Recusa Alimentar: O que fazer com a criança que não come?



1. Introdução

As queixas sobre os distúrbios do apetite na infância, representadas comumente pelas mães como: "Meu filho não come" e/ou "só come bobagens", tornam-se cada vez mais freqüentes nos ambulatórios e consultórios de pediatras e nutricionistas. Afetando a todos os níveis socioeconômicos e culturais, merecendo desta forma, uma análise cuidadosa do caso, a fim de se propor uma conduta mais adequada 17.

As razões desse comportamento são bastante complexas, devido às interações de características familiares e contextos sociais, além do fato de que segundo a faixa etária, pode-se ter uma causa preponderante para o quadro de inapetência. Em função disto, os autores optaram por abordar o tema do ponto de vista do aparecimento do "sintoma" na criança de acordo com as fases de desenvolvimento e posterior conduta para prevenção e tratamento da recusa alimentar.

2. As origens da recusa alimentar no primeiro ano de vida

A prevalência dos distúrbios do apetite, segundo dados americanos, demonstram que 25% das crianças são caracterizadas como tendo algum transtorno alimentar; sendo que este número aumenta para 80% quando refere-se a crianças com rejeição alimentar mediante comportamento aprendido 18,15,20.

A inapetência costuma coincidir com o fato de que com a ansiedade que a criança se alimente, a mãe oferece substitutos de baixo valor nutritivo. Desta forma, a criança associa que, se ela não comer, obterá o que deseja. Estudo sobre a percepção dos pais no comportamento alimentar de seus filhos confirmam o exposto, uma vez que 45% desejavam mudar o hábito alimentar da sua criança, sendo que 51% e 69% já tinham usado recompensas e persuasão, respectivamente, na tentativa de incentivar o aumento da ingestão alimentar 11.

A etiologia da recusa alimentar, na maioria das vezes, correlaciona-se com as etapas de crescimento e desenvolvimento, assim como a influencia dos pais no cumprimento do ritual da alimentação 22.

O lactente apresenta metabolismo mais intenso e em função de sua maior velocidade de crescimento, possui apetite mais voraz. À medida que a criança se desenvolve, faz-se necessário à introdução gradativa dos alimentos. Mas, apesar desta necessidade, nem sempre a aceitação ocorre prontamente 9,30.

As crianças caracteristicamente apresentam o que costumamos chamar de neofobia, isto é, a relutância em consumir os novos alimentos na primeira oferta. Este é um dos momentos em que as mães fazem o maior número de consultas porque seus filhos "não comem". Na verdade, o que acontece é que as mães estavam habituadas com as quantidades que seus filhos consumiam; e filhos que não comem adequadamente, pelo menos do modo como os pais desejam, são uma fonte de inquietação 31.

As interpretações feitas pelos responsáveis sobre as respostas faciais e gestuais da criança quando em contato com alimento, servem de base para as decisões de continuar ou não a oferecê-lo. É errado excluir totalmente um grupo de alimentos e aceitar o fato: "Meu filho não come ou não gosta", porque, muitas vezes, a criança não tem a oportunidade de provar o alimento repetidamente, o que intensifica a aceitação. Mas seus pais erroneamente interpretam a rejeição precoce como uma aversão fixa e persistente 6,7.

Portanto, ao invés de refletir uma falta de colaboração, a recusa alimentar pode ser encarada como um fenômeno normal e esperado, desde que não cause danos secundários como retardo no crescimento e/ou deficiências nutricionais. A problemática está na maneira de como os responsáveis interpretam esta rejeição, visto que pelo fato da alimentação estar atrelada a questão da sobrevivência, e por ser a criança mais vulnerável, isto pode gerar angustia e conflitos 3.

Analisando o comportamento alimentar e a variabilidade no apetite no primeiro ano de vida, nota-se que em média, a duração da refeição é de 17 minutos e as oscilações no apetite podem surgir entre uma refeição e outra. Assim, para se avaliar a queixa da recusa alimentar, o relato de uma única refeição não representa um dado fidedigno da característica da alimentação da criança 34.

Estudo recente sobre o aspecto psicológico da queixa materna "meu filho não come", revela que é impossível apontar por onde começam as dificuldades em termos causais: se nos sentimentos da mãe ou no comportamento da criança; visto que 40% das mães demonstraram sentimentos de rejeição, culpa e dificuldades em sintonizar-se com filho, enquanto 38% das crianças apresentaram baixa auto-estima, pouca vitalidade e fraco vínculo mãe / filho 1.

Este achado também é observado em uma outra investigação, referente à relação entre as características maternas e os casos de anorexia infantil, uma vez que comparando-se mães de crianças com e sem distúrbios do apetite, notou-se que as mães das crianças anoréxicas tinham mais insegurança quanto ao cuidado com seu filho 12. Deve-se ressaltar que, neste caso, a anorexia infantil trata-se de uma situação na qual a criança come pouco e/ou é seletiva, mas que apresenta crescimento e desenvolvimento satisfatório para idade 17.

