Página anterior | Voltar ao início do trabalho | Página seguinte |
Apresentamos aqui apenas um estudo piloto sobre as dificuldades de aprendizagem (e quem sabe de ensino) do conteúdo sobre a estequiometria.
Partimos do princípio de que aquele "desconforto dos estudantes" acima descrito é um indicativo da existência de dificuldades na aprendizagem do conteúdo em referência. Decidimos então, buscar com mais precisão a veracidade desta suspeita e, por isso, começamos um trabalho de pesquisa sobre os dados já existentes. Portanto, tomamos como material para análise as provas de avaliação realizadas na cadeira de Química Geral do 1º de Química e Física nos últimos cinco anos lectivos, ou seja, nos anos lectivos 1999/2000, 2000/2001; 2001/2002; 2002/2003 e 2003/2004 arquivadas na Coordenação Pedagógica do Departamento de Ciências Exactas. Associamos no nosso estudo o 1º Ano do curso de Física por fazer turma única com o 1º Ano do curso de Química.
Juntamos um total de 5 provas de 238 estudantes (para começar), sendo 131 de estudantes do curso de Química e 107 de estudantes do curso de Física. Juntamos também os enunciados dessas mesmas provas e as sugestões de resolução (correcções modelo) dos professores que leccionaram a cadeira nos anos indicados.
Utilizamos como instrumento de recolha das informações grelhas de avaliação por prova. Nelas fizemos constar a classificação (nota) obtida por cada estudante em cada questão relacionada com o conteúdo em análise, de acordo com a correcção feita pelo próprio docente da cadeira. Fizemos um total e calculámos a percentagem de aproveitamento de em cada questão e no global das questões relacionadas com cálculos estequiométricos de cada prova.
Numa primeira fase quisemos apenas analisar o rendimento escolar neste conteúdo pela prática habitual da medida da aprendizagem apenas pelas classificações (notas) obtidas das provas. Em segundo lugar, analisamos o conteúdo de cada questão para verificar a natureza dos principais erros encontrados e assim avaliarmos os principais obstáculos a aprendizagem.
Começamos por fazer uma caracterização das provas de acordo com o conteúdo em avaliação. As provas analisadas foram apenas as primeiras provas parcelares de Química Geral já que apenas estas avaliaram o conteúdo sobre estequiometria.
Nas cinco provas analisadas correspondentes aos cinco anos lectivos podemos distinguir apenas dois tipos de questões: (1) questões que exigem cálculos e (2) questões abertas sem exigência de cálculos. As questões que não exigem cálculos não estão relacionadas com o conteúdo de estequiometria e, por isso, não serão tratadas neste trabalho.
As questões com cálculos classificámo-las em dois grupos:
Os exercícios aquelas questões que têm características dos exercícios de aplicação (Valadares e Pereira, 1991), ou seja, os mecanismos de sua resolução são já conhecidos, e em que apenas se pretende a utilização desses mecanismos para os melhor reter. Estes mecanismos podem ser fórmulas matemáticas ou procedimentos de cálculo preestabelecidos. Perales Palacios (1993), chama a estas questões de problemas fechados.
Um problema segundo Perales Palacios (1993) poderia ser definido como qualquer situação prevista ou espontânea que produz, por um lado, um certo grau de incerteza e, por outro uma conduta tendente a busca de sua solução. Esta definição concorda, em essência, com a de Valadares e Pereira (1991) segundo a qual, um problema é uma tarefa que alguém se propõe realizar onde, a partir de uma situação inicial, vai ter que descobrir operações de modo a alcançar um determinado objectivo. Trata-se de uma tarefa em que não se dispõe de nenhum processo rotineiro conhecido para a realizar, e em que se exige alguma criatividade, capacidade de análise, síntese e avaliação de dados, relações e situações, além dos conhecimentos mínimos para a resolver. Nós concordamos com estas duas definições e damos maior força a classificação de Perales Palacios (1993), chamando problema ao que ele chama problema aberto quantitativo.
Os bons ou maus resultados numa prova dependem de muitos factores, entre os quais o nível de conhecimentos dos estudantes, a adaptação dos estudantes a determinado tipo de questões, a forma como as questões são colocadas, o próprio critério de valorização das respostas e outros. Esta ideia levou-nos a fazer um estudo das provas em análise, com base na classificação das questões enunciada acima. Esse estudo permitiu-nos reconhecer a seguinte distribuição das questões por prova:
Quadro 1. Distribuição das questões com cálculo por tipologia
Estes dados mostram-nos claramente que os docentes têm preferência por questões com cálculos (87,5%). Não encontramos questões nenhuma sobre estequiometria que não envolvesse cálculos.
