Algumas considerações a respeito do corte no fornecimento de serviços públicos – aspectos materiais e processuais do tema



  1. Prévias considerações interdisciplinares
  2. O desafio da complexidade crise do poder judiciário e tempestividade da jurisdição
  3. Algumas considerações acerca do regime jurídico próprio – notas de direito material e processual

PRÉVIAS CONSIDERAÇÕES INTERDISCIPLINARES

Não é desconhecido dos operadores do direito, de um modo geral, o fenômeno do esgotamento paradigmático do pensamento jurídico fundado a partir da premissa de um direito natural (concepção tomista que foi empregada por séculos pelos juristas como modo de pensar dogmaticamente o direito) que encontra inúmeras dificuldades de resolver os problemas decorrentes da complexidade das relações intersubjetivas, ainda mais em um mundo que prima pela celeridade decorrente dos próprios avanços tecnológicos num mundo globalizado, o que não pode ficar á margem do ordenamento jurídico (parece sintomático e óbvio que não se possa pretender resolver os problemas decorrentes do mundo moderno, verbi gratia, com contratações eletrônicas, por vetustos brocardos de direito romano canônico).

Ou seja, começa-se a compreender que não basta que o ordenamento jurídico passe a prever esta ou aquela conduta eis que fatores, mormente de índole econômica, que permitem a volatização do capital, em tempo recorde, acabam por influenciar de forma tão marcante a sociedade com eficácia muito maior do que a imposta por textos legais (por exemplos, não se desconhece que decisões legislativas tem levado, em muitos países, ao fechamento e à criação de fábricas, com muitos reflexos no que tange, por exemplo, a volume de empregos, geração de renda, qualidade de vida etc.).

Tanto assim que autores como Celso Lafer propugnam, como proposta inicial para a solução do problema referente ao hiato apontado, a adoção de um novo modelo paradigmático[1](o referido autor propõe chamá-lo de paradigma da filosofia do direito, para permitir um "pensar" menos dogmático, mais aberto ao "perquerir" ou ao "questionar", tomando, aliás, o dogma não como um fim em si mesmo (como se dava no modelo paradigmático positivista então dominante), mas, ao contrário, como um ponto de partida, como, ademais, vinha sendo sugerido por Tércio Sampaio Ferraz Jr.,[2] permitindo-se a interpretação que autorize abranger fatores interdisciplinares).

E isso se torna relevante na medida em que, igualmente, se tem por inegável que o Direito seja um fenômeno histórico, revestido de temporalidade e que, nos primórdios da civilização já tinha seu conteúdo intimamente ligado aos desígnios dos detentores do poder (verbi gratia, no Egito Antigo, no período conhecido por Antigo Império, ou seja, entre 2.664 a C e 2.155 a C, cunhou-se a expressão segundo a qual "o justo é o que o faraó ama, e o mal é aquilo que o faraó odeia"[3], não obstante a ponderação de que o justo e ético, para esse povo se confundia com a emblemática noção de maat[4]reforçando-se o entendimento segundo o qual o direito implica numa evidente técnica de controle social (caráter igualmente destacado pelo já mencionado Tércio Sampaio)[5].

Essas concepções ligando o Direito ao poder se tornam uma questão de grande relevo posto que, em um mundo globalizado, em que o poder econômico se concentra pólos globalizantes opostos aos dos globalizados, se pode passar a questionar se fatores intimamente ligados ao poder não estão colocando em xeque a interpretação que se possa fazer do ordenamento jurídico como um todo (o que se tem revelado como óbvio numa concepção geopolítica).

Tal discussão se torna muito evidente e atual, num mundo em que as informações e a tecnologia são difundidas de forma muito rápida, por veículos como a internet e a própria mídia, de um modo geral, observando-se uma crise de efetividade, outro fator de complexidade a ser sopesado (e, lamentavelmente, não se tem observado a preocupação das Faculdades de Direito em enfocar tais situações) em primeiro lugar, do ordenamento jurídico enquanto tal (como se pode entendê-lo como forma de controle social eis que o mesmo para ser alterado exige uma série de atos e formas dos poderes normativos, que demandam um tempo totalmente incompatível com as mudanças sociais, e, sobretudo, econômicas ?), o que vem acompanhado da crise instrumental (se o ordenamento estabelece direitos, em caso de violações a esses direitos tem-se o direito de ação para o devido restabelecimento da situação, o qual, como é cediço, repousa num instrumental processual para que possa ser exercitado), o que nos conduz a um terceiro evento, qual seja, o da crise do Poder Judiciário (ente institucional que tem por função precípua o exercício da jurisdição, ou jurisdicere, poder de "dizer o direito", de forma imparcial).

Aliás, autores como Montesquieu[6]explicam, sob um prisma histórico, que o Poder Judiciário se revela como um poder criado para suportar os desgastes das mazelas do poder, esclarecendo de forma simples, que se cuida de um poder criado para evitar o desgaste do soberano nas questões políticas polêmicas (pondera no sentido de que o poder de dizer o que é certo e o que é errado dentro de um Estado se revela como o maior poder de um Estado, posto que, quem o detém, pode-se dizer sempre como correto).


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