NA SUÍÇA:

A experiência com as drogas na Suíça, segundo informações do Senado (2013), se destaca, sobretudo, no tratamento de usuários de heroína, maior problema do país na área das drogas nos anos 1980. A opção foi implementar uma política baseada em saúde pública, com prevenção e terapia, em vez de criminalizar o usuário.

Em 1994, foi adotada na Suíça também a prevenção de danos: um programa de tratamento por administração de heroína e a criação de salas para injeção supervisionada. Cerca de 3 mil usuários problemáticos dessa droga (entre 10% e 15% dos dependentes e entre 30% e 60% dos consumidores) passaram a recebê-la gratuitamente. O governo da Suíça teve que negociar essa possibilidade, baseando-se na avaliação de que, quem abusava da heroína, ao recebê-la legalmente, deixaria os crimes e o tráfico de drogas.

O número anual de novos usuários caiu de 850 em 1990 para 150 em 2005. E cerca de um terço dessas pessoas deixaram a droga espontaneamente sem nem mesmo um tratamento associado. A política fez com que o mercado ilegal de heroína se inviabilizasse e levou a uma queda de 90% nos crimes contra a propriedade cometidos por participantes do programa do governo. Em 2008, um plebiscito rejeitou o fim do programa com mais de dois terços dos votos. Também foi rejeitada a legalização da maconha na Suíça.

3.4.2 AS DROGAS NA HOLANDA:

Informações também do Senado (2012), demonstram que a concepção do modelo da Holanda, leva em consideração que o problema das drogas não tem uma só solução. Então, é melhor controlá-lo e reduzir danos em vez de continuar uma política de repressão com resultados questionáveis. A legislação sobre drogas da Holanda é de 1976, e tem como base a diferenciação entre drogas de risco aceitável (maconha e haxixe), daquelas de risco inaceitável para a saúde e para a segurança pública (cocaína, heroína, anfetaminas e LSD). O álcool, considerado uma droga de risco alto, é legal e controlado pelo governo.

Apesar de ato tecnicamente ilegal, por conta dos tratados internacionais assinados pelo país, quem é pego com até cinco gramas de cannabis sativa, na Holanda, não é punido. Bares e cafés (coffeeshops) que vendem até cinco gramas de maconha ou haxixe podem ser encontrados em toda parte e, no interior desses locais, o consumo é tolerado. Mas não se pode fumar maconha em locais públicos, por exemplo, e o tráfico na rua é proibido e punido. O governo da Holanda afirma que não quer que a polícia perca tempo com os pequenos infratores.

Por outro lado, a posse, o comércio, o transporte e a produção de todas as outras drogas são expressamente proibidas e reprimidas com eficiência; há previsão de penas que podem chegar a 12 anos de prisão e de multas de até 45 mil euros. A Holanda trata a questão das drogas como de saúde pública, em que tratamento e recuperação são oferecidos para todos que buscam ajuda. As junkiebonds (associações de usuários de droga injetáveis), buscam melhorar as condições de vida dos usuários, evitando o contágio por hepatite B e HIV/Aids, distribuindo agulhas e seringas descartáveis.

A média de consumo de drogas na Holanda é inferior à do restante do continente, e o percentual de pessoas que usam drogas injetáveis é o menor entre os 15 países da União Europeia. O número de usuários de heroína diminuiu significativamente (de 28 a 30 mil em 2001 para 18 mil em 2008), e a média de idade dos usuários vem aumentando.

3.4.3 AS DROGAS NA SUÉCIA:

Ao contrário da tendência europeia de descriminalização, na Suécia o consumo de drogas é considerado crime, com punição de até três anos de prisão, desde 1993, é o que afirma no site do Senado (2013). Mais de 90% dos suecos rejeitam a tese da descriminalização ou da legalização das drogas. Essa política é associada a fortes ações de prevenção e a tratamento efetivo. Prioridade nacional na Suécia, ela envolve governo, ONGs, voluntários, empresas, escolas, igrejas e famílias.

Nos últimos 30 anos, o número de dependentes de drogas na Suécia caiu de 12% para 2%. A taxa de usuários de cocaína é um quinto da taxa dos países vizinhos, como Inglaterra e Espanha. E, segundo as informações trazidas ao Senado pela embaixadora da Suécia, Annika Markovic, até o momento o país está livre do crack.

Há grande investimento na repressão às drogas: 60% dos recursos da polícia de fronteira, por exemplo, são usados com esse fim. "Rejeitamos todo e qualquer tipo de droga não medicamentosa e não aceitamos a integração das drogas em nossa sociedade", afirmou a embaixadora.

Dessa forma, não há distinção entre drogas leves ou pesadas na Suécia. As pessoas suspeitas passam por testes para detecção do uso de drogas. No caso de condenação à prisão, se o usuário representar um risco a si próprio ou à comunidade, o tratamento pode ser compulsório, por no máximo seis meses. Depois disso, ele escolhe se continua se tratando ou se vai para a prisão.

O tratamento visa preparar o dependente a retornar ao convívio social, incluindo trabalho comunitário e terapêutico, revelando que o serviço social da Suécia mantém contato com cerca de 80% dos usuários de drogas injetáveis.

3.4.4 AS DROGAS EM PORTUGAL:

Em julho de 2001, Portugal se tornou o primeiro país da Europa a descriminalizar o uso de drogas, segundo informações do Senado (2012). Elas continuam proibidas, mas seu consumo não é mais crime. Por lei, o usuário agora é considerado doente crônico que precisa de tratamento, mas há sanções penais para traficantes e produtores de drogas.

O usuário pego em Portugal com quantidade de drogas equivalente a, no máximo, dez dias de consumo (o que é detalhado na legislação), é encaminhado a uma comissão, composta por um assistente social, um psiquiatra e um advogado, que avalia se o caso se configura como tráfico, dependência ou simples consumo pessoal. O usuário, então, pode ser multado, condenado a prestar serviço comunitário ou encaminhado para tratamento.

O Ministério da Saúde de Portugal coordena as ações de prevenção e tratamento às drogas, que são articuladas com diversas áreas do governo. Houve grande expansão da rede de tratamento e a meta é ter leitos de internação disponíveis para todos os dependentes que necessitarem. Outro foco da legislação de Portugal é a redução de danos, que permite, por exemplo, o fornecimento de seringas descartáveis a usuários de drogas injetáveis, com redução de 71% no diagnóstico de HIV entre usuários de drogas.

Pesquisa de 2010 revelou pequeno aumento no uso de drogas em Portugal, na mesma proporção de países que não descriminalizaram. Também não se pode afirmar que haja relação entre essa política e redução da violência na sociedade. Mas houve redução do peso das drogas na repressão policial e no sistema judiciário.

Mesmo com a descriminalização, marcha em Lisboa pediu a legalização da maconha para fins terapêuticos e recreativos em maio deste ano. Do universo de pacientes em tratamento da dependência de drogas, 70% são usuários de cannabis (maconha) e o restante de heroína, cocaína, ecstasy e outros. Roberto Kinoshita, coordenador da área de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas do Ministério da Saúde, lembra que, nos primeiros anos da política em Portugal, houve muito medo sobre os resultados, mas nenhuma das previsões catastróficas acabou se mostrando real.

3.4.5 AS DROGAS NOS EUA:

Como visto, os EUA foram os maiores responsáveis, e impuseram, através de tratados internacionais, a sua supremacia em relação à política de combate às drogas, determinando pela criminalização e repressão extrema, motivada por convicções religiosas, culturais e políticas desde início do século XX.

Porém, na contramão de sua própria história, os EUA vêm, aos poucos, nos últimos anos, revendo sua política de combate às drogas, dando abertura a descriminalização. Um bom exemplo é o Estado do Colorado, que de acordo com reportagem do site UOL (2014) afirma que:

A comercialização legalizada de maconha medicinal no Colorado (EUA) fechou o mês de janeiro (janeiro de 2014) de o primeiro desde a legalização com faturamento de US$ 14 milhões, sendo US$ 2 milhões o total em impostos arrecadados, de acordo com dados apresentados nesta segunda-feira pelo Departamento de Receita norte-americano. O Estado aprovou a venda de maconha medicinal em 2013, mas os negócios só foram iniciados neste ano, com cerca de 160 lojas autorizadas. A taxação é de 12,9% sobre as vendas e de 15% em impostos especiais de consumo. Os moradores do Colorado aprovaram a cobrança no ano passado, com a exigência de que os primeiros US$ 40 milhões arrecadados em impostos especiais de consumo sejam usados na construção de escolas. O governo já encaminhou ao Legislativo uma proposta detalhada de como gastar US$ 134 milhões arrecadados com a venda de maconha, incluindo campanhas antidrogas para crianças e mais publicidade para desencorajar motoristas a dirigirem se ainda estiverem sob o efeito da droga. A Declaração de Direitos dos Contribuintes do Colorado estabelece que qualquer aumento de impostos seja aprovado pelos eleitores e limita o uso do dinheiro arrecadado se o valor for maior do que aquele previsto inicialmente e divulgado à população. Em 2013, a arrecadação com a comercialização de maconha foi estimada em US$ 70 milhões por ano, e ainda não está claro o que os legisladores estarão autorizados a fazer com o que entrar a mais no caixa. O orçamento 2014-2015 do Colorado está agora em discussão e não inclui nenhuma antecipação dos impostos advindos da venda de maconha.

