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Problemas comuns na lactação e seu manejo (página 2)

Clécio H. da Silva; Elsa R. J. Giugliani

 

4. Mamilos doloridos/trauma mamilar

No início do aleitamento materno, a maioria das mulheres sente uma discreta dor ou desconforto no início das mamadas, o que pode ser considerado normal. No entanto, mamilos muito dolorosos e machucados, apesar de muito comuns, não são normais. Os traumas mamilares incluem eritema, edema, fissuras, bolhas, "marcas" brancas, amarelas ou escuras e equimoses.

A causa mais comum de dor para amamentar se deve a traumas mamilares por posicionamento e pega inadequados7. Outras causas incluem mamilos curtos/planos ou invertidos, disfunções orais na criança, freio de língua excessivamente curto, sucção não-nutritiva prolongada, uso impróprio de bombas de extração de leite, não-interrupção da sucção da criança antes de retirá-la do peito, uso de cremes e óleos que causam reações alérgicas nos mamilos, uso de protetores de mamilo (intermediários) e exposição prolongada a forros úmidos. O mito de que mulheres de pele clara são mais vulneráveis a traumas mamilares do que mulheres com pele escura nunca se confirmou3.

Prevenção

Dor para amamentar é uma importante causa de desmame e, por isso, sua prevenção é primordial, o que pode ser conseguido com as seguintes medidas8:

– amamentar com técnica correta;

– manter os mamilos secos, expondo-os ao ar livre ou à luz solar e trocar com freqüência os forros utilizados quando há vazamento de leite;

– não usar produtos que retiram a proteção natural do mamilo, como sabões, álcool ou qualquer produto secante;

– amamentar em livre demanda – a criança que é colocada no peito assim que dá sinais de que quer mamar vai ao peito com menos fome, com menos chance de sugar com força excessiva;

– ordenhar manualmente a aréola antes da mamada se ela estiver ingurgitada, o que aumenta sua flexibilidade, permitindo uma pega adequada;

– se for preciso interromper a mamada, introduzir o dedo indicador ou mínimo pela comissura labial da boca do bebê, de maneira que a sucção seja interrompida antes de a criança ser retirada do seio;

– evitar o uso de protetores (intermediários) de mamilo.

Tratamento

Uma vez instalados, traumas mamilares são extremamente dolorosos e com freqüência são a porta de entrada para bactérias. Por isso, além de corrigir o problema que está causando a dor mamilar (na maioria das vezes, má pega), faz-se necessário intervir para aliviar a dor e promover a cicatrização das lesões o mais rápido possível.

Em primeiro lugar, deve-se orientar as seguintes medidas de conforto, que visam minimizar o estímulo aos receptores da dor localizados na derme do mamilo e da aréola8:

– iniciar a mamada pela mama menos afetada;

– ordenhar um pouco de leite antes da mamada, o suficiente para desencadear o reflexo de ejeção de leite, evitando, dessa maneira, que a criança tenha que sugar muito forte no início da mamada para desencadear o reflexo;

– alternar diferentes posições de mamadas, reduzindo a pressão nos pontos dolorosos ou tecidos danificados;

– usar "protetores de seios" (alternativamente, pode-se utilizar um coador de plástico pequeno, sem o cabo) entre as mamadas, eliminando a fricção da área traumatizada com a roupa (esse dispositivo, no entanto, favorece a drenagem espontânea de leite, o que torna o tecido mais vulnerável a macerações; por isso, essa recomendação deve ser avaliada em cada caso, pesando-se os riscos e os benefícios);

– analgésicos sistêmicos via oral, se necessário.

É importante ressaltar que limitar a duração das mamadas não tem efeito na prevenção ou no tratamento do trauma mamilar9.

