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Convém deixar Lombroso[2]no seu descanso eterno e a frenologia para os charlatões.
Em realidade, o interesse é chamar a atenção para as abordagens oficiais, que não consideram a criminalidade como um dos produtos da luta de classe inerente ao sistema sócio-produtivo em vigor, quando muito, considera a criminalidade como o ataque de "fracassados" contra os "adaptados".
Devo ainda acrescentar o que encontrei no prefácio de "Delinquência Juvenil na Guanabara", estudo encomendado e editado pelo Juizado de Menores, (1973):
"Aqueles que esperam deste tipo de trabalho uma solução para o problema da delinquência, recomendamos que extirpem o Mal com a prática cotidiana do Bem".
CAPÍTULO II
Destarte, adianto de antemão que toda estrutura e/ou social é montada em cima de puro maquiavelismo ou plano diabólico para cisão entre as "creaturas" de Deus, mas obedecem a lógica da formação da sociedade em que ela se dá.
Qualquer modo de sociabilidade necessita de "esqueleto" para manter ereto o corpo-social. Assim, criam-se representações e idéias dentro deste corpo, com uma lógica determinada. São estas representações e idéias que vinculam os indivíduos às suas respectivas tarefas na estrutura social.
A estas idéias ou representações, que operam como sustentáculo social, vincula-se o termo ideologia, e pela própria dinâmica plural da sociedade, portanto com várias representações e idéias possíveis, o conceito de ideologia não é imediato.
Segundo Löwy (1995 :11):
"Ë difícil encontrar na ciência social um conceito tão complexo, tão cheio de significados, quanto o conceito de ideologia. Nele se dá uma acumulação fantástica de contradições, de paradoxos, de arbitrariedades, de ambigüidades, de equívocos e de mal-entendidos, o que torna extremamente difícil encontrar o seu caminho nesse labirinto".
Destarte, tento chegar à conclusão que o DEGASE, ao executar as Medidas Sócio-Educativas cumpre uma função de "cimentação" no edifício social, dentro das idéias e representações. Não se limita a função objetiva de mudar comportamentos, mas também de adequar nos devidos lugares e às devidas tarefas, não só os infratores, como intimidar os que por ventura queiram abandonar o seu local social.
2.1 Histórico
A título de breve histórico me reporto a Löwy (Op. cit.), quando diz que o termo:
"foi literalmente inventado (no sentido pleno da palavra: inventar, tirar da cabeça, do nada) por um filósofo francês pouco conhecido, Destutt De Tracy, discípulo de terceira categoria dos enciclopedistas, que publicou em 1801 um livro chamado "Eléments d"Ideologie". Cuja finalidade era estudar os organismos vivos em relação ao meio ambiente, onde trata da questão dos sentidos, da percepção sensorial, através da qual se chegaria às idéias" (idem. :11).
Para Marilena Chauí, Destutt De Tracy junto com o médico Cabanis, De Gérando e Volney pretendiam
"elaborar uma ciência da gênese das idéias, tratando-as como fenômenos naturais que exprimissem a relação do corpo humano, enquanto organismo vivo, com o meio ambiente. Elabora uma teoria sobre as faculdades sensíveis, responsáveis pela formação de todas as nossas idéias: querer (vontade), julgar (razão), sentir (percepção) e recordar (memória)" (1994:22).
O próprio Destutt De Tracy define "a ciência das idéias", ideologia, como:
"A ciência pode ser chamada de ideologia, caso se considere apenas o seu objeto; gramática geral, caso se considere seus méritos; e lógica, se considere apenas seu objetivo. Quando que seja o nome, contém necessariamente três subdivisões, já que não se pode tratar adequadamente de uma sem tratar igualmente das duas outras. Ideologia me parece ser o termo genérico porque a ciência das idéias compreende tanto a de sua expressão quanto a de sua derivação" (apud. Mannheim; 1982 :97)
Os Enciclopedistas franceses foram partidários de Napoleão e apoiaram o golpe de 18 de Brumários, mas se decepcionaram quando da restauração do Antigo Regime, opondo-se às leis de segurança do Estado (Ibid., Op. cit.).