Ainda em relação à descriminalização das drogas nos EUA, Uchoa (2014) afirma que o Estado de Washington já começa a liberar venda de maconha para fins recreativos, de modo que demonstra a mudança total de atitude em relação ao passado e que talvez seja a nova tônica deste século XXI:

 

O fato de o país estar vivenciando uma grande mudança interna nas suas políticas para as drogas já está claramente afetando a maneira como os EUA lidam com outros países, disse à BBC Brasil John Walsh, diretor do programa de drogas da organização Escritório de Washington para a América Latina (Wola, na sigla em inglês). Por muito tempo outros países corretamente entenderam que seriam criticados pelos EUA se tomassem medidas para liberalizar as suas leis. Mas no caso do Uruguai, os EUA se deram conta de que não estão na posição de criticar abertamente o governo uruguaio, e de fato não criticaram. O sucesso inicial da venda de cannabis para fins recreativos no Estado do Colorado reforçou a posição dos que defendem um mercado regulamentado para esta substância. O governo estadual prevê que a taxação de 12,9% sobre maconha legal engordará os cofres públicos em US$ 100 milhões neste ano fiscal. Dinheiro suficiente para enriquecer o Estado e implantar programas de saúde para mitigar os efeitos de abusos, argumenta o governo. Estimativas contidas no orçamento do Executivo estadual indicam que a indústria local alcance US$ 1 bilhão por ano, com as vendas para fins recreativos respondendo por mais de 60% disto. No Estado de Washington, as vendas de maconha com fins recreativos começarão em junho (de 2014). Os defensores da legalização acreditam poder conseguir algum tipo de liberalização também no Alasca, Arizona e Oregon, e talvez uma espécie de referendo nos próximos anos na Califórnia.

Importante frisar que a questão não é pacífica por lá. Muitos são contra as medidas e Uchoa (2014) informa que Thomas Harrigan, vice-diretor do departamento antidrogas americano, DEA, pediu durante uma audiência na Câmara que os parlamentares não abandonem a "ciência" em favor da opinião pública.

Ele disse que os experimentos de legalização da maconha são "irresponsáveis". Porém, o governo do presidente Barack Obama já anunciou que o Executivo federal não vai tentar impedir as experiências estaduais no campo da legalização. Esta posição coloca a Casa Branca em um dilema.

Para ele, considerando a mudança evidente de atitude do público interno, estamos nos distanciando de uma lógica proibicionista, opina o especialista. Mas vai demorar para que a lei nacional reflita a mudança que está acontecendo. Os EUA devem permanecer nesta posição desconfortável por algum tempo, segundo Uchoa (2014).

Ainda, segundo Marasciulo (2015), o uso de maconha por jovens reduziu com a legalização da maconha por lá. Nardini (2015) por sua vez, informa que em um ano, estado dos EUA levanta R$ 219 milhões em impostos de maconha legalizada.

Logo, o maior defensor do combate às drogas e que por mais de um século estimulou repressão total, apoiando militarmente outros países no combate e gastando fortunas, os EUA está mudando sua política de drogas, mas "de baixo para cima", diferentemente da política proibicionista que veio " de cima para baixo", onde, são os Estados americanos e o povo que vem aos poucos mudando este paradigma, e o governo federal no momento mantém um silêncio para decidir os rumos a serem tomados dependendo da aprovação popular.

Assim, outros países também estão mudando sua política contra as drogas, visto o recuo proibicionista dos EUA geram uma abertura para cada país discutir livremente e sem interferência externa, ao contrário do que antes ocorria.

3.4.6 AS DROGAS NA JAMAICA:

Segundo portal UOL (2015), o governador-geral da Jamaica, Patrick Allen, autorizou à emenda de lei que descriminaliza o consumo de maconha com fins medicinais e religiosos, já validando a legislação, confirmou nesta quarta-feira à Agência Efe um porta-voz do Ministério da Justiça da ilha.

Embora o parlamento da Jamaica tenha aprovado no final de fevereiro a emenda à Lei de Drogas Perigosas de 1948, era necessário que Allen desse sua aprovação à medida para que esta entrasse em vigor, informou o porta-voz por telefone.

As mudanças legislativas estipulam que deixa de ser crime consumir maconha em pequenas quantidades e levar um máximo de 56 gramas de "ganja", termo usado pelos rastafaris para se referir à maconha. Apesar de seu consumo ser totalmente legal para que tiver a licença, que será concedida aos jamaicanos que demonstrarem interesses religiosos, o que reivindicam os rastafaris, ou medicinais, o Ministério da Justiça ainda não tem data para o estabelecimento oficial da Autoridade de Permissões de Cannabis, que emitiria as licenças.

A lei estipula que qualquer pessoa maior de 18 anos que se considere rastafari, assim como as organizações desse culto, deverá solicitar uma licença para cultivar "ganja" para fins religiosos. O governo da Jamaica reconheceu em 2003 o culto rastafari como religião, após uma sessão do Tribunal Constitucional na qual se advertiu que isso não representava a legalização da "ganja", cujo consumo é defendido por esse credo.

3.4.7 AS DROGAS NO URUGUAI:

Gomes (2014) afirma que após regulação da maconha, mortes ligadas ao tráfico da erva chegou a zero. Durante debates na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Senado a respeito de regulamentação da maconha para uso recreativo, medicinal e industrial, o secretário nacional de drogas do Uruguai, Julio Heriberto Calzada, afirmou que seu país – o único no mundo a legalizar o cultivo, a comercialização e distribuição da maconha – conseguiu reduzir a zero o número de mortes ligadas ao uso e ao comércio da droga. A legalização foi decretada pelo presidente José Mujica há menos de um mês (dados de junho de 2014).

Ainda que, reconhecendo que a legalização da maconha possa elevar o número de usuários, Calzada alega que "vale a pena correr o risco do aumento, desde que reduza o aumento de mortes pelo tráfico de drogas", como relatou o senador Cristovam Buarque (PDT-DF), coordenador da discussão sobre o tema na CDH.

O senador ainda diz que, antes de apresentar seu relatório aos integrantes da comissão, ele pretende realizar audiências com especialistas de diversos setores. Para o senador, a responsabilidade de o relatório estar em suas mãos é um "abacaxi": "Gastei muitos anos de vida para ser o senador da educação. Não quero o carimbo de "senador que liberou a maconha". Se tiver de colaborar para isso, salienta, será por "uma obrigação histórica", da qual não possa correr, como explicou em entrevista concedida à Agência Senado, conforme Gomes (2014).

Mesmo assim, o senador ressaltou que uma das maneiras de se livrar do tráfico de drogas é a regulamentação: "Vamos continuar vivendo com tráfico de drogas? Não. Como vamos nos livrar do tráfico? Uma das propostas que têm hoje é a regulamentação". Além disso, o representante uruguaio também disse acreditar que a "combinação com outras ferramentas de política pública, em aspectos culturais e sociais, poderá modificar padrões de consumo e levar ao êxito na redução de usuários".

Em maiores detalhes a BBC Brasil (2013) fez uma reportagem detalhando como funcionará a política de drogas no Uruguai.

Quem vai supervisionar a 'indústria' da maconha?

Pela lei, o Estado assume o controle e a regulação das atividades de importação, produção, aquisição, a qualquer título, armazenamento, comercialização e distribuição de maconha ou de seus derivados. Uma agência estatal, o Instituto de Regulação e Controle de Cannabis (IRCCA), ligado ao Ministério da Saúde Pública, será responsável, por sua vez, por emitir licenças e controlar a produção, distribuição e compra e venda da droga. Em suma, todas as fases do processo terão, de alguma forma ou de outra, a presença do Estado.

Quem pode comprar e plantar maconha?

Todos os uruguaios ou residentes no país, maiores de 18 anos, que tenham se registrado como consumidores para o uso recreativo ou medicinal da maconha poderão comprar a erva em farmácias autorizadas. Além disso, os usuários poderão ter acesso à droga de outras duas maneiras: Autocultivo pessoal (até seis pés de maconha e até 480 gramas por colheita por ano). Clubes de culturas (com um mínimo de 15 membros e um máximo de 45 e um número proporcional de pés de maconha com um máximo de 99).

