Em virtude do fenômeno da globalização, com predominância de um modelo econômico de índole neo-liberal, não intervencionista no domínio econômico (superando-se, portanto, as noções de welfare state e new deal, que predominaram no chamado mundo pós-guerra – em síntese, o fim dos conhecidos "Estados Keynesianos ou providenciários"), tornou a ganhar relevância a polêmica a respeito da delimitação e revisão dos conceitos referentes às esferas do direito público e do direito privado, nos sistemas jurídicos atuais, como já se aventou na introdução da presente obra.
E, ainda aproveitando-se a noção de complexidade que permeia o pensamento científico atual, insta salientar que, com velocidade cada vez mais intensa, se observa, em decorrência dos avanços tecnológicos, com facilidades de comunicação e fluxo de riquezas, que os Estados Nacionais perderam substancial parte de seu poder de gestão, num processo de fragmentação, com o surgimento de entidades privadas, hierarquizadas e organizadas, com grande poder econômico, o que colabora para a dificuldade de elaboração de um novo conceito de direito público e de direito privado no mundo pós-globalização.
As próprias noções clássicas de esquerda e de direita acabam por se aproximar cada vez mais, como, igualmente se dá em relação aos espaços antes dominados pelo predominante interesse público, que tem se esvaziado, tal qual vem ocorrendo com os espaços destinados ao interesse meramente privado, dificultando sobremaneira, a separação entre direito público e direito privado.
Assim, clássicas definições que ligam o caráter público do direito à intervenção do Estado lato sensu num dos pólos da relação jurídica material, como também aquelas que estabelecem o papel do Estado enquanto poder soberano nesta relação, não mais se prestam a definir a questão, num contexto de interferência cada vez maior da seara pública na esfera privada (como se observa, v.g., nas regras previstas pela Lei nº 8.078/90 - o conhecido Código de Proteção e Defesa do Consumidor) e vice-versa (o que se observa nas contratações cada vez mais freqüentes entabuladas com o Estado, sobretudo, nas situações de quebra dos monopólios estatais).
A própria preocupação do Código Civil brasileiro (a conhecida Lei nº 10.406/02 que suplantou o vetusto Código Bevilácqua, ou Código Civil de 1.916), principal estatuto do cidadão, antes apanágio do direito privado em sua acepção ampla (lato sensu), com a disciplina de direitos de personalidade e o abandono ao culto do patrimônio, preconizando valores éticos, deve ser cotejada com a flexibilização de inúmeros cânones constitucionais (verbi gratia a própria questão das privatizações das funções do Poder Público no decorrer da década de 1.990), dando idéia da dimensão do problema enfocado, mormente no que tange à situação da própria inserção do objeto saúde (num primeiro momento, devendo ser tido como um objeto indisponível, sendo inegável seu caráter público, num juízo a priori).
De todo modo, encetadas tais considerações, insta salientar que existe um feixe de relações jurídicas, disciplinado por contratos entabulados entre empresas mantenedoras de planos de saúde ou seguro-saúde (art. 1º e consectários da Lei dos Planos de Saúde – Lei nº 9.656/98), com personalidade jurídica eminentemente privada (a própria Lei nº 8.080/90 que instituiu o SUS ou Sistema Único de Saúde deixou clara a situação de não existência de um monopólio público do sistema de saúde no país – Título III da referida lei em comento – artigos 20 usque 24 e seus consectários), que escapa por completo das relações de direito público na área de saúde, passando a ser disciplinadas pela Lei nº 9.658/98, que disciplinou o chamado plano privado de assistência à saúde.
A Lei nº 9.656/98 estabeleceu, em seu artigo 1º e seus três incisos que estariam submetidas ao seu regramento as pessoas jurídicas de direito privado que operem planos de assistência à saúde, enquanto contratação de trato sucessivo de serviços de cobertura de custos assistenciais a preço pré ou pós estabelecido, por prazo indeterminado, com a finalidade de garantir, sem limite financeiro, assistência à saúde, nas modalidades devidamente identificadas no texto da lei (acesso e atendimento por profissionais ou serviços de saúde livremente escolhidos, integrantes ou não de redes credenciadas, visando assistência médica, hospitalar e odontológica, a ser paga total ou parcialmente, mediante reembolso e pagamento direto ao prestador).
Embora a lei acabe por se referir, de modo expresso, a um Plano Privado de Assistência à Saúde, não se cuida de um modelo único, mas dual na medida em que são descritas duas formas de atividade, ou seja, preços pré ou pós estabelecidos, mediante reembolso ou pagamento direto ao prestador, ou seja, isso permitiria a coexistência das duas formas contratuais, quais sejam, o plano de saúde e o seguro-saúde, sendo certo que as empresas que se dispuserem à exploração dessas atividades recebem o nome técnico de operadoras de planos de assistência à saúde (artigo 1º, inciso II da lei especial em comento).
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