Esta oposição leva Napoleão a fazer um discurso no Conselho de Estado em 1812, atacando De Tracy e seus amigos chamando-os de "ideólogos", dando um sentido pejorativo à "ideologia", onde associa os ideólogos à metafísica, "que fazem abstração da realidade, que vivem em um mundo especulativo" (Löwy, Op. cit. :11), invertendo a imagem que os ideólogos davam a si mesmos de materialistas antimetafísicos. Como diz Löwy, Napoleão por ter um peso "ideológico" maior impôs sua maneira de utilizar a expressão.
O termo já estava comum em revistas, jornais e debates antes mesmo de chegar à metade do séc. XIX. Portanto, Marx em "A Ideologia Alemã", 1846, quando utiliza a expressão, já o faz com o sentido comum a época, o sentido napoleônico, pejorativo. Para Marx, ideologia é "equivalente à ilusão, falsa consciência, concepção idealista na qual a realidade é invertida e as idéias aparecem como motor da vida real" (Ibid. Op. cit. :12), mistificação da verdade.
Ideologia é retomada por Comte, que o emprega em duas formas distintas, tanto no sentido original, de Destutt, como "também o conjunto de idéias de uma época, tanto como "opinião geral" quanto no sentido de elaboração teórica dos pensadores dessa época" (Chauí, Op. cit. :23-24).
O conceito de ideologia segue um caminho tortuoso e no próprio pensamento marxista aborda-se de forma diferenciada. Em Lênin, ganha um outro sentido: "A ideologia como qualquer concepção da realidade social ou política, vinculada aos interesses de certas classes sociais" (Löwy, 1995: 12), deixando de ter o sentido pejorativo.
Karl Mannheim (1982) tenta por ordem nas formas difusas, e no livro "Ideologia e Utopia", procura conceituar e diferenciar ideologia e utopia.
A respeito da forma pejorativa de desdém dada à ideologia, conclui que é "de natureza epistemológica". O depreciado é a validade do pensamento do adversário considerado irrealístico. Irrealístico quando aferido com as questões pragmáticas, com as contradições da vida, do dia-a-dia. É evidente que é o olhar da posição de quem é responsável pela ação política. Isto mostra que a realidade passou a ser o ponto de referência em detrimento da especulação escolástica. A especulação a respeito da realidade, como se sabe, sempre foi alvo dos intelectuais; a partir do séc. XIX houve só um deslocamento da intenção, da metafísica para o mundo físico.
O episódio de Napoleão no Conselho de Estado demonstra bem isto. A oposição dos enciclopedistas era em relação às medidas de segurança do Estado que Napoleão vinha tomando, medidas de razões práticas nas questões políticas. Os mesmos critérios práticos se observa em Marx e Lênin. Marx critica os "ideólogos" alemães de descolados da realidade. Lênin, dedicado à práxis revolucionária, critica não só a burguesia como os teóricos do movimento operário, identificando uma ideologia burguesa e uma proletária.
Mannheim, após fazer as constatações de que os critérios passaram a priorizar as questões práticas no mundo moderno, analisa as formas possíveis de abordagem teórica das demandas políticas e sociais e a partir de então, conceitua ideologia e utopia:
Ideologia é o conjunto de idéias, concepções e representações que procuram justificar, legitimar a ordem estabelecida; identificada como um conceito conservador.
Utopia seria a contestação e/ou superação, também no campo das idéias, de uma determinada ordem estabelecida; identificada com o sentido grego da palavra: em nenhum lugar; no caso, algo que ainda não existe.
Ambas estariam ligadas a um evento comum, a uma estrutura social dada: A ideologia interessada na legitimação e utopia na sua superação. Assim, ideologia e utopia seriam formas distintas de um fenômeno e a este fenômeno Mannheim chama de "ideologia total".
Löwy propõe, para evitar confusões terminológicas e conceituais, manter as distinções entre ideologia e utopia, porém substitui "ideologia total" por "visões sociais de mundo". Ou seja: "Visões sociais de mundo seriam, portanto, todos aqueles conjuntos estruturados de valores, representações, idéias e orientações cognitivas. Conjunto esses unificados por uma perspectiva determinada, por um ponto de vista social, de classes sociais determinadas" (Op. cit. :13-14).
