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No primeiro inquérito realizado no Município de Novo Cruzeiro, Minas Gerais, no ano de 1998, todos os indivíduos examinados eram sadios, que não reportaram sintomas relacionados à FMB nos últimos três anos anteriores ao inquérito sorológico. A amostragem de soros examinada, ou seja, 141 soros coletados (uma amostra por indivíduo), representava 82,9% da população total de 170 moradores da localidade de Empoeirado, Município de Novo Cruzeiro. Vinte e seis (18%) dos soros tinham títulos, na reação de imunofluorescência indireta (RIFI), >= 1/64 para Rickettsia rickettsii (Galvão et al., 1999). Não houve diferença significante na prevalência de anticorpos entre homens e mulheres e grupos de idade. Nenhum soro possuía anticorpos no título de 1/64 para Rickettsia typhi ou Ehrlichia chaffeensis. Entre os 26 soros que apresentavam anticorpos paraR. rickettsii, três tinham título de 1/128 e dois de 1/256, os demais 1/64. Vinte e cinco soros entre os 26 reativos à RIFI foram testados também utilizando uma reação mais específica para a presença de anticorpos para R. rickettsii, no caso western blotting, com uma diluição de 1:100, revelando anticorpos para antígenos de superfície da R. rickettsii, a proteína de superfície de membrana A (rOmpA) e a proteína de superfície de membrana B (rOmpB), em apenas um deles (Galvão et al., 1999). Diminuindo a especificidade com uma diluição de 1:50 para essa mesma reação, 18 soros entre os 19 testados revelaram anticorpos para R. rickettsii rOmpA e rOmpB.
Novo Cruzeiro foi o município selecionado para o presente estudo, devido à alta taxa de letalidade (30%) para FMB durante o período de 1993 a 1995, e à realização nesse município, em uma localidade denominada Empoeirado, do inquérito sorológico humano descrito (Galvão et al., 1999), com resultados altamente significativos no tocante à presença de sorologia positiva para Rickettsiae. Essa localidade apresentava uma população estimada de 170 pessoas, sendo que no ano de 1995, foram registrados seis casos humanos suspeitos de FMB com quatro óbitos, e que dentre os seis, quatro foram confirmados laboratorialmente, três pela RIFI e um pela prova de imunoperoxidase em material de necrópsia (vasos sangüíneos do fígado, estômago e rim).
Este trabalho descreve inquérito realizado em estudantes de quatro escolas de Novo Cruzeiro, e na população canina de Empoeirado, no mesmo município, e teve como objetivo geral conhecer as espécies de Rickettsia circulantes, inclusive aquelas com potencial patogênico para o homem.
Uma amostra de 10ml de sangue venoso foi retirada de 473 estudantes do Município de Novo Cruzeiro, no mês de setembro de 1998. Para o propósito deste estudo, o município foi subdividido em duas áreas: uma endêmica (Empoeirado e área adjacente) e uma não endêmica. Da área considerada endêmica foram coletadas 331 amostras de sangue e da não endêmica 142. As amostras analisadas eram provenientes de estudantes de quatro escolas, identificadas neste estudo como A, B, C e D, sendo A e D escolas da área considerada endêmica, e B e C escolas da não endêmica. O soro dessas amostras de sangue foi separado por centrifugação e estocado a -20oC na University of Texas Medical Branch (UTMB), em Galveston, Texas, Estados Unidos. Na UTMB, os soros foram examinados buscando-se verificar a presença de anticorpos paraR. rickettsii pela RIFI a uma diluição de 1:64 (Dumler & Walker, 1994; Kaplan & Schonberger, 1986; La Scola & Raoult, 1997; Newhouse et al., 1979). O título mínimo considerado positivo foi 1/64. Foram também coletados soros de 73 cães de Empoeirado (área endêmica), buscando-se através da mesma técnica descrita (RIFI), na mesma diluição e critério de positividade (1/64), a presença de soros positivos para R. rickettsii, Ehrlichia canis e E. chaffeensis.
Dados demográficos, sócio-econômicos e epidemiológicos foram pesquisados no dia da coleta de sangue dos estudantes, através de um questionário aplicado à família, tendo sido obtido dos pais um consentimento por escrito para realização do trabalho e utilização dos dados. Nessas informações estavam incluídas presença de história de doença caracterizada ou por febre e exantema, ou febre e dor de cabeça, admissões hospitalares, doença associada com ataque de carrapato, e história de FMB, todos esses dados pesquisados para os últimos três anos.
O projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética da UFOP.
Nenhum dos estudantes reportou sintomas clínicos de FMB nos três anos anteriores ao inquérito sorológico. Os soros analisados incluíam 331 amostras de uma área endêmica, e 142 de uma não endêmica do Município de Novo Cruzeiro. Na Figura 2, é possível observar que a prevalência de anticorpos para R. rickettsii analisados no Município de Novo Cruzeiro, tem os valores de 12,7%, 3,1%, 2,3% e 10,1% para as escolas A, B, C e D, respectivamente. Nessa mesma figura, podemos observar que 35 estudantes das escolas da área endêmica (escolas A e D) no Município de Novo Cruzeiro, foram sororeativos para R. rickettsii correspondendo a 10,6%, e somente quatro estudantes da área não endêmica (escolas B e C) correspondendo a 2,8%, foram sororeativos. No total do município, 10,1% dos estudantes testados foram sororeativos para a bactéria citada.