Existem duas categorias de tratamento para acelerar a cicatrização dos traumas mamilares: tratamento seco e tratamento úmido8. O tratamento seco de fissuras mamilares (banho de luz, banho de sol, secador de cabelo), bastante popular nas últimas décadas, não tem sido mais recomendado porque se acredita que a cicatrização de feridas é mais eficiente se as camadas internas da epiderme (expostas pela lesão) se mantiverem úmidas. Por isso, atualmente tem-se recomendado o tratamento úmido das fissuras (uso do próprio leite materno, cremes e óleos apropriados), com o objetivo de formar uma camada protetora que evite a desidratação das camadas mais profundas da epiderme8. Embora não haja estudos respaldando o uso do leite materno ordenhado após as mamadas no tratamento das fissuras, essa conduta tem sido recomendada por especialistas devido às propriedades antiinfecciosas do leite materno, o que, pelo menos em teoria, ajudaria a prevenir uma importante complicação das fissuras, que é a mastite10. Embora não haja estudos que comprovem a sua eficácia, alguns especialistas recomendam o uso de cremes à base de vitamina A e D, lanolina anidra modificada e cremes ou pomadas com corticóide, este último para as fissuras mais graves, desde que afastada infecção por fungos ou bactérias8,10. Os corticóides citados na literatura são mometasona 0,1% (hidrocorticóide sintético) e propionato de halobetasol.

Um ensaio clínico randomizado comparou quatro diferentes estratégias para o tratamento de fissuras: lanolina modificada, compressas de água morna, leite materno ordenhado e apenas educação. O estudo concluiu não haver diferença entre os diferentes tratamentos quanto à intensidade da dor e à manutenção da amamentação11. Já outro estudo mostrou ser a lanolina modificada útil no alívio da dor nos mamilos, principalmente entre o sexto e 10º dias pós-parto12.

Uma prática que se tornou popular em alguns locais do Brasil é o uso de chá no tratamento das fissuras. Essa prática não encontra respaldo na literatura, uma vez que há pelo menos dois estudos que mostram que o uso de saquinhos é tão efetivo quanto o uso de compressas com água morna13,14. Estas, devido à vasodilatação, podem trazer algum conforto para a mãe com dor nos mamilos. O ácido tânico presente no chá pode, na realidade, causar dano aos mamilos.

Existem muitas práticas populares que visam acelerar a cura das fissuras mamilares, como o uso de casca de banana e de mamão. Essas práticas devem ser evitadas até que haja estudos indicando sua eficácia e inocuidade. Novak et al. encontraram níveis significativos de microorganismos potencialmente patogênicos na casca de banana, o que pode favorecer o início de um processo infeccioso se as cascas forem aplicadas sobre as fissuras15.

5. Infecção mamilar por Staphilococcus aureus

Infecção secundária do mamilo lesionado é bastante comum, sobretudo pelo Staphilococcus aureus. Um estudo demonstrou que 54% das mães com crianças menores de 1 mês, com mamilos fissurados e com dor moderada a grave tinham cultura positiva para S. aureus16.

Havendo suspeita de infecção por S. aureus, recomenda-se o uso tópico de mupirocina a 2% ou mesmo tratamento sistêmico com antibióticos16. Um estudo demonstrou que a antibioticoterapia sistêmica (dicloxacilina) foi o tratamento mais eficaz para infecção mamilar com S. aureus quando comparado com outras formas de tratamento: orientação para melhorar a técnica da amamentação, mupirocina tópica e ácido fusídico tópico. O tratamento não só foi superior quanto à regressão dos sintomas, como também foi preventivo para o aparecimento de mastite: 25% das mães com infecção mamilar por S. aureus não tratadas com antibióticos sistêmicos desenvolveram mastite, enquanto que apenas 5% das tratadas apresentaram a doença17. Neifert preconiza que se pesem os riscos e os benefícios da antibioticoterapia sistêmica contra os riscos de um desmame precoce devido à dor persistente nos mamilos e à morbidade associada com mastite puerperal18.

6. Candidíase

A infecção da mama por Candida albicans no puerpério é bastante comum. A infecção pode ser superficial ou atingir os ductos lactíferos, e costuma ocorrer na presença de mamilos úmidos (cândida cresce em meio com carboidrato) e com lesão. Candidíase vaginal, uso de antibióticos, contraceptivos orais e esteróides e uso de chupeta contaminada aumentam o risco de candidíase mamária19. Com freqüência é a criança quem transmite o fungo, mesmo sendo assintomática.

A infecção por cândida costuma se manifestar por prurido, sensação de queimadura e "fisgadas" nos mamilos, que persistem após as mamadas. Os mamilos costumam estar vermelhos e brilhantes. Algumas mães se queixam de ardência e fisgadas dentro das mamas. É muito comum a criança apresentar crostas brancas orais, que devem ser distinguidas das crostas de leite (estas últimas são removidas sem deixar área cruenta).