E continua:
As visões sociais de mundo poderiam ser de dois tipos: visões sociais ideológicas, quando servissem para legitimar, justificar, defender ou manter a ordem social do mundo; visões sociais utópicas, quando tivessem uma função crítica, negativa, subversiva, quando apontassem para uma realidade ainda não existente. (Op. cit. :14)
Destarte, estes conceitos como se pode observar, não são perfeitamente delineados, há uma zona onde poderiam se complementar sem se confundir, por exemplo:
• Uma sociedade poderia usar medidas para "aplainar elementos de contradição", utilizando-se de reformas com conteúdos utópicos. Muito usado no populismo.
• Discursos utópicos poderiam ser utilizados com intuito de restauração. Modernização, reestruturação produtiva, globalização fazem parte do vocabulário contra o "estado de bem-estar" e a favor da restauração liberal.
• Ou ainda, uma administração em um processo novo e radical, poderia lançar mão de discursos ideológicos de poder para a manutenção do processo administrativo revolucionário. A "ditadura do proletariado" usa esta lógica.
Desta forma, os conceitos de "visões sociais de mundo, ideologia e utopia" estariam necessariamente atrelados ao momento histórico em que eles se dão.
O ricochete no historicismo é inevitável, porém os instrumentais historicistas devem ser escrupulosamente usados, pois corre o risco de descambar para ele, e o que é pior, se emaranhar no historicismo grosseiro, vulgar.
Esta discussão foge por completo da finalidade do trabalho. Portanto o interesse aqui é o aporte teórico dos conceitos de Mainnheim ajustados por Löwy de "visões sociais de mundo, ideologia e utopia", para a conclusão que pretendo chegar, de que: O DEGASE como Aparelho Idedeológico do Estado".
2.2 O DEGASE como Aparelho Ideológico de Estado
Na primeira parte deste trabalho expus o desenvolvimento histórico da ideologia alicerçando as conclusões de que os adolescentes em conflito com a lei, que estão institucionalizados no DEGASE estão expostos ao descompasso entre o ideologicamente proposto e as reais condições.
Creio ser evidente que todas as teorias socioeducativas postas em prática até o momento, estiveram ou estão em desconcerto com as reais condições em que se encontram expostos e submetidos os adolescentes, constituindo desta forma, ideologias que visavam justificar a ordem estabelecida, e não utopias que se dispunham superar as contradições ou problemas vividos por estes jovens e a sociedade. Em outras palavras, as Medidas Socioeducativas executadas pelo DEGASE, ou nas outras instituições anteriores, sempre foram ideologias e não utopias.
Creio também não ser impreterível justificar que qualquer sociedade necessita garantir as condições de produção e reprodução dos seus meios de sobrevivência, assunto inconteste no atual estágio de conhecimento de nossa sociedade, em qualquer abordagem que se dê. E que igualmente, a sociedade demanda aparatos que garantam tais condições.
Está evidente a simpatia do presente trabalho pelo pensamento libertário e o método marxista, e como tal em relação ao Estado, no dizer de Althusser (1980 :31), é peremptório:
"O Estado é uma "máquina" de repressão que permite às classes dominantes (...) assegurar a sua dominação sobre a classe operária para o submeter ao processo de extorsão da mais-valia (quer dizer, à exploração capitalista)". Assim, "o Estado só tem sentido em função do poder de Estado" (:36) exercido através de seu aparelho repressivo que compreende: "o Governo, a Administração, o Exército, a Polícia, os Tribunais, as Prisões, etc." (:43).
Em Althusser (Op.cit.), vemos que o Estado utiliza-se de um outro aparato, concomitante a este aparelho repressivo: O Aparelho Ideológico. E que a distinção fundamental entre os dois está em que o Aparelho Repressivo do Estado atua "pela violência", enquanto o Aparelho Ideológico do Estado atua através da ideologia, justificando a ordem estabelecida.
