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Klein (1948), por outro lado não concorda com Freud alegando que a partir de suas análises observou tal existência, do medo de aniquilamento da vida, no inconsciente. Então apresenta que o perigo resultante do trabalho interno da pulsão de morte é a primeira causa de ansiedade. Essa luta persiste durante toda a vida do individuo, sendo esta, fonte de ansiedade jamais eliminada e para sempre atuante em todas as situações de ansiedade.
A partir de tais análises, ela constatou que a agressividade exposta por conta do sadismo, contra objetos perseguidores, volta-se contra o próprio self sob uma forma, também, de perseguidor (perseguidores internos). Assim, relaciona a teoria de Freud sobre o medo de ser devorado pelo animal totêmico (pai), com a visão de que tal temor provenha da projeção dos impulsos do bebê de devorar seus próprios objetos. Desta maneira, em primeiro lugar, o seio materno torna-se, na mente do bebê, um objeto devorador. A partir disso é formado um superego, constituído por figuras internas cruéis e perigosas (representantes da pulsão de morte). E ao mesmo tempo existe um outro aspecto desse superego arcaico, a partir do seio bom internalizado (pulsão de vida). O medo de ser aniquilado inclui a ansiedade de que o seio bom interno seja destruído, sendo esse objeto sentido como indispensável para a preservação da vida.
O individuo desde de o nascimento, segundo Klein (1948), utiliza-se da deflexão da pulsão de morte. Tal projeção busca representantes externos (seio mau), perseguidores. Porém, também ocorre a introjeção dessas representações externas, o que intensifica a angústia. Isso caracteriza o medo dos impulsos destrutivos internos e faz com que os perigos internos sejam percebidos à luz dos perigos internos, o que aumenta a ansiedade. Essa externalização até certo ponto alivia a angústia, sendo ela um dos primeiros métodos de defesa do ego, permanecendo fundamental no desenvolvimento. Por outro lado, a pulsão de vida também é defletida para fora, e por meio da libido, prende-se ao objeto externo, a saber, o seio bom, o seio gratificador, que por sua vez também é internalizado. Esta internalização torna-se fundamental para a autopreservação, constituindo-se uma parte vital do ego. O seio bom internalizado e o seio mau devorador formam o núcleo do superego, em seus aspectos bons e maus.
As perturbações paranóides em adultos, segundo Klein (1948), baseiam-se na ansiedade persecutória experimentada nos primeiros meses de vida.
Klein (1948) apresenta ainda a relação entre culpa e ansiedade. Para tanto, faz referência à concepção de Freud que justifica a culpa a partir do superego, formado com o complexo de Édipo. Por outro lado, Abraham (1924) aponta que a culpa surge com a superação dos impulsos canibalescos, agressivos, por ocasião do primeiro estágio sádico-anal (ou seja, numa idade bem mais recuada do que Freud supunha).
No trabalho "A Contribution to the Psychogenesis of Manic-Depressive States", Klein diferencia duas modalidades básicas de ansiedade, a saber, a persecutória e a depressiva. Nesse trabalho chega a conclusão de que a ansiedade persecutória se relaciona ao aniquilamento do ego, e que a ansiedade depressiva está predominantemente vinculada ao dano feito aos objetos amados, causados pelos impulsos destrutivos do individuo. Também conclui que a ansiedade depressiva está estreitamente ligada à culpa e à tendência de fazer reparação.
Desde os primeiros estágios de vida, em que predominam as ansiedades persecutórias e os processos de cisão, percebe-se que tais defesas não são plenamente eficazes. Isso ocorre, segundo Klein (1948), porque desde de o começo da vida, o ego tende a integrar-se e a sintetizar os diversos aspectos de objeto. Nesses estados de integração, dá-se certa síntese entre o amor e ódio em relação aos objetos parciais, o que origina a ansiedade depressiva, a culpa e o desejo de reparar o objeto amado danificado. Porém, um progresso considerável na integração do ego começa a ocorrer a partir do terceiro mês de vida do bebê. Nesse estágio caracteriza-se a posição depressiva, ocorrendo importantes mudanças no que diz respeito à natureza das relações de objeto do bebê e de seus processos de introjeção. O bebê percebe e introjeta a mãe cada vez mais como uma pessoa inteira, estabelecendo identificação maior e uma relação mais estável com ela. Ao mesmo tempo os processos de cisão diminuem de intensidade e se relacionam, predominantemente, a objetos totais.
