objetivo: Determinar os fatores responsáveis pela associação entre via de parto normal e maior mortalidade neonatal, em coorte de recém-nascidos.
métodos: Estudo de coorte retrospectiva, constituído por meio do sistema de linkage a partir dos arquivos do Sistema de Informações de Nascimentos e do Sistema Informações de Mortalidade, onde foram incluídos todos os recém-nascidos de Goiânia, no ano de 2000. Foi realizada análise estratificada da via de parto e das categorias de hospital de nascimento por fatores de risco para a mortalidade neonatal, com cálculo do Risco Relativo, com nível de significância de 5%. As associações estatísticas foram analisadas utilizando o teste qui-quadrado com nível de significância de 5%.
resultados: O parto normal foi mais realizado que o operatório em situações de maior risco para a morte neonatal. Os hospitais públicos, onde o parto normal foi mais freqüente, atenderam a população de maior risco para a morte neonatal. Os hospitais privados sem atendimento ao Sistema Único de Saúde realizaram a cesariana em 84,9% dos casos. Nesses serviços, o parto normal foi realizado principalmente em situações de risco para a morte neonatal como: prematuridade extrema e muito baixo peso ao nascer.
conclusões: A associação entre parto normal e maior ocorrência de óbito neonatal decorreu de viés de seleção devido à distribuição das gestantes na rede hospitalar e, ainda, da realização quase universal de cesarianas em gestações de baixo risco e do parto normal nas gestações de alto risco para a morte neonatal.
Descritores: Parto normal, estatísticas e dados numéricos. Parto obstétrico, estatísticas e dados numéricos. Mortalidade neo-natal (saúde pública). Fatores de Risco. Recém-nascido de baixo peso. Hospitais privados. Hospitais públicos. SUS (BR).
Os conhecimentos científicos acumulados ao longo de vários anos mostram que a cesariana aumenta a morbi-mortalidade materna e do recém-nascido, bem como os custos de saúde quando comparada ao parto normal. Por outro lado, o parto operatório, em gestações de alto risco, é procedimento importante que, em determinadas e precisas indicações, diminui consideravelmente a mortalidade materno-infantil.14,16
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), para atender as indicações médicas de interrupção operatória da gravidez seria necessária uma incidência de cesariana em torno de 15%. É esperado que esse coeficiente seja mais elevado em centros que dão assistência à gestações de alto risco.16 Contudo, tem havido aumento da incidência de cesariana em todo o mundo, principalmente nos países em desenvolvimento como na América Latina, onde cerca de 800 mil cesarianas desnecessárias são realizadas anualmente.1
Nesse contexto, alguns estudos brasileiros têm mostrado maior mortalidade neonatal no parto normal quando comparado ao operatório.2-4,8 As principais causas para explicar tal associação têm sido a má qualidade de assistência ao parto normal e a alta incidência de cesariana no País.
Em dois estudos de coorte de recém-nascidos realizados em Goiânia, um em 1992 e outro em 2000, também foi encontrada essa associação quando a mortalidade neonatal foi, respectivamente, duas vezes e 63% maior na via de parto normal em relação à cesariana.3,8
O objetivo do presente estudo é determinar quais os fatores responsáveis pelo encontro da associação entre mortalidade neonatal e via de parto, considerando a possibilidade de seleção das gestantes ao tipo de parto e seu encaminhamento à rede hospitalar.
Foi utilizado o banco de dados do estudo de coorte de recém-nascidos de Goiânia, Estado de Goiás, no ano de 2000, obtido a partir de linkage entre as Declarações de Nascimento (DN) do Sistema Nacional de Nascidos Vivos (SINASC) e as Declarações de Óbito (DO) do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), fornecidas pelas Secretarias Municipal e Estadual de Saúde. Todos os óbitos neonatais foram investigados pelo grupo de monitoramento dos óbitos neonatais do município,12 reavaliando-se, assim, a causa básica desses óbitos de acordo com o Código Internacional de Doenças (CID-10).
A cidade de Goiânia apresenta população de 1.093.007 habitantes, dos quais 105.100 são crianças menores de cinco anos de idade. Os coeficientes de mortalidade infantil e neonatal são, respectivamente, 16/1.000 e 11/1.000 habitantes.
A Figura mostra a formação do banco de dados, os casos incluídos e os excluídos. Foram consideradas, na formação da coorte de recém-nascidos, todas as variáveis contidas nas DN que apresentaram no máximo 10% de perdas de informação. A única exceção se deve a inclusão da variável "escolaridade materna" que, apesar de apresentar índice de perdas de 10,4%, foi incluída devido à sua importância como indicador socioeconômico. Além disso, a distribuição de algumas variáveis mostrou-se heterogênea nos grupos com e sem informação para a escolaridade materna. A ocorrência do óbito e a idade do recém-nascido ao óbito foram as únicas variáveis da DO consideradas para estudo, seguindo orientação de estudos prévios que mostraram baixa qualidade do preenchimento dessa declaração.10
Foi considerado como Baixo Peso ao Nascer (BPN) os recém-nascidos com peso inferior a 2.500 g, como período neonatal os primeiros 28 dias de vida e como pré-termo a idade gestacional ao nascer inferior a 37 semanas. Os hospitais foram agrupados em três categorias: público, privado sem atendimento ao Sistema Único de Saúde (SUS) e privado com atendimento ao SUS, segundo o cadastro de estabelecimentos hospitalares da Secretaria de Saúde do Estado de Goiás e o cadastro de hospitais do Sistema de Informações Hospitalares do Ministério de Saúde (SIH). Na categoria hospital público, foram agrupados: três maternidades públicas estaduais, uma maternidade pública municipal, uma maternidade universitária e um hospital filantrópico. Embora o hospital filantrópico esteja na categoria de hospital privado com atendimento ao SUS pelo cadastro do SIH, esse hospital foi incluído na categoria de hospital público por apresentar fluxo de pacientes e atendimento semelhante a esses, inclusive com serviços de residência médica e de estágios de profissionais da área médica. A categoria hospital privado com atendimento ao SUS foi constituída por 16 hospitais e a de hospital privado sem atendimento ao SUS, por seis hospitais.
O estudo da associação da via de parto e mortalidade neonatal foi obtido por análise estratificada da via de parto e das categorias de hospital de nascimento por fatores contidos na DN, referidos na literatura como de risco para a mortalidade neonatal. Na análise estratificada da via de parto foi considerada como variável dependente a via de parto e como variáveis independentes a idade gestacional, peso ao nascer, categoria de hospital de nascimento, consultas pré-natal, escolaridade materna, idade materna e região de residência da mãe. Na análise estratificada das categorias de hospital de nascimento, foi considerada como variável dependente a categoria de hospital de nascimento e como variáveis independentes a ocorrência de óbito, via de parto, idade gestacional, peso ao nascer, malformação congênita, escolaridade materna, idade materna, local de residência materna e consultas pré-natal. Nessas análises, foram calculados Riscos Relativos para as associações encontradas, com respectivos intervalos de confiança e nível de significância de 5%. Para a validação estatística foi utilizado o teste qui-quadrado com nível de significância de 5%.
Para a construção do banco de dados, análise e validação estatística das associações encontradas, foram utilizados os programas Fox Pro 6.0, Epi Info 6.04 e SPSS 10.1.
O presente estudo foi aprovado pelos Comitês de Ética e Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás e da Universidade Federal de Minas Gerais.
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