Considerações acerca d"o nariz torcido de Lucio Costa



"... o Patrimônio para mim foi sobretudo uma questão de amizade e afeto, uma oportunidade de convivência e conhecimento devidos a bons amigos. Mas bem sei que um estudo objetivo mostraria como esses amigos, e todos os funcionários que não conheci nem conheço, realizaram profissionalmente com a inteligência e o coração uma das obras mais notáveis que este país já viu." (Antonio Candido – Patrimônio Interior. Revista do Patrimônio Nº 22/1987)

"O problema da recuperação e restauração de monumentos, trata-se de uma casa seiscentista como estas de São Paulo, ou das ruínas desta igreja de São Miguel, no Rio Grande do Sul, é extremamente complexo. Primeira, porque depende de técnicos qualificados cuja formação é demorada e difícil, pois requer, além do tirocínio de obras e de familiaridade com os processos construtivos antigos, sensibilidade artística, conhecimentos históricos, acuidade investigadora, capacidade de organização, iniciativa e comando e, ainda, finalmente, desprendimento. Segundo, porque implica em providências igualmente demoradas, como o inventário histórico-artístico do que existia na região, o estudo da documentação recolhida, o tombamento daquilo que deve ser preservado, a eleição do que mereça restauro prioritário, ..." (Lucio Costa – Compromisso de Brasília. Abril de 1970)

"Todavia, não é fácil deixar de divergir em problemas históricos. E essa divergência, em tese, embora não raro bizantina, é positiva. Dela nascem as grandes pesquisas decisivas. Dela nascem as descobertas fecundas. Duvidem, pois, os que quiserem duvidar." (Fritz Teixeira Salles – Associações Religiosas no ciclo do Ouro. BH/MG. 1963)

Antonio Luiz Dias de Andrade, um ano antes de obter o titulo de Doutor em Arquitetura ao defender a tese UM ESTADO COMPLETO QUE PODE JAMAIS TER EXISTIDO, publicou na revista SINOPSES, em 1992, o artigo O NARIZ TORCIDO DE LUCIO COSTA, colocando em destaque um dos casos analisados na monografia relativos às obras empreendidas nos anos iniciais de atividade do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

Neste artigo, após examinar detidamente a documentação relativa às obras de restauração da antiga capela ou igreja de Nª Srª do Rosário, do Embu, chega à conclusão de que este importante exemplar da arquitetura jesuítica paulista, em seu projeto original, jamais possuíra torre sineira. Baseia sua interpretação em uma criteriosa e bem fundamentada análise da correspondência trocada entre os arquitetos Luís Saia (então Diretor da Regional paulista) e Lucio Costa (que chefiava a Divisão de Tombamento e Conservação, no Rio) à época dos trabalhos (1939-41), quando discutiam diversas questões que foram surgindo no desenrolar dos trabalhos, e mais especificamente aquelas atinentes à reconstituição da fachada original da antiga capela jesuítica, e em especial a problemática da torre sineira.

Tentarei, inicialmente, resumir o relato que Antonio Luiz apresentou das propostas então defendidas pelos mencionados arquitetos, a busca por evidências e os testemunhos obtidos bem como as soluções adotadas, e por fim a confrontação dessas soluções com as premissas que orientavam os trabalhos e as interpretações a que chegou.

Antes, porém, quero dizer que torno a esta questão por considera-la um assunto ainda de relativa importância, seja pelo caráter histórico que lhe é próprio seja pelo interesse e a atenção que ainda desperta, enquanto pendência não suficientemente esclarecida, nos técnicos de preservação e, ultimamente, também nos pesquisadores acadêmicos. Outros motivos subsidiários podem ser alinhados: embora diga respeito a apenas um ou dois elementos ou aspectos do monumento arquitetônico, trata-se este de um bem cultural sobre o qual existe um conhecimento que se por um lado é suficiente para determinar a que período corresponde e a que tipo de construção se destina (igreja e residência típica de aldeamento jesuítico dos três primeiros séculos de colonização paulista), de outro, é ainda falto de explicação, incluindo a questão em foco, mas também sobre o seu rico acervo artístico, em especial as belíssimas pinturas de seus forros; segundo, por ter sido objeto de estudos e intervenções em um determinado momento (1939-41) por parte do órgão federal de preservação quando se realizaram obras que o salvaram da destruição, garantiu a sua preservação pela aplicação do instrumento do tombamento e sobre tudo se buscou reconstituir a sua fisionomia original, que era o propósito desde logo declarado pelo SPHAN assim que se tornou alvo de suas atenções a partir de 1937[1]terceiro, e mesmo porque os principais personagens responsáveis pelas investigações e estudos que resultaram nas soluções por fim adotadas no restauro, infelizmente, são todos falecidos – o que os faz merecer de nossa parte o respeito e a deferência de que são merecedores -, aos quais, pelo mérito de ter analisado com profundidade e espírito crítico isento as contribuições respectivas e ter desvelado os princípios e procedimentos que resultaram na sua configuração final, incluo também o ex-colega e coordenador da Regional paulista do IPHAN, o arquiteto Antonio Luiz Dias de Andrade; e, por fim, por entendermos que a questão, por não estar inteiramente esclarecida, demanda ainda pesquisas de natureza historiográfica – sendo o nosso propósito aqui oferecer uma primeira contribuição. Se esta ocorre somente agora, vinte anos após a publicação do artigo, deve-se ao fato de que a busca por documentos relativos aos bens e monumentos tombados – projeto que me propus a desenvolver a partir de 1992 -, não corresponde, na maioria das vezes, à intenção, sempre premente, de encontra-los e analisa-los em face das questões colocadas. Embora não tenha (eu) contribuído, direta e pessoalmente, para nenhum dos estudos que desenvolveu, de sua parte Antonio Luiz dedicou-me atenção e reconheceu algum mérito em trabalhos por mim desenvolvidos, como no estudo que subsidiou o tombamento das pinturas de Padre Jesuíno do Monte Carmelo da VOT do Carmo de S. Paulo, e mesmo em questões que tínhamos entendimentos divergentes, como a da origem do Sítio do Padre Ignácio, jamais manipulou os dados ou interpretações que produzi acerca do monumento.


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