O bebê passa, agora, a se deparar com ansiedade depressiva, embora a ansiedade persecutória ainda desempenhe seu papel, também na posição depressiva. O sujeito passa a viver a angústia de ter danificado o objeto bom. Isso faz com que o ego se defronte agora, cada vez mais com uma realidade psíquica muito dolorosa, relacionada a uma necessidade premente insopitável de preservar, concertar ou ressuscitar os objetos amados, a tendência a fazer reparação. Como método alternativo de lidar com essas ansiedades o ego recorre, intensamente, à defesa maníaca.
De acordo com Weininger (1996), tendo por base a teoria de Klein, as defesas na posição depressiva são utilizadas para evitar os sentimentos de perda e anseio pelo objeto amado. Abraham (1970) também concorda com o conceito de que a mania é uma defesa contra a depressão, sublimando a libido do seu verdadeiro propósito e buscando ignorar o conflito interno existente. Esta descrição não deixa de apresentar uma defesa maníaca, ainda que Abraham não utilize estes termos. Este acrescenta que estas defesas, mesmo que mantidas por muito tempo, não permitem que o sujeito desfrute de paz e segurança no seu interior.
A essência da culpa é considerada por Klein (1948) como o sentimento de que o dano feito ao objeto amado é causado pelos impulsos destrutivos do próprio indivíduo. O sentimento de culpa do bebê poderá estender-se a todos os males que recaem sobre o objeto amado, mesmo os danos feitos por seus objetos persecutórios. A premência de desfazer ou reparar esse dano resulta do sentimento de que o próprio indivíduo o causou, ou seja, provém da culpa. Klein (1948) reconhece portanto, a tendência reparatória como uma conseqüência do sentimento de culpa. Segal (1975) afirma que o uso das defesas maníacas não necessariamente seja patológico, uma vez que o ego necessita de algum tempo para fortificar-se e acreditar em sua capacidade de reparação.
Segundo Weininger (1996), a busca pela reparação bem-sucedida, além de não ser fácil, leva tempo e se desenvolve durante toda a vida do indivíduo. Considera também que a defesa maníaca e a reparação maníaca são apenas tentativas feitas no decorrer da vida, em busca desta reparação. Klein citada por Hinshelwood (1998), afirma que "em resultado do fracasso do ato de reparação, o ego tem de valer-se, repetidamente, das defesas obsessivas e maníacas".
A ansiedade depressiva, bem como a tendência reparatória e a culpa, somente podem ser vivenciadas quando os sentimentos de amor sobre o objeto predominam sobre os impulsos destrutivos. Portanto a pulsão de vida deve suplantar a pulsão de morte. Isso se torna essencial para que o ego possa integrar-se e sintetizar os aspectos antagônicos do objeto.
Durante os primeiros três ou quatro meses de vida, estágio em que aparecem a ansiedade depressiva e a culpa, os processos de cisão e ansiedade persecutória estão no auge. Por conseguinte, a ansiedade persecutória logo interfere no processo de integração, e as experiências de ansiedade depressiva, de culpa e de reparação só podem ser de natureza transitória. Em decorrência disso, o objeto amado danificado pode rapidamente se transformar em um perseguidor, e a necessidade premente de reparar ou fazer reviver o objeto amado pode se transformar na necessidade de apaziguar e agradar um perseguidor. Mas, mesmo durante um estágio seguinte, a posição depressiva em que o ego mais integrado introjeta e estabelece cada vez mais a pessoa total, persiste a ansiedade persecutória. Durante esse período o bebê vivencia não só pesar, depressão e culpa, mas também ansiedade persecutória, relacionada ao aspecto mau do superego; e as defesas contra a ansiedade persecutória coexistem, lado a lado, com defesas contra a ansiedade depressiva (Klein 1948).
Agora que compreendemos quando e em quais situações o ego recorre a defesas maníacas, poderemos melhor compreendê-las, suas diferentes faces e sua dinâmica básica.
Segundo Klein citada por Simon (1986), a mania é um estágio transitório, quando defesas protegem o ego da persecutoriedade (angústia paranóide) e do sofrimento da constatação de ter atacado o objeto bom, do qual é dependente (angústia depressiva), e almeja a reparação deste objeto. O ego quer se livrar da dependência dos objetos bons, contudo, na posição depressiva já está relativamente desenvolvido e já ocorre uma identificação com eles e uma separação é demasiadamente dolorida. Do outro lado é perseguido pelo objeto mau e o id, e para sair deste meio – perseguição e dependência – o individuo recorre às defesas maníacas: sentimento de onipotência, negação da realidade psíquica, domínio e controle sobre os objetos, depreciação e triunfo sobre o objeto; e/ou à reparação maníaca, tentando fugir do sentimento de perda e de culpa.