A lei limita a quantidade máxima que um usuário pode portar: 40 gramas. A legislação também determina o máximo que uma pessoa pode gastar por mês com o consumo do produto. A erva também poderá ser cultivada para o uso científico e medicinal, que poderá ser obtida por meio de receita médica.

Como as licenças são concedidas ?

De acordo com dados do Conselho Nacional de Drogas do Uruguai, 20% dos uruguaios com idade entre 15 e 65 anos usaram maconha em algum momento de sua vida e 8,3 % o fizeram no último ano. O plantio de 10 a 20 hectares (em torno de 15 vezes a dimensão de um campo de futebol) de cannabis em estufa seria suficiente para atender a demanda nacional, de acordo com estimativas oficiais preliminares.

De acordo com uma pesquisa realizada por uma consultoria privada, 63% dos uruguaios são contra a lei de regulação da maconha, uma proporção semelhante à registrada há um ano, quando o presidente do Uruguai, José Mujica, apresentou a proposta.

Segundo afirmou à BBC o diretor do Conselho Nacional de Drogas do Uruguai, Julio Calzada, o governo prevê outorgar inicialmente poucas licenças a produtores de maconha (em torno de 20) de forma a garantir a segurança e os níveis de colheita necessária para atender a demanda. As primeiras licenças devem começar a ser concedidas em meados do próximo ano.

Qualquer plantação não autorizada deve ser destruída com a intervenção de um juiz e o IRCCA será responsável pela implementação das sanções caso haja violações das normas de licenciamento.

Como a legalização afetará outros países?

A maconha será produzida em solo uruguaio, mas as sementes poderão ser provenientes de outros países. Além disso, o Uruguai poderá se voltar para o mercado global para vender suas sementes e poderá exportar os seus produtos para outros países onde o uso medicinal ou recreativo da droga é permitido.

Segundo Calzada, "há um movimento interessante de produtores, agricultores, tanto a nível nacional como internacional, que excede em muito as licenças que o Estado irá proporcionar". "Há empresas interessadas e também alguns casos governos, que estão interessados em licenças para o uso medicinal", diz ele. Alguns países, entretanto, como o México e o Brasil, demonstraram preocupação com a aprovação da lei.

"Em nenhum momento tentamos convencer nenhum país do que estamos fazendo aqui", diz Calzada, "mas queremos dar a garantia a outros países de que a maconha produzida legalmente aqui não vai acabar no mercado negro. Este é o nosso compromisso".

O consumo deve aumentar?

Mujica defendeu publicamente a aprovação de controversa proposta. Segundo o governo, a medida não ampliará o mercado de maconha: a lei simplesmente regulariza o uso para não incentivar o consumo. No entanto, os opositores da lei temem quem, com a legalização, mais jovens queiram consumir a droga.

O governo já anunciou que vai desenvolver planos para prevenir o consumo e proibiu a publicidade e venda do produto para menores de 18 anos. A lei também determina a criação de uma Unidade de Monitoramento e Avaliação da aplicação e cumprimento da nova legislação.

Segundo o governo, as receitas obtidas com a legalização da maconha serão destinadas ao financiamento de programas de prevenção, reabilitação e outros fins sociais.

A indústria de cannabis pode crescer?

Enquanto o governo diz que a prioridade é roubar o negócio do tráfico de drogas e promover a prevenção, algumas pessoas disseram que a lei poderia até trazer benefícios econômicos para o país. De acordo com o grupo que reúne as organizações a favor do projeto, o Regulación Responsable, oportunidades de negócios para os produtores nacionais, farmácias e outros atores envolvidos na cadeia de produção são abertas.

Nos últimos anos, o mundo iniciou um processo de pesquisa e geração de conhecimento sobre a maconha , especialmente na área médica e farmacêutica, disse à BBC Martin Collazos, do Regulación Responsable. "Há cannabis com fins psicoativos, mas também industriais: produção de tecido a base de cânhamo, papel, biocombustíveis e infinitas possibilidades de incorporar a produção de mais-valia da cannabis", diz ele .

Atualmente, estima-se que o mercado de maconha ilegal no Uruguai movimente cerca de US$ 30 milhões (R$ 70 milhões) por ano.

4: TEORIAS DO DIREITO PENAL E A PROBLEMÁTICA DAS DROGAS

Neste capítulo, procurou-se abordar as teorias descritas no segundo capítulo, mais precisamente o direito penal do inimigo e o minimalismo penal, e correlacioná-las à problemática das drogas, fundamentando a não intervenção penal na questão das drogas.

4.1 O DIREITO PENAL DO INIMIGO E O TRATAMENTO DO TRAFICANTE COMO INIMIGO.

Segundo Bem e Botelho (2014), "para Jakobs o direito penal tem como função reafirmar os valores de determinada ordem jurídica.Em razão disso, recebeu muitas críticas e sendo considerado, inclusive, nazista". No entanto, o teórico afirmou não estar apontando como o direito penal deve ser, mas, apenas apontando como o direito penal foi e é, ou seja, o direito penal foi e é um instrumento reafirmador da ordem jurídica vigente e, por consequência, um modelo penal adotado em cada período histórico. É ainda, um instrumento de quem está no poder, pois contém normas coercitivas impostas a todos.

Jakobs fez parte de uma concepção funcionalista conhecida como radical, onde o agente é punido porque agiu de modo contrário à norma e culpavelmente. Assim, tentou explicar por sua teoria que o direito penal possui como função precípua a reafirmação da norma, buscando, desse modo, fortalecer as expectativas de quem a obedece.

A grande controvérsia em relação à teoria de Jackobs, diz respeito ao fato de acabar legitimando a lei independentemente de seu conteúdo, de modo que, se o direito penal protege a norma, e não bens jurídicos de forma direta, acabaria dando margem a intervenção penal onde esta não é devida, "a bel prazer do legislador", como no caso da questão das drogas.

O problema talvez não esteja no fato de afirmar que o direito penal protege a norma, mas, talvez, ao não questionamento do conteúdo da norma, o que poderia vir a acarretar grave problema ao sistema democrático, em especial, a afronta à dignidade humana e aos direitos fundamentais.

Afirmam ainda Bem e Botelho (2014) que, dentro da perspectiva midiática, encontra-se consoante apelo a um direito penal do inimigo no tráfico de drogas. Destaca-se, neste contexto, o alto poder de formação de opiniões exercido pela mídia.

Esse poder exercido pela mídia não é diferente na esfera do direito penal. A superexposição de eventos propagadores do medo, como ondas de terror ligadas ao crescente aumento da criminalidade, faz com que a população, alvo deste discurso midiático, clame cada vez mais por leis e medidas mais severas de contenção deste aumento. Por vezes, a propagação do medo pode vir a ter como objetivo principal, a aceitação da intervenção exagerada do Estado na mitigação das liberdades públicas, corroborando um direito penal máximo.

Não é falso afirmar, portanto, que o legislador é formado pela opinião pública, que é formada pelo discurso midiático. Logo, para o legislador, mais importante é satisfazer a vontade popular, seja ela qual for, do que seguir princípios ou diretrizes do direito, pois estas não possuem "título de eleitor", ao contrário daquelas.

A Revolução Francesa trouxe ao mundo uma nova ordem mundial, calcada nos valores da liberdade e limitação do poder. Porém, o momento vivido naquele século XVIII era exacerbação do poder executivo, com as chamadas "monarquias absolutistas". Logo, a ideia era de limitação do poder executivo a ser feita pelo povo, consubstanciado no poder legislativo. Assim, o poder legislativo era visto como a verdadeira vontade do povo, de modo que nada mais cabia ao poder judiciário e ao juiz, que expressar em suas decisões, "a vontade do legislador". O juiz era mero, "boca da lei".

Diante das barbáries feitas em nome da lei, como todos os atos do nazismo, por exemplo, é que surgiu o movimento pós-positivista, que se inicia após a segunda guerra mundial, e que traz mudanças nessa perspectiva. Princípios passam a ser observados de modo vinculado, além da análise material da Constituição. É aí que entra o "poder corretivo do judiciário", analisando o conteúdo da lei e verificando sua compatibilidade com o sistema jurídico constitucional e principiológico. Aqui vale a observação precisa de Marmelstein (2014, p.10):

Foi diante desse "desencantamento" em torno do positivismo ideológico que os juristas desenvolveram uma nova corrente jusfilosófica chamada pós-positivismo, que poderia muito bem ser chamado de positivismo ético [...] percebeu-se que, se não houver na atividade jurídica um forte conteúdo humanitário, o direito pode servir para justificar a barbárie praticada em nome da lei. A mesma tinta utilizada para escrever uma Declaração de Direitos pode ser utilizada para escrever as leis do Nazismo. [...] logo, o legislador, mesmo representando uma suposta vontade da maioria, pode ser tão opressor quanto o maior dos tiranos. (Grifo nosso).

