Os relacionamentos estáveis existentes entre homem e mulher fora do casamento nunca passaram desapercebidos pela sociedade. Entretanto, a forma de tratamento dispensado a estas relações evoluiu ao longo dos anos. A prova disto é a disciplina outorgada pelo Direito a estas entidades: passou da proibição ao reconhecimento de sua existência, chegando até a conceder a mesma proteção estatal outorgada ao casamento (art. 226, §3°, Constituição Federal - CF).
Ocorre que algumas destas uniões, em razão da intolerância social com sua existência, não têm merecido tratamento jurídico tão benevolente. É o caso do concubinato adulterino (uma relação estável mantida entre um homem e uma mulher que, por qualquer razão, são impedidos de casar) ocorrente quando um dos consortes é casado com um terceiro – são as chamadas uniões dúplices.
Nestas relações, até pouco tempo, não se admitia qualquer tipo de proveito patrimonial do companheiro. Entretanto, em interessante julgado, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – TJRS, na Apelação Cível n° 70009786419, reconheceu à companheira direito à chamada triação, concedendo a ela os mesmos direitos patrimoniais reconhecidos à esposa.
Assim, após exame da decisão emanada pelo Judiciário gaúcho, será feita uma análise do direito do companheiro aos bens de seu consorte à luz das normas constitucionais e legais, sendo, ao final, comparada a solução imposta pelo ordenamento às relações concubinárias e à união estável.
A apelação noticiada, relatada pelo Desembargador Rui Portanova e julgada pela Oitava Câmara Cível em 03 de março de 2005, foi assim ementada:
APELAÇÃO. UNIÃO DÚPLICE. AGRAVO RETIDO. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. afronta ao devido processo legal. CURADOR ESPECIAL. EFEITOS.
Agravo Retido.
A apresentação de rol de testemunhas fora do prazo legal é superado quando em discussão ação de estado. Agravo retido que se nega provimento.
Preliminar.
Caso em que a alegação de impossibilidade jurídica do pedido se confunde com o mérito.
Inocorrente afronta ao devido processo legal por rejeição dos embargos declaratórios que visavam rediscutir a prova produzida nos autos. Matéria de apelação.
Os ‘interesses patrimoniais’ da mãe e da criança apresentam, em tese, colidência, na medida em que o direito sucessório disputado pela mãe reflete de alguma maneira no direito sucessório da filha. Assim, correta a atuação do curador especial que repele a pretensão da autora, ainda que o ‘interesse familiar’ entre mãe e filha seja convergente.
A curadoria especial não é munus exclusivo da Defensoria Pública. E, ainda que fosse, não veio prova de que a comarca é atendida pela instituição.
Mérito.
Reconhecimento de união dúplice. Precedentes da Corte.
A prova dos autos é robusta e firme a demonstrar a existência de união entre a autora e o de cujus.
Os bens adquiridos na constância da união dúplice são partilhados entre a esposa, a companheira e o de cujus.
negaram provimento ao agravo retido.
preliminares rejeitadas.
deram PARCIAL provimento. (grifos do original)
No voto, o relator, caracterizou, através da juntada de vários arestos, as relações conjugal e extraconjugal mantidas concomitantemente pelo de cujus (separado ou não de fato da esposa), sendo esta última vivida por vários anos e que possuía como características a comunhão de interesses recíprocos, a assistência mútua e a conjugação de esforços como sendo uniões dúplices.
Feitas as definições necessárias, passou-se à análise dos efeitos da caracterização da união dúplice no Direito de Família e no Sucessório (importando ao presente estudo, apenas, as implicações de sua existência no primeiro ramo citado).
A conclusão a que se chegou foi de que os bens do de cujus, na constância da união dúplice, por terem sido adquiridos com o esforço comum da esposa e da companheira, deveriam ser repartidos de forma igualitária entre os três. Assim, a meação do cônjuge, que corresponde à metade do patrimônio comum, se transformaria em triação.
Importa transcrever, para melhor compreensão, a fundamentação exarada no acórdão:
O direito já está bem acostumado a tratar da divisão clássica entre casais. Falo da divisão da partilha que até agora tem sido paradigma quando se está diante de um casal – 1 homem e 1 mulher. Com a separação, cada qual fica com 50% dos bens adquiridos no curso da união.
Essa divisão, que denomino de clássica, responde à partilha de patrimônio entre duas pessoas. Por isso se fala em meação. O Dicionário Aurélio nos ensina que o significado léxico de meação é divisão em duas partes iguais.
A meação – divisão em duas partes iguais – para partilhar o patrimônio amealhado por duas pessoas – o homem e a mulher que vivem uma única união concomitante – responde a um critério lógico e igualizador.
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