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O uso de medicamentos em puérpuras interfere nas recomendações quanto ao aleitamento materno? (página 2)

Joel Alves Lamounier; Anna Luiza Gervásio da Fonseca Torga; Gisele Lemos Fe

 

Os medicamentos usados pelas mães foram classificados conforme a publicação de 1994 da Associação Americana de Pediatria(11), revisão periódica publicada desde 1983. Foram utilizadas também informações das seguintes fontes: lista de recomendações para o uso de drogas essenciais da OMS/ONU(12) e do Ministério da Saúde, Área de Saúde da Criança e Aleitamento Materno(2). Foram considerados seis possíveis grupos: drogas sem contra-indicação durante a amamentação, drogas contra-indicadas durante a amamentação, compostos radioativos e que requerem a suspensão da amamentação, drogas cujo efeito no lactente é desconhecido, drogas de uso criterioso pelos efeitos significativos em lactentes e drogas que não possuem informações seguras sobre o uso durante a amamentação.

A pesquisa foi avaliada e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG.

5. Resultados

Foram incluídas 2.173 puérperas no estudo, porém foram obtidas informações a respeito do aleitamento de apenas 2.161 entrevistadas. Desses questionários, 337 (15,6%) foram aplicados na Maternidade do Hospital Municipal Odilon Behrens, 838 (38,8%) na Maternidade Hilda Brandão da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte, 640 (29,6%) na Maternidade do Hospital das Clínicas da UFMG, e 294 (13,6%) na Maternidade do Hospital Governador Israel Pinheiro/IPSEMG. Em 52 (2,4%) questionários, não se obteve informação sobre qual a maternidade em que foi aplicado. Foram realizados os seguintes tipos de parto: 54,3% normais, 41,3% cesarianas e 3,7% fórceps.

Das 2.161 entrevistadas, 2.086 (96,5%) afirmaram que planejaram amamentar seus filhos, durante a gestação. Entretanto, no momento da entrevista, 1.587 (73,4%) mulheres estavam amamentando. O motivo mais freqüentemente (442-81,5%) alegado pelas puérperas, por não estarem amamentando, era que seus filhos ainda estavam no berçário.

A maioria (1.933-89%) das entrevistadas não fazia uso regular de medicamentos durante a gravidez. Um grande número de mães, ou seja, 2.090 (96,2%), fez uso de medicamentos no pós-parto imediato. Utilizando-se do Dicionário de Especialidades Farmacêuticas, os medicamentos foram agrupados em: analgésicos (1.578-75,5%), antiinflamatórios (1.626-77,8%), antibióticos (372-17,8%) e outros tipos (1.228-58,8%). Pôde-se observar que mais de um medicamento foi prescrito simultaneamente.

Considerando-se a classificação desses medicamentos, adaptada conforme a publicação da Associação Americana de Pediatria, apenas um medicamento, lisurida, prescrita em três oportunidades (0,14%), é considerada contra-indicada durante a amamentação (grupo 1). Quanto aos compostos radioativos (grupo 2) não foram verificados casos desse tipo. Com relação às drogas consideradas de uso criterioso durante a amamentação, divididas entre aquelas de possíveis efeitos deletérios sobre o lactente (grupo 3) e aquelas com raros casos de toxicidade para o lactente, já descritos na literatura (grupo 4), foram encontradas, respectivamente, 54 (2,6%) e 13 (0,6%) prescrições. A maioria das drogas prescritas (2.054-98,3%) era compatível com a amamentação (grupo 5). Dos medicamentos prescritos, 338 (16,2%) não possuíam informações seguras na literatura sobre concentrações no leite materno e possíveis efeitos colaterais no lactente (grupo 6). As perdas foram inferiores a 5%, e consistiram de mães que se recusaram a ser entrevistadas e de questionários com dados incompletos. Na Tabela 1, estão relacionadas as drogas prescritas durante o período de estudo.

6. Discussão

No presente estudo, pode ser evidenciado um número maciço de mulheres em uso de medicamentos no período pós-parto imediato. Esse fato é relevante, pois o uso de medicamentos pode ser um importante fator para o abandono injustificado do aleitamento materno(1,2,4,5,7,9). A análise por meio dos grupos farmacológicos mostrou que a maior parte das mulheres estava fazendo uso de analgésicos e antiinflamatórios. Nenhuma surpresa, pois essas são as drogas utilizadas para aliviar os sintomas mais comuns no período pós-parto, confirmando dados da literatura(3,5,13). No entanto, é interessante notar que algumas dessas drogas prescritas não dispõem de informações seguras sobre sua transferência para o leite materno: tenoxicam, tramadol e nalbufina. Com relação aos antibióticos, drogas com vários efeitos adversos descritos, percebeu-se seu uso bastante freqüente, se comparado a outros estudos(3,13) (talvez pelos índices possivelmente diferentes de operações cesarianas). Além disso, praticamente todas as drogas utilizadas possuíam informações sobre sua transferência para o leite materno. O único antimicrobiano para o qual não se encontrou dados confiáveis a esse respeito foi o ácido pipemídico, uma quinolona de primeira geração.

Com relação às classes de medicamentos, adaptados segundo a publicação da Associação Americana de Pediatria(11), apenas a droga lisurida, com ação inibitória sobre a hipófise e, portanto, sobre a secreção da prolactina(14) foi encontrada como contra-indicada para a amamentação materna(2). Não se soube o motivo de sua prescrição médica, mas é provável que o objetivo tenha sido o de interromper a lactação(14).