A participação da mãe no processo da alimentação é de fundamental importância, as repercussões de suas atitudes podem acarretar sérias conseqüências para a criança. Mães com histórico de depressão e transtornos alimentares tendem a apresentar filhos com maior risco de padrões alimentares inadequados (seletividade) e failure to thrive (comprometimento no crescimento e desenvolvimento) 4. Assim como pais exigentes podem favorecer o aparecimento de dificuldades no processo alimentar, por exercerem mais controle sobre o que seus filhos comem 10.

É importante avaliar a relação da família com a criança por intermédio da alimentação, a fim de se levantar dados sobre em que contexto a inapetência está inserida, em virtude que existem crianças que por falta de afeto, não se alimentam.

O termo failure to thrive refere-se a uma situação de "falha" no crescimento, principalmente no ganho de peso, geralmente associado a condições desfavoráveis ao bem estar da criança, como dificuldades emocionais e alimentares (recusa alimentar e limitação no apetite), negligencia e privação de cuidados e carinho 2,26,33.

Estudo comparativo entre crianças de 15 a 18 meses, com crescimento normal e com diagnóstico de failure to thrive revelou que, as crianças com baixo peso para estatura tinham mais distúrbios do apetite e introdução tardia dos alimentos do que as normais 33. Autores descrevem esta condição como a "síndrome da criança vulnerável" por estar associada a um maior comprometimento do estado nutricional e psiquico; muitas vezes, a desnutrição é um achado comum 2,23.

Aspecto interessante sobre a recusa alimentar, é que esta pode ocorrer tanto em crianças saudáveis quanto nas com desordens gastrointestinais e com necessidades especiais, como é o caso das crianças com failure to thrive , problemas neurológicos e prematuros 20. Estudos apontam uma associação entre dificuldades alimentares e prematuridade 8,15.

Das causas orgânicas, as condições desfavoráveis à aceitação alimentar são: refluxo gastroesofágico, problemas respiratórios, desordens na motilidade intestinal, intolerâncias, alergias, distúrbios do paladar, deficiências nutricionais (especialmente o zinco), lesões orais e o próprio despontar dos dentes (Tem algum termos específico?) 2,8,19,21.

Dentre o grupo das crianças saudáveis, a maioria é descrita pelos seus pais como seletivos; ou seja, apesar de não apresentarem prejuízo no estado nutricional, nota-se a presença de alterações qualitativas na aceitação dos alimentos. Característica freqüente nos pré-escolares 3,15. A redução no apetite, neste período de 2 a 6 anos, reflete a diminuição do ritmo de crescimento e o aumento de sua curiosidade pelo ambiente. É um comportamento típico da criança que começa a andar 10.

3. Segundo Ano de Vida: a saga da criança seletiva

No segundo ano de vida, com maior maturidade muscular, a criança anda com mais desenvoltura e passa a explorar o seu espaço, antes fora de seu alcance, para conhecê-lo. O desenvolvimento infantil está relacionado ao aumento do grau de autonomia e o processo de socialização, desta forma, a alimentação, que até então era a principal fonte de prazer, passa a um plano secundário 7,9,10.

A respeito do comportamento alimentar seletivo, verificou-se que as crianças com esta característica, apresentam um consumo limitado de alimentos 9,18. A dieta dos seletivos geralmente está baseada em carboidratos e produtos lácteos 15. É comum observar também que, muitas destas crianças só aceitam a alimentação se esta tiver uma determinada técnica de preparo e apresentação ou comem só em um tipo de prato e sem misturar as diferentes preparações 10, assim como consumir apenas uma determinada marca, mediante o reconhecimento do rótulo 15.

Pais costumam relatar a recusa alimentar em situações onde a criança faz uso de grandes quantidades de leite ou só aceitam a alimentação sob a forma de papas e purês há mais de um ano 18.

Estudo realizado na Universidade do Tennesse, com crianças de 24 a 36 meses, de níveis socioeconômicos distintos, com o propósito de verificar a hipótese de que crianças seletivas possuíam consumo alimentar menor do que as não seletivas demonstrou que ambos os grupos apresentaram inadequação quanto ao consumo de cálcio, zinco, vitaminas D e E. Com relação a ingestão energética média, constatou-se que não houve diferença significativa; 1472 Kcal ( ± 413) para não seletivos e 1468 ( ± 318) para seletivos. Outro achado interessante neste estudo refere-se ao comparativo de peso e estatura, visto que não houve diferenças nos parâmetros de crescimento. Todos encontravam-se mantendo velocidade de crescimento adequado, apesar das mães das crianças seletivas acharem que seus filhos tinham algum comprometimento da saúde 10.


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