Nesse diapasão, encontramos a abordagem das drogas e sua relação com o tráfico, sendo, a todo o momento, bombardeada pela mídia como um mal social que deve ser resolvido à luz do direito penal, de modo que, sendo o problema das drogas um problema penal, legitima assim a intervenção policial nesta esfera. Tudo isso leva a um discurso no sentido de tratar o traficante como um inimigo, devendo ser "extirpado" do convívio social alguém com tão alta periculosidade. Bem e Botelho (2014) afirmam:

Ora, se o tráfico é um dos delitos mais desencadeadores de outros delitos, [...], por exemplo, na cobrança de dívidas do tráfico irá cometer práticas como o homicídio, tortura, ocultação de cadáver dentre outros, podemos então concluir que o tráfico ilícito de entorpecentes é um dos grandes responsáveis pelo aumento da criminalidade, e que a lei que o disciplina, com suas peculiaridades de maior rigidez, se legitima também pelo clamor social, influenciado pela mídia.

 

Vemos, então, que, muito possivelmente, a mídia e seu discurso influenciador é fonte de legitimação do direito penal do inimigo, pois, influenciando a opinião pública, o legislador posiciona-se de acordo com esta teoria, para melhor satisfazer a vontade popular de ver este crime sendo reprimido com maior rigorismo penal.

Dentro de uma concepção de direito penal do inimigo, o traficante por fazer do crime algo permanente, está constantemente afrontando a norma, violando os preceitos normativos, e assim, colocando em risco a ordem jurídica vigente. Desse modo, não merece, segundo a teoria do direito penal do inimigo, o mesmo ser tratado como cidadão, mas como inimigo, flexibilizando os direitos e garantias fundamentais, aplicando assim, um direito penal de terceira velocidade a este.

Como vimos, o regime militar trouxe a ideia do inimigo a ser combatido, que, à época, seria o comunismo, em pleno contexto de Guerra Fria. Também vimos que, com a derrocada do bloco comunista, o novo inimigo "eleito" foi o traficante. Dissertando sobre a doutrina de segurança nacional, desenvolvida nos períodos da ditadura, afirma Comblin (apud PILATI 2011, p.89) que:

o alcance da segurança nacional implicaria a eliminação da diferença entre meios não violentos e meios violentos. Ou seja, para obter a segurança, o Estado empregaria sua força não importando os meios que se use. No plano da política externa, isso apaga a fronteira entre a guerra e a diplomacia e, no plano da política interna, a segurança nacional "destrói as barreiras das garantias constitucionais: a segurança não conhece barreiras, ela é constitucional ou anticonstitucional; se a Constituição atrapalha, muda-se a Constituição."

Afirma ainda Pilati (2011, p. 90) que:

embora a Doutrina da Segurança Nacional tenha servido como suporte ideológico para as ditaduras militares na América Latina, momento histórico já ultrapassado, tal tese deixou algumas marcas importantes. Conforme descreve Zaffaroni, "a sua realidade autoritária não desapareceu, e apenas adotou uma nova roupagem: a ideologia da segurança urbana." Isto é, como consequência, os mesmos métodos autoritários usados para o extermínio do inimigo político foram incorporados, no campo da segurança pública, no combate ao crime comum.

Karam (apud PILATI, 2011, p.90) diz ainda que:

o caráter militarizado da política brasileira se explicita em ilegítimas ações desenvolvidas pelo Exército, como as operações que vêm se repetindo na cidade do Rio de Janeiro, em claro desvio das funções que a Constituição Federal atribui às Forças Armadas. Resultando na ocupação de favelas como se fossem territórios inimigos, essas ilegítimas ações militares sequer disfarçam a identificação dos excluídos e marginalizados como perigosos, tradicionalmente feita de forma mais sutil através do normal funcionamento do sistema penal.

Percebe-se, portanto, que o pensamento bélico-militar teve influência direta na formação do estereótipo do traficante-inimigo. O combate, o plano de guerra, outrora destinado aos inimigos políticos, foi incorporado pela política criminal de drogas. Infelizmente, ainda apontando Pilati (2011, p. 93), a legislação brasileira adequou-se às Convenções da ONU de caráter proibicionista e passou a estampar os discursos político-jurídico (que aponta o traficante como o inimigo interno) e médico-jurídico (que relaciona a droga à dependência, e difunde a "ideologia da diferenciação": o consumidor é qualificado como doente, e o traficante como delinquente).

Uma forte noção de que, neste aspecto, nosso legislador aplicou esta teoria, está no fato do próprio diploma legal de drogas tratar o usuário como vítima (doente), e o traficante como inimigo, de modo que, diferentemente até mesmo dos demais diplomas legais, neste em específico, bastam dois agentes praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previsto no art. 33 e 34 (regra do artigo 35 da lei), para configurar associação, ao contrário do Código Penal que, para configurar associação, requer três ou mais pessoas com fim de cometer crimes (art.288 CP), ou organização criminosa (lei 12.850/13), onde requer quatro ou mais pessoas estruturalmente ordenadas e caracterizadas pela divisão de tarefas praticando infrações penais.

Percebe-se assim, o tratamento diferenciado ao traficante, como se este fosse um "monstro que destrói os lares colocando drogas na boca de inocentes que acabam se viciando e passando a praticar crimes por conta do vício involuntariamente obtido", como afirma Fahur (2015), Sargento da Polícia Militar do Paraná, que demonstra uma visão sintomatológica do problema e não etiológica (estudo das causas).

Logo, tratar como inimigo o traficante, suprimindo garantias fundamentais, em primeiro lugar afronta a Constituição, e, em segundo lugar, aumentar o rigorismo penal no tráfico, só tem como efeito o aumento do preço do produto (inflacionamento), de modo que, como o risco do negócio é maior, o tráfico se torna mais perigoso, feito, portanto, por pessoas perigosas, que aceitam correr o risco de sofrer tais sanções, porque os lucros em muito superam o normal de qualquer atividade regulamentada. Melliá (apud DAVID 2008) afirma que:

entretanto, o status de cidadão, nas sociedades submetidas ao regime de Direito, é algo inerente a todos os seres humanos em virtude de sua condição humana. Dessa forma, cabe ao Estado, mediante norma constitucional, definir, apenas, quais os respectivos direitos e deveres dessa condição. Assim, não é possível conceber qualquer apostasia a essa condição, pois as pessoas não podem se autoexcluir da sociedade, mesmo não agindo de acordo com a expectativa normativa pretendida, uma vez que os cidadãos não têm capacidade jurídica para exercer esta função. Ao excluir o cidadão da sociedade mediante a incidência do rigor penal imposto a este indivíduo pela teoria do inimigo, principalmente quando a punição está voltada contra a ideologia de uma pessoa ou grupo, impossibilita "ao infrator a capacidade de questionar, precisamente, esses elementos essenciais ameaçados", impossibilitando a dialeticidade inerente ao Direito em si, o que, em tese, favorece o comportamento daqueles que optam pelo desvio de conduta, uma vez que estes indivíduos perdem sua liberdade por serem identificados por suas ideias e não por seus atos.

E quanto mais o rigor aumenta, mais o preço aumenta, tornando a atividade ilícita algo tentador diante das exorbitantes possibilidades de lucros. Basta ver que trata-se de uma indústria que movimentou no ano de 2011 algo em torno de 400 bilhões de dólares, segundo dados trazidos por Carneiro (2011).

Isso ocorre porque o que movimenta o tráfico é o usuário, e não o contrário. Enquanto usuários existirem, traficantes sempre existirão. Basta lembrar que, na década de 1960, os EUA chegaram ao limite, impondo pena de morte nos crimes de drogas e, ainda assim, os EUA se tornaram o maior consumidor de drogas no mundo, de modo que rigorismo penal em nada demoveu a prática do consumo de drogas naquele país.

O direito penal do inimigo não trabalha com a ideia de proteção de bens jurídicos. O raciocínio não é difícil de entender. Quando o direito penal entra em ação, bens jurídicos já foram lesados. O que temos é uma lesão jurídica, uma lesão à norma. Segundo David (2008):

Com isso, afirma Jakobs, um ato penalmente relevante, não se pode definir como lesão ao bem, mas somente como lesão de juridicidade. A lesão da norma é o elemento decisivo do ato penalmente relevante, como nos ensina a punibilidade da tentativa, e não a lesão de um bem. Portanto, a concepção do direito penal como proteção do bem jurídico é relativa, uma vez que a relevância penal ocorrerá, unicamente, quando da ameaça de outrem – esse entendido por Jakobs, como o bem jurídico próprio de direito penal. Assim, sendo a norma o instrumento que regula as condutas relevantes ao direito penal, qualquer ato ilícito é, primeiramente, um ataque ao ordenamento jurídico vigente, devendo o Estado, através da aplicação de medidas coercitivas, restaurar a ordem, ou seja, a vigência da norma concebida como o bem jurídico maior a ser tutelado.

