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Para a aferição do peso e da altura, foram utilizadas balanças e antropômetros portáteis aferidos pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial. Foram considerados com peso adequado os escolares com percentil do IMC abaixo de 8512.
Todas as análises realizadas levaram em consideração o efeito de delineamento (amostragem por conglomerados) ao comparar crianças com e sem sobrepeso por meio de regressão logística. A magnitude da associação entre sentir-se gordo e variáveis de interesse (sexo, idade, tipo de escola, percentil do IMC, escore na escala de auto-estima e percepção da expectativa dos pais e dos amigos quanto ao peso da criança) foi medida inicialmente por meio de regressão logística simples e, posteriormente, por regressão logística multivariada, incluindo, no modelo final, somente as variáveis que se encontraram associadas a sentir-se gordo em um nível de significância igual ou menor que 0,2 na análise bivariada. Os programas utilizados foram Epi-Info 6.0 e Stata for Windows 6.0.
O projeto foi aprovado pela comissão de ética em pesquisa do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e pelas Secretarias Estadual e Municipal de Educação, juntamente com a direção de cada escola. Os pais e/ou responsáveis legais das crianças assinaram termo de consentimento informado, assim como todas as crianças que concordaram em participar da pesquisa.
Todas as escolas selecionadas participaram do estudo. As perdas foram de 5% (n = 45), relativas a alunos que se recusaram a participar da pesquisa ou cujos pais não concederam autorização. A amostra final incluiu 901 sujeitos.
Aproximadamente 3/4 da amostra (n = 684 ou 75,9%) apresentaram percentil do IMC menor que 85. Dentre essas, 12,9% (n = 88) achavam-se gordas, o que representa 38,1% de todas as crianças que se achavam gordas (n = 231). Mais meninas (17%) do que meninos (9%) tinham essa percepção. A análise bivariada revelou que os escolares sem sobrepeso que se achavam gordos com mais freqüência eram do sexo feminino (p = 0,001), tinham 11 anos de idade (p = 0,191), maior IMC (p = 0,000), menor auto-estima (p = 0,000) e tinham a percepção de que os pais e os amigos gostariam que eles fossem mais magros (ambos p = 0,000).
Na Tabela 1, encontram-se as razões de chance bruta e ajustada para a percepção de ser gordo, sem apresentar sobrepeso. Após o ajuste, as seguintes características mantiveram-se associadas a sentir-se gordo: sexo feminino (RC 2,45; IC95% 1,42-4,24), 11 anos de idade (RC 2,35; IC95% 1,13-4,89), menor auto-estima (RC 2,08; IC95% 1,17-3,68) e percepção de que os pais gostariam que fosse mais magro (RC 3,00; IC95% 1,52-5,91). Além desses fatores, o IMC também mostrou-se associado à percepção de ser gordo. A cada aumento de um ponto percentual no IMC, a chance de a criança achar-se gorda aumentou em 4%.
Este é o primeiro estudo brasileiro com amostra populacional que avaliou prevalência de crianças que se sentem gordas sem apresentar sobrepeso e os fatores associados a essa percepção. Acreditamos que os resultados podem ser generalizados para toda a população de Porto Alegre na faixa etária selecionada, uma vez que a taxa de escolarização de crianças entre 7 e 14 anos de idade da região é de 96,5%13.
As prevalências encontradas neste estudo, apesar de importantes, são inferiores às encontradas em estudo feito na Austrália14, onde 30% das meninas e 13% dos meninos entre 8 e 12 anos com peso normal expressaram o desejo de ser mais magros. Erling & Hwang15, em um estudo com crianças suecas de 10 anos, mostraram que, das crianças que se sentiam gordas, somente 30% apresentavam sobrepeso. É possível que essas diferenças se devam às distintas formas de avaliar imagem corporal em crianças (sentir-se gordo pode não ter o mesmo significado de querer ser mais magro), aos métodos de amostragem utilizados e às diferenças culturais dos grupos investigados.
Ser menina mostrou estar significativamente associado a sentir-se gordo nesta pesquisa. Outros trabalhos também têm demonstrado diferenças de sexo em relação à imagem corporal em crianças, com as meninas desejando um corpo mais magro do que os meninos3,6,15-17. É possível que o estereótipo do corpo ideal seja incorporado mais precocemente, ainda na infância, para o sexo feminino. Por outro lado, para os meninos, o ideal de corpo pode estar relacionado a um porte atlético e musculoso18.
No presente trabalho, as crianças com mais idade apresentaram uma chance maior de sentirem-se gordas. Outros autores também demonstraram que a insatisfação com o corpo mostra-se mais pronunciada com o aumento da idade7,14,17,19.
O desejo de um corpo mais magro mostra-se mais prevalente em crianças que apresentam maior IMC15,20. No presente estudo, mesmo entre crianças sem sobrepeso, o IMC esteve associado a sentir-se gordo, revelando um conflito entre os padrões de normalidade estabelecidos pela comunidade científica e os padrões de beleza da atualidade. Este achado possui relevância clínica, pois insatisfação com o corpo e preocupações com o peso em crianças pré-púberes estão associadas à ocorrência de sintomas da conduta alimentar na adolescência, particularmente entre jovens do sexo feminino9.
A imagem corporal negativa tem sido vista como faceta de auto-estima e autoconceito pobres20-22. Os achados do presente estudo reforçam esse conceito, uma vez que as crianças com peso adequado e com auto-estima mais baixa tiveram uma chance duas vezes maior de se sentir gordas quando comparadas com as que tinham auto-estima mais alta.
A variável que se mostrou mais fortemente associada a sentir-se gordo entre as crianças sem sobrepeso foi a percepção da expectativa dos pais em relação ao peso da criança. Crianças que achavam que os seus pais preferiam que elas fossem mais magras tiveram uma chance três vezes maior de se sentir gordas. Esse achado corrobora a idéia de que, até os primeiros anos da adolescência, os pais exercem grande influência na aparência e no estilo de seus filhos23-25. Por outro lado, é possível que a percepção da expectativa dos pais em relação ao peso da criança esteja distorcida e amplificada em razão da própria imagem corporal negativa que a criança apresenta de si mesma. Outro aspecto a ser considerado é a questão do modelo que os pais representam para os filhos. Estariam essas crianças refletindo a imagem corporal negativa não de si mesmas, mas de seus pais? Alguns estudos sugerem que existe correlação entre preocupações a respeito do próprio peso por parte dos pais e problemas de estima corporal e preocupação com o peso nos filhos22-24,26,27.
Esta pesquisa tem o mérito de ter gerado informações inéditas no Brasil, que podem ser aproveitadas como ponto de partida para discussão, entre profissionais de saúde, educadores e pais, sobre a existência de preocupações exageradas com peso e forma do corpo em crianças pré-púberes que não apresentam excesso de peso, tendo em vista a implementação de estratégias que promovam uma imagem corporal mais positiva entre as crianças desse grupo etário.
Pesquisas futuras qualitativas são necessárias para examinar mais profundamente as razões que levam as crianças sem sobrepeso a se sentirem gordas, bem como a força das influências familiares e socioculturais e sua relação com a auto-estima.
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Artigo baseado em dissertação de mestrado na área de epidemiologia da Faculdade de Medicina, UFRGS, 2003.
Andréa Poyastro PinheiroI; Elsa Regina Justo GiuglianiII -
elsag[arroba]terra.com.brI
Mestre. Faculdade de Medicina, Departamento de Medicina Social, Pós-Graduação em Epidemiologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RSII
Doutora, UFRGS, Porto Alegre, RSPágina anterior | Voltar ao início do trabalho | Página seguinte |
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