Pretende-se analisar as representações sociais da violência sexual contra a mulher, construídas e reproduzidas no contexto da assistência pré-natal em três maternidades públicas municipais do Rio de Janeiro, Brasil. Essa pesquisa, de abordagem qualitativa, trabalhou com dois núcleos temáticos: as idéias e as explicações da violência sexual cometida contra a mulher. As 45 entrevistas realizadas com os profissionais de saúde foram trabalhadas mediante análise de conteúdo temático. Os resultados apontam que as representações sociais sobre a violência sexual cometida contra a mulher se encontram associadas às idéias de sofrimento, distúrbio do comportamento e relação sexual forçada. As explicações para a ocorrência desse tipo de violência referem-se às relações de gênero, à violência urbana e à imputação de culpa à mulher. Pode-se concluir que persistem padrões hegemônicos de relações assimétricas, mesmo nos discursos profissionais das maternidades que são referência para o atendimento às vítimas de violência sexual. A incorporação da categoria analítica de gênero, por intermédio das capacitações e da formação profissional, poderia tornar a assistência pré-natal numa importante "porta de entrada" para se abordar as situações de violência sexual.
Violência; Saúde da Mulher; Cuidado Pré-Natal
The purpose of this study was to analyze social representations of sexual violence against women, as constructed and reproduced in prenatal care settings in three municipal maternity hospitals in Rio de Janeiro, Brazil. This qualitative research explored two themes: ideas about and explanations of sexual violence committed against woman. The forty-five interviews conducted with health professionals were examined using thematic content analysis. The results show that social representations of sexual violence against women were associated with ideas of suffering, behavioral disturbances, and forced sexual intercourse. The explanations offered for why this type of violence occurs included gender relations, urban violence, and ascription of blame to the victim. It can be concluded that hegemonic patterns of asymmetrical relations persist, even in the discourse of maternity health professionals, who are the point of reference for attending to victims of sexual violence. Incorporating the analytical category of gender into healthcare professional training could make prenatal care an important gateway for the recognition and management of sexual violence against women.
Violence; Women's Health; Prenatal Care
O presente artigo tem por objetivo analisar as representações sociais da violência sexual contra a mulher, construídas e reproduzidas no contexto da assistência pré-natal em três maternidades públicas municipais do Rio de Janeiro, Brasil. Esse objetivo é parte de uma pesquisa realizada para a elaboração de uma tese de doutorado 1.
A violência sexual contra a mulher é entendida neste trabalho como a ação ou conduta em que ocorre o controle e a subordinação da sexualidade da mulher e é incorporada como constitutiva das regras que normatizam a prática sexual 1. No conjunto das violências cometidas contra a mulher, esse tipo de violência assume um significado especial, pois quase sempre vem acompanhada de outras expressões 2,3,4.
Diferentes pesquisas internacionais e nacionais estimam que uma entre quatro mulheres vivencie alguma forma de violência sexual perpetrada por parceiro íntimo, e quase um terço das adolescentes teve sua primeira experiência sexual forçada 5. Vários estudos vêm apontando o comprometimento da saúde da mulher por conta desse tipo de violência 6,7.
A assistência pré-natal pode favorecer a detecção de problemas relacionados a esse tipo de violência, uma vez que, ao se abordar a gravidez, a discussão sobre o corpo feminino pode ser desenvolvida 8. Por intermédio dessa discussão, numa perspectiva relacional de gênero, as ações da assistência pré-natal podem incluir a temática da violência sexual, assumindo um espaço privilegiado de prevenção e de assistência a esse agravo.
Todavia, para que se possa caminhar nessa direção, um dos aspectos importantes é compreender como a violência sexual contra a mulher é representada pelos profissionais de saúde da assistência pré-natal.
As representações sociais são aqui entendidas como sistemas de interpretação que regem a relação dos sujeitos com o mundo e com os outros 9,10, podendo ser produtos tanto de idéias socialmente reproduzidas quanto de modificações ocorridas por intervenções históricas e sociais. Nesse sentido, a representação não é um simples reflexo do real, mas sua construção, que ultrapassa o próprio indivíduo, revelando a existência de fenômenos coletivos 11.
Em sua essência, uma representação social é um saber prático que orienta a ação e se expressa de forma simbólica em geral (como é o caso da visão cultural do papel subordinado da mulher) ou dentro de grupos específicos (como é o caso da visão da sexualidade por homens, mulheres e profissionais de saúde).
Não se pode também desconsiderar, todavia, como observam Gomes & Mendonça 12, a inter-relação entre os pólos subjetivo e contextual das representações sociais. Tal inter-relação se configura pela reconstrução da intersubjetividade concomitantemente com a produção e a reprodução de idéias socialmente constituídas, por meio de negociações dos atores.
Compreender a representação dos profissionais de saúde sobre violência sexual pode facilitar a promoção de estratégias de prevenção para esse agravo. Assim, as maneiras como os profissionais de saúde da assistência representam a violência sexual tanto refletem a sua própria formação e vivência como pessoa quanto integram as práticas no contexto da unidade de saúde.
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