Apesar de termos 50% de problemas, nas questões com cálculo este valor não nos permite afirmar que haja preferências para estas questões em detrimento dos exercícios.
Em termos de aproveitamento dos alunos medido pelas classificações obtidas obtivemos os resultados seguintes:
Quadro 2. Aproveitamento positivo (em percentagem) por tipologia de questão
(a) soma das pontuações de todos estudantes em cada prova
(b) percentagem calculada com base no tipo de questão
(c) percentagem calculada com base na pontuação total obtida
Podemos notar que o aproveitamento é muito baixo nos dois tipos de questões com cálculo. Apenas no ano 2000/2001 observamos um valor superior a 50% no caso dos exercícios, o que mesmo assim não nos parece satisfatório. Se tomarmos a percentagem calculada com base na pontuação total, verificamos que em nenhum caso se atinge sequer os 50%.
1.2. Causas prováveis
O quadro 2 nos fornece um manifesto fracasso generalizado no processo de ensino/aprendizagem no concernente a estequimetria. É lógico que nos deve interessar a melhoria deste quadro por formas a garantir maiores êxitos até noutras áreas de saber afins. Mas não é possível avançar soluções sem primeiro nos fazermos a seguinte pergunta:
Qual ou quais as causas deste fraco aproveitamento?
As possíveis respostas são variadas, desde factores pessoais, ligados ao estudante e ao professor e a factores não pessoais ligados as condições materiais de realização da actividade de ensino-aprendizagem. Achamos que os factores pessoais, os ligados aos dois intervenientes directos do processo são os de maior relevância no caso do nosso estudo.
Demos alguns passos pioneiros em busca das causas.
Um estudo da literatura deu-nos algumas pistas. Gil et al (1991) dizem-nos que no geral, os professores apontam-nos como razões mais palpáveis:
a falta de suficientes conhecimentos teóricos;
o fraco domínio do aparato matemático;
a leitura não compreensiva dos enunciados.
Eles afirmam, e nós concordamos, que estas são apenas explicações atribuídas a quem resolve os exercícios, ou seja, aos estudantes.
Dirigimos algum estudo no mesmo sentido baseado nas mesmas provas de avaliação (nosso material de estudo). Tentámos encontrar os principais obstáculos que os estudantes encontraram na resolução das questões apresentadas. Buscamos e encontramos situações em que os estudantes revelam a falta de conhecimento dos conceitos envolvidos nos cálculos estequiométricos, alguma debilidade na capacidade de relacionar esses conceitos na aplicação das leis ponderais, alguns casos de dificuldades em cálculo matemático e outros que revelam falta de entendimento dos enunciados das questões. Desta forma resumimos os obstáculos nos seguintes itens e apresentamos as respectivas percentagens:
problemas com conceitos e leis: 44,9%
problemas com as operações matemáticas: 3,93%
problemas de análise dos enunciados: 25,05%
Estes itens que nós apresentamos concordam, na essência, com os de Gil et al (1991). É verdade que podem existir outros obstáculos mas a partir do nosso material de estudo não nos foi possível visualizá-los. Também somos de opinião que o levantamento destes obstáculos a partir de provas em que a maior parte das questões, isto para não dizer todas, são de cálculos e as formas de resolução não nos revelam um tratamento adequado dos conceitos é muito difícil. Outros instrumentos são necessários para uma recolha mais apurada de informações.
Como vemos os valores apontam para maiores obstáculos no conhecimento e uso dos conceitos e leis e o ponto mais com menos dificuldades é o das operações matemáticas. Estes obstáculos podem advir de um suposto baixo nível que os alunos trazem dos níveis escolares anteriores, como é tradicional os professores afirmarem.
Apesar de estes obstáculos estarem atribuídos aos estudantes, nós achamos são apenas manifestações e outros problemas que podem advir da acção dos próprios docentes. Com efeito, se a maioria dos estudantes revela dificuldades como se pode atribuir as principais causas aos próprios estudantes?
Achamos importante colocar-se algumas questões ao próprio trabalho docente:
O que é que os professores fazem para que a maior dos estudantes seja capaz de resolver os problemas com êxito?