Ambos os aparelhos, embora distintos, funcionam "simultaneamente pela violência e pela ideologia" sem se confundirem, a diferença está em que cada um atua massivamente no seu objetivo primordial. Os aparelhos repressivos (Exército, Polícia, Justiça, Prisão) funcionam produzindo ideologias, não só para a coesão interna e reprodução, e também pelo que projetam ao mundo exterior. Assim como os Aparelhos Ideológicos produzem sanções que lhe são apropriadas. Desta forma, conclui-se que não há aparelho puramente repressivo e nem ideológico.
Voltando ao meu objeto, a despeito da existência de elementos sutis de um aparelho no outro, espero mostrar que estas sutilezas não são tão sutis quanto possa parecer à primeira vista no Aparelho de Repressão que é o DEGASE. Senão, vejamos.
Uma classe não é dominante só pelo controle dos meios de produção, reprodução e do poder de Estado, necessita que as suas ideias, seus valores sejam dominantes. Os dominados têm que crer como coisa natural toda a lógica da estrutura da dominação, e a função da ideologia é a manutenção desta lógica.
Chauí (Op. cit.) identifica que "a ideologia é produzida em três momentos fundamentais":
( Primeiro: inicia com "um conjunto sistemático de ideias" de que o interesse da classe dominante representa o interesse de todos;
( Segundo: depois, consegue tornar "senso comum", interiorizada por todos os dominados;
( Terceiro: uma vez feito "senso comum", cimentada, tomadas como verdadeiras, passam a se apresentar como independente da classe dominante. É quando uma classe se identifica como dominada e luta contra esta dominação, mas ainda assim, mantém as ideias do dominador como verdadeiras. Neste ponto a ideologia cumpre seu papel: manter um sistema coerente para a dominação.
É a partir daí que as Medidas Socioeducativas, como ideologia, reforçam os valores da classe dominante. E o DEGASE como aparelho de execução da repressão do Estado apresenta as duas faces dos aparelhos de Estado, a repressiva e a ideológica.
A parte repressiva corresponde a retributividade: com o cerceamento e suspensão de alguns direitos de cidadania, como o direito de ir e vir, direito de opinião; de propriedade e individualidade, etc.
A parte ideológica corresponde a socioeducativa: como submissão a autoridade do Estado e seus representantes; adaptação a espaços fechados em longos períodos; educação formal; profissionalização; deificação da família; controle de horários, disciplinas corporais, etc.:
( A autoridade do Estado e seus representantes – polícia, judiciário, prisões – se identifica com o sistema produtivo capitalista: Empresas, patrões, gerentes, chefes, etc.
( Ao adaptar os adolescentes a espaços fechados em longos períodos, com a obrigatoriedade de qualquer atividade laborativa, mesmo idiotizantes – poltronas de garrafas plásticas; plantando salsa e cebolinha que são entregues todas as semanas, trabalhos manuais com palitos de sorvetes, pregadores de roupa, jornais e revistas velhas, ikebana para jovens de comunidade que nem árvore tem etc. – adapta-os aos ambientes fechados das indústrias, sendo completamente lógica a venda de parte do seu tempo de vida em um determinado local para a extração da mais-valia.
( Pela educação formal aprende a receber informação de uma autoridade de forma unilateral, independente de seus valores; tornam-se aptos a receber as planilhas com informações necessárias e suficientes para a produção.
( Através do culto da profissionalização, "introverter" a importância de conhecer um mister comum e útil no mercado de trabalho.
( Ao deificar a família, controla-se a estrutura de reprodução de mão-de-obra. Momentos há em que ser mãe e pai é o ato mais sublime da criação, e em outros o controle da prole, o famoso "planejamento familiar", representa o máximo de atenção às criaturas e creaturas de Deus. O excesso de seres em alguns estamentos, particularmente nos mais pobres, representa gasto social desnecessários ao Estado, por conseguinte, passíveis de controle.