Prevenção

Uma vez que o fungo cresce em meio úmido, quente e escuro, são medidas preventivas contra a instalação de cândida manter os mamilos secos e arejados e expô-los à luz por alguns minutos ao dia.

Tratamento

Mãe e bebê devem ser tratados simultaneamente, mesmo que a criança não apresente sinais de monilíase. O tratamento inicialmente é tópico, com nistatina, clotrimazol, miconazol ou cetoconazol por 2 semanas. As mulheres podem aplicar o creme após cada mamada, e o mesmo não precisa ser removido antes da próxima mamada. Um grande número de espécies de cândida são resistentes à nistatina. Violeta de genciana 0,5 a 1% pode ser usada nos mamilos/aréolas e na boca da criança uma vez por dia por 3 a 4 dias. Se o tratamento tópico não for eficaz, recomenda-se fluconazol oral sistêmico por 14 a 18 dias3,20.

Além do tratamento específico contra o fungo, algumas medidas gerais são úteis durante o tratamento, como enxaguar os mamilos e secá-los ao ar após as mamadas e expor os mamilos à luz por pelo menos alguns minutos por dia. As chupetas e bicos de mamadeira são uma fonte importante de reinfecção; por isso, caso não seja possível eliminá-los, eles devem ser fervidos por 20 minutos pelo menos uma vez ao dia3.

7. Fenômeno de Raynaud

O fenômeno de Raynaud, uma isquemia intermitente causada por vasoespasmo que usualmente ocorre nos dedos das mãos e dos pés, também pode acometer os mamilos. Em geral ocorre em resposta à exposição ao frio, compressão anormal do mamilo na boca da criança ou trauma mamilar importante. Porém, nem sempre a causa é identificada. Os vasoespasmos podem causar palidez dos mamilos (por falta de irrigação sangüínea) e costumam ser muito dolorosos. Podem manifestar-se antes, durante ou depois das mamadas, mas é mais comum que ocorram depois das mamadas, provavelmente porque em geral o ar é mais frio do que a boca da criança. Muitas mulheres relatam dor em "fisgadas" ou sensação de queimação enquanto o mamilo está pálido, e por isso muitas vezes essa condição é confundida com candidíase, embora a infecção fúngica por si só possa levar ao fenômeno de Raynaud. Os espasmos, com a dor característica, duram segundos ou minutos, mas a dor pode durar 1 hora ou mais. É comum haver uma seqüência de espasmos com repousos curtos. Algumas medicações, como fluconazol e contraceptivos orais, podem agravar os vasoespasmos21.

Tratamento

O manejo consiste em tratar a causa básica que está levando ao vasoespasmo no mamilo. Compressas mornas podem aliviar a dor. Quando a dor é importante e não há melhora com as medidas já citadas (o que é raro), pode-se utilizar alguns medicamentos, embora faltem estudos que embasem cientificamente sua indicação. Entre eles encontram-se: nifedipina (5 mg, três vezes ao dia, por 1 a 2 semanas, ou 30 mg uma vez ao dia, para a formulação de liberação lenta), vitamina B6 (200 mg/dia, uma vez ao dia, por 4 a 5 dias, e depois 50mg/dia por mais 1 a 2 semanas), suplementação com cálcio (2.000 mg/dia), suplementação com magnésio (1.000 mg/dia) e iboprofeno21,22.

8. Bloqueio de ductos lactíferos

O bloqueio de ductos lactíferos ocorre quando o leite produzido numa determinada área da mama por alguma razão não é drenado adequadamente (não é necessária uma obstrução sólida). Isso ocorre com freqüência quando a mama não está sendo esvaziada adequadamente, como quando a amamentação é infreqüente ou quando a criança apresenta sucção inefetiva. Pode ocorrer também quando existe pressão local em uma área, como, por exemplo, um sutiã muito apertado, ou como conseqüência do uso de cremes nos mamilos.

