Se é que se pretende encontrar caminhos para resolver a crise e restaurar o Estado brasileiro, é necessário buscar na História e na Geografia os elementos que condicionam a inserção do País no sistema pan-americano (em primeiro lugar) e depois no sistema internacional. Além dos condicionantes históricos e geográficos, cabe analisar os econômicos e geo-estratégicos.
A independência das colônias espanholas e portuguesa nas Américas deu-se sob a égide inglesa. Como Estados juridicamente independentes e soberanos, elas se inseriram no sistema econômico patrocinado pela Inglaterra. O Brasil, no caso, conseguiu afastar durante bom tempo a vigência, para outros países, da cláusula de "nação mais favorecida", o que permitiu à Inglaterra exportar seus produtos para o NOVO Império a uma taxa de 15% ad valorem. Os Estados Unidos conseguiram, pouco depois, reverter a situação.
A relação do Império do Brasil com os Estados Unidos merece análise serena, se é que desejamos estabelecer bases reais para enfrentar os problemas com que nos deveremos defrontar no futuro imediato. Os Estados Unidos foram, se não o primeiro, ao menos um dos primeiros Estados a reconhecer a independência brasileira, apesar da forma monárquica de governo. O Brasil, ainda que preocupado, desde os tempos de Reino Unido, com as questões do Prata (a Cisplatina, sobretudo), buscou aproximar-se dos Estados Unidos para celebrar acordos que, do ponto de vista brasileiro, consagrariam os dois novos Estados como dominantes no Hemisfério. A aproximação diplomática com Washington não foi obra exclusiva do barão do Rio Branco, embora seja esta a visão que a Escola nos transmitiu. Já no Primeiro Reinado buscou-se essa ligação — possivelmente (aqui vai uma hipótese) para contrabalançar o peso da Argentina, muito atuante no Sul.
No Segundo Reinado, há uma sensível volte-face na política dos dois Estados, cujas razões deveriam ser buscadas com mais vagar. Se no início de nossa vida independente eram os Estados Unidos que não queriam assumir compromissos com o Império, no Segundo Reinado foi o Brasil quem se recusou a concordar com proposições (diríamos, hoje, hegemônicas) do governo norte-americano. A violação das águas territoriais no Nordeste por navio de guerra da Confederação; a insistência dos Estados Unidos, depois, em abrir a navegação do rio Amazonas — recusada pelo nosso Conselho de Estado — e, finalmente, nos estertores do Império, a recusa a participar de uma conferência interamericana convocada pelo presidente dos Estados Unidos apontavam para um caminho distinto daquele que o Primeiro Reinado pretendeu seguir logo nos primeiros anos de nossa independência. O governo republicano, ainda em 1889, no entanto, concordou imediatamente com participar da conferência, esse fato marcando o início da lenta, mas progressiva adesão da República aos ideais pan-americanos.
Será apenas no fim do século XIX, quando Washington consegue realizar a conferência interamericana, que a América do Sul entra nas preocupações dos Estados Unidos — preocupações de comércio, ressalte-se.
É preciso voltar à guerra da independência das 13 colônias norte-americanas para compreender a política dos Estados Unidos com relação ao Hemisfério. Tenhamos presente que, se a Confederação estabelecida em 1776 podia encontrar formas de governo paralelas na Europa ou na Antiguidade clássica, a Federação que se estabelece em 1783 é impar no mundo de então. Não só é impar, como as elites intelectuais, econômicas e políticas norte-americanas (que a rigor, nos primeiros decênios, se confundem) a vêem como uma forma de governo nova e superior às monarquias européias. Não apenas a forma de governo é considerada superior, como os ideais em torno dos quais se fez a revolução da independência são de tal ordem que os outros povos deverão, necessariamente, inspirar-se neles para realizar sua liberdade e garantir sua vida e a busca de sua felicidade: "Temos essas verdades como evidentes por si; que os homens foram criados iguais por seu Criador e dotados por Ele de direitos inerentes e inalienáveis...". Paine referia-se ao novo Estado como a "nova Atenas": "O que Atenas foi em miniatura, será em grande escala a América. Uma, maravilha do mundo antigo; outra vai-se tornando admiração e modelo do presente".
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