Palavras-chaves: Bruno Latour, T.S. Kuhn, Paul Feyerabend, sociologia da ciência, filosofia da ciência, ciência, tecnologia, experimento, translações, regras metodológicas, sociologia, laboratórios
Usando uma espécie de dinâmica cinematográfica, Latour analisa três momentos na história recente da ciência e da tecnologia:
1985: John Whittaker, no Instituto Pasteur, em Paris, analisa sequências de DNA e, com os dados, monta imagens tridimensionais da dupla hélice, com um computador Eclipse MV/8000.
1951: James Watson e Francis Crick procuram qual seria a estrutura da molécula de DNA, tentando várias hipóteses.
1980: Tom West, na empresa Data General, nos EUA, tenta pôr para funcionar um protótipo da máquina que viria a ser a Eclipse MV/8000.
Os exemplos são, bem de acordo com o subtítulo do livro, tirados tanto de contextos científicos como de tecnológicos. A distinção ciência/tecnologia ou ciência pura/ciência aplicada não interessa ao autor. Ele encontrará em todas essas atividades, doravante chamadas tecnocientíficas, similaridades que impedem qualquer distinção clara e útil.
O que mais importa é o conceito de caixa preta. Em 1985, tanto o caráter de dupla hélice do DNA como o funcionamento do Eclipse são caixas pretas. Ou seja, cabe seguir adiante e não reabrir tais caixas e examinar seu conteúdo. Em 1951, a estrutura do DNA era uma caixa aberta, que só o trabalho de Watson e Crick (evidentemente, depois de a comunidade científica estar devidamente convencida) viria a fechar. O mesmo vale para o trabalho de Tom West, em 1980.
É nessa introdução que Latour também apresenta a dupla face de Jano, o Jano científico. A face direita representa a ciência em construção e a esquerda, a ciência pronta. A face esquerda sempre dirá, sobre as atividades tecnocientíficas, sentenças que apelam para noções de "verdade", "realidade", "princípios", "rigor" etc. A face direita, que representa a ciência em construção, sempre falará de "convencimento", "decisão", "estratégia" etc. É que o apelo à verdade ou à realidade só pode ser feito, para Latour, depois que a realidade foi estabelecida e, portanto, falar dela passa a ser falar a verdade. Mas, antes disso, ou o mundo não existe (uma posição filosófica demais para o autor, que sempre evita o lamaçal dessas discussões) ou não temos meios de conhecê-lo e, assim, devemos tomar decisões no escuro. Depois de tomada a decisão (e, especialmente, se a decisão foi frutífera), diremos que tomamos o caminho da verdade. Mas isso, enfatizemos, é sempre dito a posteriori.
[Textos em azul são sugestões para discussão entre os alunos, diferente dos textos em preto, que têm caráter apenas informativo.]
"Quem é esse Jano?" é uma questiúncula interessante. É o cientista, o tecnólogo ou o estudioso da ciência? Dificilmente seria o tecnólogo, pouco preocupado com esse tipo de coisa. Latour afirma que é "a ciência". OK. Pois, embora estude C&T, reconhece que os tecnólogos não fazem esse discurso e que nem todo estudioso de ciência o segue. Assim, esse "a ciência" seria melhor entendido "os cientistas".
A noção de caixa preta é importante para diferenciar contexto e conteúdo. Em 1985, tanto a estrutura do DNA como o desempenho e confiabilidade do Eclipse são parte do contexto. O conteúdo mesmo da pesquisa não passa por ali, da mesma forma que, na seção de materiais e métodos de um paper sobre clonagem, o cientista não analisará a estrutura do DNA, discutirá que proteínas são feitas a partir de aminoácidos etc. Isso já é parte do contexto ou seja, saiu do foco de atenção e foi para o cenário, cedendo lugar para que outras questões desempenhem o papel principal. Mas, em algum outro ponto da história, essas peças de contexto não eram ainda caixas pretas. estudar como essas caixas se fecham, como são usadas quando fechadas e como podem ser eventualmente reabertas é o propósito do livro.
Latour nota que tanto West como Watson e Crick, no momento da descoberta (no momento em que a caixa preta está aberta) referem-se a seu objeto de estudo e às decisões que têm de tomar para seguir adiante em termos que pouco têm a ver com o discurso da ciência fechada (da história da ciência que é reescrita quando a caixa preta está fechada):
West: organograma, gosto, protocolar, burocrático, minimizar riscos. São as expressões que usa quando analisa um chip fabricado por um concorrente (p. 18).
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