Tipicamente, o bloqueio se manifesta pela presença de nódulos mamários sensíveis e dolorosos numa mãe sem outras doenças da mama. Pode haver dor, calor e eritema na área comprometida, não acompanhados de febre alta. Às vezes, essa condição está associada a um pequeno, quase imperceptível ponto branco na ponta do mamilo, que pode ser muito doloroso durante as mamadas4.

Prevenção

Qualquer medida que favoreça o esvaziamento completo da mama irá atuar na prevenção do bloqueio de ductos lactíferos. Assim, técnica correta de amamentação e mamadas freqüentes diminuem esta complicação, assim como usar sutiã que não bloqueie a drenagem do leite e não usar cremes desnecessários nos mamilos.

Tratamento

Na presença de bloqueio de ducto, fazem-se necessárias as seguintes medidas para desbloqueá-lo:

– amamentar com freqüência;

– utilizar distintas posições para amamentar, oferecendo primeiramente a mama afetada, com o queixo do bebê direcionado para a área afetada, o que facilita a retirada do leite da área;

– calor local e massagens suaves da região atingida, na direção do mamilo, antes e durante as mamadas;

– ordenhar a mama caso a criança não esteja conseguindo esvaziá-la.

Caso haja o ponto esbranquiçado na ponta do mamilo, ele pode ser removido esfregando-o com uma toalha ou com uma agulha esterilizada4.

9. Mastite

Mastite é um processo inflamatório de um ou mais segmentos da mama (o mais comumente afetado é o quadrante superior esquerdo) que pode ou não progredir para uma infecção bacteriana. Ela ocorre mais comumente na segunda e terceira semanas após o parto e raramente após a 12ª semana4. Inicialmente, há um aumento da pressão intraductal por estase do leite (um ducto bloqueado com freqüência é o precursor da mastite), com conseqüente achatamento das células alveolares e formação de espaços entre as células. Por esse espaço passam alguns componentes do plasma para o leite (particularmente imunoproteínas e sódio) e do leite para o tecido intersticial, em especial citocinas, induzindo uma resposta inflamatória e, na maioria das vezes, envolvendo o tecido conjuntivo interlobular. O leite acumulado, a resposta inflamatória e o dano tecidual resultante favorecem a instalação da infecção, comumente pelo Staphylococcus (aureus e albus) e ocasionalmente pela Escherichia coli e Streptococcus ( a-, b- e não-hemolítico), sendo as fissuras, na maioria das vezes, a porta de entrada da bactéria4.

Qualquer fator que favoreça a estagnação do leite materno predispõe ao aparecimento de mastite, incluindo mamadas com horários regulares, redução súbita no número de mamadas, longo período de sono do bebê à noite, uso de chupetas ou mamadeiras, não esvaziamento completo das mamas, freio de língua curto, criança com sucção débil, produção excessiva de leite, separação entre mãe e bebê e desmame abrupto4. A fadiga materna é tida como um facilitador para a instalação da mastite23. As mulheres que já tiveram mastite na lactação atual ou em outras lactações são mais susceptíveis a desenvolver outras mastites, em função do rompimento da integridade da junção entre as células alveolares23.

Na mastite, a parte afetada da mama encontra-se dolorosa, hiperemiada, edemaciada e quente. Quando há infecção, há manifestações sistêmicas importantes, como mal-estar, febre alta (acima de 38 ºC) e calafrios. Há um aumento dos níveis de sódio e cloreto no leite e uma diminuição dos níveis de lactose, o que deixa o leite mais salgado, podendo ser rejeitado pela criança. Geralmente, a mastite é unilateral, mas também pode ser bilateral.

Nem sempre é possível distinguir a mastite infecciosa da não-infecciosa apenas pelos sinais e sintomas. Sempre que possível, recomenda-se a contagem de células e de colônias no leite para um diagnóstico mais preciso4. Uma amostra com mais de 106 leucócitos e mais que 103 bactérias por ml de leite caracteriza infecção; mais que 106 leucócitos e menos que 103 bactérias por ml, inflamação não-infecciosa; e menos que 106 leucócitos e menos que 103 bactérias por ml, apenas uma estase de leite24. Sempre que possível, também, recomenda-se cultura do leite para determinar o microrganismo infectante, quando presente. Se a cultura não for viável como rotina, ela deve ser feita nas seguintes circunstâncias: não-resposta ao tratamento com antibióticos, mastite recorrente, mastite adquirida em ambiente hospitalar e nos casos graves4. A amostra do leite para cultura deve ser colhida com o mesmo rigor com que são colhidas outras amostras, como urina, por exemplo. Após lavagem da mama com água corrente e lavagem rigorosa das mãos com água e sabão, deve-se ordenhar o leite tendo cuidado para que o mamilo não toque no vidro de coleta, que deve estar esterilizado. Os primeiros 3 a 5 ml de leite devem ser descartados3.

