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As amazonas da Grécia para o novo mundo (página 2)

Luísa Paiva Boléo

AMAZONAS NOUTO REGISTO

Provavelmente desde finais do séc. XVIII muitas aristocratas, princesas e rainhas se passeavam nos bosques ou nos limites do seu castelo ou casa senhorial em mansos ou mais fogosos cavalos. A mulher do nosso rei D. José era austríaca e sabe-se que andava a cavalo na tapada de Mafra, a filha, D. Maria I foi uma boa amazona e muitas outras. Curiosamente um desporto que parece pouco indicado a senhoras (por causa da maternidade) foi dos primeiros a que as mulheres tiveram acesso.

Quantos concursos hípicos em finais do séc. XIX não premiaram senhoras.

Mas, voltemos às amazonas, que não andavam a cavalo por desporto mas para se protegerem e ao seu território permanentemente ameaçado por homens, porque chegaram a ser poderosas.

DESFAZER UM ERRO

E vem a propósito desfazer um erro que se perpetua há centenas de séculos e que dificilmente sem consegue eliminar.

Para melhor manejarem o arco, as flechas e as lanças, consta que as amazonas comprimiam, queimavam ou cortavam mesmo, na puberdade, o seio direito, para melhor manejar o arco e setas. Daí a possível origem do nome «a» (prefixo de negação) mais «mazós» (peito em grego), o que significa mulheres sem peito. Esta etimologia pode estar certa em termos etimológicos, mas está errada na essência. Como mulher o bom senso diz-me que nenhuma mulher queimaria ou reduziria, o seu órgão mais delicado e mais erótico por um motivo tão pueril. Não é um seio, mesmo volumoso que impediria as amazonas de serem óptimas arqueiras, e se necessário fosse, comprimiriam o seio com faixas de pano. Cortá-lo nunca. Só mesmo um homem podia imaginar tal aberração. E tudo leva a crer que tenha sido ou Homero ou Hipócrates (cerca de 460 a.C. – a c. de 377 a.C.) Na Antiguidade não há nenhuma representação destas lendárias mulheres apenas com um seio. São, na generalidade, representadas como mulheres bem constituídas, mas elegantes, usando a meia túnica, apertada na cintura, com um seio a descoberto e o outro sugerido, por baixo de vestes leves. Na mão têm o arco e às costas a aljava onde transportavam as setas. Também aparecem representadas com um machadinho de dois gumes em vez do arco. O próprio historiador André Tevet acreditou nas Amazonas do Brasil, e também ele se recusou a aceitar que sacrificassem o seio direito, sem perigo de doença ou morte.

Os belíssimos frisos do mausoléu de Halicarnasso perpetuaram as amazonas lutando contra Hércules. Das muitas imagens que vi de amazonas apenas uma representa uma mulher a queimar o seio esquerdo a outra, desenho inserido na obra de Pigafetta, com o título de Relatione del Teame di Congo... (ed. de 1597) e que pudemos afirmar que é pura fantasia.

O Rio Amazonas

É hoje aceite que foi o espanhol Francisco de Orellana quem terá «descoberto» o Rio «Amazonas», em Fevereiro de 1542. Este navegador fazia parte da expedição comandada por Gonzalo Pizarro, irmão do conquistador do Peru – Francisco Pizarro. Frei Gaspar de Carvajal, que acompanhou Francisco de Orellana relata-nos a expedição rio abaixo, que, em Fevereiro de 1542, fez uma paragem junto ao Rio Napo (Equador) nas imediações do território de índios que terão perguntado aos espanhóis se iam «visitar o território das Amurianos a quem eles chamavam «grandes senhoras», pois, se o fizessem, se acautelassem porque elas eram muito numerosas e que os matariam». Sem fazerem caso do aviso, os espanhóis prosseguiram a descida do rio e, em Junho, atingiram o Rio Negro (Brasil). Aqui, mais uma vez, ouviram falar das tais mulheres guerreiras e de tribos que lhes pagavam tributo. Esse tributo consistia em penas de aves exóticas, para elas enfeitarem os seus locais de culto.

Nesta vertiginosa travessia, Carvajal descreveu os inúmeros encontros e acidentes. Em finais de Junho, a expedição fez uma paragem e de novo vão enfrentar uma tribo hostil. Orellana tenta o diálogo, mas os aborígenes afirmam «que os apanhariam a todos para os levarem às mulheres guerreiras». Os espanhóis responderam com o fogo das armas, a luta intensificou-se e o próprio Carvajal foi ferido. Surgiram então as ditas mulheres com arcos e flechas em socorro dos homens. E o cronista diz: «Elas lutavam com tal ardor que os índios não ousavam recuar e se algum fugia à nossa frente eram elas quem os matavam à paulada (...). São muito alvas e altas, com cabelo muito comprido, entrelaçado e enrolado na cabeça. São muito membrudas e andam nuas a pêlo, tapadas em suas vergonhas, com os seus arcos e flechas na mão, fazem tanta guerra como dez índios (...). Em verdade houve uma dessas mulheres que meteu um palmo de flecha por um dos bergantins, e as outras, um pouco menos, de modo que os nossos bergantins pareciam porcos-espinhos.» Pura fantasia ou realidade? Que ainda hoje há tribos no Brasil onde as mulheres pintam a cara de branco é sabido Estaria Carvajal a contar o que vira? Mil quilómetros de rio vão descer Orellana e os seus companheiros e foi ele quem baptizou este imenso rio com o nome de Rio das Amazonas, porque os navegadores do seu tempo conheciam textos gregos e acreditavam nessas figuras lendárias, que admiravam à sua maneira. E podemos perguntar, que melhor nome poderia ter sido dado aquele majestoso rio? E assim nasceu o Rio Amazonas!