Esta questão remete-nos as orientações didácticas e aos textos que os docentes elaboram. Para responder a uma questão como esta é necessário buscar várias facetas da actividade docente tais como: a metodologia de ensino, os procedimentos da avaliação, os factores motivacionais que afectam tanto a metodologia como a avaliação e outros.
Quanto ao que se refere a avaliação, já nos referimos acima que os docentes que elaboraram as provas que foram objecto do nosso estudo deram primazia às questões de cálculo. Isto pode ter várias razões mas algumas delas são muito subjectivas. A estruturação dos próprios enunciados das provas de avaliação muitas vezes não é a melhor; não se cumprem as várias funções da avaliação: como sendo formativa, sumativa, diagnóstica e permanente; a classificação por cotação (valorização) das partes constituintes da solução dos problemas e exercícios também as vezes é descurada. A continuidade e praticamente a reincidência do baixo aproveitamento revela que o diagnóstico que se faz pela avaliação serve apenas de mera classificação dos estudantes em reprovados e aprovados não levando a tomada de decisões para a sua melhoria.
Em relação à metodologia: a sua variação deveria ser, pensamos nós, uma decisão a tomar depois de se constatar, pela avaliação, que o nível de aprendizagem dos estudantes não é o melhor.
Não é nosso objectivo com esta comunicação mostrar já a via de melhoria do aproveitamento escolar no assunto em causa. Como dissemos antes, este trata-se apenas de um estudo piloto que nos mostra a necessidade de aprofundarmos este estudo para buscar melhor clareza do problema e também as possíveis vias de solução.
No nosso entender, as vias de solução passarão por responder as questões que nos levam a reflectir sobre as ideias dos estudantes em relação ao conteúdo referente ao cálculo estequimétrico e, também a sobre as actividades e atitudes dos docentes no tratamento do mesmo conteúdo no 1º Ano dos cursos de Química e Física no ISCED-Lubango.
As questões que nos referimos no parágrafo anterior levam-nos a considerar as seguintes hipóteses para o fraco aproveitamento.
- O fracasso generalizado que se verifica na resolução de problemas e exercícios com cálculos de estequimetria pode ter origem no fraco domínio dos conceitos e leis da estequimetria por parte dos estudantes.
- O fracasso generalizado que se verifica na resolução de problemas e exercícios com cálculos de estequimetria pode ter origem no uso de estratégias de ensino/aprendizagem não adequadas.
Considerando que se tratam de estudantes do primeiro ano, que podemos considerar propedéutico, e portanto, aquele em que o papel do professor dever muito mais activo no sentido de resgatar o nível desejado dos estudantes para poderem enfrentar o ensino universitário, por sua própria natureza investigativo, a segunda hipótese é a que tem maior consistência para continuidade do estudo.
1. BORDENAVE, J. D. e PEREIRA, A. M., Estratégias de ensino-aprendizagem, 12ª Edição, Editora Vozes, Petrópolis, 1991;
2. CDI (Centro de Documentação e Informação), Programas de Química, Tomos II/4c., ISCED, Lubango, 1986;
3. GIL, D. et al, La enseñanza de las ciencias em la educación secundaria, Cuadernos de educación, 2ª edioción, 5, Universitat de Barcelona, 1991;
4. MOTA, A., Física-Química, 4ª Edição, Atlântida Editora, 1971;
5. NEVES, E. e GRAÇA, M., Princípios básicos da prática pedagógico-didáctica, Porto Editora, 1987;
6. NOVAES, M. H., Psicologia da educação e prática profissional, Editora Vozes, Petrópolis, 1992;
7. O'CONNOR, R., Fundamentos de Química, Harper & Row, Brasil, 1977;
8. PERALES PALACIOS, F. J., La resolución de problemas: una revisión estructurada, Enseñanza de las ciencias, 11 (2), pp. 170-178, 1993;
9. VALADARES, J. e PEREIRA, D. da C., Didáctica da Física e da Química, Universidade Aberta, Lisboa, 1991;
10. WOOLFOLK, A. E. e McCUNE, L., Psicologia de la educación para professores, quarta edición, Narcea, S.A. Ediciones, Madrid, 1980.
Autor:
Carlos Alberto Rodrigues Pinto
calypinto[arroba]yahoo.com
Assistente, do Departamento de Ciências Exactas do ISCED-Huíla
Página anterior | Voltar ao início do trabalho | Página seguinte |
|
|