Dessa forma, podemos fazer o raciocínio de que, quando o direito penal entra em ação, o delito já foi consumado, ou seja, não há proteção alguma a um bem jurídico neste sentido, o que resta é a violação da norma, a lesão jurídica praticada.

É impossível admitir o princípio da insignificância segundo os preceitos do direito penal do inimigo, não somente na questão das drogas, mas a qualquer delito em si, pois, se a lesão produzida é contra a norma, não se pode raciocinar insignificância da norma, de tal forma que a aplicação desta teoria, em sua integralidade, retiraria da jurisprudência e da doutrina a possibilidade de decretação do princípio bagatelar.

Dissertando acerca de como alguém poderia tornar-se inimigo, afirma David (2008):

Dito isso, surge a questão: como as pessoas se transformam em inimigos? Sabe-se que a norma gera uma expectativa que deve ser mantida. O Direito Penal do inimigo, com o intuito de cumprir este objetivo, e para evitar o perigo de danos futuros à vigência da norma, busca nas atitudes individuais de cada cidadão "uma garantia cognitiva suficiente de um comportamento pessoal, [...] isso como consequência da ideia de que toda normatividade necessita de uma cimentação cognitiva para poder ser real". Então, para a concretização da expectativa do Direito, é necessário que as pessoas ofereçam uma confirmação cognitiva mínima de suas ações, que deve estar refletida, também, na personalidade do indivíduo, ou seja, é preciso ter certeza de qual é a avaliação do coletivo prezada pelo indivíduo, sua capacidade de satisfação ou insatisfação e, ainda, sua noção de lícito ou ilícito, pois só assim é possível deduzir qual será a sua reação frente a determinadas situações, podendo-se concluir se esse irá corresponder à expectativa nele depositada, confirmando a vigência da norma. Portanto, após esta breve consideração, podemos definir o inimigo como: Um indivíduo que, não apenas de maneira incidental, em seu comportamento [...] ou em sua ocupação profissional [...] ou, principalmente, por meio de vinculação a uma organização criminal [...], vale dizer, em qualquer caso de forma presumivelmente permanente, abandonou o direito e, por conseguinte, não garante o mínimo de segurança cognitiva do comportamento pessoal e o manifesta por meio de sua conduta.

Ainda que raciocinando dentro dessa teoria, poderíamos então acreditar que, no delito de drogas, a "capacidade de confirmação cognitiva" não existe, tendo em vista que o número de usuários em nada diminuiu ao longo de todo proibicionismo, justamente por falta de confirmação cognitiva, o que estimula a prática do delito, pois, como já dito, é simples encontrar confirmação cognitiva num delito como homicídio, por exemplo, em que o criminoso tem capacidade afirmativa de cognição de que tal ato constitui um ilícito, mas essa capacidade cognitiva não se realiza no que tange às drogas.

Porém, delitos de drogas, nos quais o usuário não vislumbra prejudicar terceiros com seu hábito, não se consegue obter com simples aceitação tal proibição e, tendo em vista que outras drogas tão ou mais prejudiciais à saúde são consideradas lícitas, piora ainda mais esta situação, pois não existe coerência entre o proibido e o permitido, prejudicando a aceitação da cognição positiva da norma.

Desse modo, é difícil aos usuários terem capacidade cognitiva positiva frente à proibição, e isso reflete também no traficante, que vislumbra, neste nicho de mercado, ganhos inimagináveis, que torna o risco do negócio atraente, mesmo com toda reprimenda penal. Os meios de combate ao inimigo adotado com fundamentação na teoria do direito penal do inimigo é, segundo ainda David (2008):

O Direito Penal do inimigo visa manter a vigência da norma e a expectativa que ela proporciona a seus cidadãos. Para isso, utiliza-se de medidas típicas deste modelo, tais como a ampla progressão dos limites da punibilidade; falta de redução da pena proporcional a essa progressão; passagem da legislação de Direito Penal à legislação de combate à criminalidade; supressão de garantias processuais. De outro vértice, o rigor do punitivismo de determinadas regulações penais, principalmente em matéria relacionada a tráfico e consumo de droga, pode não estar relacionado, simplesmente, com as consequências sociais negativas do consumo de entorpecentes, mas, também, com a ineficácia de políticas públicas adequadas de combate às drogas, ou seja, o efeito simbólico do rigor da legislação penal como forma de superar a ineficiência do Estado no cumprimento de suas obrigações. Neste sentido, a expansão do Direito Penal na qual se enquadram as noções de inimigo de Jakobs, principalmente em sociedades emergentes, em que as políticas públicas na área da segurança são ineficientes, o endurecimento das normas penais pode ser utilizado como a saída mais simples no combate a este problema, gerando um efeito simbólico e ineficaz de que o Estado está atuando no combate das necessidades sociais.

O aumento da repressão penal, tendo como viés o direito penal do inimigo funda-se, portanto, na premissa de que, sendo o traficante indivíduo não-alinhado com as normas estabelecidas e descumpridor da norma de maneira reiterada, habitual, a melhor opção então é tratar este como um inimigo do Estado e da sociedade, neutralizando e retirando este do meio social, pois não corresponde com capacidade cognitiva afirmativa perante as normas vigentes.

Interessante observar a teoria retributiva de Hegel. Segundo Queiróz (2005, p. 23), para Hegel, o delito é uma violência contra o direito, a pena uma violência que anula a primeira violência. É assim, a negação da negação (processo dialético), sendo a pena, portanto, a restauração positiva da validade do direito. É, portanto a pena, em Hegel, uma necessidade lógica, racional. Jackobs busca em Hegel a fonte de fundamentação de sua teoria.

A teoria do direito penal do inimigo responde a uma expectativa social muito atual com resposta aparente, simbólica. Responde a uma expectativa social, pois, com o aumento da criminalidade, ou com o processo atual de globalização, pelo qual a mídia está a todo o momento divulgando crimes que ocorrem em qualquer lugar do mundo, e isso traz uma sensação de forte insegurança, vários Estados vêm adotando no direito penal a resposta como forma de "acalmar" as expectativas das pessoas, criando novos crimes ou aumentando drasticamente as penas, parecendo estar "solucionando o problema", por isso chamado de simbólico.

4.1.1 A CRIAÇAO DO TRAFICANTE COM A PROIBIÇAO:

No Brasil, uma forte crise política assola este exato momento, e a resposta à crise não é mudanças estruturais, mas sim, transformar, por exemplo, corrupção em crime hediondo. No que tange às drogas, o que se busca também é uma resposta penal, como se esta tivesse o condão de resolver todos os problemas sociais. Assim, têm-se o direito penal como "prima-ratio" e não como "ultima-ratio", afrontando o princípio da subsidiariedade.

Na entrada desse século XXI, vimos a teoria de Jackobs do direito penal do inimigo ganhar forte impulso, logo após os atentados terroristas de 11 de setembro nos EUA. Assim, não é novidade o tratamento dispensado aos considerados "terroristas" que, com base nesta teoria, têm direitos e garantias violados na base de Guantánamo em Cuba, com algumas prisões sem processo sequer, base esta pertencente aos EUA.

No Brasil, frente ao problema do tráfico nas favelas, em especial no Rio de Janeiro, vimos a criação de um Estado paralelo, sob o comando dos traficantes. Tivemos uma resposta penal ao conflito, em que até hoje bons resultados nunca foram obtidos. Assim, criado o poder paralelo, que é um mal produzido pelo Estado omisso em suas políticas públicas, e, com o tratamento sob o viés do direito penal ao combate às drogas, e não por outros meios, foi que nasceu o traficante.

Desse modo, o delito de drogas, ao ser tratado pelo direito penal, nada mais faz do que legitimar a atuação policial nestes lugares de maior vulnerabilidade, utilizando o escudo da saúde pública (como bem jurídico tutelado), para uma atuação abrupta e violenta do Estado, objetivando controle social e outros fins diversos do dito bem jurídico tutelado.

O traficante nasce por ser a droga um ilícito. Assim a compra não pode ser feita por vias legais, o que origina o "nascimento" do traficante e do tráfico. Com o surgimento do traficante, o enriquecimento é cada vez maior, tendo em vista o imenso mercado consumidor, e este poder leva à corrupção de agentes públicos, influência política (incluindo financiamento de candidatos), dentre tantos outros que propiciam a corrupção, que hoje é um dos maiores males vividos pelo Brasil. Nadelmann (2013), presidente da Drug Policy Alliance é quem faz com bastante preciosidade, essa correlação entre tráfico e corrupção, dentro de uma análise global.

Assim, nasce o traficante por ser a droga um ilícito penal, e este domina as favelas, pois há um vácuo de poder nestas, pois o Estado sempre foi omisso em políticas públicas nestes locais. Não é de hoje essa omissão estatal nestes lugares de maior vulnerabilidade, de modo que desde a abolição da escravatura, negros e pobres se amontoaram nas favelas e o Estado não ofereceu condições mínimas de existência nestes lugares.