Os resultados laboratoriais da sorologia realizada nos cães da área de Empoeirado - Novo Cruzeiro, demonstraram a presença de anticorpos anti-R. rickettsii, anti E. chaffeensis e anti E. canis com título de 1:64 em 3 (4,11%), 11 (15,07%) e 13 (17,81%) animais, respectivamente (Figura 3). Dentre os 13 soros reativos para E. chaffeensis, encontramos cinco (38,46%) soros reativos a 1:64 exclusivamente para E. chaffeensis, enquanto oito (61,54%) reagiram tanto para E. chaffeensis quanto paraE. canis ao mesmo título.
No que toca à sorologia humana, foram realizados e publicados no Brasil desde o início da década de 80, antecedendo a este trabalho, quatro inquéritos sorológicos para R. rickettsii, encontrando-se os seguintes valores de prevalência na população geral à RIFI com o título mínimo de 1/64: 3,17% (Galvão, 1988); 7,14 % (Lemos, 1991) ; 2,16% à RIFI e 4,74% à Prova de Elisa 1:100 (Galvão, 1996) e 18% (Galvão et al., 1999). Taylor trabalhando em uma região do Texas nos Estados Unidos, onde ocorrera um surto epidêmico relacionado à febre das Montanhas Rochosas, encontrou entre 352 estudantes de cinco escolas dessa área, 32 (9,1%) reativos à RIFI num título maior ou igual a 1:64 (Taylor, 1985).
O que chama a atenção no presente inquérito realizado em escolares, onde se encontrou 10,1% de prevalência sorológica, é o fato de todos os estudantes sororeativos terem tido contato com carrapatos, mas não terem tido história de doença febril incapacitante e ou FMB nos três anos que antecederam o inquérito, o que também pôde ser observado por Galvão em estudo na população geral na mesma localidade (Galvão et al., 1999). Como as descrições que temos de FMB é de uma doença de alta letalidade, embora alguns autores questionem a existência de casos oligosintomáticos (Galvão et al., 2000), a principal hipótese que passamos a ter é da existência de outras Rickettsias do mesmo grupo da FMB, patogênicas ou não para o homem, promovendo viragem sorológica cruzada com a R. rickettsii, no caso deste trabalho específico, e mesmo talvez em alguns casos das publicações anteriores.
Com relação à presença de sorologia positiva para E. chaffeensis em cães, considerada o agente da ehrlichiose monocítica humana, doença até o momento não descrita no Brasil e que tem como vetor nos Estados Unidos o carrapato da espécie Amblyomma americanum, o fato reveste-se da maior importância devido à descrição primeira no presente artigo, da presença de anticorpos para essa bactéria em cães no Brasil.
Os dados deste levantamento e resultados recentemente encontrados, confirmando a presença de casos com sorologia positiva para Rickettsia felis no Estado de Minas Gerais, Brasil (Raoult et al., 2001), e a presença desta Rickettsia em pulgas Ctenocephalides spp. nesse mesmo estado (Oliveira et al., 2002), demonstra a importância de se investigar mais a presença de outras espécies da família Rickettsiceae com potencial patogênico para o homem, como é o caso de espécies do gênero Ehrlichia, nessa área e em outras regiões do Estado e do Brasil. Visando-se atingir esses objetivos, a implantação de tecnologias avançadas, como a biologia molecular, seria de grande importância para identificação dos agentes circulantes em vetores como pulgas e carrapatos, e também em pacientes. Para isso, necessita-se estimular a pesquisa em doenças rickettsiais, através da obtenção de recursos específicos e implantação de uma política de formação de recursos humanos nesta área.
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Márcio A. M. Galvão 1, Joel A. Lamounier 2, Elido Bonomo 1, Margarete S. Tropia 1, Eliane G. Rezende 1, Simone B. Calic 3, Chequer B. Chamone 3, Mirtes C. Machado 4, Márcia E. A. Otoni 4, Romário C. Leite 5, Camila Caram 6, Cláudio L. Mafra 7, David H. Walker 8 - jalamo[arroba]medicina.ufmg.br
1 Departamento de Nutrição Clínica e Social, Escola de Nutrição, Universidade Federal de Ouro Preto. Ouro Preto, MG 35400-000, Brasil.
2 Departamento de Pediatria, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais. Av. Alfredo Balena s/no, Belo Horizonte, MG 30130-100, Brasil.
3 Fundação Ezequiel Dias. Rua Conde Pereira Carneiro 80, Belo Horizonte, MG 30610-150, Brasil.
4 Diretoria Regional de Saúde Teófilo Otoni. Rua Epaminondas Otoni 849, Teófilo Otoni, MG 39800-000, Brasil.
5 Departamento de Medicina Veterinária Preventiva, Escola de Veterinária, Universidade Federal de Minas Gerais. Av. Antônio Carlos 6627, Belo Horizonte, MG 31270-901, Brasil.
6 Departamento de Estatística, Instituto de Ciências Exatas, Universidade Federal de Minas Gerais. Av. Antônio Carlos 6627, Belo Horizonte, MG 31270-901, Brasil.
7 Departamento de Análises Clínicas, Escola de Farmácia, Universidade Federal de Ouro Preto. Rua Costa Sena 171, Ouro Preto, MG 35400-000, Brasil.
8 Pathology Department, University of Texas Medical Branch. 1116 Keiller Building, 301, University Boulevard, Galveston, TX 77555-0609, U.S.A.
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