Cuida-se de delicada tarefa, a de abordar o tema suscitado, eis que se trata de analisar (e opta-se por encetar o método analítico, separando os termos de forma isolada para depois concluir sobre seu conjunto) dois fenômenos poliédricos (figura de linguagem que se empresta da geometria para exprimir fenômenos complexos que apresentem mais de uma face, permitindo que se cheguem a variadas conclusões, dependendo do ângulo que se enfoque a questão).
Com efeito, e nisso residiria o caráter poliédrico apontado, cuida-se de duas realidades complexas, que podem ser abordadas sob variados enfoques (seja a partir do enfoque da ciência política, da ciência social, da geopolítica, sob um ponto de vista ideológico, numa discussão entre pessoas leigas, sem maior rigor formal, e, até mesmo, sob a ótica do direito, inclusive, do direito constitucional, eis que não afastadas outras possibilidades de enfoque dentro do campo do direito, como v.g., poder-se-ia dar em relação à filosofia do direito).
Acresça-se a isso o aspecto da delimitação espácio-temporal, vez que o presente trabalho não tem foro de universalidade e atemporalidade, mas, ao contrário, pretende-se tecer comentários a respeito do relacionamento entre proporcionalidade e cidadania, na atualidade, no Brasil (obviamente que se poderia discorrer a respeito da questão da cidadania na Grécia Antiga, ou na Europa atual, o que também ocasionaria outros problemas, como, por exemplo, no primeiro caso, a delimitação do que se poderia denominar mundo helênico, com suas disparidades, mormente se compararmos o "modus vivendi" ateniense e espartano, antes e após a Guerra do Peloponeso, com parâmetros de proporcionalidade radicalmente distintos).
Não é, portanto, objeto do presente estudo o esgotamento do tema referente às relações entre a Proporcionalidade e a Cidadania, mas seria conveniente, ao menos em sede de se situar a questão, traçar breves linhas a respeito de alguns limites conceituais.
Nestes termos, ou seja, partindo-se do pressuposto espácio-temporal retromencionado, a expressão "cidadania", que deriva da expressão latina "civitas", corrente na Roma Antiga, designando, originariamente, uma versão anterior da expressão nacionalidade (é, aliás, bastante controversa, a existência de um direito internacional em Roma, posto que, segundo copiosa doutrina, somente se poderia vir a falar em Estados Nacionais, séculos após, com o advento da chamada "Paz de Westphalia", mais precisamente em meados de 1.648, como forma de se por fim a uma revolta camponesa).
Mas, originariamente, o termo cidadania se fazia acompanhar desta carga internacionalista, eis que se aproximava da noção de nacionalidade, aplicando-se, originariamente aos cidadãos romanos, membros do patriciato, embora, paulatinamente, com o decorrer do tempo, passou a se estender aos outros povos (mais propriamente, com a extensão da influência do jus gentium em relação ao jus civilis ou direito quiritário).
Sobre o tema, aliás, interessante a opinião de Sílvio de Macedo, para quem cidadania seria: "conceito análogo ao de nacionalidade, no direito constitucional e no direito internacional público e privado".1
Aliás, Haroldo Valladão, traça um interessante ensaio histórico da utilização das expressões naturalidade e cidadania, em nosso direito pátrio, e, mesmo antes, no direito reinícola português (as Ordenações Filipinas já se utilizavam das expressões como sinônimas, gerando certa celeuma conceitual)2.
Mas, se num primeiro momento, tal confusão até poderia ter ocorrido, fruto de má técnica legislativa, ou, até mesmo, por não se haver evoluído a ciência constitucional da época, o fato é que, modernamente, autores renomados como Maria Helena Diniz, acabam por optar, mesmo na seara jurídica, pela utilização da expressão cidadania, na sua acepção emprestada da ciência política, por melhor abranger a idéia que se busca representar com o termo.
Não é por outra razão, que a douta civilista, em seu Dicionário Jurídico, já dedica um verbete ao assunto, definindo-a do seguinte modo: "Ciência Política. Qualidade ou estado de cidadão; vínculo político que gera para o nacional deveres e direitos políticos, uma vez que o liga ao Estado. É qualidade de cidadão relativa ao exercício de prerrogativas políticas outorgadas pela Constituição de um Estado Democrático."3
Observa-se, portanto, que, mesmo autores mais modernos, e adotando a acepção derivada da ciência política, apontam no sentido de que o vínculo de cidadania decorreria de uma ligação de um cidadão nacional para com um Estado.
De se verificar, portanto, a partir disso, como a questão pode ser articulada, diante de nosso sistema jurídico atual, ou seja, se nossa ordem constitucional também se preocupa, ou não, com a questão sob o tema analisado.
Num primeiro momento, e em confronto com tudo quanto exposto, pondera-se no sentido de que a Carta Política brasileira, com suas emendas, estendem várias destas garantias, não só aos cidadãos nacionais, mas a pessoas residentes e domiciliadas no país (ainda que não nacionais).
Daí resulta a primeira grande dificuldade do tema, concernente na aferição da garantia formal do Estado brasileiro, organizado nos termos preconizados pelo legislador constituinte como um Estado democrático de direito, garantindo direitos e garantias individuais não só a seus cidadãos (pessoas a quem se confere o atributo de cidadania), como também, por extensão analógica, a todos aqueles que se encontram domiciliados em território nacional (artigo 5° da Constituição Federal).
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