Os sentimentos de onipotência, segundo Simon (1986), possuem duas finalidades: negar o medo do objeto e realizar a reparação do mesmo. As defesas maníacas são tipicamente onipotentes. Elas protegem o sujeito de experienciar a dolorosa dependência dos objetos bons e amados. Klein citada por Hinshelwood (1998) afirma que "o senso de onipotência é o que primeiro e antes de tudo caracteriza a mania".
A negação da realidade psíquica consiste em não conceber a existência do próprio mundo interno (objetos e relações existentes dentro dele) que conseqüentemente nega a realidade externa. Abraham (1970) afirma que ainda que as demonstrações externas do estado maníaco e do estado depressivo sejam totalmente opostas, são exatamente idênticas em seu complexo interno, sendo na depressão o sujeito esmagado pelo complexo e vendo a morte como a única solução e na mania, fazendo-se indiferente a ele. Esta indiferença foi referida por Klein como a negação do mundo interno.
Outra estratégia maníaca que o indivíduo poderá valer-se será de controlar os objetos, com o propósito de evitar que se machuquem e domina-los (Hinshelwood, 1998). É necessário negar o medo de perda dos objetos dos quais depende, mantendo-os sob domínio para, contudo, obter a satisfação de suas necessidades.
Concorre a isto, desprezar o objeto. Isto permite o ego desapegar-se e ao mesmo tempo conservar a fome por eles. Para Hinshelwood (1998), na depreciação, apesar de o ego ser incapaz de renunciar a seus objetos internos bons, esforça-se por escapar dos perigos da dependência deles. Na verdade, renunciar o objeto e não desligar-se dele ocorre quando o ego nega a importância ou interesse pelo objeto bom. Para Segal (1975), desprezar o objeto também alivia culpa, pois sendo este depreciado, não é digno de culpa e também justifica novos ataques contra ele.
Assim, o individuo busca triunfar sobre o objeto, podendo com isto negar a sua dependência, o seu sentido de valorizá-lo e os sentimentos depressivos, novamente desprezando-o, mas o controlando a fim de manterem saciadas suas faltas.
Segundo Simon (1986), considerando a teoria de Klein, estes mecanismos estão sempre ligados a controlar os pais internalizados, negar e depreciar este mundo interno ao mesmo tempo, estando também relacionadas à dor causada pela perda do objeto amado e a culpa resultante. Segundo Weininger (1996), muitas pessoas na vida adulta não conseguem obter êxito em seus projetos em virtude do processo infantil de triunfo sobre os pais, que causa logo em seguida a culpa e a seguir o fracasso, como se houvesse a possibilidade do sucesso por meio do insucesso. O potencial desta pessoa não é utilizado, pois neste caso, na fantasia, destruiria o objeto que fui introjetado e que sustenta o sujeito que não pode ser esvaziado.
Cabe aqui salientarmos que M. Klein utilizou o conceito de posição maníaca até 1940 em "O luto e sua relação com os estados maníaco-depressivos". Posteriormente, abandonou o termo e o modificou para defesas maníacas, pois para ser definido como posição deveria haver um tipo de angústia como nas posições paranoíde e depressiva (Simon, 1986).
Weininger (1996) sugere também que a idealização, a negação e a reparação maníaca possuem uma relação muito próxima com as defesas obsessivas. A soma destas tentativas frustrada compõe um círculo fechado que não possibilita um desenvolvimento mais adequado.
A paciente, que identificaremos pela letra R. para assim preservarmos sua identidade, é uma jovem que contava vinte e quatro anos de idade quando procurou a clínica do UniFMU. Morava com o pai e era a filha mais velha dentre seus outros dois irmãos (uma menina e um menino, o caçula). Sua mãe faleceu havia seis anos. Trabalhava e cursava o terceiro ano do curso superior.
Procurou ajuda psicológica por sugestão de uma tia, que também já havia sido atendida na Clínica Psicológica do UniFMU. Queixava-se de tristeza por conta do fim de um relacionamento amoroso, perante o qual tinha dúvidas se o havia superado. Esperava que a psicoterapia a pudesse ajudar com os sentimentos de insegurança e incapacidade, que passaram a se apresentar diante as tarefas de seu cotidiano, além dos atrasos e esquecimentos, que ocorreram inclusive na situação terapêutica.
Iniciou atendimento psicoterápico no dia 25 de março de 2006. As sessões têm sido semanais, com duração de cinqüenta minutos e supervisionadas também semanalmente.