( O controle de horários é imperioso para o treinamento de trabalhadores. Sem o controle rígido dos horários, do acordar ao dormir, seria impossível o adestramento dos "símios predadores", no dizer de Desmont Morris, "O Macaco Nú" (1967), em homens operários, perfeitamente adaptados a linha-de-montagem, e ao "time and motions". Nada seria possível na vida moderna sem a aceitação incondicional da ditadura do relógio – da hora trabalhada à quantidade de sono; da humilhação dos transportes coletivos ao sexo, tudo tem seu horário, duração e local.
( A disciplina corporal, ou melhor, o controle corporal, representa um aumento das "forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em termos políticos de obediência). Em uma palavra: ela dissocia o poder do corpo" (Vigiar e Punir :119). Desta forma, o trabalho na pedagogia da sócio-educação não visa o lucro; "nem mesmo a formação de uma habilidade útil; mas a constituição de uma relação de poder,(...), um esquema de submissão individual e de seu ajustamento a um aparelho de produção" (idem. :204).
Quem é leitor de Charles Dickens, um cultuador e propagador da ideologia burguesa da era vitoriana, lembra de que ele sempre chama a atenção para o descontrole do corpo dos que são socialmente problemáticos. Em "David Copperfield", Uriah Heep se contorce todo e é pegajoso como uma lesma; e no filho de Micawber nota "uma infinidade de movimentos incompatíveis com os interesses gerais da sociedade, a agitação que reinava dentro de todo os seus membros, recalcitrante às observações que a mãe lhe fazia" (:311). Devemos lembrar que Dickens e Bentham – idealizador do Panopticum – referem-se ao mesmo período histórico, séc. XIX, de revolução tecnológica e lutas operárias.
Como na metáfora do mágico, já usada, enquanto se olha para as mãos não se vê a manga, assim são as Medidas Sócio-Educativas. Enquanto se olha a "humanização da retributividade" – coisas mutuamente excludentes – e reinserção na sociedade, não se vê a violência do adestramento à alienação capitalista.
A preocupação com o adolescente de personalidade dissociada do respeito aos semelhantes – aquele que matou, estuprou ou cometeu um crime qualquer – não é a intenção primordial das Medidas Socioeducativas. Eles são sim, a justificativa de todo este aparato ideológico burguês de lavagem cerebral das "instituições totais" (Gofman, 1974).
Foulcaut em Microfísica do Poder (:137), mostra que sem delinquência não há polícia; sem polícia não há controle social; sem controle social não há poder do Estado; sem o controle do poder do Estado a burguesia não pode impor sua hegemonia.
Quanto maior for o excedente do exército-industrial-de-reserva, maior é a necessidade do poder de Estado. A existência de delinquente não é querida, mas é funcional à burguesia.
Os adolescentes que chegam à idade laborativa já tem que estar adaptados às exigências do mercado; aqueles que se recusam a se adaptar recebem as sanções pertinentes, proporcionais à recusa; tolera-se o "pecado" mas a "heresia" não.
Tanto o DEGASE quanto o SEAP[3]ideologicamente servem como "casas de terror" para os que não aceitam ou não se adaptam ao sistema produtivo capitalista atualmente adotado, servindo inclusive para os que estão de fora: ou se submetem as regras do mercado ou "casa de terror". Olhados desta forma podemos entender o significado ideológico destas instituições. Por isso, os Sistemas Socioeducativos e Penitenciários jamais poderão ser humanizados, é para punir e mostrar aos de fora o que acontece aos subversivos que não aceitam as condições de trabalho.
Os Sistemas Socioeducativo e Penitenciário, olhados isoladamente são economicamente inviáveis, mas olhados como uma das colunas ideológicas de sustentação da ordem econômica, dá para concluir que os custos são muito inferiores em relação aos benefícios causados à classe dirigente.
Todas as propostas para os sistemas são sempre "propostas alternativas", nunca "propostas alterativas". Alterar a ordem é heresia; heresia sempre foi sinônimo de fogueira.
Os adolescentes após o "tratamento" ou "atendimento" no DEGASE que não conseguirem ser "sócio educados" passarão para um dos estágios posteriores, não necessariamente nesta ordem: SEAP, manicômio, "vala"
Tentei mostrar que as Medidas Socioeducativas refletem a estrutura sócio produtiva adotadas na nossa sociedade, o que não significa ser aceita de bom grado por todos – daí a necessidade de ideologia. Porém, se são questionáveis, podemos e devemos ter o direito de supera-las, se não, tentar supera-las.