Hart (2014) estabelece uma crítica precisa, afirmando que, ao dizer que as drogas destroem as comunidades, favelas em especial, traz a falsa noção que faz parecer que antes das drogas as favelas prosperavam, sendo as drogas o mal destes lugares.

É isso que possivelmente justifique a atuação penal no delito de drogas: Usar como escudo a saúde pública como bem jurídico, para legitimar a atuação penal nesta seara, e assim, poder intervir através de força policial nos locais vulneráveis, de forma a legitimar uma atuação policial contra aqueles que são vistos como indesejáveis, ou agir desconforme à moral dominante, como forma de controle social pela via penal.

Infelizmente, a sociedade acredita que sujeitos vindos das favelas e bairros vulneráveis não irão obter outra sorte, que não reproduzir as condições de vida em que já se encontram. Assim, analisar o traficante como um "inimigo" deixa-se passar em branco que, a própria existência do traficante é culpa do Estado, fruto direto da proibição. E, ainda, que com oportunidades, esses indivíduos podem ter sucesso e serem importantes para a sociedade como um todo.

Com a proibição, o traficante domina a favela, cria um poder paralelo, influencia diretamente em inúmeros crimes, e a reposta oferecida até o presente momento sempre foi o maior recrudescimento penal. A lei de drogas (lei 11.343/06) no tratamento dispensado ao traficante houve um recrudescimento maior que na lei anterior (lei 6.368/76):

Art. 12. Importar ou exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda ou oferecer, fornecer ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a consumo substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar;

Pena - Reclusão, de 3 (três) a 15 (quinze) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa. (BRASIL, 1976)

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. (BRASIL, 2006)

Vemos assim que houve maior endurecimento penal, e percebemos que o traficante tem um tratamento penal sob viés do direito penal do inimigo. E sob este viés de tratamento, o resultado é insatisfatório, pois, não houve diminuição do cometimento desses delitos e os números só aumentam a cada dia.

Dessa forma, percebemos que o traficante é fruto da política proibicionista, de modo que o Estado trata como inimigo aquilo que ele próprio criou, ao tratar a questão das drogas sob o viés penal.

4.2 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À LEGALIZAÇAO E SUA RELAÇAO COM MINIMALISMO PENAL.

Sob a ótica do direito penal mínimo, que propõe o direito penal como subsidiário, como "ultima ratio" para solução dos conflitos, percebemos que a política de drogas poderia se adequar bem a este princípio, ao defender sua legalização como possível meio de solução à questão.

Isso ocorre porque, como afirma Mezger (apud QUEIRÓZ, p.113), "uma boa política social é a melhor política criminal", de modo que o problema das drogas não se resolve à luz do direito penal, mas à luz de políticas sociais e de conscientização de massa.

O tráfico não se resolve com maior reprimenda, tendo em vista que esta aplicação mostrou-se fracassada, mas sob a ótica destas políticas sociais estarem integradas, sob o controle do Estado, regulamentando o uso e a venda dessas substâncias, para assim pode fazer controle e combate eficaz (conscientização eficaz) ao uso das drogas, e, sendo legal, suprimindo o tráfico.

Soares (2012) vai além, afirmando que combater com tutela penal o comércio de drogas não é difícil; é impossível, afirma o antropólogo:

Os últimos 30 anos da história ocidental comprovam que é impossível combater o tráfico de drogas, [...] não se trata de uma opinião, mas de constatação empírica, [...] foram gastos bilhões de dólares na guerra contra as drogas e o tráfico vai muito bem, obrigado. O lucro permanece, a demanda se mantém mesmo nos países que possuem as melhores polícias e os mais sofisticados mecanismos de controle, como os Estados Unidos. Alguns fatores viabilizam a expansão do tráfico de drogas, como a criminalização e a proibição, sem a qual não poderia realizar-se esse comércio em condições tão lucrativas e tão predatórias para o consumidor. [...] Todo negócio, legal ou ilegal, é motivado pela busca do lucro e é viabilizado pela existência de oferta e demanda. No caso do tráfico, o fator que fomenta é a proibição. Sobre a razão da dificuldade (ou impossibilidade, fora dos totalitarismos) de reprimir, posso responder com outra indagação: por que os EUA venceram a guerra-fria? Entre os motivos, destaca-se a inviabilidade de anular o mercado quando há demanda e oferta. Pode-se disciplinar o mercado, regulamentá-lo, domesticá-lo e circunscrevê-lo, submetendo-o a regras, etc. Porém, suprimi-lo é um objetivo insustentável. Na economia das drogas ilícitas, aplica-se o mesmo princípio. Eis a evidência: o acesso às drogas ilegais é uma realidade em toda sociedade não totalitária industrializada. Ora, se esse é o fato e se é impossível revogá-lo, a interrogação racional deixa de ser "deve-se ou não permitir o acesso" para formular-se nos seguintes termos: "Em que contexto institucional-legal seria menos mal que tal acesso ocorresse? O contexto em que drogas fossem questão relativa à polícia e prisão, isto é, à Justiça criminal? Ou o contexto em que drogas fossem matéria de educação e saúde, cultura e autogestão social? A primeira via tem sido experimentada pelo Brasil com resultados trágicos: o consumo de drogas não declina, o tráfico prospera, alimentando o negócio de armas, a corrupção policial e gerando mortes e violência, enquanto as prisões acumulam jovens pobres, com baixa escolaridade, em sua maioria sem vínculo com armas ou organizações criminosas e sem praticar violência. Essa via tem se mostrado inequívoco desastre. Resta-nos superar preconceitos e ignorância, e adotar vias alternativas. O pior flagelo, entre as drogas, são o álcool e a nicotina. Mesmo assim, ninguém está propondo, felizmente, sua proibição. (Grifo Nosso)

Assim, num Estado Democrático de Direito, a liberdade é a regra e a não-liberdade deve sempre ser a exceção. No que tange às drogas, utilizar o direito penal com finalidade pedagógica se mostra completamente dissonante aos princípios democráticos, somente sendo possível num estado autoritário e antidemocrático. Segundo Queiróz (2005, p. 119-120):

Parece evidente, também, em face do princípio da inviolabilidade da liberdade (CF art. 5º), que a liberdade é, neste regime, a regra, a não-liberdade, a exceção. Disso resulta que toda restrição jurídico-penal a ela, há de pressupor a absoluta necessidade e adequação desse modo cirúrgico de intervenção estatal, vale dizer, violações autorizadas da liberdade pelo direito penal somente podem ser toleradas quando necessário à afirmação da liberdade mesma, razão pela qual, crime só pode consistir em lesão a liberdade de alguém, isto é, lesão a um bem jurídico definido, não se tolerando intervenções pedagógicas ou moralizadoras para coibir comportamentos que não lesam a ninguém (v.g. "trazer consigo substancia entorpecente para consumo"), ou possam ser objeto de suficiente repressão fora do direito penal (civil, administrativo, etc.), como, por exemplo, as contravenções penais. Porque a liberdade, no sistema democrático, é, a um tempo, o limite e o fim do direito penal. [...] também por isso, impõe-se a não-intervenção naqueles domínios em que o direito penal se revele claramente ineficaz, ou, pior ainda, contraproducente, como é o caso, por exemplo, do lenocínio, aborto, jogo do bicho, tráfico ilícito de entorpecentes etc.., em que muitos são os males que derivam da clandestinidade decretada pelo direito penal.

Assim, para prevenção de delitos, muitas vezes o direito penal se torna um instrumento contraproducente, produzindo um resultado totalmente diverso do esperado, e, no que tange à problemática das drogas, é justamente isso que percebemos: o resultado completamente diverso do esperado por conta da proibição. Assim, continua Queiróz (2005, p.120-121) afirmando que:

prevenir comportamentos delituosos nem sempre significa, portanto, apelar para o direito penal, uma vez que, não raro, suas intervenções se revela criminógenas, contraproducente aos fins visados. Prevenir significa, em tais casos, contrariamente, renunciar a intervenção jurídico-penal, pois que se carece de adequação lógica entre meio e fim. Exemplo desse efeito contraproducente ou criminógeno da pena é a política de controle do tráfico ilícito de entorpecentes e da contravenção penal, porque a violência inerente a tais atividades é, em verdade, fruto da intervenção penal mesma. A abolição do direito penal em tais atividades e noutras tantas é uma exigência da racionalidade, que deve sempre presidir os atos do Estado. É uma exigência da necessidade da prevenção mesma. (Grifo Nosso)

Percebemos, portanto, que a intervenção jurídico-penal em relação à política de drogas se mostra totalmente ineficiente, e poderíamos então concluir que está em pleno acordo com o direito penal mínimo, que é ineficaz continuarmos utilizando o direito penal para resolver a questão.