2.2. Análise da dinâmica quanto ao uso de defesas maníacasR. apresenta ansiedade persecutória na forma de angústia de castração, uma vez que teme o vazio, a sensação de desamparo e o sentimento conseqüente de rebaixada auto-estima. Precisa de um falo, que pode ser representado na valorização, no amor que um homem lhe dedica, nas evidências concretas desse amor. Precisa sentir-se amada e pretende assim uma fusão de satisfação narcísica com o objeto idealizado. Sem este amor, sente-se vazia, incapaz. Busca então na relação com o outro, uma completude narcísica, pois não suporta a idéia de ser castrada.
Suas relações amorosas seguem um mesmo roteiro, como é típico dos indivíduos histéricos de caráter narcísico: o outro é idealizado e seduzido para que seja obtida uma união de completude que, em fantasia, a tornaria perfeita; o mecanismo da idealização foi necessário para que tenha-se um objeto para completar o enorme vazio que sente e somente algo grandioso seria então capaz. Contudo, logo frustra-se com este objeto, a idealização falha, pois impôs que este fosse realmente perfeito; frustrada, inicia uma nova busca desconsiderando o outro, não só porque este é amado somente enquanto puder ser o falo que a complete, como também porque busca na verdade quanto mais parceiros puder, ignorando a concordância deles ou não com esta sua atitude infiel, já que precisa do maior suprimento narcísico possível, fazendo isso tentando mostrar-se como fiel, companheira e amorosa, o que também é utilizado como sedução para conseguir o falo. Entretanto, demonstra perceber a sexualidade como algo nojento e repugnante.
Nos demais relacionamentos interpessoais também atribui ao outro a certificação do seu próprio valor: a percepção de si é de desvalia enquanto o outro não reconheça seus créditos. Além disso, assume postura ambivalente e competitiva, fazendo comparações entre si e os outros – triangularização das relações.
A figura materna é percebida de forma ambivalente, pois enquanto ela é considerada a responsável pela sua castração, seu defeito, sua ferida narcísica, é quem poderia sanar este dano. Também evidencia culpa em relação à sua perda.
A figura paterna também é percebida de forma ambivalente pois, ao mesmo tempo que ele foi amado e desejado, foi também frustrador.
Possui dúvidas sobre seu lugar no mundo, tentando por vezes, definir sua própria identidade. Vale-se também da racionalização para explicar o que sente.
Diante do exposto até o momento, identifica-se sua dinâmica como histérica, com traços narcísicos.
Utiliza o mecanismo de defesa da negação, assim rejeitando a idéia de que sente-se castrada. Portanto, ignora a realidade interna e consequentemente a externa, segundo Simon (1986) quando caracteriza a negação como articulação maníaca, pois não concebe o fato de que não existem indivíduos perfeitos na realidade objetiva.
Ainda conforme Simon (1986), considerando a teoria de Klein, estes mecanismos estão sempre ligados a controlar os pais internalizados. R. assume postura onipotente buscando substituir a figura materna, respondendo às demandas de todos os entes do lar e obtendo o falo do pai – Klein citada por Hinshelwood (1998) afirma que "o senso de onipotência é o que primeiro e antes de tudo caracteriza a mania". Desta forma, controla os objetos dos quais depende, pois uma vez sendo estes significativos e então determinantes de seu valor, necessita controla-los a fim de saciar-lhe sua ferida narcísica e lidar com a culpa e a dor da perda.
R. atrasou-se para a maior parte as sessões, o que também relatou acontecer em outras situações: "Eu me irrito comigo mesma! Mas eu deixo acontecer (chora)! Todo mundo chega no horário lá no trabalho! Por um lado eu não me importo, porque eu não ligo pra esse trabalho, mas por outro lado, por que eu não consigo chegar no horário?! No inglês também. (...) Eu penso em sair de casa mais cedo, mas eu não saio! Quando eu vejo já deu a hora". Para ela é importante sentir-se desejada. Estando atrasada ela põe o outro a esperá-la tornando-se, portanto desejada, o que assim demonstra o controle que almeja exercer sobre o objeto, de tentar mantê-lo sob seu domínio e a sua expectativa de triunfar sobre este objeto do qual depende.
Para Segal (1975), o individuo busca triunfar sobre o objeto, podendo com isto negar a sua dependência, o seu sentido de valorizá-lo e os sentimentos depressivos. Percebe-se que R. desdobra esta busca em diferentes manifestações: pela sedução, quando então envolvida de sentimentos onipotentes, almejando dominar o objeto e tendo-o para si (aí aparecendo também o controle): "E eu me dedicava, porque eu achava que poderia ser um grande amor"; "Ele toda a noite vinha me paquerando, mas quando ele não vinha me paquerar eu sentia que tinha perdido a noite, que não tinha valido nada. (...) ... eu ia no bar ver o J. porque eu gostava dele me paquerando..."; ou pela disputa, nas relações trianguladas, quando também implicaria dar-se conta do valor do objeto: "Eu não gosto de ficar por baixo"; "Eu gostava de passar pra ele me ver, porque eu via que eu provocava ela (...) ... eu gostava de ver isso! Gostei da vingança!"; "Minha amiga me contou que ele tava todo apaixonadinho falando de mim pros amigos"; "Eu disputo contra essas coisas que ele acha importante, porque eu quero ser a coisa mais importante pra ele".