Na América Portuguesa ou Brasil, também se divulgou o mito. Em 1576, Pêro de Magalhães Gândavo chamava ao grande rio Maranhão «Rio das Amazonas» comprovando a divulgação do mito no nordeste brasileiro e Gabriel Soares de Sousa, grande observador da Natureza e dos aborígenes do Brasil vai afirmar, em 1578, que «(...) umas mulheres que dizem ter uma só teta que pelejam com arcos e flechas e se governam e regem sem maridos como se diz das amazonas (...) não podemos saber mais informações nem da vida e costumes destas mulheres de que muito desejaríamos dizer se o pudéssemos alcançar». Até o nosso padre António Vieira repetiu o que se dizia das Amazonas no que se refere ao seu peito (apenas um) guerreiras de Lemnos, no seu sermão número nove. Era, para a cultura da época, perfeitamente normal esta mescla de crença no real e no imaginário. E as descrições de amazonas sucedem-se. Frei João dos Santos, dominicano dos séculos XV e XVI, conhecedor da Etiópia, repetiu, para uma região de Moçambique, a mesma lenda, dizendo que: «Junto de Damute está uma província de mulheres tão varonis e robustas, que ordinariamente andam com as armas nas mãos, assim na caça das feras e animais silvestres, como nas guerras, que se lhe oferecem, onde mostram esforço e ânimo mais de homens belicosos, que de mulheres fracas...» (...) «Outras mulheres semelhantes a estas se descobriram em umas ilhas, que estão ao mar da China, as quais são povoadas de gentios idólatras mui semelhantes aos japões na cor e feição do rosto, mas diferentes na língua. Entre estas ilhas está uma povoada de mulheres sem haver homens entre elas; mas em dois meses do ano os admitem como fazem as de Etiópia (...)». Já no séc. XVIII, Monsieur de la Condomine constatou que «tal tradição é universalmente espalhada em todas as nações que habitam as margens do rio Amazonas, até 150 léguas distante, pelo interior até Caiena (...) e sempre em suas línguas lhes chamam pelo nome de «mulheres sem marido» ou «mulheres excelentes». Mais tarde, em África, Herkovitz estudou a repercussão do mito no antigo reino do Daomé (hoje Benin), onde afirmou que as Amazonas existiram naquela região e adiantou mesmo que elas eram recrutadas entre as mulheres mais bem constituídas, sendo obrigatoriamente virgens, e que eram em muitos milhares, usando lanças e não arcos e flechas.

Em 1973, o alemão Von Puttmaker descobriu três grutas na selva brasileira decoradas com desenhos que sugeriam aquilo que Orellana e outros exploradores das Américas descreveram como amazonas. As fotografias do achado estão na Academia de Berlim. Para ele, o mito espalhado pelos índios do Brasil são uma realidade histórica e não uma fantasia de Orellana. Em 1997, a revista New Scientist publicou um artigo da investigadora Jeannine Davis-Kimball que referia a descoberta na Rússia de várias sepulturas de mulheres. Concluiu que seriam amazonas a partir das armas com que estavam sepultadas. Encontraram-se pequenos punhais e espadas entre os objectos tradicionais com que foram enterradas. Na Lesbia Magazine de Janeiro de 1999 lemos, que nas margens do Rio Dom se encontraram montículos funerários, com 2400 anos, onde estavam vinte e um túmulos de mulheres enterradas com as suas armas. Hoje sabe-se que em muitas regiões as mulheres acompanhavam os homens nas guerras. No Brasil era possível os primeiros portugueses que ali chegaram, no séc. XVI, tivessem mesmo confundido as exuberantes plumagens dos aborígenes com penteados de mulheres, agora, dado andarem nus não poderiam ter confundido os sexos.

Amazonas da Grécia, do Norte da Europa, das Américas, da Ásia, da África foram ou não uma realidade? Para o antropólogo brasileiro Darci Ribeiro (1922-1997): «Um povo mulher contando só com elas, sem homens próprios, se servindo de estrangeiros como reprodutores é plausível e até praticável. Um povo só de machos é uma utopia selvagem».

Luísa V. de Paiva Boléo. Revisto em 2008

Enviado Para Monografias

FONTES PRINCIPAIS

DARMON, Pierre, Mythologie de la Femme dans L’Ancienne France, XVIe a XIXe Siècles, 1983.

FRASER, Antonia, Boadicea’s Chariot: The Warrior Queens, London, Weidenfeld and Nicolson, 1988.

GÂNDAVO, Pêro de Magalhães, História da Província de Santa Cruz, Lisboa, Alfa, 1989.

HOLANDA, Sergio Buarque de, Visão do Paraiso, Rio de Janeiro.

SHEPHERD, Simon, Amazones and Warriors Womens. Varieties of Feminism in Seventeenth Century, 1981.

SOUSA, Gabriel Soares de, Notícia do Brasil, Lisboa, Alfa, 1989.

 

Luísa Paiva Boléo

luisa_boleo[arroba]sapo.pt



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