A proibição pelas vias penais cria o traficante, que produz um "mal social" gigantesco, fruto da proibição. Vemos que este traficante cria um poder paralelo ao Estado, arrebatando principalmente menores ao cometimento de delitos, influenciando políticos ou controlando-os, envolvendo empresários neste ramo. Uma gama de criminalidade é praticada em decorrência do trafico, que só existe porque a questão das drogas é tratada pela via penal. Como afirma o ilustre professor Gomes (2007, p.112):

De um lado, não há como abandonar totalmente a repressão. Mas a cada dia se nota que isso só parece ter sentido quando o tráfico é dirigido a menores ou incapazes. Todo tipo de repressão ao tráfico entre adultos tende a ser um insucesso. Deve ser controlado e desestimulado, não há dúvida, mas não se pode confiar na repressão. De outro lado, o que vale em matéria de drogas é a conscientização da população em relação aos efeitos nefastos. Quem alimenta o tráfico é o usuário, logo, pouco adianta prender um ou outro (que será sempre substituído em sua área com prontidão), se a demanda continua alta. A velha lei do mercado diz: onde há procura há oferta! Temos que procurar diminuir o número de usuários (mas jamais jogando qualquer carga punitiva sobre eles, que são vítimas, não criminosos). [...] não há outro rumo mais lúcido que descriminalizar as drogas, retirando do direito penal algumas condutas, reservando para o mínimo necessário.

Mostra-se o professor favorável à descriminalização. Importante observar que esta argumentação do professor Luís Flávio Gomes é de 2007, portanto, menos de um ano da edição da lei de drogas (11.343/06), sendo que, naquele momento, esperava-se que essa nova forma de tratar a questão das drogas obtivesse o resultado esperado, que infelizmente não veio.

Por toda argumentação levantada, percebemos que somente uma política de legalização das drogas poderia de fato tratar a questão de forma eficaz, acabando com o problema do narcotráfico e de toda criminalidade correlata e, ainda, ter o Estado a possibilidade de uma política de conscientização ao uso de modo eficiente. A seguir, abordaremos a questão das drogas no Brasil.

5 DISCUSSAO DAS DROGAS NO BRASIL

Procuramos nesse capítulo, trazer a discussão atual do STF acerca da descriminalização do artigo 28 da lei 11.343/06, reproduzindo os votos dos ministros que já deram seu parecer sobre o assunto e, ainda, discutir sobre possíveis modelos de legalização das drogas no Brasil.

5.1 DISCUSSAO NO STF ACERCA DA DESCRIMINALIZAÇAO

Como demonstração da atualidade da questão das drogas, vemos a discussão acerca da descriminalização do art.28 da lei 11.343/06 no STF. Abaixo, segue a reprodução de partes dos julgados dos Ministros do Supremo Tribunal Federal que, até o presente momento, já manifestaram seus votos, quais sejam: Ministro Luís Roberto Barroso, Ministro Gilmar Mendes e Ministro Edson Fachin.

5.1.1 VOTO DO MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO

No julgamento do RE 635659, Barroso (2015) afirma que o papel do Estado e da sociedade deve ser o de: a) desincentivar o consumo; b) tratar os dependentes; e c) combater o tráfico. Enfatizou em sua decisão que:

a guerra às drogas fracassou. [...] E o custo político, social e econômico dessa opção tem sido altíssimo. Insistir no que não funciona, depois de tantas décadas, é uma forma de fugir da realidade. É preciso ceder aos fatos. [...] É preciso olhar o problema das drogas sob uma perspectiva brasileira. Olhar o problema das drogas sob a ótica do primeiro mundo é viver a vida dos outros. Lá, o grande problema é o usuário. Entre nós, este não é o único problema e nem sequer é o mais grave. Entre nós, o maior problema é o poder do tráfico, um poder que advém da ilegalidade da droga. E este poder se exerce oprimindo as comunidades mais pobres, ditando a lei e cooptando a juventude. (Grifo Nosso)

Para Barroso (2015), o tráfico desempenha uma concorrência desleal com qualquer atividade lícita, pelas somas que manipula e os pagamentos que oferece. Esta a primeira prioridade: neutralizar, a médio prazo, o poder do tráfico. Para isso, só há uma solução: acabar com a ilegalidade das drogas e regular a produção e a distribuição.

A segunda prioridade deve ser impedir que as cadeias fiquem entupidas de jovens pobres e primários, pequenos traficantes, que entram com baixa periculosidade e na prisão começam a cursar a escola do crime, unindo-se a quadrilhas e facções. Há um genocídio brasileiro de jovens pobres e negros, imersos na violência desse sistema. Por fim, vem o consumidor. O consumidor não deve ser tratado como um criminoso, mas como alguém que se sujeita deliberadamente a um comportamento de risco. Risco da sua escolha e do qual se torna a principal vítima. Mas o risco por si só não é fundamento para a criminalização, ou teríamos que banir diversas atividades, do alpinismo ao mergulho submarino.

Barroso afirma ainda que dados trazidos pelo IBCCRIM, em 1984, 35% dos adultos consumiam cigarros. Em 2013, esse número caíra para 15%. Informação e advertência produzem, a médio prazo, resultados melhores do que a criminalização. Aproximadamente, 63% das mulheres que se encontram encarceradas o foram por delitos relacionados às drogas. Vale dizer: atualmente, 1 em cada 2 mulheres e 1 em cada 4 homens presos no país estão atrás das grades por tráfico de drogas e o índice de reincidência é acima de 70%. Diz ainda que:

Por fim, há um outro problema: como não há critério objetivo para distinguir consumo de tráfico, no mundo real, a consequência prática mais comum, como noticiam [...], é que "ricos com pequenas quantidades são usuários, pobres são traficantes". Terceira razão: a criminalização afeta a proteção da saúde pública. O sistema atual de Guerra às Drogas faz com que as preocupações com a saúde pública – que são o principal objetivo do controle de drogas – assuma uma posição secundária em relação às políticas de segurança pública e à aplicação da lei penal. A política de repressão penal exige recursos cada vez mais abundantes, drenando investimentos em políticas de prevenção, educação e tratamento de saúde. E o pior: a criminalização de condutas relacionadas ao consumo promove a exclusão e a marginalização dos usuários, dificultando o acesso a tratamentos. Como assinalou o antropólogo Rubem César Fernandes, diretor do Viva Rio: "O fato de o consumo de drogas ser criminalizado aproxima a população jovem do mundo do crime". Portanto, ao contrário do que muitos creem, a criminalização não protege, mas antes compromete a saúde pública. [...] CONCLUSAO: 1. Quase todo o mundo democrático e desenvolvido está abrandando a sua política em relação às drogas. Nos Estados Unidos, que lideraram a Guerra às Drogas, 27 dos 50 Estados já descriminalizaram o porte da maconha para uso recreativo ou medicinal, sendo que quatro deles (Oregon, Washington, Alaska e Colorado) legalizaram a comercialização.

Em Portugal, há mais de uma década, descriminalizou-se o porte de drogas para consumo pessoal. No caso da maconha, presume-se não se tratar de tráfico o porte de até 25 gramas. Após este período, constatou-se que (I) o consumo em geral não disparou (houve até diminuição entre os jovens); (II) houve um aumento de toxicodependentes em tratamento; e (III) houve redução da infecção de usuários de drogas pelo vírus HIV. Continua o Ministro dizendo:

É preciso não confundir moral com direito. Há coisas que a sociedade pode achar ruins, mas que nem por isso são ilícitas. Se um indivíduo, na solidão das suas noites, bebe até cair desmaiado na cama, isso não parece bom, mas não é ilícito. Se ele fumar meia carteira de cigarros entre o jantar e a hora de ir dormir, tampouco parece bom, mas não é ilícito. Pois digo eu: o mesmo vale se, em lugar de beber ou consumir cigarros, ele fumar um baseado. É ruim, mas não é papel do Estado se imiscuir nessa área. [...] O Estado pode, porém, limitar a liberdade individual para proteger direitos de terceiros ou determinados valores sociais. Pois bem: o indivíduo que fuma um cigarro de maconha na sua casa ou em outro ambiente privado não viola direitos de terceiros. Tampouco fere qualquer valor social. Nem mesmo a saúde pública, salvo em um sentido muito vago e remoto. Se este fosse um fundamento para proibição, o consumo de álcool deveria ser banido. E, por boas razões, não se cogita disso [...] punir com o direito penal é uma forma de autoritarismo e paternalismo que impede o indivíduo de fazer suas escolhas.

Vemos, portanto, como a decisão do ilustre Ministro corrobora, em vários aspectos, as questões neste trabalho levantadas. Ainda em seu voto, trouxe ainda questões como afetação ao princípio da lesividade, indicando que o principal bem jurídico lesado pelo consumo de maconha é a própria saúde individual do usuário, e não um bem jurídico alheio.