Prevenção

As medidas de prevenção são as mesmas do ingurgitamento mamário, do bloqueio de ductos lactíferos e das fissuras, bem como manejo precoce dessas intercorrências.

Tratamento

O componente mais importante do tratamento da mastite é o esvaziamento adequado da mama por meio da manutenção da amamentação e retirada manual do leite após as mamadas, se necessário. Apesar da presença de bactérias no leite materno quando há mastite, a manutenção da amamentação está indicada por não oferecer riscos ao recém-nascido a termo sadio4,25.

Antibioticoterapia está indicada na presença de um dos seguintes critérios: (1) contagem de células e de colônias e cultura no leite indicativas de infecção; (2) sintomas graves desde o início do quadro; (3) fissura mamilar visível; e (4) não-regressão dos sintomas após 12 a 24 horas da remoção efetiva do leite acumulado4. Como o S. aureus é a bactéria mais freqüentemente encontrada nas infecções, o antibiótico de escolha recai sobre os fármacos antiestafilocócicos (dicloxacilina, amoxacilina, cefalosporinas, clindamicina ou eritromicina), devendo ser instituído o mais precocemente possível e mantido por 10 a 14 dias. Além da antibioticoterapia e do esvaziamento completo da mama comprometida, fazem parte do tratamento: repouso da mãe (de preferência no leito), analgésicos ou antiinflamatórios não-esteróides (como ibuprofeno) e líquidos abundantes. Compressas quentes antes das mamadas podem promover a drenagem do leite, e compressas frias após as mamadas ou nos intervalos podem aliviar os sintomas. Outras medidas úteis para minimizar o desconforto são iniciar a amamentação na mama não-afetada e usar um sutiã bem firme3,26. Sendo a mastite uma situação muito dolorosa, com comprometimento do estado geral, suporte emocional deve sempre fazer parte do tratamento4. Não havendo melhora em 48 horas, deve-se investigar a presença de abscesso mamário.

10. Abscesso mamário

O abscesso mamário, em geral, é causado por mastite não tratada ou com tratamento tardio ou ineficaz. Ocorre em 5 a 10% das mulheres com mastite. O não-esvaziamento adequado da mama afetada pela mastite, que costuma ocorrer quando a amamentação naquela mama é interrompida, favorece o aparecimento de abscesso.

O abscesso pode ser identificado à palpação pela sensação de flutuação, porém nem sempre é possível confirmar ou excluir a presença de abscesso apenas pelo exame clínico. A ultra-sonografia pode confirmar a condição, além de indicar o melhor local para incisão ou aspiração.

Prevenção

Todo esforço deve ser feito para prevenir o abscesso mamário, já que essa condição pode comprometer futuras lactações em aproximadamente 10% dos casos. Abscessos muito grandes podem necessitar de ressecções extensas, podendo resultar em deformidades da mama, bem como comprometimento funcional. Qualquer medida que previna o aparecimento de mastite (assim como a instituição precoce do tratamento da mastite, se ela não puder ser prevenida) conseqüentemente vai prevenir o abscesso mamário.

Tratamento

O tratamento do abscesso consiste em esvaziamento do mesmo por meio de drenagem cirúrgica ou aspiração. Aspirações repetidas teriam a vantagem de ser menos dolorosas e mutilantes do que a incisão e drenagem, podendo ser feitas com anestesia local. Apesar da presença de bactérias no leite materno quando há abcesso, a manutenção da amamentação está indicada por não oferecer riscos ao recém-nascido a termo sadio4,25. A manutenção da lactação é importante, inclusive para o tratamento da condição, e há vários estudos que demonstram que a amamentação é segura para o bebê mesmo na presença de Staphilococcus aureus4.