Devemos faze-las dentro dos critérios e premissas dadas? Com ideologias?
Ou tentar de uma nova forma, não existente? Com utopias?
Até o momento as experiências optaram por alternativas, ou seja, por hipóteses que quando escolhidas, excluem as anteriores. Portanto, é um puro desenvolvimento ou desdobramento do que está posto, será sempre uma superestrutura sustentada por uma infraestrutura carcomida.
Devemos propor um novo edifício, cuja "planta baixa" já está proposto pelo ECA, em substituição ao existente?
Até o momento todos os argumentos foram em propostas "alternativas", sempre utilizando ideologias, mesmo que recheadas de utopias, e nunca em propostas "alterativas", utópicas – utópicas no caso, não se refere aqui a castelos encima de nuvens, mas no sentido daquilo ainda não existente, não materializado.
É evidente a clareza das dificuldades da implantação e consolidação de qualquer utopia. E neste assunto é fundamental que o pessimismo da razão esteja de mãos dadas com o otimismo da vontade.
A ideia é clara, ou reforma ou mudança. A visão aqui, é que não há meio termo, um terceiro caminho ou via.
Se por um lado temos uma estrutura consolidada, com todo o seu aparato ideológico para a sua justificação e realização, em nada invalida as propostas "alterativas", utópicas, de construção de um novo sistema.
Neste ponto os profissionais que atuam no Sistema Socioeducativo são chamados a um posicionamento capital, de apoderar-se de instrumentais consistentes e esquadrinhar, escrupulosamente de modo quase cartesiano, as contradições das Medidas Socioeducativas, sem chafurdar em nenhum "ismo" e assessorar as mudanças.
E aí sim, com vontade otimista e estética humanista, podemos propor a construção, de medidas realmente socioeducativas. Ousar em ter o otimismo de materializar, trazer para o tempo presente, uma utopia. Sem jamais ser temerários.
Pois:
"QUEM TEME PERDER, JÁ ESTÁ VENCIDO"
Gigoro Kano
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BRASIL; CÓDIGO PENAL; Lei Editora Saraiva; 1983.
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ALTHUSSER, L.; Aparelhos Ideológicos de Estado (Notas para uma Investigação); Lisboa; Editorial Presença; 1980.
BERGER, Peter L.; Perspectivas Sociológicas: Uma visão Humanística; Petrópolis; Editora Vozes; 1986.
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CHARRIÈRE, Henri; Papillon; São Paulo; Círculo do Livro; 1980.
CHAUÍ, Marilena; O que é Ideologia; São Paulo; Editora Brasiliense; 1994.
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Autor:
Dário de Paiva Almeida
Trabalha no CSINT (Coordenação de Segurança e Inteligência), do Departamento Geral de Ações Sócio-Educativas – DEGASE; (Orgão Responsável pela Execução de Medidas Sócio Educativas a adolescentes em conflito com a Lei no Estado do Rio de Janeiro; Rio de Janeiro ; Brasil
Monografia referente a conclusão do Curso de Operadores do Sistema Socioeducativo do Estado do Rio de Janeiro da Escola de Gestão Socioeducativa Paulo Freire
Rio de Janeiro
Abril 2015
[1] Entre 1999 e 2015 o DEGASE esteve vinculado a mais de uma dezena de Secretarias: Justiça e Interior, Justiça e Direitos Humanos, Direitos Humanos e Sistema Penitenciário, Direitos Humanos e a Secretaria para Infância e a Adolescência etc. Na prática, não houve nenhuma alteração de suas atribuições, e sim para Secretarias com nomes "politicamente corretos".
[2] Cesare Lombroso, médico italiano estudioso sobre criminología positivista. Lombroso parte da idea básica dada existencia de um ciminoso nato, cujas anomalias constituiriam um tipo antropológico específico.fico.
[3] SEAP - Secretaria de Administração Penitenciária
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