Abordou ainda a proporcionalidade, que inclui também, a verificação da adequação, necessidade e proveito da medida restritiva. A criminalização, no entanto, não parece adequada ao fim visado, que seria a proteção da saúde pública. Termina sua decisão afirmando que:

pelos mesmos fundamentos, declaro a inconstitucionalidade, por arrastamento, do § 1o do artigo 28 da Lei no 11.343/2006, o qual prevê que se submete às mesmas penas do caput, "quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica".

Por fim, justifica que afirmar que a descriminalização trará impacto para a saúde pública não é verdade, pois, a experiência empírica diz o oposto: com a descriminalização, usuários e dependentes passam a poder se tratar.

É incabível alegar que a descriminalização aumentaria os riscos do trânsito com pessoas dirigindo intoxicadas. Este argumento foi enfatizado pelo eminente Deputado Federal do Rio Grande do Sul Osmar Terra. Cabe lembrar aqui que dirigir sob a influência de substância psicoativa é crime autônomo (Código de Trânsito, art. 302, § 2º). Não é preciso criminalizar o consumo de maconha para este fim.

Alguns afirmam que há grande inconsistência em descriminalizar o consumo e manter a criminalização da produção e da distribuição. A inconsistência de fato existe. Mas eventual legalização depende de atuação do Congresso. E não há soluções fáceis. Porém, prestar atenção no que se passa no Uruguai e nos estados americanos que legalizaram pode ser uma boa forma de ver como os resultados que a legalização produzirá.

Ementa do voto do Ilustre Ministro:

Ementa: DIREITO PENAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ART. 28 DA LEI Nº 11.343/2006. INCONSTITUCIONALIDADE DA CRIMINALIZAÇAO DO PORTE DE DROGAS PARA CONSUMO PESSOAL. VIOLAÇAO AOS DIREITOS À INTIMIDADE, À VIDA PRIVADA E À AUTONOMIA, E AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE.

1. A descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal é medida constitucionalmente legítima, devido a razões jurídicas e pragmáticas.

2. Entre as razões pragmáticas, incluem-se (i) o fracasso da atual política de drogas, (ii) o alto custo do encarceramento em massa para a sociedade, e (iii) os prejuízos à saúde pública.

3. As razões jurídicas que justificam e legitimam a descriminalização são (i) o direito à privacidade, (ii) a autonomia individual, e (iii) a desproporcionalidade da punição de conduta que não afeta a esfera jurídica de terceiros, nem é meio idôneo para promover a saúde pública.

4. Independentemente de qualquer juízo que se faça acerca da constitucionalidade da criminalização, impõe-se a determinação de um parâmetro objetivo capaz de distinguir consumo pessoal e tráfico de drogas. A ausência de critério dessa natureza produz um efeito discriminatório, na medida em que, na prática, ricos são tratados como usuários e pobres como traficantes.

5. À luz dos estudos e critérios existentes e praticados no mundo, recomenda-se a adoção do critério seguido por Portugal, que, como regra geral, não considera tráfico a posse de até 25 gramas de Cannabis. No tocante ao cultivo de pequenas quantidades para consumo próprio, o limite proposto é de 6 plantas fêmeas.

6. Os critérios indicados acima são meramente referenciais, de modo que o juiz não está impedido de considerar, no caso concreto, que quantidades superiores de droga sejam destinadas para uso próprio, nem que quantidades inferiores sejam valoradas como tráfico, estabelecendo-se nesta última hipótese um ônus argumentativo mais pesado para a acusação e órgãos julgadores. Em qualquer caso, tais referenciais deverão prevalecer até que o Congresso Nacional venha a prover a respeito.

7. Provimento do recurso extraordinário e absolvição do recorrente, nos termos do art. 386, III, do Código de Processo Penal. Afirmação, em repercussão geral, da seguinte tese: "É inconstitucional a tipificação das condutas previstas no artigo 28 da Lei no 11.343/2006, que criminalizam o porte de drogas para consumo pessoal. Para os fins da Lei nº 11.343/2006, será presumido usuário o indivíduo que estiver em posse de até 25 gramas de maconha ou de seis plantas fêmeas. O juiz poderá considerar, à luz do caso concreto, (i) a atipicidade de condutas que envolvam quantidades mais elevadas, pela destinação a uso próprio, e (ii) a caracterização das condutas previstas no art. 33 (tráfico) da mesma Lei mesmo na posse de quantidades menores de 25 gramas, estabelecendo-se nesta hipótese um ônus argumentativo mais pesado para a acusação e órgãos julgadores." (Grifo Nosso)

5.1.2 VOTO DO MINISTRO GILMAR MENDES

Por sua vez, Mendes (2015), Ministro relator no julgamento do RE 635659 afirma que no caso agora em análise, o art. 28 é impugnado sob o enfoque de sua incompatibilidade com as garantias constitucionais da intimidade e da vida privada.

O tema em debate traz a lume contraposições acerca da proteção a direitos fundamentais. De um lado, o direito coletivo à saúde e à segurança; de outra parte, o direito à intimidade e à vida privada. Afirma o Ministro que:

nesse contexto, a tipificação penal de determinadas condutas pode conter-se no âmbito daquilo que se costuma denominar de discrição legislativa. Cabe ressaltar, todavia, que, nesse espaço de atuação, a liberdade do legislador estará sempre limitada pelo princípio da proporcionalidade, configurando a sua não observância inadmissível excesso de poder legislativo. A doutrina identifica como típicas manifestações de excesso no exercício do poder legiferante a contraditoriedade, a incongruência, a irrazoabilidade ou, em outras palavras, a inadequação entre meios e fins. [...] De um lado, a exigências de que as medidas interventivas se mostrem adequadas ao cumprimento dos objetivos pretendidos. De outra parte, o pressuposto de que nenhum meio menos gravoso revelar-se-ia igualmente eficaz para a consecução dos objetivos almejados. Em outros termos, o meio não será necessário se o objetivo pretendido puder ser alcançado com a adoção de medida que se revele, a um só tempo, adequada e menos onerosa. (Grifo Nosso)

Em relação aos crimes de perigo abstrato, afirma Mendes (2015) que, apesar da existência de ampla controvérsia doutrinária, os crimes de perigo abstrato podem ser identificados como aqueles em que não se exige nem a efetiva lesão ao bem jurídico protegido pela norma, nem a configuração do perigo em concreto a esse bem jurídico. Porém deve haver um cuidado específico na criação de crimes de perigo abstrato, pois, para o ilustre Ministro, é grande o risco de ofensa a lesividade e ofensividade:

O legislador formula, dessa forma, uma presunção absoluta a respeito da periculosidade de determinada conduta em relação ao bem jurídico que pretende proteger. O perigo, nesse sentido, não é concreto, mas apenas abstrato. Não é necessário, portanto, que, no caso concreto, a lesão ou o perigo de lesão venham a se efetivar. O delito estará consumado com a mera conduta descrita na lei penal. Por outro lado, não é difícil entender as características e os contornos da delicada relação entre os delitos de perigo abstrato e os princípios da lesividade ou ofensividade, os quais, por sua vez, estão intrinsecamente relacionados com o princípio da proporcionalidade. A atividade legislativa de produção de tipos de perigo abstrato deve, por isso, ser objeto de rígida fiscalização a respeito de sua constitucionalidade. [...] Todavia, deflui da própria política de drogas adotada que a criminalização do porte para uso pessoal não condiz com a realização dos fins almejados no que diz respeito a usuários e dependentes, voltados à atenção à saúde e à reinserção social, circunstância a denotar clara incongruência em todo o sistema. Na prática, porém, apesar do abrandamento das consequências penais da posse de drogas para consumo pessoal, a mera previsão da conduta como infração de natureza penal tem resultado em crescente estigmatização, neutralizando, com isso, os objetivos expressamente definidos no sistema nacional de políticas sobre drogas em relação a usuários e dependentes, em sintonia com políticas de redução de danos e de prevenção de riscos já bastante difundidas no plano internacional. Em contraste com esse entendimento, levanta-se a tese de que a incriminação do porte de droga para uso pessoal se justificaria em função da expansibilidade do perigo abstrato à saúde. Nesse contexto, a proteção da saúde coletiva dependeria da ausência de mercado para a traficância. Em outras palavras, não haveria tráfico se não houvesse consumo. Além disso, haveria uma relação necessária entre tráfico, consumo e outros delitos, como crimes contra o patrimônio e violência contra a pessoa. Temos em jogo, portanto, de um lado, o direito coletivo à saúde e à segurança públicas e, de outro lado, o direito à intimidade e à vida privada, que se qualificam, no caso da posse de drogas para consumo pessoal, em direito à autodeterminação. (Grifo Nosso)

Partes: 1, 2, 3, 4, 5


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