Associando que o trabalho e a faculdade de R., assim como a terapia, eram objetos em sua vida que eram entendidos como para agregarem valor, logo eram objetos bons dos quais dependia. Relatava sentir algumas vezes uma falta de sentido em envolver-se nas respectivas atividades. Pode-se compreender portanto, que este sentimento trata-se do desprezo que sentia em relação a estes objetos, como forma de negar a dependência deles.
R. também afirmou numa das sessões psicoterapêuticas que, odiando V. (rapaz com que havia tido significativo relacionamento amoroso) por tê-la deixado, desejava-lhe má sorte, satisfazendo-se em fantasias sádicas. Nesta situação, é possível detectar dois sentimentos da referida tríade maníaca: o triunfo e o desprezo. Ao mesmo tempo que ela deseja-lhe o mal, como uma forma de sair-se vitoriosa, isso o colocaria como perdedor, numa posição de desvalia.
Referiu-se também aos homens de maneira geral como "cachorros", "cafajestes" ou "canalhas", o que parecia ter relação com o desprezo que novamente nutria para encobrir seus sentimentos de valorizar o objeto e medo de perda.
Foi possível, a partir da pesquisa bibliográfica sobre a dinâmica das defesas maníacas e a análise das sessões psicoterápicas do caso em questão, uma correlação que demonstra o uso que R. faz destes recursos defensivos.
R. evita a percepção de seus aspectos frágeis, pois é insuportável à consciência se reconhecer contendo falhas, incompletudes. Para isto, assume postura onipotente negando a dependência do objeto, o qual a atribuiria valor, isto é, para ela, atender esta sua necessidade. Assim, defende-se do sentimento de dependência do objeto, conforme pesquisa bibliográfica realizada.
Pode-se perceber a presença da tríade maníaca – controle, triunfo e desprezo. Utiliza-se destes recursos para manter afastado da consciência a percepção da dependência e o sentimento de inferioridade. Com isto, é possível manter o objeto ao alcance para o atendimento de suas necessidades (controle). Pode inverter a situação, pondo-se em posição superior, não dependente, mas de quem assiste um outro dependente (triunfo) e também sem culpa e consideração pelo objeto, podendo atacá-lo novamente e ignorá-lo, negando a sua importância para a própria sobrevivência (desprezo).
A observação prática destes conceitos teóricos permitiu compreender o quanto estes sentimentos mesclam-se mutuamente: enquanto o ego busca controlar para manter o objeto do qual depende sob domínio, está invertendo a situação para dissimular o controle, triunfando sobre este e desprezando-o novamente, uma vez que foi derrotado, rebaixado, para então negar esta dependência.
Pode-se perceber a dificuldade da elaboração da posição depressiva, momento este caracterizado pela dificuldade de aceitar que atacou o objeto bom do qual depende. R. percebe a idealização que faz do objeto e, ao mesmo tempo, como este é na realidade. Contudo, não consegue percebê-lo como objeto total, o bom do qual depende mas atacou, mobilizando sentimentos de culpa. A idealização falha e a constatação da perda é eminente. Com isto, o ego não alcança uma maior integração e mantém-se incapaz de conceber o objeto como bom, ainda que possua falhas.
ABRAHAM, K. Teoria psicanalítica da libido: sobre o caráter e o desenvolvimento da libido. 6. ed. Rio de Janeiro: Imago Editora Ltda, 1970.
HINSHELWOOD, R. D. Dicionário do pensamento kleiniano. Artes Médicas. Porto Alegre, 1998.
KLEIN, M. Inveja e gratidão e outros Trabalhos: Sobre a teoria da ansiedade e da culpa (1948). Rio de Janeiro: Imago, 1991. Vol III das Obras Completas de Melanie Klein.
SEGAL, H. Introdução à obra de Melanie Klein. Rio de Janeiro: Imago, 1975.
SIMON, R. Introdução à psicanálise: Melanie Klein. São Paulo: EPU, 1986.
WEININGER, O. Melanie Klein: da teoria à realidade. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
Autor:
Denis Fernando Martins de Arruda Denis
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