Havendo necessidade de interromper a lactação na mama afetada, esta deve ser esvaziada regularmente, e a amamentação deve ser mantida na mama sadia.

11. Galactocele

Galactocele é o nome dado à formação cística nos ductos mamários contendo fluido leitoso. O líquido, que no início é fluido, adquire posteriormente um aspecto viscoso, que pode ser exteriorizado através do mamilo. Acredita-se que a galactocele seja causada por um bloqueio de ducto lactífero. Ela pode ser palpada como uma massa lisa e redonda, mas o diagnóstico é feito por aspiração ou ultra-sonografia. O tratamento é feito com aspiração. No entanto, com freqüência, a formação cística deve ser extraída cirurgicamente, porque o cisto enche novamente após a aspiração4.

12. Baixa produção de leite

Com o nascimento da criança e a expulsão da placenta, há uma queda drástica nos níveis sangüíneos maternos de progesterona, com a conseqüente liberação de prolactina pela pituitária anterior, que estimula a lactogênese fase II e inicia a secreção do leite. Há também a liberação de ocitocina pela pituitária posterior, a qual age na contração das células mioepiteliais que envolvem os alvéolos, provocando a saída do leite. Inicialmente, a síntese do leite é controlada basicamente pela ação hormonal, e a "descida do leite", que costuma ocorrer até o terceiro ou quarto dia pós-parto, ocorre mesmo que acriança não esteja sugando. A partir de então, inicia-se a fase III da lactogênese, conhecida como galactopoiese. Essa fase, que vai perdurar até o final da lactação, é de controle autócrino e depende basicamente do esvaziamento da mama. Portanto, é a qualidade e a quantidade de sucção da criança que passam a governar a síntese do leite materno. Com a sucção e a transferência do leite para a criança, o hipotálamo inibe a liberação de dopamina, que é um fator inibidor da prolactina; essa queda nos níveis de dopamina estimula a liberação de prolactina, que promoverá a secreção láctea. A integridade do eixo hipotálamo-hipófise, regulando os níveis de prolactina e ocitocina, é essencial tanto para o início como para a manutenção da síntese láctea. A liberação da ocitocina pode ocorrer também em resposta a estímulos condicionados, tais como visão, cheiro e choro da criança, e a fatores de ordem emocional, como motivação, autoconfiança e tranqüilidade. Por outro lado, a dor, o desconforto, o estresse, a ansiedade, o medo e a falta de autoconfiança podem inibir o reflexo de ejeção do leite, prejudicando a lactação27.

A secreção de leite aumenta de menos de 100 ml/dia no início para aproximadamente 600 ml no quarto dia, em média28. O volume de leite produzido na lactação já estabelecida varia de acordo com a demanda da criança. Em média, é de 850 ml por dia na amamentação exclusiva. A taxa de síntese de leite após cada mamada varia, sendo maior quando a mama é esvaziada com freqüência29. Em geral, a capacidade de produção de leite da mãe é maior que o apetite de seu filho.

A capacidade de armazenamento da mama varia entre as mulheres e pode variar entre as duas mamas de uma mesma mulher. Ela tende a aumentar com o tamanho da mama, mas não tem relação com a produção de leite em 24 horas. No entanto, pode ser importante na determinação na freqüência das mamadas. Assim, crianças de mães com menor capacidade de armazenamento satisfazem a sua demanda mamando com mais freqüência30.

A grande maioria das mulheres tem condições biológicas de produzir leite suficiente para atender a demanda de seu filho. No entanto, "leite fraco" ou "pouco leite" é o argumento mais freqüentemente citado para a introdução de complementos, que pode culminar com o desmame. A queixa de "pouco leite" muitas vezes é uma percepção errônea da mãe, alimentada pela insegurança quanto à sua capacidade de nutrir plenamente o bebê, desconhecimento do comportamento normal de um bebê (que costuma mamar com freqüência) e opiniões negativas de pessoas próximas. A percepção errônea da mãe muitas vezes leva à complementação da criança, que vai afetar negativamente a produção de leite, uma vez que a criança passa a sugar menos na mãe.