Não foram encontradas prescrições de compostos radioativos no período pós-parto imediato. A razão disso seria que essas drogas são utilizadas de maneira eletiva, o que não seria oportuno nesse período.

Sobre as drogas para as quais recomenda-se uso criterioso durante a amamentação, verificou-se uma porcentagem pequena de prescrições, se comparadas às de outros grupos do estudo. A explicação para esse fato seria pelo receio de se prescrever drogas potencialmente tóxicas para os lactentes ou com possíveis efeitos deletérios já descritos.

A maioria das drogas utilizadas não possuía contra-indicações para a amamentação materna. Quanto aos medicamentos considerados "sem informações seguras", encontrou-se um número importante de prescrições, porém menor se comparado a outros trabalhos na literatura(13). Isso reafirma o fato de que as informações sobre o uso de drogas na lactação estão sendo constantemente renovadas(1,2,4,11). Uma contribuição importante seria o relato dos médicos de efeitos adversos em lactentes, após o uso de determinados medicamentos pelas mães na prática clínica diária(4,11).

Concluindo, observou-se uma utilização ampla de medicamentos prescritos às mães no período pós-parto imediato, nas quatro maternidades investigadas em Belo Horizonte. Embora indesejável, isso parece não influenciar negativamente a prática do aleitamento materno, visto que a maioria das drogas utilizadas são compatíveis com a amamentação. Cabe, no entanto, uma reflexão e revisão das práticas adotadas, visando ao emprego de medicamentos estritamente essenciais, com inegáveis benefícios tanto para mulher como para o recém-nascido, bem como pela redução de custos na assistência médica. Para fins práticos, vale a pena destacar as recomendações para situações nas quais o profissional de saúde precisa tomar uma decisão em nutrizes com uso de medicamentos, mencionadas na Tabela 2, modificado da Academia Americana de Pediatria(7).

Agradecimentos

Aos diretores e enfermeiros das instituições: Maternidade Hilda Brandão da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte, Maternidade do Hospital das Clínicas da UFMG, Maternidade do Hospital Governador Israel Pinheiro do IPSEMG e Maternidade do Hospital Municipal Odilon Behrens. Ao prof. Dilermando Fazito de Rezende, pela assessoria estatística. Ao CNPq e à FAPEMIG (Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de Minas Gerais), pelo apoio para realização desta pesquisa.

7. Referências bibliográficas

1. Bagatin AC, Brito LMO, Dória EGC, Lamounier JA, Vieira GO, Serva VMB. Amamentação e uso de drogas. Ministério da Saúde, Secretaria de Políticas de Saúde, Área de Saúde da Criança e Aleitamento Materno. Brasília, agosto de 2000.

2. Lamounier JA, Dória EGC, Bagatin AC, Vieira GO, Serva VMB, Brito LMO. Medicamentos e amamentação. Revista Med Minas Gerais 2000; 10: 101-11.

3. Ito S, Blajchman A, Stephenson M, Eliopoulos C, Koren G. Prospective follow-up of adverse reactions in breast-fed infants exposed to maternal medication. Am J Obstet Gynecol 1993; 168: 1393-99.        [ Medline ]

4. Silva VG, Almeida JAG, Novak FR, Carvalho NV, Silva LGP. O uso de drogas e o aleitamento materno. J Bras Ginec 1997; 107: 171-88.

5. Dillon AE, Wagner CL, Wiest D, Newman RB. Drug therapy in the nursing mother. Obstet Gynecol Clin North Am 1997; 24: 675-96.         [ Medline ]

6.Lawrence RA. Breastfeeding. 5ª ed. St.Louis (MO): CV Mosby; 1999.

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10. Riordan J, Auerbach KG. Drugs and breastfeeding. In: Breastfeeding and human lactation. London: Jones and Bartlett Publishers; 1994.

11. American Academy of Pediatrics. Committee on drugs. Transfer of drugs and other chemicals into human milk. Pediatrics 1994; 93: 137-50.        [ Medline ]

12. Amamentação e medicação materna. Recomendações sobre drogas da 8a Lista Básica de Medicamentos da OMS. Tradução IBFAN. São Paulo: Instituto de Saúde; 1996.

13. Matheson I, Kristensen K, Lunde PKM. Drug utilization in breast-feeding women. A survey in Oslo. Eur J Clin Pharmacol 1990; 38: 453-9.         [ Medline ]

14. Sereno-Colo JA, Horta MTN. Inhibición de la lactancia com lisurida. Evaluación clínica. Ginecol Obstet Mex 1994; 62: 31-4.         [ Medline ]

Joel A. Lamounier1, Christiano M. Cabral2, Bárbara C. Oliveira3, Anderson B. Oliveira4, Aneildo M. Oliveira Jr.5, Ana Paula A. e Silva6 - jalamo[arroba]medicina.ufmg.br

1 Joel A. Lamounier – Professor Adjunto, Depto. de Pediatria, Faculdade de Medicina/UFMG.

2 Christiano M. Cabral – Graduado em Medicina pela UFMG.

3 Bárbara C. Oliveira – Acadêmico da Faculdade de Medicina da UFMG.

4 Anderson B. Oliveira – Graduado em Medicina pela UFMG.

5 Aneildo M. Oliveira Jr. – Graduado em Medicina pela UFMG.

6 Ana Paula A. e Silva – Acadêmico da Faculdade de Medicina da UFMG.



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