Quando há insuficiência de leite, o bebê não fica saciado após as mamadas, chora muito, quer mamar com freqüência, faz mamadas muito longas e não ganha peso adequadamente (< 20 g por dia). O número de micções por dia (menos que seis a oito) e evacuações infreqüentes, com fezes em pequena quantidade, secas e duras, são indicativos indiretos de pouco volume de leite ingerido. Os seguintes sinais são indicativos de que uma criança não está recebendo leite suficiente nas primeiras semanas de vida: perda de peso maior que 10% do peso de nascimento, não-recuperação do peso de nascimento em até 2 semanas de vida, ausência de urina por 24 horas, ausência de fezes amarelas no final da primeira semana e sinais clínicos de desidratação31.

O esquema da Figura 1 ilustra o ciclo negativo que ocorre entre baixa ingestão e baixa produção de leite. Qualquer fator materno ou da criança que limite o esvaziamento das mamas pode causar uma diminuição na síntese do leite, por inibição mecânica e química. A remoção contínua de peptídeos supressores da lactação (Feedback Inhibitor of Lactation – FIL) do leite garante a reposição total do leite removido32. A má pega é a principal causa de remoção ineficiente do leite. Mamadas infreqüentes e/ou curtas, amamentação com horários predeterminados, ausência de mamadas noturnas, ingurgitamento mamário, uso de complementos e uso de chupetas e protetores de mamilo também podem levar a um esvaziamento inadequado das mamas. Outras situações menos freqüentes associadas com sucção ineficiente do bebê (lábio/palato leporino, freio da língua curto, micrognatia, macroglossia, atresia de cloana, uso de medicamentos na mãe ou na criança que deixe a criança sonolenta, asfixia neonatal, prematuridade, síndrome de Down, hipotireoidismo, disfunção neuromuscular, doenças do sistema nervoso central, padrão de sucção anormal), problemas anatômicos da mama (mamilos muito grandes, invertidos ou muito planos), doenças maternas (infecção, hipotireoidismo, diabetes não tratado, síndrome de Sheehan, tumor pituitário, doença mental), retenção de restos placentários, fadiga materna, distúrbios emocionais, uso de medicamentos que provocam diminuição da síntese láctea, restrição dietética importante, redução cirúrgica das mamas, fumo e gravidez são possíveis determinantes da baixa produção de leite. Portanto, é fundamental uma história detalhada e uma observação cuidadosa das mamadas para se descartar tais problemas33.

Tratamento

Se a produção do leite parecer insuficiente para a criança, pelo baixo ganho ponderal na ausência de doenças, deve-se averiguar, em primeiro lugar, se, durante a amamentação, a criança está sendo posicionada corretamente e se a mesma apresenta uma boa pega. Para aumentar a produção de leite, as seguintes medidas são úteis:

– melhorar a pega do bebê, se necessário;

– aumentar a freqüência das mamadas;

– oferecer as duas mamas em cada mamada;

– dar tempo para o bebê esvaziar bem as mamas;

– trocar de seio várias vezes numa mamada se a criança estiver sonolenta ou se não sugar vigorosamente;

– evitar o uso de mamadeiras, chupetas e protetores (intermediários) de mamilos;

– consumir dieta balanceada;

– ingerir líquidos em quantidade suficiente (lembrar que líquidos em excesso não aumentam a produção de leite, podendo até diminuí-la34,35);

– repousar.

Em alguns casos selecionados, quando as medidas citadas não funcionam, pode ser útil o uso de medicamentos. Os mais utilizados são domperidona e metoclopramida, antagonistas da dopamina, que aumentam os níveis de prolactina (ver o artigo "Uso de medicamentos durante a lactação", neste suplemento). A domperidona, largamente utilizada no Canadá e no México, tem a vantagem de não atravessar a barreira hemato-encefálica, o que a torna mais segura do que a metoclopramida, com menos paraefeitos, podendo ser utilizada por tempo indeterminado. No entanto, essas drogas aparentemente não estimulam a secreção láctea quando os níveis de prolactina já estão suficientemente altos ou quando há insuficiência de tecido glandular36.

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Elsa R. J. Giugliani - elsag[arroba]terra.com.br

Doutora em Medicina pela Universidade de São Paulo de Ribeirão Preto. Professora de Pediatria, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Presidente do Departamento Científico de Aleitamento Materno da Sociedade Brasileira de Pediatria



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